sábado, 6 de novembro de 2021


06 DE NOVEMBRO DE 2021
LYA LUFT

Flor, flores e entendimento

Elas ainda me assombram, as flores, aqui na sacada de meu quarto onde estou meio confinada, com teeeeeempo para refletir.

Havia muitas, em arrumados canteiros ou em profusão inglesa, que nunca entendi direito, mas significavam vida. Coisa que então - como agora - eu não entendia direito.

Houve tempos em que isso me alarmava, com a idade entendi que não há por que entender, nem talvez o que entender.

A vida não é para ser entendida, mas recebida, aceita ou não, curtida, domada ou sofrida com sua beleza, chatice ou dor, assim mesmo, várias fases.

Olho uma grande tela da minha amada Lou Borghetti, com sua escadinha, que ela dizia "não leva a lugar nenhum", o que a tornava tão fascinante para mim.

Contemplo uma tela em incríveis cores de minha filha Susana Luft, com um comentário sobre chuva e a figura feminina num lugar que alude à minha infância e à dela e a magnólia que marca tudo aquilo para nós.

Pois para muita gente significa diversas coisas e está tudo certo assim.

Como eu não entendia flores, tempo, vida, nem hoje entendo, o verbo "entender" é trabalhoso e inútil a não ser para cientistas.

Nós, mortais, podemos curtir... e ser felizes.

LYA LUFT

06 DE NOVEMBRO DE 2021
LITERATURA

MARTHA MEDEIROS EM PROSA E POESIA

Autora lança "Noite em Claro Noite Adentro" neste sábado na Feira do Livro

A best-selller Martha Medeiros tem um livro fantasma, nas palavras da própria autora. Lançado em 2012, Noite em Claro saiu em uma pequena série da L&PM, chamada 64 Páginas, e não alcançou grande repercussão à epoca. Trata-se de um relato de uma mulher um pouco perturbada pelos relacionamentos incompletos que viveu, amores que mais incomodaram do que lhe trouxeram serenidade.

Como o livro passou quase despercebido, Martha decidiu relançá-lo pela mesma L&PM junto com poemas que escreveu nos últimos 20 anos. Noite em Claro Noite Adentro (144 páginas, R$ 39,90) tem lançamento neste sábado, às 17h30min, na Praça de Autógrafos da Feira do Livro de Porto Alegre.

Quem costuma ler suas crônicas em Zero Hora pode ficar surpreso com a personagem, uma mulher que deixa claro que adora sexo e encara o amor mais como uma neurose do que uma realização. Martha garante que a personagem não tem nada de si.

- Como cronista, escrevo muito sobre relações humanas, mas sempre dentro de uma ótica realista, buscando falar sobre viver um amor legal, viver relações saudáveis. E, de repente, quis mostrar um outro lado, uma personagem que me contradiz e mostra quão tumultuada e doentia pode ser essa relação com o amor.

Embora Martha não se identifique com a personagem, considera que o amor da vida real está mais perto das experiências de Noite em Claro do que das fotos de casais felizes na internet.

- Essa é a grande verdade que, às vezes, a gente não consegue aceitar. Sempre fica faltando uma parte, e é com isso que a gente tem que aprender a lidar.

Noite em Claro fala da impossibilidade do amor romântico: a personagem, em certos momentos, vive situações degradantes com seus parceiros sem fazer qualquer crítica do que lhe aconteceu.

- Quando escrevo uma história, permito que meus personagens tenham características humanas, que minha personagem seja contraditória, esquisita, maluca, extremamente faminta por experiências, nem todas elas cor-de-rosa - diz.

A outra ousadia de Martha é que, da metade do livro em diante, o leitor depara com Noite Adentro, uma reunião de 51 poemas inéditos, escritos desde a última vez que publicou Cartas Extraviadas e Outros Poemas, em 2001. Apesar de algumas homenagens delicadas às filhas, ainda há um sentimento de inadequação no amor, de uma expectativa irrealizada.

Uma Martha mais noturna e menos feliz, mas uma experiência completa da sua literatura.

KARINE DALLA VALLE


06 DE NOVEMBRO DE 2021
LEANDRO KARNAL

"E era mais uma das coisas de tudo o que tínhamos perdido no outro lado da casa."

Julio Cortázar, "Casa Tomada"

Sérgio e João, finalmente, conversaram sobre o estranho incômodo que estavam sentindo havia algum tempo. Fora o irmão mais velho quem puxara a conversa, com algum receio de ser mal-entendido. Começou dizendo que achava que aquilo vinha da vizinhança, talvez das ruas ali em volta. De madrugada, inundava a pequena casa.

A moradia era simples, bem no meio do lote, todo ele bem cuidado pelos dois moradores principais. Na sala, dormia ainda o sobrinho, filho de uma irmã de Sérgio e João que morava no interior. O rapaz frequentava um curso noturno e trabalhava durante o dia. Usava o sofá como cama e a pequena cozinha para engolir algo tarde da noite e um café preto com pão com manteiga pela manhã, bem cedo. Mal via os tios.

Os donos da casa nunca desejaram ampliar o diminuto imóvel. Terreno para isso havia e os vizinhos, sem exceção, construíram cômodos a mais, banheiros extras, cozinhas maiores e áreas cobertas no pátio. A casa dos Soares mantivera a metragem e forma originais.

Talvez a razão para isso fosse o incômodo revelado, aquele que misteriosamente apenas os irmãos pareciam experimentar. Era algo notívago, perigoso, sufocante. Acordavam suados e passavam noites em vigília, esperando o pior. Dormir era um problema, pois a casa parecia se encher de um miasma forte, perigoso e fatal.

Decidiram agir. Estavam velhos, mas tinham seus truques. Havia algo de muito estranho naquela casa e os irmãos não mais sofreriam quietos. Era impossível continuar sem uma resposta ao mal que crescia e ameaçava tomar tudo e todos. Como?

A ideia foi de João: isolariam a casa da rua, do restante do mundo, criando um fosso grande o suficiente que emanação alguma como aquela os alcançaria. Sérgio iluminou o rosto com o plano. Ferramentas em mãos, começaram a escavação em 2002. Todos os dias, desde aquele longínquo agosto, parando para descansar apenas aos domingos, do raiar do sol ao seu último brilho sobre o lote, os irmãos cavavam a terra meticulosamente. O sobrinho não via nada e assim deveria ser.

Os dois irmãos estavam muito focados na obra de isolar sua residência. Poucas coisas eram ditas, porém o trabalho foi sendo realizado com trocas de olhares de cumplicidade. A defesa do patrimônio comum fortaleceu o vínculo fraterno dos dois. Eram soldados de uma estranha batalha com a solidariedade que a trincheira costuma criar.

