sábado, 14 de agosto de 2021

14 DE AGOSTO DE 2021
OPINIÃO DA RBS

PLANETA FEBRIL

As consequências do aquecimento global, como o aumento da frequência de eventos climáticos extremos, não são uma ameaça para o futuro. São, neste momento, sentidas em várias partes do mundo, como a seca severa que atinge grande parte do Brasil, os recordes de calor no Canadá e as enxurradas que varreram diversas cidades da Alemanha e da China. Os alertas sobre a urgência de providências globais coordenadas aparecem de forma contundente no relatório divulgado no início da semana passada pelo Painel Intergovernamental sobre o Clima (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU), elaborado por mais de 200 cientistas de 66 países, inclusive do Brasil.

Categórico, o estudo conclui ser irrefutável que as ações do homem estão por trás de mudanças climáticas sem precedente, irreversíveis e inevitáveis. Assim, não seria mais possível paralisar esta marcha de transformações atmosféricas, mas no máximo mitigá-la. Febril, o planeta pede socorro, na forma de ações coordenadas do poder público, da sociedade e de cada cidadão para reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa e impedir aumento ainda maior das temperaturas nas próximas décadas, com reflexos potencialmente catastróficos para a humanidade.

Os cenários previstos para o mundo, para o Brasil e para a região onde fica o Rio Grande do Sul são preocupantes. Em grande parte do país, há tendência de aumento de episódios de secas, o que seria um desastre para o agronegócio e a produção de alimentos, com reflexos inequívocos no PIB. Para o Estado, maiores temperaturas e chuvas mais recorrentes levariam a inundações, com uma espécie de tropicalização do clima local, gerando um cenário mais propício para doenças de relativa baixa prevalência no território gaúcho. Tragédias climáticas, é preciso ressaltar, costumam atingir mais as populações vulneráveis.

Evitar as mais dramáticas conjunturas requer um grande esforço para cumprir as metas de redução de gases poluentes pelo mundo estabelecidas pelo Acordo de Paris. Mas a janela para isso ser possível, alerta o documento, é mais estreita a cada dia. O limite de aumento de 1,5ºC de aquecimento global a partir da era pré- industrial, estimam agora os cientistas, pode ser alcançado em 2030, uma década antes do previsto anteriormente.

No caso do Brasil, a mais premente tarefa, essencialmente a cargo do governo federal, tanto em medidas quanto na mudança de discurso, é deter o desmatamento da Amazônia. Mas o empenho deve ser de cada Estado e cidade, na busca por uma mudança de modelo econômico e energético. Essa conversão, no entanto, merece ser encarada não como uma ameaça, mas como uma chance a ser aproveitada. O desafio de buscar formas de viver e produzir de maneira mais sustentável abre inúmeras oportunidades pela agregação de valor, geração de novas tecnologias e inovação rumo a uma economia de baixo carbono. O Brasil é referência em várias dessas áreas, mas precisa ter lideranças sensatas que compreendam o alerta, não tratem as conclusões do painel como mero alarmismo e trabalhem para que o país, para benefício próprio e do mundo, se engaje de maneira ordenada neste objetivo.

A conferência sobre o clima marcada para Glasgow, na Escócia, em novembro, é uma chance para formar consensos em torno de metas mais ambiciosas. Não se trata de uma questão ideológica, abstrata e distante. É uma realidade que bate hoje à porta da humanidade e uma questão, no limite, que trata do grau de hostilidade que as gerações seguintes encontrarão na Terra.


14 DE AGOSTO DE 2021
J.R. GUZZO

É hora de trabalhar para eleições limpas

Acabou o "voto impresso", pelo menos no futuro próximo e enquanto o Supremo Tribunal Federal não permitir que se toque no assunto, mas as eleições de 2022 continuam de pé. Como o eleitor terá de votar, então, para estar quites com os desejos do STF e com o "sim senhor" que os ministros receberam, mais uma vez, da Câmara dos Deputados?

Aparentemente, deveria ser tudo igual à última vez: voto eletrônico puro, simples e idêntico ao do Butão e de Bangladesh, como querem o ministro Barroso e seus colegas. Talvez não seja.

Votada a proposta de mudança - que obteve maioria de 229 a 218 votos no plenário da Câmara, mas ficou abaixo dos 308 necessários para a aprovação -, começou uma conversa a respeito de se fazer "alguma coisa" para tentar apaziguar os ânimos de quem queria dar mais segurança ao sistema de votação. A esperança é de diminuir o clima de descrédito que se criou quanto à honestidade da apuração. Quem sabe, mexendo um pouco, o eleitor acaba desconfiando menos - ou, o que é mais provável, esqueça do assunto, até porque não pode fazer nada a respeito? A ver.

O apoio ao voto eletrônico acabou ficando muito abaixo das expectativas que havia em torno dele; esperava-se, em clima de festa cívica, uma "derrota acachapante" para a turma do voto "impresso". Na hora de contar os votos deu o oposto. Houve 229 votos a favor da mudança, um número que a mídia, os analistas políticos e as mesas-redondas não esperavam - e, agora, a cacicada dos partidos está tentando fazer algum gesto para demonstrar que registrou o golpe.

Fala-se, assim, em tentativas de aumentar o número de urnas que têm os seus votos verificados, num sistema de amostragem feita ao acaso - hoje são apenas cem, num total de 400 mil.

Foi cogitado algum tipo de reforço nos testes prévios contra fraudes que o TSE realiza nos anos de eleição. Sugere-se aumentar os prazos de trabalho para os exercícios de fiscalização feitos por equipes de técnicos e auditores independentes. A ideia é mostrar que a Justiça Eleitoral está atenta às possibilidades de roubo no jogo.

Para o governo, que tanto falou na exigência de eleições limpas e acusou a ocorrência de fraude na apuração das últimas eleições, chegou a hora da verdade - ou seja, a hora de trocar discurso por trabalho duro. É indispensável, o mais cedo possível, concentrar todo o formidável aparato tecnológico a serviço do governo no acompanhamento de cada centímetro da caminhada a ser feita pelo sistema até o dia da eleição - e estar pronto para verificar a limpeza da apuração.

Ninguém, no Brasil, tem tanta capacitação digital para fazer esse serviço quanto os centros de tecnologia mais avançados do Estado brasileiro, incluindo os das Forças Armadas. É hora de colocar esta máquina em funcionamento.

Conteúdo distribuído por Gazeta do Povo Vozes

J.R. GUZZO

14 DE AGOSTO DE 2021
MARCELO RECH

Um fim para as pichações

Em boa hora, a prefeitura de Porto Alegre começa a tirar do plano das ideias o projeto de reabilitação do centro histórico da Capital. Nenhum projeto poderá ser bem-sucedido, porém, se não houver um basta à deterioração do patrimônio público e privado por hordas de pichadores.

Uma das figuras urbanas mais detestadas, o pichador se acha um rebelde mas é apenas um vândalo com o objetivo de galgar prestígio em seu mundinho pela ousadia de promover prejuízos alheios. Com seus ataques, o pichador corrói a autoestima das cidades, drena recursos, afeta a qualidade de vida e contamina a recuperação de espaços públicos, já tão desconsiderados no Brasil.

