sábado, 12 de fevereiro de 2022


12 DE FEVEREIRO DE 2022
TORRES

Caminhos para fugir do óbvio

Trilhas guiadas e gratuitas pelo Parque Estadual da Guarita proporcionam experiência para além das conhecidas belezas naturais

Um novo olhar para o Parque Estadual da Guarita: esta é a proposta da Secretaria Municipal de Turismo de Torres ao criar quatro trilhas gratuitas no local, oferecidas com acompanhamento de guia e diferentes níveis de dificuldade. O roteiro, inaugurado no final de janeiro, vai além das belezas naturais já conhecidas. É possível saber mais sobre a história e a biologia do lugar, e até sobre as lendas que passam de geração em geração.

Segundo o turismólogo e guia de turismo Francisco Reis, o principal propósito é trabalhar a educação ambiental dentro do parque, ação já incluída no plano municipal de turismo:

- A intenção é que os turistas venham, conheçam, amem e nos ajudem a preservar.

Hoje, o Parque Estadual da Guarita é um sítio geológico com relevância internacional. Até por isso, Torres integra o grupo de sete cidades - três gaúchas e quatro catarinenses - que fazem parte do projeto Geoparque Caminhos dos Cânions do Sul. O projeto está na última etapa de análise da Unesco para ser reconhecido como geoparque mundial - uma área onde sítios e paisagens de relevância geológica internacional, aliados a bens culturais e naturais, recebem estratégias de desenvolvimento sustentável com o foco na conservação do patrimônio.

As novas trilhas foram divididas em níveis de dificuldade, extensão e tempo de percurso, indo do fácil ao difícil. Há uma agenda com dias e horários para os passeios, e as inscrições podem ser feitas no pórtico do Parque. Os grupos têm, no máximo, 15 pessoas. As inscrições podem ser feitas no pórtico da entrada do Parque. É aconselhável que os interessados usem roupas leves, bonés, tênis adequado, levem água e usem protetor solar. Também são seguidos os protocolos vigentes de prevenção à covid-19.

Na companhia de Francisco e do oceanólogo e guia de turismo Geraldo Medeiros Lima, a reportagem de ZH fez nesta semana o roteiro mais longo - a Trilha Vermelha - e destaca os principais pontos da experiência. Confira a seguir.

 ALINE CUSTÓDIO


12 DE FEVEREIRO DE 2022
+ ECONOMIA

Uma cachaçaria na terra do vinho

Conhecida pelas vinícolas que formam o Vale dos Vinhedos, Bento Gonçalves, na serra gaúcha, também abriga atrações turísticas para os fãs de outras bebidas. É o caso da Casa Bucco, cachaçaria com plantação de cana-de-açúcar de 19 hectares, que construiu a sua história na "terra do vinho".

Em 1925, os imigrantes italianos da família Bucco começaram a produzir cachaça de alambique na região. Por anos, a produção foi organizada de uma forma regionalizada. Em 2000, o consultor técnico em bebidas Moacir Menegotto assumiu a casa e incorporou a produção de outras bebidas destiladas.

Segundo Matheus Menegotto - filho de Moacir e um dos administradores do empreendimento -, foi o seu pai quem identificou o potencial turístico da propriedade e passou a desenvolver o modelo de gestão que é utilizado pela empresa atualmente.

No local, clientes e visitantes podem comprar produtos, conhecer o processo de fabricação e se hospedar na pousada que fica dentro da propriedade.

A imersão na cultura da cachaça é um forte atrativo do local, mas não é o único. Localizada no Vale do Rio das Antas, a casa oferece aos seus visitantes paisagens de "encher os olhos". Durante a estadia na pousada, os hóspedes podem realizar "ecoatividades" como trilha com duração de três horas.

Matheus explica que a localização não é só benéfica para o turismo, mas também para a produção da cana-de-açúcar:

- Durante o inverno, na região próxima do Rio das Antas existe a presença de intensa neblina. Por conta disso, ocorre um microclima propício para a produção da matéria-prima.

Desde 2012, a empresa passou a produzir também de maneira orgânica. Ou seja, o cultivo não inclui fertilizantes químicos ou pesticidas, e o trato é manual.