O fosso crescia centímetros todos os dias.

LEANDRO KARNAL

06 DE NOVEMBRO DE 2021
CLAUDIA TAJES

Virando a página

Depois de tanto tempo sem fazer jus ao adjetivo do seu nome, Porto Alegre vai, aos poucos, retomando a vida. Com todos os protocolos bem obedecidinhos, que ninguém aqui é negacionista para achar que, agora, tudo são jacarandás.

O Porto Alegre Em Cena foi um sucesso, com as sessões presenciais esgotadas e a promessa de uma edição 2022 maior ainda. A Cinemateca Capitólio tem presenteado o público com grandes filmes e grandes ideias. No Halloween, por exemplo, uma sessão à meia-noite lotou - dentro dos protocolos - para assistir ao filme Halloween, o primeiro da série. Dica de amiga: fique de olho na programação da Cinemateca. O jornalista Roger Lerina foi anunciado como o novo programador cinematográfico do espaço que vai abrir no lugar do Cine Guion, garantia de uma programação de nível lá em cima para o público.

Porto Alegre parece respirar outra vez. E, para não deixar dúvidas, a Feira do Livro está de volta depois de um tempo que pareceu muito maior do que apenas uma edição longe da praça e dos leitores. Correndo o risco de deixar de fora atrações imperdíveis - mas que estão todas no site feiradolivro-poa.com.br, com as datas e horários omitidos aqui -, seguem algumas sugestões de autógrafos e títulos.

Enquanto prepara a edição atualizada do seu clássico Dicionário de Porto-Alegrês (oba!), o profe Luís Augusto Fischer lança Duas Formações, Uma História: das Ideias Fora do Lugar ao Perspectivismo Ameríndio, que propõe uma nova forma de contar a história da literatura brasileira. Livro da editora Arquipélago - que, entre outros, leva para a praça os lançamentos de Luís Henrique Pellanda, de Humberto Werneck e da recém vencedora do prêmio Vladimir Herzog, Eliane Brum.

Boa notícia é o novo livro de crônicas do grande autor Sergio Faraco, As Noivas Fantasmas & Outros Casos, que sai pela L&PM. Editora da arrasa-quarteirão e vizinha de página Martha Medeiros, que reúne uma novela e 51 poesias inéditas em Noite em Claro Noite Adentro. Atenção também para o primeiro romance de Clara Corleone, Porque Era Ela, Porque Era Eu. A sempre bacana editora Besouro Box apresenta os autores Boca Migotto e Mariana Bauermann. E você sempre pode dar a sorte de cruzar na Feira com o Jonatã Nunes, que encontra inspiração para ser poeta enquanto trabalha com a coleta de resíduos recicláveis na cidade.

Mais autores lançando? São muitos. Daniel Galera, Antônio Xerxenesky, Natália Timerman, Claudia Schroeder, Ana Marson, Celso Gutfreind, Natalia Borges Polesso, Lelei Teixeira, Eduardo Bueno. José Falero, que já tem lugar garantido entre os grandes, vem com as crônicas de Mas Em Que Mundo Tu Vive?. Rafael Guimaraens lança o infantil Bolita de Gude pela Libretos. Falando em infantil, é sempre bom passar pelas bancas da editora Projeto e da Ama Livros - nessa última é possível encontrar os caprichadíssimos lançamentos da editora Piu. Ao lado de outras autoras, Jane Tutikian vai discutir a importância dos programas de incentivo à leitura. Por que o infantil perdeu tanto espaço se ele é a porta de entrada para a literatura?

Tudo isso sem falar na programação online da Feira, que abriu com a maravilhosa autora Alice Walker. Vale conferir todas as atrações no site.

E assim, página a página, a Feira e a vida vão ficando mais parecidas com o que a gente lembrava. Bora aproveitar.

Só não esquece a máscara.

Sobre a coluna da semana passada, que falava das narradoras de futebol, uma curiosidade: fora a mensagem da Delma, para quem as narradoras vieram para ficar, todos os outros e-mails que recebi foram de leitores. Gentilíssimo, o Luiz Tarcísio disse que ele e seus amigos preferem a narração feminina. O Nestor, que já é amigo da casa, escreveu com a elegância de sempre. O Luiz Felipe, que me honra com sua leitura todas as semanas, gostou do texto. O Sérgio acredita que tanto faz mulher ou homem, desde que tenha competência. Já um educadíssimo Roberto me brindou com opiniões que só corroboraram o teor da coluna. 

Algumas delas - com a grafia original do sujeito para não perder o, digamos, sabor. "Pessoas como você, que não conhecem nada de futebol, vêm logo a defender dizendo que é discriminação, preconceito e grosseria, não aceitar que ?MULHERES? sejam narradoras e exclui do seu texto que não interessa o sexo, precisa ter competência para a realização do serviço, coisa que elas não têm". Como dizia o filósofo Odorico Paraguaçu, a ignorância atravanca o progresso. Cai o pano.

CLAUDIA TAJES

06 DE NOVEMBRO DE 2021
MONJA COEN

IRMÃ TERRA

Entre pátria e mátria, podemos ter fátria. Fátria amada Brasil. Fraternidade. Um país é uma comunidade de pessoas com costumes e hábitos semelhantes, não iguais. Nossa demarcação foi feita na Europa. O Tratado de Tordesilhas. E a América do Sul portuguesa ficou maior do que a espanhola. Brasil imenso de tantos povos e tantas culturas, tradições, linguagem, posições.

Caetano cantou a fátria Brasil. Amada irmã, feita de pó, de terra, de lagos, mares, florestas, rios, cascalhos, esmeraldas e ouro, carvão, minerais e avião.

E você? Já se deu conta de que estamos todos emaranhados, interligados há milhões de anos?

Os vulcões continuam regurgitando o magma, erupção de fogo, de lavas ferventes, que vêm do centro da nossa irmã. Brava, quente, furiosa. Guarda no seu íntimo o fogo que queima destrói e renova.

Um dinossauro entra na sala de reuniões de lideranças mundiais e explica que extinção não é uma coisa boa. Como é que não cuidamos e permitimos a extinção das causas e condições para a vida humana no planeta? Será que é fake news o aquecimento global? Será que é mentira a poluição ambiental? Será que são falsas as noções da necessidade de preservação das matas, florestas, mananciais, terras, águas e ar?

Sente-se em silêncio e observe profundamente. Disto surge aquilo e daquilo surge aquele outro ser, outro momento. Interligados, interconectados. Impossível separar, dividir, excluir. Podemos juntar, multiplicar, incluir e acolher.