Pichação é de difícil mas não impossível solução. A primeira barreira de contenção é o inconformismo. A comunidade e todos os poderes precisam resistir à sanha dos transgressores e reverter os ataques ao patrimônio coletivo e privado. A reação começa por fazer cumprir a lei, que enquadra pichação como crime ambiental. O artigo 65 da Lei 9.605/98 prevê pena de três meses a um ano de prisão, agravada se executada em prédio público. Mas ainda são raros os casos em que detenções de pichadores acabam em condenações convertidas em serviços comunitários para - adivinhe - limpar a sujeira que produziram.

Embora limitada e parcial, outra solução é estimular e organizar a arte urbana, que vem a ser o oposto da pichação. Com apoio de prefeituras, artistas têm transformado vastas porções de paredes, muros e empenas de prédios em atrações turísticas de metrópoles como Bogotá e São Paulo. Em Porto Alegre, o horrendo Muro da Mauá, por exemplo, já foi um admirável mural, hoje desgastado, que desestimulou por muitos anos o assalto dos vândalos de spray.

Uma outra ideia: recorrer à natureza sempre que possível. Muitos proprietários de muros e fachadas têm plantado trepadeiras, que se transformam em cortinas verdes imunes à pichação - além de criarem um visual que ameniza a dureza do concreto e do asfalto. É barato, criativo e eficaz, além de dispensar pinturas rotineiras. Onde as barreiras verdes não são factíveis, tintas antipoluição ajudam mas não resolvem, porque o objetivo do vândalo é voltar a atacar para provocar e testar os limites da sociedade.

Seria ideal se a consciência gestada na família e na escola conduzisse à formação de 100% de cidadãos conscientes e responsáveis. Como a hipótese é uma quimera, impor um fim às pichações no Centro teria ainda o condão de irradiar a cultura da preservação e valorização da arquitetura e dos espaços coletivos para muito além do tão conspurcado coração urbano do Rio Grande do Sul.

MARCELO RECH

sábado, 7 de agosto de 2021


07 DE AGOSTO DE 2021
LYA LUFT

Precisar de ti

Essas ideias que nos vêm de repente: por que precisamos de alguém ou de alguma coisa, seja muito, intensamente, ou só um pouquinho - e mesmo assim nos incomoda?

Por que neste momento eu preciso tanto de estar no assoalho de madeira clara superescovado do quarto de minha avó materna, que chamávamos oma, acabando de encontrar numa fresta um alfinete de cabecinha redonda, azul-clarinha, coisa mais linda do meu dia?

Preciso desse encantamento agora mesmo.

Mas um adulto chato me convencerá de que "agora" nem existe, mentalmente lhe mostro a língua e volto a esta coluna.

Por que de repente preciso tanto, tanto daquela lua imensa nascendo do mar, e meu irmão exclamando, pai, olha que barco iluminado! Hoje ele talvez esteja navegando em todos os oceanos enluarados que tanto amava, mas eu precisava dele aqui, muito.

Por que preciso tanto de ti, pessoa, bicho, mato, casa, perfume, poema, silêncio e esquivança, se nem ao menos sei o quanto pensas em mim e precisas de mim?

E tem aquilo de que tanto precisamos, que não vemos há séculos, e, de repente, por um acaso cruel, descobrimos: morreu! "Como você nem sabia? Eram tão unidos, tão bonitos juntos, a turma tinha certeza de que iam se casar!"

Então tudo volta, o carinho, a beleza, a alegria, os projetos, desfeitos por alguma razão confusa e boba que a gente esqueceu... esqueci até a mágoa inicial.

E tantos anos vieram, e deixei de precisar de ti...

Melhor chorar por ter perdido algo mais importante do que a ilusão de um amor: aquele precioso alfinete de cabecinha de vidro azul tão claro, que não consegui tirar do segredo da fresta.

LYA LUFT

07 DE AGOSTO DE 2021
MARTHA MEDEIROS

A influência paterna

O pai, cercado pelos filhos, faz um pronunciamento: "Pretendo desobrigar vocês a usarem o cinto de segurança, que só tem utilidade para quem dirige mal". Os filhos se entreolham. É sabido que o cinto de segurança evita mortes em casos de colisões de pequeno e médio impacto. É um dispositivo de segurança para todos, não importa se dirigem bem, se dirigem mal, se não dirigem: estando dentro de um veículo em movimento, há risco. Motoristas e passageiros do mundo inteiro usam o cinto, que tem eficácia comprovada. O pai estaria batendo bem?

Diante da reação de perplexidade da família, o pai, no dia seguinte, diz que foi mal interpretado, que ainda vai encomendar um estudo, aquela enrolação costumeira de quem faz uma burrada atrás da outra e depois tenta consertar. Só que a mensagem principal foi transmitida: o pai não confia no cinto de segurança. É um negacionista. E mesmo que se reconheça que ele bobeou, no inconsciente a mensagem foi assimilada. Amanhã, um dos filhos esquecerá de usar o cinto, e tudo bem. Depois de amanhã, outro filho viajará no banco de trás, e prender o cinto parecerá uma besteira. E assim, influenciados pela hierarquia paterna, circularão em meio ao trânsito sem usar o cinto e, claro, não sairão ilesos no caso de um acidente, tudo porque aquele homem, que deveria zelar pela família, usa sua autoridade para dar exemplos estúpidos.

É assim também na vida pública. Todo chefe de Estado é visto como o "pai da pátria". Quem assume um cargo de tamanha importância não pode se dar ao luxo de ir pela própria cabeça e induzir tanta gente ao erro. É preciso que dialogue com outros líderes, respeite a ciência, busque informação de qualidade e tenha compromisso civilizatório. Presidência não é lugar para irresponsáveis.

Países que imunizaram mais de 70% da população estão flexibilizando, aos poucos, o uso da máscara, e mesmo assim, existe receio - ninguém se atreve a dizer que a pandemia é um episódio do passado. No Brasil, menos ainda. Há muita vacina a ser aplicada antes de relaxar. Milhares de brasileiros não procuraram até hoje os postos de saúde para tomar a segunda dose e alguns nem mesmo a primeira, atrasando a necessária imunização coletiva, o que não aconteceria se tivessem recebido o incentivo categórico de quem comanda. Tenhamos em mente que, gostemos ou não, há um homem ocupando o posto de líder, de influenciador, de pai da nação. Tudo o que ele faz e diz, por mais bizarro que pareça, contagia e infecciona. Pai ausente é um drama social. Afeta destinos. Todos precisam de um, mas não de um que nos usa como cobaia de seus devaneios.

MARTHA MEDEIROS

07 DE AGOSTO DE 2021
CLAUDIA TAJES

Olimpíadas de Sofá 2021

Eu antes das Olimpíadas: absurdo esse troço, para que fazer um evento desse tamanho em plena pandemia, que falta de responsabilidade, e a variante delta, e as variantes todas? Eu durante as Olimpíadas: acorda, são quase cinco da manhã, a gente vai perder o arremesso de martelo.