Para visitar o local, não é necessário agendamento prévio. A casa fica aberta das 9h às 17h. Quem deseja se hospedar na pousada deve entrar em contato por meio do e-mail reservas@casabucco.com.br ou pelo telefone (54) 99129-1586.

RAFAEL VIGNA INTERINO

12 DE FEVEREIRO DE 2022
MARCELO RECH

Alvo errado

Quando vai chegando a eleição presidencial, desconfie dos políticos que atacam o "mercado", um suposto inimigo oculto ideal para fertilizar teorias da conspiração e a unção do candidato, é claro, que o fará se dobrar a sua vontade. O tal mercado, não custa lembrar, é um ente formado por toda e qualquer transação econômica. Quando você compra um ovo, está - ainda que em parcela ínfima - ativando a lei da oferta e da procura. Se muitos comprarem ou deixarem de comprar ovos de repente, os preços tenderão a oscilar. E, se não houver confiança dos produtores de ovos, eles escassearão, o que pode levar a uma corrida pelos ovos remanescentes, para o desabastecimento e uma disparada nos preços.

Ninguém terá apertado um botão de maldades. O mercado se regula em quaisquer circunstâncias ou sistemas econômicos e, quanto mais intervenções sofre, mais escapa do controle. A Turquia é um desses casos. O presidente Recep Erdogan é um autocrata que decidiu intervir na marra na taxa de juros, mandando seu Banco Central derrubá-la contra todas as evidências em contrário. Resultado: a lira turca desabou 40% e a inflação anual chegou em janeiro passado a 48,7%. Como bom populista, Erdogan culpou o serviço de estatística, e trocou seu diretor pela quarta vez.

Afrontar as leis básicas do mercado pode render o apoio transitório de quem está sufocado por juros ou preços altos. José Sarney e Collor de Mello buscaram a popularidade fácil e congelaram os preços. Só criaram mais desabastecimento, inflação e juros. Caíram em desgraça, assim como Dilma Rousseff e sua obsessão por intervenções estatais, a exemplo da desastrosa interferência no sistema energético há 10 anos.

Não se pense também que o mercado é um filho perverso do capitalismo. O papel de malvadão cabe ao mercado paralelo, esse sim um rebento típico de sistemas totalitários e economias sob tutela absoluta do Estado. Em minhas andanças por União Soviética, Cuba e Venezuela de prateleiras esvaziadas, sempre topei com economias subterrâneas onde podia-se comprar do bom e do melhor desde que se tivesse dólares no bolso ou se fosse apaniguado do poder. O mercado paralelo não dá bola para ideologias ou bravatas. Quanto mais intervenção, mais negócios nas sombras e mais crise - principalmente para os mais pobres e a classe média.

Na busca desesperada pela popularidade, o presidente Jair Bolsonaro desprezou leis primárias da estabilidade. Furou o teto fiscal, corroeu a confiança e agravou a inflação no Brasil, que, entre os principais países, só ficou atrás de quem no ano passado? Turquia e Argentina, outras campeãs da irresponsabilidade fiscal e do intervencionismo.

MARCELO RECH

12 DE FEVEREIRO DE 2022
J.R. GUZZO

Inflação nos EUA sem a gritaria do Brasil

Acabam de sair os números mais recentes, e eles não deixam dúvida. A inflação nos Estados Unidos, nos últimos doze meses, chegou aos 7,5%. Na última medição, no início de janeiro, o índice estava em 7%; subiu mais, e não se trata de um fenômeno "fora da curva", pois ficou claro que a "curva" é essa mesma. Ou seja: há, sim, inflação alta na economia americana, e ela tende a ficar por aí. Muito bem. Houve pânico? Não houve. É o fim do mundo? Não é. É unicamente o resultado inevitável de dois anos com a economia fechada pelas políticas de lockdown e suas similares que foram adotadas para lidar com a Covid-19. Não poderia dar outra coisa. Não deu.