Você quer se preparar para migrar a outro planeta? Ou quer se empenhar a restaurar a tessitura ambiental que foi rompida? Ou quer romper até estraçalhar e não haver mais gente para salvar? Sem hospitais suficientes, sem remédios, sem cura, sem oxigênio, sem redomas - a nossa redoma já furou: a camada de ozônio.

Essa redoma é importante para nós que vivemos na camadinha fria desta bola de fogo em brasa. Não conseguimos viver com muito calor nem muito frio. Estamos cuidando ou fingindo que está tudo bem?

Alarmar. Alarma! Alarma! Era o grito de guerra do jovem guerreiro, que acompanhava seu pai, o velho Tupi. Poemas de minha infância. Fui alimentada por poesias e filosofias, saraus musicais e alegrias.

Ninguém nunca bebeu demais nessas reuniões familiares.

Família grande: uma de 17 irmãos, outra de 13 irmãos. Parentes espalhados, com sobrenomes diversos, irreconhecíveis próximos e distantes...Mesmo sem saber as origens brasileiras, precisamos reconhecer que somos todos aparentados.

Fico imaginando a mesa de jantar. Alguns já haviam se casado e continuavam morando na casa grande da fazenda. Haja casa grande para caber tanta gente. Haja comida.

Contaram-me que o pai mantinha seu lugar na cabeceira da mesa com um chicote na mão. Refeição era em silêncio - para evitar brigas e confusão. Depois da morte do pai, a mãe assumiu o chicote. Por baixo da mesa eram botinadas. Mas as faces não podiam revelar a dor, nem um som era ouvido, além dos passarinhos, do gado, dos cavalos, do machado e do moinho.

Patriarca, matriarca. Depois deveria ter sido a irmandade, o fratriarcado - que bonito se assim fosse. Entretanto, o irmão ou a irmã mais velha logo repetia o modelo anterior. De novo patriarcado, matriarcado.

Irmandade, sem um acima e um abaixo, todos juntos celebrando a vida, comungando, compartilhando e cooperando. Ah! Quando a humanidade despertar vai ser tão lindo.

Mãos em prece

MONJA COEN

06 DE NOVEMBRO DE 2021
FRANCISCO MARSHALL

APORIA

Poros, em grego, é caminho ou passagem. Antecedido por alfa privativo, torna-se aporia e significa impasse ou perplexidade. Em muitos de seus diálogos, Platão usou o argumento aporético, em que Sócrates leva seus interlocutores a concluírem que nada sabem, quando julgavam-se muito assertivos; para isso, segue um método de argumentação que demonstra que muitas questões não têm solução fácil, e algumas, nenhuma solução. Há algo trágico nesse termo, que já está em nossos dicionários e, muito pior, em nosso destino. E ambos, termo e destino, nos convidam a questionar: há saída? Como, quando e por onde?

Nietzsche teve que avançar com marteladas e memória trágica para desmontar o palácio de ilusões da razão otimista e fazer ressoar a verdade terrível que Sileno, mestre de Dioniso, lhe soprara: morre logo, não há solução. Os genes e o espírito de sobrevivência, todavia, falam alto, e, tal como a videira que reverdece e logo dará fruto, e deste o vinho, contamos com o fim do inverno e uma primavera em que renasça um mundo com muitas sendas possíveis. Eis o embate entre aporias e soluções, tragédia e amor à vida.

Há dois tipos de aporia: a subjetiva (ou individual) e a coletiva (ou social). Na primeira, um Hamlet em conta-gotas nos apresenta como dúvida as cirandas da prudência, entre pensamento e ação. Os poetas gregos, que com uso do mito entificavam a tudo, poderiam figurar uma deusa Aporia, como o fez o fabulista Esopo (620-564 a.C), na fábula do impasse de Héracles, que mostra como alguns problemas aumentam quando os atacamos. Claro que não pensavam na solução fácil dos coachs, "pense positivo e com foco no sucesso, desaparecem os problemas e ficas rico", mas atentaram para o fato de que a perplexidade também decorre da maneira de colocar-se diante dos desafios. Por vezes a aporia insufla a melancolia, um estado de enfrentamento e concentração, com alguma angústia, do qual pode resultar o voo criativo, a descoberta de soluções e um alívio com sabor de libertação. Há sempre a necessidade de formularmos a questão por diferentes ângulos, calcular, ponderar, argumentar em solilóquios ou em boas conversas, para divisarem-se saídas.

Muitos impasses, todavia, não os causamos, mas recebemos como quinhão de nossa vida histórica, em sociedade, como os que ora atormentam a brasileiras e brasileiros de bom senso: como sairemos dessa era obscura e superaremos tanta destruição? Como resgatar a parte perdida, iluminar trevas ora muito pronunciadas e lançar rumos de concórdia e desenvolvimento? Aporia, aqui, é tentar esclarecer a ignorantes que estão em tal condição deplorável justamente porque não querem ou não conseguem aprender. Ou, perplexidade ainda mais grave, como amansar agressores ora habituados ao ódio e à violência? Ora, se o avô de Hique Gomez conseguiu amestrar um lagarto (!), então poderemos um dia, quem sabe, educar a estúpida oligarquia brasileira, e com ela os demais monstros que ora impedem que aqui floresça uma sociedade em harmonia. E com harmonia há o oposto de aporia - muitos caminhos possíveis para todos.

FRANCISCO MARSHALL

06 DE NOVEMBRO DE 2021
DRAUZIO VARELLA

PENSAMENTOSMÁGICOS

"Como você andava, irmã?", perguntou o pastor sorridente, com a mão paternal no ombro de uma senhora tímida, de idade indefinida.

Na frente das câmeras, ela ensaiou passos curtos e trôpegos.

- E agora, depois de receber a graça, irmã?

Decidida, a senhora cruzou o palco em passos lépidos e saiu de cena. "Deus é lindo", proclamou ele para os aplausos da plateia.

Deixando de lado a indignação que nos causa ver espertalhões a explorar a fé e a credulidade para tomar dinheiro de gente pobre, qual seria a explicação mais razoável para aquela cena?

A senhora estaria mancomunada com a produção do programa? Teria um problema ortopédico que foi tratado ou melhorou espontaneamente depois de receber a tal bênção? A bênção agira como placebo?

E como explicar as palmas do auditório lotado? Todos acreditaram que foi mesmo Deus quem realizou aquela proeza fantástica?

Feiticeiros, xamãs, videntes, santos milagreiros e charlatães de toda espécie manipulam as inseguranças humanas diante da incapacidade de moldarmos o mundo segundo nossa vontade, do medo da decadência física, do desconhecido e da contradição imposta pela morte. A ideia de que um dia fecharemos os olhos para retornar ao nada que existia antes de nascermos é insuportável para a maioria esmagadora da humanidade.