É, senhoras e senhoras, falar mal das Olimpíadas até a estreia foi fácil. Impossível foi ignorar toda e qualquer competição enquanto os atletas davam a vida por uma medalha. Começou com o Kelvin, prata no skate. Logo o skate, um dos pesadelos de toda mãe. Lembro de ir trabalhar com o coração na bolsa, deixando o meu rebento - em tese - catequizado: o meio da rua é perigoso, anda só na calçada, cuidado, vai de capacete, joelheira, cotoveleira, vê se não te quebra todo. Até o dia em que um amigo me disse: vi o teu guri de skate na Nilo Peçanha, costurando entre os carros.

Para fazer valer minhas rugas, bem que ele podia ter se profissionalizado. Mãe de atleta bem-sucedido, eu viveria de administrar aquela jovem carreira. Entrevistas só depois das onze da manhã, campeonatos pelo mundo e viagens, muitas viagens. Pois sim.

O ouro do Ítalo no surfe provocou minhas primeiras lágrimas, escondidas só até o momento em que surfista e repórter choraram juntos. Na sequência, a Rayssa, com seus treze anos de talento no skate, trouxe de vez as Olimpíadas para dentro de casa. Não sei quem foi o gênio que brincou com o slogan da TV, "despertando o melhor de nós": e a gente aqui, torcendo para as outras crianças caírem.

A essa altura, dos esportes coletivos menos atraentes aos individuais menos chamativos, vi de tudo. O fuso horário atrapalhou, dormir tarde demais ou acordar na madrugada cobrou seu preço principalmente depois do almoço, hora em que o computador quase perdeu a luta para o sono. Quase, porque o verdadeiro campeão de sobrevivência com obstáculos (alguém se identifica?) lembra dos boletos e pode até cabecear, mas trabalha enquanto Tóquio dorme.

E bota cabecear nisso, acordando às quatro para ver a Mayra se superar mais uma vez, e a Rebeca Andrade iluminar o país inteiro. E o Cargnin, o Fernando, o Bruno, o Abner, o Alisson, o Thiago, a Martine e a Kahena, a Luisa e a Laura. A Ana Marcela, absoluta, medalhou em horário comercial. A torcida, agora, é pelo Isaquias.

De tudo o que aconteceu até agora nessas Olimpíadas, talvez um fato do não esporte seja o mais corajoso. A ginasta Simone Biles romper com cinco anos de treinamentos exaustivos tanto física quanto mentalmente, e fazer isso no palco onde se esperava que ela quebrasse a banca, como havia acontecido no Rio em 2016, terminou por trazer uma discussão que a gente costuma ver no cinema, mas não na vida real.

Nos filmes, o atleta que se sacrifica a ponto de prejudicar a própria saúde e colocar em segundo plano os seus relacionamentos é personagem carimbado. Em geral, ele acaba perdendo tudo e depois dá a volta por cima com o apoio, adivinhe, de todos aqueles que precisou abandonar para se dedicar à carreira. Já a Simone Biles decidiu fazer diferente. Dedicou a infância e a adolescência ao esporte, tanto às glórias quanto às dores, vai dedicar a vida de mulher adulta à sua própria saúde. Menos medalhas e mais leveza. Quem não conhece essa realidade pode julgar?

Pode, claro. Em um programa desses de muitos homens proferindo verdades sobre todos os assuntos, a Biles foi comparada a um executivo poderoso e cheio de reuniões que, mesmo sem tempo para ver os filhos, jamais largaria sua profissão. É aí que se percebe que esses homens, os que proferem verdades sobre todos os assuntos, não entenderam nada. Melhor nem citar o lugar de fala para não ouvir a cansativa alegação de mimimi.

De tristeza, só as gurias do futebol terem ficado pelo caminho. E, infelizmente, mais de quatro mil casos de covid entre as delegações e o pessoal de apoio em Tóquio. Mas essa vida de espectadora de Olimpíadas fez de mim uma fortaleza. Cabeça para cima e vamos de novo. Até Paris 2024.

CLAUDIA TAJES

07 DE AGOSTO DE 2021
LEANDRO KARNAL

RESSENTIDOS

Talvez seja uma das molas da vida. É uma mágoa distinta do ódio simples. O ressentimento macera, curte, degusta até a acidez do seu sofrimento. É um sentimento que não espuma. Envenena mais do que explode. Rasteja nos recantos menos iluminados da alma e dialoga com certo orgulho: o mundo deveria ter me dado mais do que eu tenho. É um impulso doloroso de comparação com aquilo que os outros são ou o que eu imagino que sejam. Confraterniza com a inveja e a cobiça, porém possui quarto próprio no nosso interior.

Eça de Queiroz lançou O Crime do Padre Amaro em 1875. A cena ocorre no Concelho de Leiria. Quando eu li o texto na adolescência, parecia ser um panfleto contra a Igreja lusitana. Também é. Todavia, o escritor fala da hipocrisia social em geral e, acima de tudo, do ressentimento. Amaro Vieira é pobre e viveu de favores na casa de uma aristocrata. Foi encaminhado ao seminário pela protetora, atendendo mais ao desejo dela do que de um vivo interesse do menino. Ordenado, foi nomeado para uma paróquia pobre e fria. Buscando a família protetora antiga e seus laços políticos, conseguiu ser transferido para uma cidade maior. Lá é recebido como hóspede em uma casa de família e vem a se apaixonar pela jovem Amélia. A "rapariga" está destinada a um rapaz da região, João Eduardo. A inimizade entre os dois homens é inevitável.

Evitarei dar spoiler de um romance com quase 150 anos.

O ressentimento existe em todos de Leiria: liberais, padres, senhoras beatas, autoridades e jovens críticos do capitalismo. Quando o padre Amaro entende que não poderá ter sua amada, elabora um pensamento forte no final do capítulo oito. Suspira pelo poder de outrora da Igreja. Típico do ressentido, atribui ao mundo atual sua fraqueza. Não inclui suas escolhas, culpa Portugal e o século 19.

O trecho é extraordinário. Reflete o pároco: "Abominava então todo o mundo secular - por lhe ter perdido para sempre os privilégios: e como o sacerdócio o excluía da participação nos prazeres humanos e sociais, refugiava-se, em compensação, na ideia da superioridade espiritual que lhe dava sobre os homens. Aquele miserável escrevente podia casar e possuir a rapariga - mas quem era ele em comparação dum pároco a quem Deus conferia o poder supremo de distribuir o Céu e o Inferno?...".

Percebe que é uma grande autoridade dentro da igreja, porém, mal saía da Sé e já era um cidadão fraco na praça. Necessitava que jovens como João Eduardo e Amélia tremessem como outrora os leigos o faziam, respeitando, com isso, a batina. Amaro, o padre, é tomado pela ambição que Eça diz existir em todo religioso, um desejo de "dominação universal". Pode ser um subdiácono ou um abade, todos trazem, dentro de si, os "indistintos restos dum Torquemada".

Quero poder e o mundo me nega. Culpados? Os liberais, o mundo laico, o espírito do tempo que me castram, podam, limitam e reduzem. Os outros recebem mais do que eu da vida, ainda que eu suponha ter mais direitos. Atenção: o ressentimento é muito envergonhado. Assume ares de justiça social ou de moralização do mundo. Não mostra a dor do indivíduo: alega que quer melhorar a sociedade. Precisa potencializar sua força, por isso atrai pessoas para instituições que contenham hierarquias e tradição. As igrejas, a política, os sindicatos, as universidades, as redes sociais trazem ressentidos sempre em altos postos. Estão lá, lutando por grandes causas, inclusive como o citado Torquemada que pretendia uma Espanha pura e fiel à Igreja.