É certo que há 40 anos, desde 1982, não havia inflação pior nos Estados Unidos. É certo, também, que foi necessário esperar um presidente como esse que está lá, com o seu passeio ao acaso pelos "investimentos sociais" e as suas tentativas de fazer a revolução através de atos administrativos, para se despencar tão fundo. Mas a palavra-chave continua sendo a Covid. Reduziram a produção a quase nada, socaram dinheiro de "ajuda emergencial" em cima de pessoas e empresas, e a consequência é essa aí. Dinheiro doado, em vez de produzido, gera inflação sempre - lá, aqui e no resto do mundo.

Não faz nexo, portanto - mas raramente faz nexo, quando se trata da opinião de economistas brasileiros -, o escândalo levantado no momento em torno da inflação brasileira de 10% ao ano. Queriam o quê? Quanto menos do que esses 10% para ficarem mais calmos? Qual o número que sugerem a respeito? Metade disso? Nada?

Se a inflação americana está em 7,5%, o Brasil tem mais é de dar graças a Deus por estar onde está; não pode ter menos, simplesmente. Problema tem a Argentina, que está com mais de 50% no lombo, ou a Venezuela, com cerca de 700%. Mas a respeito desses não se dá um pio; os companheiros-comandantes Fernandez e Maduro são o modelo econômico, político e ético da esquerda nacional e, de mais, a mais, a culpa pelas suas desgraças é do "bloqueio econômico" americano.

A esquerda ouve essas coisas e fica em estado de agitação extrema; nada irrita tanto essa gente toda, economista ou não, do que um número como os 7,5% da inflação nos Estados Unidos. É uma realidade. Não dá para dizer que ela não existe, ou que a inflação americana é de 1%. Mas em vez de encarar e seguir em frente, atrás de outro assunto, fazem questão de continuar dizendo que o Brasil morreu. Não adianta nada. Não muda a inflação americana. Não muda a inflação brasileira. Fica apenas tudo igual.

J.R. GUZZO

sábado, 5 de fevereiro de 2022


05 DE FEVEREIRO DE 2022
MARTHA MEDEIROS

O resto pode esperar

A cada vez que você procura um livro na estante, você pensa: "preciso organizá-los em ordem alfabética". Acertei? Pois é, mas nunca tem tempo, e acaba demorando para encontrar o exemplar que buscava. O mesmo se dá quando percebe que o antúrio está pegando sol e dizem que não é aconselhável, qualquer hora você irá trocar a planta de lugar, assim como qualquer hora irá comprar uma panela pra substituir aquela que está sem cabo. Uma hora dessas você vai descartar os remédios fora da validade. E irá abrir a lata de atum que comprou em 2019. O que não faltam são horas pela frente, dias e semanas a seu dispor, não precisa ser agora-agora.

Aquela mancha na parede que você disfarçou colocando uma árvore artificial na frente - antes do fim do mês você chamará um pintor. O móvel da sala está infestado de cupim, sua funcionária já alertou, um dia isso virá abaixo, diz ela, tem que tomar uma providência. Não demora você irá tomar. O edredom que o gato rasgou, é preciso resolver: ou corta as unhas desse bichano ou dá outro jeito. Você: eu sei, eu sei.

Pois é, a gente paga as contas em dia, retorna as mensagens, providencia comida para a despensa, não protela o trabalho, a vida funciona do jeito que tem que funcionar, mas como dar conta de todo o resto? Do gigantesco universo das insignificâncias que se escondem por trás da cortina (que precisa de uma lavagem) e dentro daquela gaveta empanturrada de recibos antigos que precisam ser jogados fora? Para onde quer que você olhe, existe uma pendência aguardando a vez. Mas não precisa ser logo hoje.

Tem coisas que não dá para adiar: fazer exercícios, cumprir os compromissos de trabalho, telefonar para a mãe, atender as demandas dos filhos e reservar um tempinho pra ele, pra ela: ninguém é louco de procrastinar um amor. Entre uma coisa e outra, você promete a si mesma que irá arranjar uma tela antiderrapante para colocar embaixo do tapete e chamar o moço que regula o ar-condicionado, da semana que vem não passa.

O marido da sua amiga pegou covid, um primo anda tendo tonturas, uma conhecida arrasou na live, um ex-colega de trabalho se separou. Você mandará um WhatsApp pra todos eles - daqui a pouquinho.