Para escapar dos becos que nos parecem sem saída, nós nos agarramos ao vai dar tudo certo, ao tenha fé em Deus. O pensamento mágico ignora as evidências contrárias ainda que estejam a um palmo de nós, nossos desejos serão realizados por um toque da varinha de condão.

Quando corre o boato de que em determinada cidade surgiu um predestinado que opera milagres, centenas de milhares de pessoas de todos os estratos sociais e níveis de escolaridade vão atrás dele. Viajam distâncias longas nas condições mais precárias, em busca de um gesto capaz de curar-lhes o câncer, devolver-lhes força ao coração infartado, elasticidade às articulações enrijecidas pelo reumatismo e movimento aos membros paralisados.

Acreditam que das mãos do predestinado emana uma energia que terá o dom de reestabelecer o equilíbrio entre as células do organismo, desorganizadas pela doença. Se lhes perguntarmos que tipo de energia é essa - cinética, potencial, atômica, gravitacional? - e por que não serve para movimentar carros sem combustível, carroças sem cavalos ou fazer um homem levitar, ficam ofendidos e nos acusam de materialistas incrédulos, estupidificados pelo raciocínio científico.

O pensamento mágico está por trás das poções que tanta gente ingere com o propósito de manter boa saúde e curar males que vão do resfriado à doença de Alzheimer. São chás de todos os tipos, vitaminas compradas a preço de ouro e uma variedade de receitas tão diversificadas quanto a imaginação humana consegue criar. Muitas delas, prescritas por profissionais que receberam o diploma de médico.

Já atendi mais de um adepto da cura pelo limão. Cada ciclo de tratamento tem 28 dias: no primeiro, você toma o suco de um limão; no segundo, o de dois limões; no terceiro, o de três; no 14º dia, o de 14. A partir do 15º dia, em ordem decrescente, 13, 12, 11, até voltar a uma unidade. Terminado o ciclo, começa tudo de novo: um, dois, três, quatro?

O número dos que consomem vitaminas e suplementos alimentares da mais absoluta inutilidade é assustador.

Quando passo na porta de lojas do tamanho de supermercados que comercializam esses produtos, em países com níveis altos de escolaridade como Estados Unidos ou Japão, fico descrente da racionalidade da espécie humana.

Em franca expansão no Brasil, esse mercado movimentou US$ 23 bilhões no ano passado, apenas nos Estados Unidos.

Para aqueles com acesso à alimentação variada que inclui frutas, legumes e folhas verdes, tomar vitaminas ou acrescentar suplementos à dieta, tem o mesmo impacto na prevenção de doenças e preservação da saúde do que as bênçãos dos iluminados.

A única saída para formarmos gerações de mulheres e homens menos crédulos é ensinar ciência e os princípios básicos do pensamento científico já na escola primária.

DRAUZIO VARELLA

06 DE NOVEMBRO DE 2021
UROLOGIA

A PANDEMIA E A SAÚDE MASCULINA

CÂNCER DE PRÓSTATA TEM MAIS DE 90% DE CHANCE DE CURA SE FOR DIAGNOSTICADO PRECOCEMENTE

A cada sete minutos, ocorre um novo diagnóstico de câncer de próstata no Brasil, diz Gustavo Franco Carvalhal, urologista membro da Escola Superior de Urologia da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) e professor da PUCRS. Em 20% dos casos, a doença já está em estágio avançado, havendo maior possibilidade de morte. É sobretudo neste aspecto que será sentido o maior impacto da queda no número de diagnósticos decorrente da pandemia.

- No contexto da covid-19, os homens tiveram medo de procurar atendimento médico, de fazer check-up e exames de prevenção. Isso terá efeito futuramente, porque eles vão chegar com doenças mais avançadas - diz Carvalhal. - Quando diagnosticado em estágio inicial e sem metástase, o câncer de próstata tem mais de 90% de chance de cura.

Para o médico, a redução da procura foi consequência de dois fatores. Um deles é o receio de ser contaminado pelo coronavírus e o outro refere-se aos recursos de saúde, todos direcionados ao combate da pandemia. Por isso, há uma demanda reprimida muito alta.

Entre as medidas atenuantes, está a avaliação individual de cada paciente, defende Eduardo Franco Carvalhal, chefe do Serviço de Urologia do Hospital Moinhos de Vento:

- Temos usado muito a estratificação de risco. Pacientes com risco baixo ou intermediário de progressão podem aguardar algum tempo pelo atendimento sem dano. Já pacientes com alto risco de progressão precisam ser tratados com brevidade, mesmo durante a pandemia.

Gustavo Franco Carvalhal relata que no RS já é possível notar uma retomada gradativa da procura por atendimento no segundo semestre, graças ao avanço da vacinação e à redução dos casos de covid:

- Está na hora de retomarmos os cuidados com a saúde do homem e a prevenção de doenças. Diagnósticos precoces salvam vidas.

Com esse objetivo, a SBU e o Ministério da Saúde assinaram acordo para desenvolver ações de orientação sobre câncer de pênis, testículo, próstata e bexiga, hiperplasia benigna da próstata, fimose, queixas urinárias, disfunção erétil, vasectomia e infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). A SBU também vai treinar os profissionais da atenção primária de saúde para que saibam identificar problemas que devam ser encaminhados a especialistas.

JHULLY COSTA

06 DE NOVEMBRO DE 2021
J.J. CAMARGO

SAUDADE TEM PRAZO DE VALIDADE?

Muitas atitudes revelam educação ou a falta dela. Mas por mais esmerada que ela tenha sido, ainda sobrarão as diferenças pessoais reveladoras da índole, esta característica da personalidade que não pode ser ensinada, ainda que alguns exemplos da infância fiquem reverberando pela vida afora.

Meu pai dispensava qualquer empregado da fazenda que batesse nos animais, fosse o bicho que fosse. Não sei o quanto isso influiu na minha formação, mas sempre me senti um covarde nas raras tentativas de caçar alguma presa. Nunca esqueci uma tarde em que, andando na fazenda, deparei com um tatu, uma promessa de carne que, desfiada e transformada em farofa, é festejada pelos tropeiros. Eu e o tatu nos surpreendemos, acho que eu mais do que ele, mas sai em sua perseguição, o alcancei e voltei para casa orgulhoso da proeza. Mas o certo é que nunca resolvi este episódio, e lembro dele de vez em quando, como uma experiência muito desagradável de um homem grande contra um animalzinho minúsculo que tinha como única defesa a velocidade na fuga, e que não fora suficiente para alcançar a toca antes que eu o atingisse.