As devotas de Leiria e os padres vivem uma vida de aparências. A fé é a da conveniência. Fofocam com furor. Julgam sem caridade. Encarnam mais o fariseu bíblico do que o bom samaritano. Lamentam não terem toda a força. Invocam a moral e a ordem. Os liberais? Atacam os padres por não possuírem o poder que imaginam na Igreja.

O mundo é da sotaina para eles e os tonsurados dizem que o mundo pertence aos secularistas. Todos se sentem impotentes e garantem que, se tivessem todo o poder, instaurariam o reino da felicidade total. Quantos projetos sociais e políticos teriam sido mais bem debatidos em um divã psicanalítico do que em um jornal... O ressentimento pode suspirar por Deus ou pelo império da Razão, porém, continua sendo o que é. Claro, eu ressentido, não falo da minha impotência: busco o bem de todos e, humildemente, imagino que um mundo feito a minha imagem e semelhança seria muito melhor do que o atual. Alguns reformadores transformam sua deficiência em projeto.

Machado de Assis não gostou do livro de Eça. Outros acusaram de ser plágio do enredo de um livro de Zola (La Faute de l?Abbé Mouret). As datas não permitem pensar em inspiração ou plágio. Reli O Crime do Padre Amaro 40 anos depois da primeira leitura. Continua com trechos fascinantes e descrições hilárias.

O autor de Póvoa do Varzim parece mostrar que a vida social portuguesa era uma espécie de live, onde cada ator mostra o viés que acha conveniente. Eça revela e, assim, denuncia. Incomoda porque analisa cada imperfeição moral e ambiguidade humana. Qual teria sido o grande ressentimento de Eça? Ler ajuda a iluminar nossa esperança.

LEANDRO KARNAL

07 DE AGOSTO DE 2021
ELIANE MARQUES

ALÉM DOS MITOS GREGOS

No mínimo, é interessante o fato de a psicanálise, pela boca de suas psicanalistas, ainda hoje se valer de mitos gregos para falar de aspectos gerais do psiquismo (sujeito, família, lei, desejo), como se só eles pudessem dar conta das relações fundamentais que estruturam certa comunidade de falantes. Édipo, Narciso, Antígona, Aquiles e semelhantes parecem ser o único tom de voz suportado pelas psicanalistas.

Freud gostava de arte africana, mas talvez fosse muito exigir que emprestasse os olhos para o que não era tido como cultura clássica. Mesmo os mitos judaicos foram vistos de longe por ele, exceto em Moisés e a Religião Monoteísta (1939), quando, para discutir "o retorno do reprimido", apresenta algumas narrativas sobre a morte e o nascimento de Moisés.

No conhecido Totem e Tabu (1913), preocupado com as origens, ele inventa um mito de fundação da humanidade assentado no parricídio do pai da horda primitiva. A partir desse crime primordial surgiram as leis de parentesco e de vedação tanto do incesto como do assassinato, ou seja, a sociedade se constitui como tal. Não direi que se trata de igual mito, por que o outro nunca poderá ser o mesmo, mas Exu come tudo e ganha o privilégio de comer primeiro, por exemplo, também trata da instauração de um laço social a partir de um fratricídio.

Exu tinha uma fome insaciável. Comeu todos os animais, frutas, inhames, ingeriu todo o vinho de palma, o azeite de dendê e os obis, do lugar onde vivia. Ele ameaçava engolir o mar. A pedido de Orunmilá (o pai), seu irmão (Ogum) o matou. Contudo Exu continuava a devorar. O povo estava apenas pele e osso. Um sacerdote que consultara o Ifá advertiu Orunmilá de que a fome de Exu deveria ser aplacada. Orunmilá o escutou e incluiu palavras na fome de Exu ordenando que doravante, a fim de que se mantivesse a vida, sempre que se fizessem oferendas aos orixás, Exu deveria ser servido primeiro.

A ordem do pai não se destina a Exu, mas a nós que passamos a integrar o laço social aceitando entrar na pele desses que servirão Exu primeiro. E não me refiro aos rituais afro-brasileiros. O mito fala de uma renúncia a algo para que um novo tenha lugar - se Exu deverá ser servido primeiro é por que tal ordem possibilita que outres, e não apenas um, tenham lugar à mesa. A palavra primeiro substitui a palavra tudo, de modo que não mais nos preocupemos, pois haverá comida para quem quiser comer.

Bom que a psicanálise também servisse a Exu e não apenas a Édipo.

ELIANE MARQUES

07 DE AGOSTO DE 2021
BRUNA LOMBARDI

DILEMA

Existe um dilema quando se diz "seja o que Deus quiser, se for pra ser, será, vamos entregar nas mãos de destino" e aquele seu oposto "se você quiser alguma coisa, tem que lutar para fazer acontecer".

Vivemos essa contradição entre a ideia de nos entregarmos nas mãos do já está escrito e a de agir para escrever nosso destino a cada passo que damos.

Estamos todos nessa corda bamba, nesse fio de malabarista tentando nos equilibrarmos entre o que nos pega de surpresa, sem que a gente possa fazer nada, e aquilo que conseguimos manter sob nosso controle.

Essa é uma palavra chave: controle. Para muita gente, é imprescindível sentir que se tem controle e, sem essa rede de segurança, fica-se completamente perdida.

Outros vão levando a vida e deixando a vida levar do jeito que der. Cada um de nós é um pouco dos dois, em diferentes tempos e medidas.

Mas a ideia de não ter nenhum controle para muitos é absolutamente aterradora, como estar na direção de um carro e não poder segurar e a máquina não responder. Aliás, esse é um pesadelo comum para muitos.

Se você parar um minuto para entender qual dessas duas sensações é a que mais te acompanha, vai descobrir a raiz do que o aflige e influencia o seu cotidiano.

Temos o poder de agir sobre as nossas circunstâncias, mas apenas até certo ponto. Existe o imponderável, e a vida sempre nos surpreende. E isso não é necessariamente ruim. Pois até um acontecimento que parece ruim pode nos conduzir para alguma coisa melhor.

Quando você se deixa levar pelo mistério da vida, sem querer controlar, sem manter a rigidez e a inflexibilidade diante dos acontecimentos, você consegue se libertar de um medo profundo. Consegue perder a ansiedade e a aflição constantes e percebe que é possível deixar fluir.

E nesse momento a fé se manifesta.

Você acredita na força da ação e ao mesmo tempo na entrega de quem se deixa guiar por um poder maior.

E isso deixa de ser uma contradição, pois a cada momento você intui o que fazer. Você compreende que o divino está dentro de você. E você o escuta.

Esse é o Mistério. A sua conexão com esse mistério vai te mostrar um tesouro dentro de você. Você é capaz de ter esse equilíbrio. Você vai saber a hora de agir e a hora de se deixar levar pela entrega. Quando você precisa da vigília da atenção e quando você merece o repouso do guerreiro.