Já já você agendará a colonoscopia que deveria ter feito em outubro. O trinco da porta está meio frouxo, mas deve resistir até o carnaval. Aquele saco enorme de lenhas ainda está atravancando a garagem do prédio, mas qual o problema de permanecer lá até o início do inverno? Ok, ok, só que agora não dá, são nove horas da manhã e você ainda não postou nada no Stories nem bisbilhotou o Instagram dos outros, primeiro as prioridades.

MARTHA MEDEIROS

05 DE FEVEREIRO DE 2022
CLAUDIA TAJES

Uma casa pede ajuda

Na contramão de outros crimes, os feminicídios cresceram no Rio Grande do Sul em 2021. O aumento foi de 23% entre janeiro e novembro na comparação com o mesmo período de 2020.

Feminicídio, como se sabe, são os assassinatos de mulheres motivados por gênero. E, a se julgar pela quantidade desses crimes que o jornal nos traz nesse começo de 2022, nada indica que os números vão melhorar.

Matou porque ela quis terminar o relacionamento. Matou porque ela começou outro relacionamento.

Matou em uma briga por ciúme. Matou porque ela contou para a mãe que apanhava. Matou a mãe dela junto. Matou porque bateu nela desde sempre e, dessa vez, exagerou.

O outro lado desse drama acontece quando a mulher quer romper com a situação de violência e não sabe a quem recorrer, seja por não ter família ou morar longe dela, seja por não ter para onde ir. É aí que entra o tema desta coluna, a Casa de Referência Mulheres Mirabal.

A Mirabal surgiu em 2016, primeiro em uma ocupação na Duque de Caxias. De propriedade dos Irmãos Salesianos, o casarão estava desocupado havia quatro anos, e assim permanece desde que as acolhidas e seus filhos foram despejados de lá em 2018. Desde então, a Mirabal funciona em uma escola abandonada de Porto Alegre e atende as mulheres em situação de risco com uma rede já estruturada que inclui assistentes sociais, advogadas, psicólogas e outras voluntárias coordenadas pelo Movimento de Mulheres Olga Benario.

Hoje as meninas têm uma horta comunitária, promovem feiras, oficinas de recreação e artes para as crianças e de qualificação profissional para as mulheres acolhidas. Dentro de uma realidade de incontáveis necessidades e privações, as coisas estavam nos eixos. Até que, em 1º de dezembro, a CEEE cortou a luz da Mirabal por dívidas anteriores às da ocupação.

Isso significa que adultas e crianças estão passando o verão mais quente dos últimos tempos sem sequer o consolo de um ventilador e de uma geladeira. Procurada para negociar, a prefeitura respondeu que o grupo não é regularizado, nem conveniado com o município, o que impede qualquer tipo de acordo.

Parece bem ruim, mas senta que vai piorar.

Há pouco, um promotor classificou o local como "inadequado para receber famílias na modalidade de acolhimento institucional", além de "não preencher os requisitos necessários para funcionamento na condição de casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar". Argumentos, vamos combinar, que em nada importam para quem encontrou dignidade e segurança na Mirabal.

Resumindo: um abrigo para vítimas da violência doméstica em que as mães não são separadas de seus filhos e que, como casa de passagem que é, trabalha pelo encaminhamento de mulheres que não tinham horizonte algum, corre o risco de um novo despejo.

De mais uma violência.

Enquanto tenta convencer o Ministério Público de que precisa continuar em atividade, a Mirabal segue lutando para sobreviver. Doações de alimentos e produtos de limpeza podem ser entregues na Rua Souza Reis, 132, das 9h às 17h, todos os dias. Também é possível apoiar com qualquer quantia pelo Pix mulheresmirabal@gmail.com. Maiores informações pelo celular (51) 99332-6597.

Prefeito Melo, que tal conversar com as meninas da Mirabal?