Não me interessei pela farofa e encerrei uma promissora carreira de caçador. E então, na contramão dos que apregoam que os médicos enrijecem com a velhice, fui ficando cada vez mais mole, e qualquer história que envolva emoção me derruba. Como o rótulo de frouxo não constrói prestígio na modernidade, a única solução que encontrei foi cultivar amigos com as mesmas fraquezas. Porque é para isso que fomos feitos, para compartilhar sentimentos iguais.

Na semana passada, almocei com um desses tipos que entendem que é possível chorar sem que seja por perda ou dor, e lá pelas tantas ele confessou que tinha se chocado com uma matéria de jornal que entrevistou um administrador de um canil público de Londres, que recolhia cães perdidos na cidade e depois os preparava para a adoção. Segundo o relato, a procura de animais domésticos, especialmente cães, aumentara muito durante o confinamento pela pandemia, o que era até estimulado depois da experiência exitosa que mostrou uma redução de 50% nos índices de suicídio entre os moradores de rua, depois que a prefeitura londrina adotou a política de oferecer um cão parceiro para repartir infortúnio, fome, frio e solidão.

Mas com a pandemia arrefecendo, inverteu-se o fluxo, e agora a preocupação é como acomodar tantos cães devolvidos por pessoas que querem fazer crer tinham encontrado os bichinhos perdidos na rua, como se alguém não percebesse, pelos cuidados que cãozinho exibia, que na verdade ele estava sendo dispensado sem que ninguém se comovesse com o olhinho triste do bichinho, outra vez abandonado. Ficamos em silêncio um tempo depois desta história.

Antes da sobremesa, já estávamos recuperados com o caso de uma velhinha que aceitou o pedido da vizinha muito amiga para que cuidasse do seu cãozinho durante o tempo em que a família ficaria fora, num curso de especialização.

Três anos depois, a vizinha bateu-lhe à porta. Estava de volta, muita grata pelo cuidado dispensado e de braços estendidos para recolher o seu pet. E foi surpreendida: "De jeito nenhum, me afeiçoei ao Tolstói, ele foi meu parceirinho durante estes três anos e nem sei o que teria sido de mim sem ele". Enquanto falava, ela jura que o cãozinho sacudia a cabeça, afirmativamente.

As vizinhas nunca mais se falaram. Uma achava um absurdo que alguém se adonasse do que era seu, a outra estava convencida de que o Tolstói não merecia uma dona que batera asas e demorara três anos para sentir saudade.

J.J. CAMARGO

06 DE NOVEMBRO DE 2021
DAVID COIMBRA

Histórias da Feira do Livro

Faz quase 30 anos que lancei meu primeiro livro na Praça da Alfândega. Era 800 Noites de Junho, sobre o Caso Daudt. Sentei-me atrás de uma mesinha e comecei a fazer dedicatórias para as poucas pessoas que foram lá me ver. Deviam ser umas 20 ou 30, não lembro bem. Mas lembro que, ao meu lado, numa outra mesinha, havia um autor com muito mais público. A fila dele era uma sucuri que ondulava pela praça, e ele estava cercado por tantas pessoas, que eu não conseguia ver que escritor era. Foi só depois que a minha sessão de autógrafos se encerrou que identifiquei o homem: era o Sérgio Napp. Soquei a própria mão:

- Só podia!

Eu tinha uma tradição de perder para o Sérgio Napp. Havia, na época, o concurso Habitasul de Literatura. Devo ter me inscrito umas três ou quatro vezes nesse concurso e todas foram vencidas pelo Sérgio Napp. Muito irritante.

Depois, tive outras participações na Feira do Livro. Lancei mais de 20 títulos lá. Numa época, escrevia uma página inteira no caderno que a Zero Hora publicava durante as edições da Feira. Nesse caderno, escrevi um folhetim no qual abordava um dos maiores tormentos dos editores: os poetas.

As pessoas escrevem poesias, as reúnem e procuram os editores para que eles publiquem seus livros. É um drama, porque muitas vezes esses poetas amadores são amigos ou conhecidos dos editores. É difícil dizer não a eles.

No meu folhetim, o protagonista era um editor que vivia sendo acossado por uma senhora autora de poemas. Ela estava sempre cercando-o com seu livro e ele estava sempre tentando fugir dela. Até que, uma noite, ela o encurralou na barraquinha da editora na Praça da Alfândega, depois do fechamento da Feira naquele dia. Aborreceu-o tanto com aquele livro de poesias, que o editor a matou a golpes de dicionário Aurélio na cabeça.

O folhetim seguia por aí. Ele tinha de esconder o corpo e tudo mais. Nem lembro exatamente qual foi o desfecho, para falar a verdade.

Outra função que exerci na Feira do Livro foi como funcionário da livraria e editora Sulina, no começo dos anos 1980. Vi, numa daquelas feiras, o poeta Mario Quintana embevecido pela beleza de Bruna Lombardi. Ele a seguia pela feira como se estivesse hipnotizado. E, olha, entendo o Quintana: quando deparei com a Bruna Lombardi frente a frente, prendi a respiração. Ela foi um dos seres humanos mais belos que já vi. Linda, luminosa, meiga, algo fora do normal.

Em outra Feira, eu, o Sérgio Lüdtke e o dono da Sulina, o Leopoldo Boeck, saímos da praça e fomos caminhando até o Tuim, na Rua da Ladeira, a fim de tomar uns chopinhos e relaxar um pouco. Nos encostamos no balcão e pedimos três chopes e três bolinhos de bacalhau, logo servidos pelo tradicional garçom Camacho. O Camacho tinha um truque que sempre repetia: ao servir cachaça, ele erguia a garrafa bem alto, a metro e meio do copinho de bordas estreitas, e não derramava uma única gota na mesa.

Naquele tempo, mulheres não entravam no Tuim. Não que fossem proibidas, mas aquele era um bar tipicamente masculino. Numa de suas paredes havia um cartaz avisando: "Não vendemos bebidas sem álcool. Não insista". Noutra, o cartaz assegurava: "É permitido fumar".

Então, nós estávamos com os cotovelos fincados no balcão quando uma funcionária da Sulina, a Edna, entrou meio esbaforida, querendo falar com o Leopoldo. Todos os homens do bar pararam com suas conversas e ficaram olhando para ela. Uma mulher no Tuim! Que novidade! O velho garçom Camacho, ao vê-la, veio de uma das pontas do balcão, se debruçou gentilmente na direção dela e perguntou, todo formal:

- Aceitas uma groselha?

Algumas coisas só acontecem na Feira do Livro.