Cada estado de espírito tem seu tempo e seu momento. Hora de lutar e hora de recuar. Tempo de ação e tempo de resguardo.

Não adianta nadar contra a correnteza, você vai exaurir sua força sem chegar a lugar nenhum. Às vezes acompanhando o movimento das aguas, a correnteza ajuda a chegar na margem.

Vivemos essa metáfora sem perceber. Quanto mais formos conscientes desse poder, mais simples será o nosso dilema.

Faça tudo o que estiver ao seu alcance. De resto, confie e deixe a vida te levar. E sempre que precisar lembre essa frase de São Francisco de Assis:

"Senhor, dai-me força para mudar o que pode ser mudado? Resignação para aceitar o que não pode ser mudado? E sabedoria para distinguir uma coisa da outra".

BRUNA LOMBARDI

07 DE AGOSTO DE 2021
DRAUZIO VARELLA

E QUANDO A VARIANTE DELTA SE ESPALHAR?

Assisti incrédulo à final da Eurocopa, em Londres. Aquele bando de homens suados, pulando, gritando e se abraçando não podia acabar bem.

Com base na redução do número de casos, de hospitalizações e de mortes no Reino Unido, o governo planejara para 21 de junho o "freedom day", quando todas as medidas restritivas seriam suspensas. Como faltou combinar com o coronavírus, a chegada da variante Delta fez crescer o número de doentes e adiou para 21 de julho a data tão aguardada.

Não houve consenso entre os países membros. A Inglaterra aboliu o uso de máscaras e liberou as aglomerações; Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte, não.

Entre os especialistas, as reações contrárias foram veementes. Peter English, ex-presidente da British Medical Association, afirmou: "Não há absolutamente nenhuma justificativa para relaxar as restrições agora". Mais de cem cientistas britânicos e de outros países encaminharam uma carta para a revista médica The Lancet, na qual acusaram o governo de "embarcar num experimento perigoso e antiético".

Mike Ryan, diretor do Programa de Emergências da Organização Mundial da Saúde, em Genebra, advertiu que "a pressa para reabrir as economias, que aceita as novas infecções como inevitáveis e as encoraja a ocorrer mais cedo, é reflexo de vazio moral e estupidez epidemiológica". Deu no que deu. O aumento do número de casos no Reino Unido acontece apesar de cerca de 68% dos britânicos já terem recebido a primeira dose, e 52%, a segunda, números bem mais favoráveis do que os nossos.

Fenômeno semelhante aconteceu na Holanda, que levantou a obrigatoriedade do uso de máscara e promoveu reabertura total do comércio em 26 de junho. Duas semanas mais tarde, o recrudescimento da epidemia obrigou as autoridades a voltar atrás. Em plenas Olimpíadas, Tóquio assiste ao aumento do número de casos. Nos Estados Unidos a variante Delta tem provocado disseminação rápida do vírus. Responsável por 83% dos casos atuais, ela é pelo menos duas vezes mais transmissível do que a cepa anterior. E, pior, dá origem a cargas virais nas vias aéreas mil vezes mais altas.

Aproximadamente 50% dos americanos já receberam a segunda dose, nível que não é atingido em cerca de dois terços dos municípios. As desigualdades dos índices de vacinação nas diversas regiões transformaram o mapa do país numa colcha de retalhos.

Os cinco Estados com menores índices de imunização - Alabama (34%), Arkansas (35%), Louisiana (36%), Mississippi (34%) e Wyoming (36%) - estão vivendo uma nova onda da covid. Nesses Estados, 80% dos que têm 65 anos ou mais já receberam pelo menos a primeira dose, mas na faixa etária dos 18 aos 65 anos os índices são bem menores. Entre os adolescentes, taxas de vacinação que variam de 15% a 25% deixam esse grupo vulnerável à transmissão da variante mais contagiosa. Os dados mostram que os Centers for Disease Control, ou CDCs, erraram ao suspender a obrigatoriedade das máscaras e cancelar a proibição de aglomerações em bares e restaurantes. De nada adiantou a oposição dos infectologistas e epidemiologistas das universidades mais importantes do país. Como consequência, dois dias atrás, os CDC reconheceram o equívoco e recomendaram que, nas cidades em que o número de casos aumenta, todos devem usar máscara e evitar aglomerações em ambientes fechados.

O que acontecerá no Brasil quando a variante Delta se espalhar pelo país inteiro? Até agora só conseguimos administrar a primeira dose para 45% da população. Apenas 18% receberam a segunda dose, necessária para completar a imunização. Adolescentes e crianças ainda não vacinadas formam um reservatório suscetível de pelo menos 50 milhões de indivíduos.

Quando olhamos para os índices de imunização nos Estados Unidos e no Reino Unido, não é difícil concluir que a chegada de uma nova onda entre nós não será surpresa.

Se pensarmos que o Brasil é governado por um presidente sempre empenhado em dar exemplos de como se faz para disseminar a epidemia, um Ministério da Saúde em que técnicos competentes foram substituídos por militares despreparados e subservientes, vacinas em quantidades insuficientes e um Programa Nacional de Imunizações que foi desmontado, concluiremos que estamos a caminho de ultrapassar os americanos para nos tornarmos o país com mais mortes no mundo.

DRAUZIO VARELLA
 

07 DE AGOSTO DE 2021
EM FAMÍLIA

OS PAIS E OS FILHOS: DOIS PAPÉIS SUBLIMES

O QUE É SER PAI E O QUE É SER FILHO? A RESPOSTA A ESSA PERGUNTA É MÚLTIPLA, ESCREVE PEDAGOGA


Ser pai é se doar, abrir mão em razão do filho do próprio bem estar... Ser filho é gozar de um cuidado protetor, que supre qualquer necessidade e enche o coração de amor.

Ser pai é ser o responsável por separar o filho e a mãe, de uma relação simbiótica, que necessita de alguém cheio de afeto e alegria para fazer esse corte e permitir que o filho caminhe rumo a sua autonomia... Ser filho é entender que se é alguém além da mamãe, um ser individual, cheio de competências, habilidades e potencial.

Ser pai é ser sensível, valorizar cada conquista, entender as dificuldades e sempre ter um olhar otimista... Ser filho é poder contar com um colo caloroso, com um ombro amigo e um olhar bondoso.

Ser pai é embarcar nas fantasias e na história criada, é ser super-herói, príncipe ou até fada... Ser filho é imaginar, sonhar e planejar, contando sempre com alguém para aplaudir e apoiar.

Ser pai é surpreender, expressando, em pequenos gestos, uma imensidão de sentimentos que transbordam com alguns versos... Ser filho é estar sempre pronto a corresponder esse amor puro e intenso, que basta uma faísca para se acender e se mostrar imenso.

Ser pai é proteger, mesmo tendo medo às vezes também, ser pai é acolher... Ser filho é desfrutar de toda a segurança que um pai pode dar, ser filho é aproveitar um colo que é capaz de acalmar toda a preocupação. E assim descansar.

Ser pai é se preocupar, perder o sono pensando em que o futuro pode nos reservar... Ser filho é viver cada dia intensamente, porque se sabe que há alguém que zela pela gente.