CLAUDIA TAJES

05 DE FEVEREIRO DE 2022
LEANDRO KARNAL

Na semana que passou, cheguei a 59 anos. No próximo ano, 2023, estarei com a idade de poder estacionar em alguns lugares mais próximos do elevador, passar para a fila preferencial e chegar ao título de sexagenário. O tiozão de 40 fala do dilema pavê/pacomê; o tiozão de 60 afirma ser sexy-sagenário. Esperam sempre existir graça nas frases gastas. Deveria existir um estudo de tiozão por tipo de piadas.

Porém, ainda não tenho 60. Falta um ano. Parece um limite aleatório, mas real. Ter 59 se aproxima daquele recurso de vendas: leve a camiseta por 59,99! Ufa, ainda não custa 60! O consumidor "sabe" que o valor de 59,99 é muito mais baixo do que 60 e leva o produto.

Passarei a ter duas opções na caminhada da melhor idade: a primeira, muito comum, é usar roupas de adolescente, dizendo aos amigos, espantados, que minha cabeça se sente jovem (entretanto... minha coluna ri dessa fantasia). Posso fazer coisas como aula de surfe ou skate e, principalmente, postar minhas ações juvenis. Na mesma toada, posso colocar uma foto no Whats uns 20 anos mais novo. Várias amigas e amigos usam o recurso. A imagem, amarelada, copiada de uma foto tradicional revelada, mostra muito mais minha dor do que minha juventude.

A segunda situação do processo de amadurecimento é oposta: passo a enfatizar roupas de respeito e hábitos de gente idosa. Alguns voltam a suspensórios, outros compram abotoaduras, há quem se encante de novo pela abandonada caneta-tinteiro. É quase um processo de restauração histórica: removo as muitas camadas do tempo e mostro o afresco original, antigo, gasto, mais próximo da inauguração do prédio.

Não tenho saudade da minha juventude. Apresento, claro, ligeiras memórias melancólicas de poder sair de casa sem óculos, sem remédios, sem lenço e sem documento. O mundo vai ficando mais pesado, mais carregado, mais cheio de seguros de saúde e planilhas de gastos. Porém, reconheço que, no geral, estando em um momento produtivo e sem doenças graves no horizonte, encaro bem a maturidade.

A memória ainda não falha, todavia o cansaço vai se tornando um pouco mais estrutural. Não é exatamente exaustão física, porém de vontade. "A festa começa às 21h? É tarde... Devem servir o jantar pelas 23h. Vai dar refluxo de madrugada. Quem vai estar lá também? Ah não, esta pessoa é insuportável..." São muitas considerações que a idade vai acrescentando. A cama, em casa, se torna, a cada ano, mais confortável e sair do ambiente doméstico, crescentemente, desafiador.

O cômputo geral é muito positivo. Tenho menos vontade de sair do que na juventude, porém, muito mais desejo de ler bons livros e encontrar os poucos e seletos amigos. Uma música maravilhosa e uma taça de vinho fazem uma festa em si, portátil e boa. Os dramas alheios ficam, cada vez mais, alheios. A opinião do mundo sobre mim ainda causa espanto, no entanto, cada vez mais, é do mundo, não minha. Minha meta é chegar a um ponto em que se torne 100% opinião alheia.

Não sou notavelmente paciente desde a infância. Aprendi a dialogar mais com minhas falhas e as dos outros nos últimos anos Sei, hoje, que tudo traz embutido um custo: de tempo, de dinheiro ou da cota de paciência. Um jantar para quatro pessoas causa-me mais alegria do que uma festa para cem. Homenagens amplas ficam um pouco pesadas: melhor um brinde a dois. Preciso pouco de roupas novas, com exceção daquelas que me colocam para gravar algo na televisão. Não estou mais humilde ou sábio, apenas dirijo minha vaidade para outros focos. Já viajei muito: gostaria de voltar a alguns lugares sozinho, a dois ou com três ou quatro amigos. Aquilo que fiz no passado (exemplo: 30 cidades em 40 dias) não quero repetir. Foi necessário. Passou.

Quero fazer de novo ousadias da juventude: pegar um trem, um ônibus, caminhar muito e, enfim, ver um quadro único em um museu regional, sem fazer fotos, apenas emocionado diante daquele lugar pequeno com uma obra de arte impactante. Lembro-me de ter me desviado muito para ir a Mântua, no palácio Te, para ver uma obra de Giulio Romano, o aluno maneirista de Rafael: A Queda dos Gigantes (Sala dei Giganti). Esse é o tipo de coisa que eu faria de novo, pela beleza da sala e pelo isolamento em alguns momentos. Fiz o mesmo para chegar até a Capela Rothko, em Houston. 