DAVID COIMBRA

06 DE NOVEMBRO DE 2021
OPINIÃO DA RBS

CLIMA, DISCURSO E PRÁTICA

A atenção dos mais importantes líderes e nações à Cúpula do Clima, que transcorre em Glasgow, na Escócia, mostra que o mundo de fato despertou para a inevitabilidade de ações para conter o aquecimento global e os eventos extremos que resultam desse desequilíbrio. O tempo está se esgotando. Os acordos, compromissos e acenos vão no sentido esperado de buscar metas mais ambiciosas para a redução das emissões de gases de efeito estufa, antecipando o atingimento de objetivos. No papel e nos discursos, pode-se dizer que a COP26 vai cumprindo a tarefa a que se dispôs.

O grande desafio, no entanto, estará posto quando esses mesmos líderes - presidentes, primeiros- ministros e ministros - retornarem para suas casas. Sem se colocar em prática as promessas, o planeta continuará agonizando e a vida na Terra seguirá cada vez mais hostil, com maior frequência de secas, ondas de calor, enxurradas e furacões, entre outros fenômenos. Cartas de intenções genéricas não ajudarão a mitigar o aquecimento do planeta. Muitos desses representantes de nações, de volta a seus países, terão de enfrentar seus problemas e afazeres domésticos. Crises políticas, turbulências econômicas e eleições. Corre-se o risco de virar uma agenda secundária, apesar de as resoluções definidas no Acordo de Paris, em 2015, serem um trato entre Estados, e não de governos passageiros.

Devem ser celebrados acordos como o fechado entre mais de cem países, entre eles o Brasil, para reduzir em até 30% as emissões de metano até 2030. Da mesma forma, é preciso exaltar o compromisso para acabar com o desmatamento também até o final da década. As economias mais ricas, no mesmo sentido, acertaram eliminar o uso de carvão também no horizonte até 2030. Para os países mais pobres, o limite será 2040. Mas é preciso lembrar que, excluindo-se os países em que autocratas e grupos se eternizam no poder, muitos dos atuais presidentes ou primeiros-ministros nem sequer estarão nas mesmas funções até lá. 

Nada impede que, no meio do caminho, surjam ou voltem a dar as cartas chefes de Estado ou de governo que minimizem ou desdenhem dos alertas quanto às mudanças climáticas. E, mais importante do que isso, é preciso mostrar em detalhes como serão executadas as ações necessárias para atingir as metas definidas pelo Acordo de Paris, em 2015. A promessa para reduzir a liberação de metano, por exemplo, fica fragilizada por não terem sido definidas as contribuições de cada país. A recente crise energética ilustra o quanto o mundo ainda é dependente dos combustíveis fósseis. A migração para fontes limpas, portanto, deve ser acelerada para que essa transição seja feita sem traumas.

Os compromissos brasileiros ilustram bem um certo ceticismo. Durante a COP26, o governo Jair Bolsonaro pactuou uma redução em 50% da emissão de gases de efeito estufa até 2030. Anteriormente, a meta era de 43%. Anunciou ainda ao mundo o compromisso de zerar desmatamento ilegal em 2028, uma antecipação de dois anos. Para cumprir essas promessas, as ações teriam de ser imediatas, algo pouco crível diante do histórico recente do governo de discursos que menosprezam a emergência climática e medidas que enfraquecem órgãos de fiscalização. Cabe apenas ao governo brasileiro atuar para reverter a desconfiança. Com medidas práticas. Assim, o Brasil poderá ser de fato protagonista na luta global para limitar o aquecimento do planeta a 1,5°C em relação à era pré-industrial até o final do século.


06 DE NOVEMBRO DE 2021
LUTO NA MÚSICA BRASILEIRA

A sofrência do adeus inunda as redes sociais

A morte da cantora sertaneja Marília Mendonça, que estava em um avião que caiu em Minas Gerais na sexta-feira, causou comoção no país e se refletiu em postagens emocionadas nas redes sociais. Famosos de diversas áreas, muitos deles amigos próximos da cantora, lamentaram a perda.

Sertanejos em peso manifestaram tristeza pela morte precoce da colega. O cantor Gusttavo Lima publicou uma foto com Marília e, na legenda, afirmou que "o Brasil chora com a sua partida". Naiara Azevedo trocou a foto de perfil no Instagram por uma imagem preta e, pelos stories, escreveu "luto". Simone, da dupla com Simaria, escreveu na mesma rede: "Descanse em paz, minha anja, que Deus conforte o coração de toda a família. Não dá para acreditar". A dupla Maiara & Maraísa, com quem Marília lançou o projeto Patroas, publicou nota de luto confirmando a morte da amiga.

No Twitter, a atriz e apresentadora Tatá Werneck lembrou que Marília deixa um filho pequeno, Leo: "Que tristeza senhor Deus. Meu Deus. Que tristeza senhor. Um filho pequeno. Uma carreira brilhante. Meu Deus. Que tristeza". A apresentadora Astrid Fontenelle dividiu com seus seguidores do Instagram seu pesar: "Uma mulher talentosa, mãe, pessoa gente finíssima".

A vencedora do BBB 21 Juliette Freire se manifestou em seu perfil no Twitter, lembrando também das famílias das outras vítimas do acidente: "Lamento profundamente a inestimável perda de Marília Mendonça. Mulher, artista, mãe e ícone brasileiro. Meu profundo sentimento às famílias de todas as vítimas. Que Deus acalme o coração de cada um deles".

O cantor Caetano Veloso usou sua conta no Twitter para homenagear a cantora: "O arrebatamento diante das Patroas e do trecho de show em que Leo Santana se apresenta ao lado dela e da banda Dida era tão grande que não só me pareceu justo que ela surgisse duas vezes na canção como que, em uma delas, seu nome viesse como Mar(av)ília Mendonça. Senti alívio quando li, cerca de uma hora atrás, notícia de que ela passava bem, apesar de estar num avião que caíra. Agora fiquei sabendo que, na verdade, ela morreu no acidente. Estou chorando. Acho que nem posso acreditar".


06 DE NOVEMBRO DE 2021
MARCELO RECH

Coordenadas erradas

Aqui em Haia, na Holanda, há um bairro que guarda as cicatrizes de um dos maiores erros da Segunda Guerra Mundial. Dos bosques da cidade e arredores partiram cerca de mil dos 3 mil foguetes V-2 disparados pelos nazistas contra Londres. Na expectativa de destruir os lançadores móveis, a Royal Air Force, da Grã-Bretanha, planejou o bombardeio a um parque central onde se ocultavam as plataformas. Mas, por um equívoco brutal, os pilotos receberam as coordenadas erradas e 60 toneladas de bombas foram despejadas, em 3 de março de 1945, sobre o populoso bairro de Bezuidenhout, vizinho ao parque.