Ser pai é ser o "consertador" de quase tudo, seja um problema grande ou um problema miúdo. Ser filho é ter a certeza que nada está perdido, pois há alguém que resolve qualquer parada e sempre deixa o dia colorido.

u um lugar essencial, uma missão divina

Ser pai é expressar por meio de simples palavras o quanto o filho é importante e amado... Ser filho é emocionar-se ao ouvir a voz de alguém que é tudo e merece ser honrado.

Ser pai é falar com o coração... Ser filho é ouvir a voz do pai e não se conter de alegria e emoção!

Ser pai é estabelecer um próprio código de afeto, um enigma que só o filho pode decifrar e entender quem está perto... Ser filho é reconhecer em uma simples canção todo amor e significado da figura de um pai dedicado.

Ser pai é ser intenso, viver cada momento do mais curto ao mais extenso... Ser filho é ter um grande amigo, uma parceria para vida toda, um companheiro que está sempre pronto, mesmo que não seja o mais aventureiro.

Ser pai é ser íntimo, é ter conexão com o filho só no olhar, é amar, é abraçar, é caminhar, é cantar e assobiar.

Ser filho é nunca estar só, é aprender com o pai que as relações são importantes. É ser presente, é preencher todos os espaços, é ser constante.

A paternidade tem um papel tão sublime que tem quem acredite que existe um Deus que assim se define. Pai é amor, é presença, é calor. Pai não ajuda a mãe, pai é pai. O lugar dele é essencial, é único e primordial. Pai é quem educa, é quem ensina. Pai é quem acolhe, pai, sem dúvidas, tem uma missão divina!

Feliz Dia dos Pais!

NATÁLIA MANSAN (*)

07 DE AGOSTO DE 2021
J.J. CAMARGO

UM PAI NUNCA VAI EMBORA

A figura do pai tem um comportamento cíclico na nossa vida. Partindo da imagem estereotipada do super-herói que ocupou na infância, ele tende a perder força na adolescência, quando pensamos que sabemos tudo, para retomar o significado original, agora sem fantasia, na maturidade, ao descobrirmos o quanto ele já sabia e que demoramos tanto tempo para aprender.

O que nunca muda, e não interessa em que fase da vida estejamos, é o quanto precisamos dele. A história do menino que vamos chamar de Marcelo, contada pelo Octávio Vaz, um cirurgião da Academia Nacional de Medicina, que mistura como poucos a habilidade das mãos com a delicadeza dos sentimentos, encheu de emoção a tela do Zoom, porque reafirmou o quanto essa necessidade se perpetua no tempo e o que somos capazes de fazer para conservar a figura paterna como um escudo confiável.

Com oito aninhos e órfão pela perda recente do pai, Marcelo foi operado de um trauma grave resultante de uma queda de grande altura. Submetido a vários procedimentos cirúrgicos, conseguiu sobreviver graças aos cuidados extremados de uma equipe reconhecida pela excelência no Rio de Janeiro. A dedicação da mãe comoveu a todos, pela onipresença e pelo permanente senso de gratidão aos médicos, esses que se encantam com tarefa imensurável de resgatar a vida de uma criança. Quem tem experiência sabe o quanto, diante de um pequenino ameaçado, nos escalamos, espontaneamente, para assumirmos a função de pais ou avós adotivos, com um único objetivo: salvar o filhote.

E como vibramos quando conseguimos, ou nos consumimos quando fracassamos.

Passando os meses, mais de uma vez, o Marcelinho, agora crescendo com uma carinha bonita e um sorriso triste, foi admitido para tratar lesões de gravidades variáveis, resultantes de atitudes imprudentes e arriscadas.

Foi preciso uma avaliação do serviço de psicologia do hospital para descobrir que, por trás daquela sucessão de eventos aparentemente fortuitos, havia a intenção inconsciente de provocar a morte, e quem sabe testar o desejo que preenchia seu coraçãozinho solitário de, finalmente, reencontrar o pai.

Convencido de que era inútil esperar que o pai voltasse, tratou de buscar na fantasia inocente da infância um caminho que o colocasse mais perto daquela figura da qual nos tornamos dependentes ao nascer e, adiante, gastamos um tempo para entender, que ser pai é tomar posse como guardião incondicional dos medos, das esperanças e dos sonhos das nossas crias. Por mais que elas se sintam autônomas e autossuficientes.

A percepção dessa dependência acompanha-nos silenciosamente ao longo da vida, com algumas fisgadas mais agudas de saudade, quando, surpreendidos em alguma emboscada existencial, lamentamos a falta daquela voz plena de boa intenção, que adoraríamos conservar no painel como um aplicativo carinhoso a apontar o caminho.

Algumas vezes, passando por encruzilhadas difíceis e ostentando uma autonomia que não combina com o medo que sentimos, fingimos que é mera curiosidade imaginar o que o nosso velho faria naquela situação.

E invariavelmente sabemos qual seria a resposta, sempre a coisa certa, e, muitas vezes, o caminho mais difícil. E finalmente nos damos conta de que foi exatamente pela dificuldade da decisão que buscamos ajuda no nosso mais generoso estoque de sabedoria.

E então, com a saudade cumprindo seu papel, sentimos sua presença e confirmamos que ele nunca tinha arredado pé.

J.J. CAMARGO

07 DE AGOSTO DE 2021
DAVID COIMBRA

Uma confissão perigosa

Eu confesso: gosto do Phil Collins. Gosto, podem me criticar, podem tecer sarcasmos no Twitter. Não me importo.

Você tem de ser verdadeiro. Não tem de ligar para a opinião dos outros. Quer saber outra? Odeio fondue. Talvez me torne persona non grata em Gramado por revelar isso, mas odeio. Onde já se viu? Você pega um pedaço de carne, mergulha em queijo derretido e acha o máximo. Ora, se você quiser filé com queijo, peça um à parmegiana! O Tartare serve o melhor parmegiana da cidade.

Mas o pior é o fondue de chocolate. Os caras afogam pedaços de banana no chocolate derretido e comem aquilo. Sério, por Deus.

E quem é que inventou que fondue é romântico? Cristo! Você sai todo enfumaçado do jantar, como é que pode haver romance depois disso?

Enfim.

Mas não quero ficar mal com o pessoal de Gramado, até porque adoro aquela região. Não faz muito, inclusive, passei dois dias aprazíveis em Canela. Estava ótimo. Uma tarde, por insistência do meu filho, fomos ao Sky Glass. Você sabe o que é o Sky Glass? É uma plataforma de vidro que eles construíram sobre um precipício. Você caminha no vidro, olha para baixo e vê que o solo está a 360 metros de distância. É assustador, mas bem bonito.

Fui na coisa, tudo bem, fui me segurando no corrimão. Mas chegou um momento em que, instigado pelo meu filho, tive de sair do meu canto e andar sobre o vidro sem ter nada para me apoiar ou segurar. Não era minha ideia fazer aquilo, mas um pai não pode decepcionar seu filho, sobretudo em questões de bravura. Quando estava no meio do troço, pisando em vidro fino, com o abismo se abrindo aos meus pés, pensei: "Que é que estou fazendo aqui?" Mas fui em frente, tentando demonstrar valentia. Ao alcançar a parte em que o chão é de ferro, meu filho perguntou:

- Sentiu medo?