Com o bombardeio e os incêndios que se seguiram, 511 moradores morreram e mais de 3 mil prédios foram destruídos, entre eles cinco igrejas e nove escolas. Quando se deram conta do equívoco - a Holanda era vítima da ocupação nazista já havia cinco anos -, a RAF lançou panfletos pedindo desculpas à população. O que o desastre de Bezuidenhout ensina é que informações erradas, por melhores que sejam os objetivos, matam - o que é uma boa lição quando se perscruta a estratégia do Planalto para lidar com a pandemia do coronavírus.

É difícil acreditar ou provar que o presidente do Brasil procurou deliberadamente exterminar brasileiros. A hipótese é assustadora demais e, sem evidências definitivas, é improvável que Jair Bolsonaro venha um dia a ser julgado e condenado pelo Tribunal Penal de Haia, cuja corte, por sinal, fica a meros três quilômetros do bairro de Bezuidenhout.

Mas fica a cada dia mais cristalino que o presidente abraçou as coordenadas erradas para combater o coronavírus. Por mais tortuosa que seja, essa linha de ação partia da noção de que a melhor forma de vencer o vírus seria o contágio coletivo, sobretudo dos mais jovens, de forma a evitar um colapso social e da economia. Com sua visão peculiar de mundo, Bolsonaro aderiu à tese. Por isso, promoveu aglomerações, condenou as máscaras e o distanciamento, resistiu e ainda faz vista grossa à vacinação e espalha sandices há muito sepultadas ou ignoradas em outras paragens, como a defesa de medicamentos milagrosos ou o risco de aids em razão da imunização.

Na última semana, o Brasil contabilizou quase 22 milhões de contaminados pelo vírus, com 608 mil mortos, uma letalidade de 2,8%, segundo o Ministério da Saúde. Apenas para efeito de imaginação, suponha-se que a imunidade coletiva sem vacinação requeresse o contágio de ao menos 60% da população. O número de mortos chegaria a assombrosos 3,5 milhões de brasileiros, nada menos que 2,9 milhões a mais. Esse seria o desfecho macabro das coordenadas erradas acolhidas por Bolsonaro, de quem, felizmente, se retirou das mãos as alavancas que abriam os compartimentos de bombas.

MARCELO RECH

06 DE NOVEMBRO DE 2021
INFORME ESPECIAL

Paternidade Irmãos Zaffari doam R$ 10 milhões para a Santa Casa

A Santa Casa de Porto Alegre recebeu uma doação de R$ 10 milhões para as obras do Hospital Nora Teixeira. A oficialização foi feita durante a semana, na visita dos irmãos Cláudio e Airton Zaffari à instituição. Em companhia de Nora Teixeira e de Helena Dahne Bartelle, foram recebidos pelo provedor Alfredo Englert e pelos diretores Julio Matos e Jader Pires.

- A generosidade da família Zaffari faz com que o Hospital Nora Teixeira, que representa a sustentabilidade e o futuro da Santa Casa, cada vez mais seja realidade - celebrou Engler, ressaltando que a obra trará um grande impacto na assistência à saúde de milhares de pacientes do Sistema Único de Saúde do RS e do Brasil. O novo Hospital Nora Teixeira oferecerá 219 leitos com foco no atendimento privado e uma nova emergência exclusiva para o atendimento dos pacientes SUS, com 2,4 mil metros quadrados.

Ao mar

Uma equipe de engenharia de uma empresa suíça desembarca em Porto Alegre dia 18. Do Salgado Filho, pegam a Freeway em direção ao Litoral Norte. Eles são da Kibag, que detém a tecnologia do Ahadur, um concreto de altíssimo desempenho, reforçado com fibras. O objetivo da missão é ver de perto as possibilidades de restauração da Plataforma de Atlântida. A iniciativa de salvar um dos cartõe- postais mais conhecidos do RS terá momento decisivo. De acordo com deputado Jerônimo Goergen, a recuperação da estrutura será a primeira com a técnica no Brasil. O produto já está armazenado no Porto de Santos e em processo de certificação junto ao Ministério da Infraestrutura.

TULIO MILMAN

06 DE NOVEMBRO DE 2021
J.R. GUZZO

Alcolumbre é um desastre sob todo os ângulos

O senador David Alcolumbre, do Amapá, é um desastre. Foi eleito para o seu cargo, no qual tem igualdade com qualquer outro colega, com um punhado miserável de votos - não conseguiria ser prefeito de Londrina com a votação que teve. Seu suplente, que ficará em seu lugar caso ele seja cassado ou renuncie, é pior ainda: é seu irmão, e não teve um único voto. Isso mesmo: nenhum. Suplente, no Brasil, não precisa ser eleito por ninguém.

Há meses o senador Alcolumbre se comporta como um arruaceiro. Por rancor, mesquinharia e interesses pessoais contrariados, recusa-se a colocar em votação no plenário, como presidente da Comissão de Constituição e Justiça, o nome indicado pelo presidente da República para ocupar o cargo que está vago no Supremo Tribunal Federal. Não há precedente, no Senado, de prevaricação grosseira como essa.

Para completar, o senador acaba de ser acusado de comandar uma "rachadinha" gigante, uma das piores de que se tem notícia - funcionárias de seu gabinete, para as quais você paga salários de R$ 14 mil por mês com os seus impostos, recebem, na verdade, pouco mais de R$ 1 mil. O resto... bem, imagine-se para onde está indo o resto.

Alcolumbre é uma prova provada da falência terminal das instituições democráticas no Brasil. Como falar em "democracia" e "Estado de Direito", se o sistema político, legal e eleitoral do país produz calamidades como ele - uma nulidade que frauda seu mandato, insulta o público e paralisa o país, na cara de todo mundo.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco - que quer, imaginem só, ser presidente da República -, e seus colegas senadores não se mostram, neste episódio de sabotagem, melhores do que Alcolumbre. Permitem, com um show inédito de conformismo e de pusilanimidade explícita, que ele se recuse flagrantemente a cumprir seu dever legal; dizem que não querem "interferir".

Um país montado desse jeito, onde Alcolumbres e Pachecos mandam, e todos os demais pagam, não pode dar certo.

J.R. GUZZO

sábado, 30 de outubro de 2021

30 DE OUTUBRO DE 2021
LYA LUFT

Chegar em casa

Estar em casa: depois de mais uma estada de alguns dias no Moinhos, mais uma volta para casa.

Me disse uma amiga que, em geral, chegar em casa, mesmo depois de uma viagem deslumbrante, provoca sentimentos ou exclamações como "nada melhor do que a casa da gente!".

Não é bem verdade, mesmo em casas felizes são momentos, memórias ou fantasias. Um cálice de vinho na piazza em Veneza não é pior do que o espumante na sacada de casa, mas certamente há a sensação de enfim chegar de volta a um lugar talvez definitivo, aconchegos de longo tempo, lembranças boas - que às vezes a gente tem de mandar para o diabo.

Nessas noites no hospital, às vezes meio adormecida, eu acariciava a coberta macia e, por um instante, jurei que era o doce pelo de minha lulu Penélope.

Imitando Mario, direi que minha casa deve estar dentro de mim. Muito poético.

Muitas vezes nem sei quem é essa aqui dentro, tantas vezes conflitada, cansada, doente, impaciente.

Mas estar encolhida sob as cobertas com chuva e ventania lá fora não tem preço: é como chegar em casa depois de um triste exílio.

LYA LUFT

30 DE OUTUBRO DE 2021
MARTHA MEDEIROS

Sua estupidez, Brasil

Meu bem, meu bem, você tem que acreditar em mim... Estou apelando para Roberto Carlos, quem sabe ele me ajuda a dar uma cantada nessa pátria borocoxô. A pandemia nos entortou. Ninguém imaginaria que um ciclone viral se atravessaria na nossa história, nos atingindo a caminho do altar, da formatura, do aeroporto. De repente, tudo mudou. Adeus, liberdade para sair de casa a qualquer hora, abraçar desconhecidos, dividir o mesmo balcão do bar. Logo nós, célebres pela camaradagem e irreverência, viramos ursos hibernando no inverno e no verão, grudados 24 horas nas redes sociais. Teve que ser assim, mas agora, vacinados e retomando aos poucos a vida que a gente tinha, começamos a olhar para os lados e a contabilizar o estrago, como sobreviventes que saem lentamente de um bunker. Todo mundo perdeu alguém ou alguma coisa, quem é que venceu? A estupidez.

Ninguém pode destruir assim um grande amor... Mas aconteceu. Mesmo sendo uma nação fragmentada pela desigualdade social, o bom trato nos unia: ser afável não era a exceção, e sim a regra. Havia oposições, discordâncias, mas a bandeira do país era de todos. Torcidas brigavam, às vezes a flauta passava do ponto, mas não havia esse climão, essa brutalidade que não é espontânea, e sim estimulada.

Não dê ouvidos à maldade alheia, e creia... A despeito de tantos problemas, o alto-astral era nosso cartão de visitas, lembra? Chegava a ser difícil explicar como havia tanta gente risonha em meio a tanta carência, mas era fato: o ar não pesava. Mesmo na corda bamba, matando um leão por dia, todo brasileiro tinha no DNA o gene da bossa. Terra de gente divertida, de explosão de ritmos, de erotismo sem culpa. Sempre fui muito crítica ao país, mas nunca desdenhei da nossa alegria, da nossa extraordinária natureza e da nossa arte, três grandes motivos de orgulho. E que agora estão aí, desbotados, minguando.

Quantas vezes eu tentei falar, que no mundo não há mais lugar, pra quem toma decisões na vida, sem pensar... Minha voz é apenas mais uma entre diversos brasileiros que estão todos os dias escrevendo, debatendo, postando notícias com fonte segura, refletindo com seriedade sobre o país, trazendo à tona nossa história e ancestralidade, valorizando mais do que nunca o conhecimento, as pesquisas científicas e as crenças espirituais voltadas para o acolhimento sem exclusão. O material da casa é farto e está à disposição de quem deseja se aprofundar, enquanto o mundo, lá fora, observa espantado esse Brasil que em tão pouco tempo trocou o violão pelo fuzil, a simpatia pelo desaforo.

Sua estupidez não lhe deixa ver... que ainda te amamos, Brasil, ou não estaríamos insistindo tanto para você acordar desse pesadelo e voltar à sua luminosidade original.

MARTHA MEDEIROS 

30 DE OUTUBRO DE 2021
CLAUDIA TAJES

Que que é isso, minha gente?

Foi um estranhamento na primeira vez em que ouvi. Uma mulher narrando futebol na televisão, sério? Pessoalmente, gostei, tanto quanto gosto quando a Edina é a juíza das partidas ou quando as bandeirinhas dividem o gramado com seus colegas de pernas mais peludas.

Achei a voz da Renata Silveira bonita e acolhedora, gostei do timing - como se diz em português - da narração, das opiniões pertinentes. Passei a prestar atenção nos jogos narrados por ela e ouvi também a Isabelly Morais. As outras narradoras, mil perdões, ainda não conheço.

Por tudo isso, também estranhei quando soube que muitos telespectadores reclamam quando uma narradora é escalada para transmitir os jogos dos seus times. O post de alguém sobre o assunto transbordou o pote até aqui de mágoa, e de preconceito, e de grosseria, e de machismo, sobre a entrada das mulheres no seleto clube dos narradores. Disse o vivente: quem inventou que mulher sabe narrar futebol?

Abaixo, alguns comentários que selecionei entre os que apoiaram a manifestação pouco polida, para dizer o mínimo, do sujeito.

"A voz delas é irritante."

Quase chego a ouvir a voz de quem escreveu isso, uma voz meio fina, alta demais, voz de contar bravata entre amigos no posto de gasolina. As vozes das narradoras são música perto desse quadro auditivo do inferno.

"Elas nem sabem o que estão narrando!"

Sem medo de errar, diria que esse é um típico praticante do mansplaining - a prática masculina de explicar qualquer assunto para as mulheres em tom professoral, como se elas não soubessem nada de nada. O pior é que boa parte do conhecimento desse personagem dos nossos dias é adquirido na Universidade do Zap Zap.

"Elas gritam muito!"

Como é que é? Às vezes parece que o Galvão vai sofrer um colapso, de tanto que berra. Ou que o Pedro Ernesto vai ter uma síncope, fora todos os outros que deixam a laringe colada no microfone depois da transmissão. Aí o pessoal diz, na cara dura, que as narradoras gritam? É aquela coisa, para esculhambar não precisa de argumento, basta uma conta no Facebook.

"Quando é mulher narrando, eu já sei que o meu time vai perder."

Não, amigo. Teu time vai perder porque é pior do que o adversário, ou porque está em crise, ou porque é mal treinado, ou porque faltou sorte, ou tudo isso junto. Certamente a narradora não tem nada a ver com a tua desgraça.

O mais incompreensível, na minha opinião corporativista, é quando as próprias mulheres pegam carona no preconceito. Tomara que case com um jogador e pare de trabalhar, disse uma telespectadora para os KKKKKKK de seus pares. Aí tu me quebra as pernas, querida.

Que fique claro: ninguém é obrigado a gostar da narração feminina. Só espanta que tantos se incomodem a ponto de querer acabar com ela. Que que é isso, minha gente? As gurias são profissionais, preparadas, sabe-se lá o quanto ralaram para chegar na sua sala. Fácil não deve ter sido, ou não teríamos só três ou quatro narradoras em atividade.

CLAUDIA TAJES