- Nenhunzinho.

Se você é destemido, vá, que é um belo passeio.

Mas estava falando do Phil Collins. Outro dia, tocou no rádio uma antiga música do Phil Collins, do tempo em que ele era do Genesis. Gostava do nome dessa banda. Volta e meia, quando ouvia algum som dela, pensava:

"No princípio, Deus criou o céu e a terra. A terra estava deserta e vazia, as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas".

Que imagem poderosa essa, do Espírito de Deus pairando sobre as águas! Um dia escrevo sobre isso. Por ora, voltemos à banda Genesis. A música a qual me referi era Follow You, Follow Me, que tocava muito nas reuniões dançantes dos anos 70. Estava com meu filho Bernardo e disse para ele:

- Eu dançava essa música nas reuniões dançantes! Eu era o cara das reuniões dançantes! O campeão da música lenta!

Ele me olhou sem dizer nada.

Aquela música me fez sentir certa nostalgia. A música tem esse poder. Ela se comunica diretamente com a alma, sem intermediários. Lembrei de uma vez em que, durante uma cobertura internacional, num país da Europa, encontrei um colega mais velho e ele me pareceu abatido. Ele me pareceu realmente abatido. Como tínhamos algumas horas de folga, convidei-o para almoçar em um pequeno restaurante que havia ali perto, a fim de animá-lo. Sentamo-nos a uma mesa diante da janela e ele ficou espiando o vazio lá fora. Então, uma música se derramou do sistema de som. Ele olhou para cima, para o lugar de onde vinha o som, e murmurou:

- Essa música tocava quando eu tinha 16 anos...

E começou a chorar.

Fiquei perplexo, não sabia o que dizer para consolá-lo. Percebi que o passado tomara conta do peito dele, e o passado, quando volta, é perigoso.

Pois ao ouvir a música do Genesis, o passado veio a mim e me fez suspirar e eu também espiei o vazio e disse para mim mesmo:

- Agora sei o que sentiu o meu velho colega...

Meu filho franziu a testa e perguntou:

- O que foi, papai? Não entendi.

- Nada - respondi, sorrindo. - Já passou.

DAVID COIMBRA

Fé e esperança no futuro

O estrago causado pela escalada nos preços é ainda maior, na prática, porque não vem sozinho. Além de sofrer a pressão inflacionária, muitas famílias curam as feridas deixadas pelo coronavírus - doença que levou à perda de entes queridos, com impactos emocionais e também financeiros.

Tanto a pandemia quanto a volta da inflação viraram do avesso a vida de pessoas como a técnica em saúde bucal Adriana Maranghelli, 47 anos. Concursada do Hospital Conceição, ela trabalha em uma unidade básica de saúde da Capital e enfrenta um dos momentos mais difíceis de sua vida, sem perder a fé em dias melhores.

Em 2020, Adriana realizou um sonho: conseguiu comprar um apartamento a prestação, onde vive com a filha, Luísa, 18 anos, e com o companheiro, Felipe Gonçalves Rodrigues, 30 anos. As coisas iam bem até que as atividades econômicas pararam devido à covid-19, e Rodrigues perdeu o emprego. O trio teve de cortar gastos e alterar hábitos para contornar as dificuldades, que se ampliaram com a morte do pai de Adriana. Fernando Maranghelli morreu aos 69 anos, em abril de 2021, devido ao coronavírus. Foi um baque.

- Todos nós tivemos covid. Meu pai, infelizmente, não resistiu. Perdeu a guerra. Ele era a minha segurança - recorda Adriana.

Superação

Dali em diante, tudo mudou. A partida de Maranghelli foi sentida inclusive financeiramente e, com os aumentos em quase tudo, a família teve de se adequar.

- Passei a procurar promoções, porque o supermercado ficou muito caro. Tenho colegas que moram em Canoas e, quando aparecem boas ofertas por lá, faço um pix e elas me trazem os produtos, mas cortamos muita coisa. Carne, que comíamos bastante, trocamos por frango e salsicha. Frios, como presunto e chedar, substituímos por patê. Reduzimos as despesas ao máximo possível. A conta de luz não dá para atrasar, mas o condomínio, às vezes, a gente negocia. Vamos levando - conta Adriana.

Do conforto do carro, a técnica não abre mão, embora o preço da gasolina venha pesando no orçamento. A educação de Luísa também não foi afetada, porque o pai dela, ex-marido de Adriana, segue pagando o Colégio Bom Conselho, onde a menina estuda. Mas os hábitos de lazer, por exemplo, mudaram: ficaram restritos ao chimarrão com pipoca na orla do Guaíba.

A família tem uma casa em Pinhal, no Litoral Norte, e um sítio na zona sul da Capital, do irmão de Adriana. Apesar disso, as viagens se tornaram raras.

- Temos ido, no máximo, ao Gasômetro e só durante a semana, para evitar aglomerações. Íamos bastante ao sítio, mas, além de gastar com combustível, sempre vem aquela vontade de fazer uma churrascada, o que, por enquanto, ficou no passado - relata.

Nada disso impede a técnica de seguir sonhando. Agora, quer cursar Enfermagem na UFRGS e está estudando para o Enem com Luísa. Outra boa notícia para a família é que Rodrigues conseguiu um novo emprego nesta semana, após meses de procura. Adriana projeta o futuro com otimismo, como seu pai gostaria que fizesse.

- Apesar de ficar mal em alguns momentos, acho que temos de ter fé e esperança. Do contrário, como vamos sair disso? Temos de acordar e agradecer. A gente é brasileiro, não desiste. E é gaúcho, né? Resistimos a tudo - brinca. 


07 DE AGOSTO DE 2021
+ ECONOMIA

"O empresariado não está mais alinhado ao presidente"

O economista Alexandre Schwartsman integra o Centro de Debates de Políticas Públicas (CDPP), onde nasceu o manifesto Eleições Serão Respeitadas, em reação às ameaças ao pleito feitas pelo presidente Jair Bolsonaro. Conforme Schwartsman, a ideia partiu do ex-presidente do Banco Central no governo Temer, Ilan Goldfajn. Na sexta-feira, o número de apoiadores passava de 17 mil.

- Há tempo que o grupo demonstra insatisfação com a postura do presidente. As ameaças à ordem democrática foram a gota d?água. O peso do número é maior no PIB do que na população, o que é bom, porque ajuda a desmitificar o apoio de empresários. Crescentemente, o empresariado não está alinhado ao presidente.

Informado pela coluna de que os apoiadores do manifesto têm sido chamados de "comunistas", "esquerdopatas" e caracterizados como um grupo de beneficiados nos governos petistas, Schwartsman lembra:

- Um dos motivos da minha demissão do Santander foi a crítica, especialmente a Guido Mantega e ao pessoal que o cerca, também responsáveis pela situação em que o país está hoje.

Schwartsman afirma que o rumo da economia preocupa. Uma das causas da inflação, detalha, é a alta do dólar. Historicamente, quando os preços globais das matérias-primas sobem, como agora, o real se valoriza em relação ao dólar, porque o Brasil é um exportador de commodities. Só que isso não está acontecendo desta vez.

- Há forças na direção oposta, percepção de descontrole, resultado de incompetência e limitações impostas pelo presidente, que foi sindicalista de militar por 30 anos, nunca acreditou em reformas liberais. Depois da Previdência, nada mais se fez. A administrativa é ruim, só melhora em 30 anos, e a tributária é um caso de psicanálise. Havia um projeto benfeito, com apoio dos governadores. Sem mexer no ICMS, o resto vira band-aid.

Na visão de Schwartsman, falta "sentido de propósito" ao governo. Só o que importa é a reeleição, afirma:

- Se faz tudo para gastar mais em programas sociais. Seria bom, mas o objetivo é só alavancar a popularidade do presidente. Não é assim que se faz política econômica.

MARTA SFREDO

07 DE AGOSTO DE 2021
MARCELO RECH

O enigma das urnas

Nos idos de 1860, lavar as mãos antes de uma cirurgia, desinfetar a área da operação e usar panos limpos seria considerado ridículo. Foi pelas graças do médico inglês Joseph Lister que a história da humanidade mudou para melhor. Ao tratar uma criança ferida em 1865, Lister demonstrou que a assepsia evitava a infecção. Mesmo assim, renomados colegas cirurgiões zombaram dele e da ideia de que bactérias - seres que não conseguiam ver ou entender - contaminassem pacientes. Assim, seguiam operando, e matando pobres criaturas, até o triunfo da ciência anos depois.

As bactérias foram o que são hoje bits e bytes. Para muitos, é um enigma que não pode ser visto, tocado ou assimilado. Porque o ceticismo ao que não é palpável se transforma mas sobrevive aos séculos, uma parcela dos brasileiros resiste em acreditar na já mais que demonstrada segurança da urna eletrônica. Para os incrédulos, não bastam vozes sérias e respeitáveis repetirem que jamais se constatou qualquer burla ao sistema. Como no caso da negação às bactérias, há quem só creia no que pode ver e, se possível, tocar.

Há outras bolhas de desconfiança analógica, como no uso de dinheiro. O valor depositado em bancos não é físico, ou seja, não está todo num cofre-forte. Mesmo assim, tem gente que só confia em dinheiro vivo. Os céticos recolhem as cédulas no caixa e se submetem a riscos de assalto, perda e desvalorização para deixá-las sob o colchão e pagar despesas com uma nota sobre a outra. Na era dos cartões e do pix, não tem lógica, fora o ceticismo atávico ou, pior, que se queira evitar registros de transações financeiras.

Sempre que algo não faz sentido, é porque há uma razão que não quer ou não pode vir à tona. Quando o presidente da República elege o voto impresso como obsessão da hora, é preciso tentar entender sua motivação. Não por acaso, a investida contra o modelo que vigora sem problemas há 25 anos coincide com sua crescente desaprovação e a possibilidade de vir a ser derrotado em 2022 na contabilidade que interessa - a das urnas, não a do barulho nas ruas.

O voto digital é auditável, mas obviamente não há recontagem manual. Já o voto impresso poderia desencadear pedidos sem fim de recontagem por candidatos inconformados. E ai do tribunal que rejeitasse os pleitos - seria ofendido e acusado de sabotar a "legitimidade das eleições". Como já se viu há pouco nos EUA e no Peru, o resultado desfavorável será contestado por populistas derrotados de qualquer jeito, seja qual for a urna.

As urnas eletrônicas elegeram Bolsonaro e seus filhos seguidas vezes, mas isso agora já não parece importar. A intenção é criar um clima de pré-intentona, o que obrigou a Justiça Eleitoral a reafirmar a lisura das urnas. E é por isso que Bolsonaro a ataca e atiça seguidores contra um sistema exitoso que está no cerne da democracia brasileira.

MARCELO RECH

sábado, 31 de julho de 2021


31 DE JULHO DE 2021
LYA LUFT

Do fundo das águas secretas

"O que são essas coisas que ficam se mexendo dentro da minha cabeça?", perguntou a criança ao seu pai, que riu e disse algo como "São teus pensamentos, são as palavras. Todo mundo tem isso, todo mundo pensa". (Foi o que a criança respondeu quando a mãe mais uma vez repetiu seu refrão "criança não pensa".)

Hoje muitas e muitas vezes me perguntam, a mim e a todos os que lidam com arte, de onde vêm as ideias, ou a chamada inspiração. Cada um vai dar uma resposta diferente, segundo seu jeito de ser, de viver, de trabalhar. A minha resposta, sincera, que no curso do tempo não mudou, tem sido: tudo vem de dentro de mim, impreciso mas real. Eu só elaboro, arrumo, enfeito (ou pioro). Pois "o vento sopra quando e onde quer": posso ficar períodos sem nenhuma boa ideia, e de repente tudo começar a fluir. Não sou dos disciplinados, modelos para jovens escritores, que escrevem todos os dias. Quando nada tenho a dizer, fico quieta, que é, aliás, o que mais aprecio.

A chamada inspiração, palavra tão polêmica e questionável, é o movimento que nos leva a produzir alguma coisa. No meu caso, repito, está tudo lá dentro, no fundo das águas da mente, ou da alma, aqui a semântica pouco importa. Na verdade, tudo o que vivo, vejo, escuto, sonho, tudo o que me dizem, o que leio, o que vem em entrelinhas e no silêncio, as palavras duras e as amorosas, as alegrias e as injustiças, vai-se depositando no meu inconsciente (ou como quer que o chamemos), como aquela lamazinha no fundo de um aquário. Se ali mexo com um lápis (é só uma metáfora, gente...), esse depósito cria vida, se move, sobe à superfície. Em geral, é algo externo que de repente desperta o fundo das águas: um rosto, um telefonema, um movimento mínimo nas árvores, um sonho quando dormimos e do qual confusamente lembramos ao acordar, uma claridade na beira daquela nuvem. Move-se assim o material para a pintura, o romance, a música.

Assim são as ideias ou emoções que regem o que muitos artistas produzem: mas, embora vindo dessas águas escuras, não são necessariamente sombrias. Pois lá, junto com as pedras e perdas, estão depositados também os encantamentos que nos marcam para sempre. Não somos donos ou controladores dessa chamada inspiração: a palavra me incomoda, mas não tenho bom substituto. Por que me incomoda? Porque sugere algo caído do céu, uma luz que vem do alto, que nos faz sentar e trabalhar leves e alegrinhos. Às vezes, sim, escrevo com uma quase incontida alegria, se pudesse saía a dançar por cima dos telhados vizinhos (no meu caso, bastante improvável...). Outras vezes, me faz refletir, reescrever, desistir e deletar, andar pela casa, subir para o terraço, pensar em nunca mais escrever uma só palavra, depois voltar a este diminuto escritório e retomar a dura lida.

Assim emergem daquelas águas secretas os primeiros pensamentos sobre o Natal: a árvore que vou enfeitar depois do feriado, as comidas a encomendar pensando nos que vão chegar, o carinho que me aquece sempre que penso neles (e nos que estão distantes e não poderão vir). Emoções como vaga-lumes luminosos que alegram os dias nada fáceis para ninguém neste planeta - que anda bem esquisito.

Texto originalmente publicado em 12 de novembro de 2016

LYA LUFT