Um restaurante que servia uma burrata especial em Milão representou uma saga a pé. Lugar simples, depois de um espetáculo no Scala. Um barco pequeno e um pôr do sol em família na praia do Sancho, em Fernando de Noronha. Um dia comum e dar de comer a carpas coloridas no Pavilhão Japonês do Ibirapuera. Uma flutuação lenta e calma em Bonito, Mato Grosso do Sul. Um jantar perfeito com um amigo em torno de um bacalhau frito em um restaurante despojado no Brás, em São Paulo. Um banho de banheira olhando o Himalaia com os picos iluminados, solenes e eternos. Uma festa a fantasia para celebrar o aniversário da minha mãe e da minha irmã. Momentos todos felizes, momentos de parar o tempo, momentos de meditação e de prazer. As boas memórias voltam com força e tornam a vida mais intensa até hoje.

Estou quase lá. Não sei onde é lá, mas tenho gostado da jornada. Foram, como diz o trivial parabéns, muitas felicidades e muitos anos de vida. Quero aprender mais e ter mais alguns desses momentos. A vida tem sido, sempre, repleta de esperança pelo bem que recebi e pelo que distribuí. No fim, aos 19 ou 59, sempre a esperança de seguir bem e ser feliz. Obrigado a vocês, leitores e leitoras, admiradores e críticos. Um ano extraordinário para todos nós.

LEANDRO KARNAL

05 DE FEVEREIRO DE 2022
EUGÊNIO ESBER

SENHORES DO TEMPO

No meu sonho, havia um sujeito simpático parecido com um grande amigo de infância que eu tive. Não lembro de mais nada, a não ser de que era uma presença boa, que me dizia algo sobre o tempo e que me contemplava com um olhar sereno.

Fiz meu chimarrão cedo, e o primeiro gole que puxei foi bem longo, aquele que se toma fechando os olhos e espraiando a mente. O que aquela doce figura quisera me dizer sobre o tempo? Por que irrompeu no meu sono? Acaso era o emissário de alguma camada mais profunda de minha consciência, a vir me curar de alguma aflição sobre o tempo dos homens, e das coisas?

Engoli devagarzinho as divagações até o ronco final da cuia.

O trabalho chamava. Como em muitos outros dias típicos, o assunto dominante, no noticiário, era vacina. Aliás, me engano. Logo percebi que a questão de fundo não era sobre outra coisa senão sobre... o tempo.

Uma notícia vinda dos Estados Unidos, e desdenhada pelos veículos do "Consórcio de Imprensa", dava conta de uma decisão judicial de primeira instância que tive de ler mais de uma vez, dado o estupor que me causou. Um grupo de médicos norte-americanos "Pela Transparência" havia solicitado, com base na lei local de acesso à informação, que a Food and Drug Administration (FDA) disponibilizasse os documentos que havia recebido da Pfizer e que deram base à decisão da agência de conceder o registro definitivo à vacina naquele país. A FDA, órgão regulador de atribuição semelhante à da Anvisa no Brasil, informou que não poderia atender ao pedido dos médicos - não no prazo solicitado por eles, 3 de março de 2022. A agência ponderou que teria de fazer uma análise minuciosa de 329 mil páginas de documentos antes de liberá-los, pois precisava reter, sob sigilo, informações confidenciais de natureza comercial do fabricante, a Pfizer/Biontech, e também dados pessoais de quem participou dos testes clínicos.

Tudo parecia razoável, a demanda dos médicos e a resposta da FDA. Mas eis que a agência, para talvez demonstrar quão impraticável seria a liberação de todo aquele material, fez um cálculo assustador. Com base na sua estrutura humana e material, previu que conseguiria liberar só 500 páginas por mês. Levaria, portanto, quase 55 anos para disponibilizar as 329 mil páginas.

55 anos!

Os médicos recorreram e a Justiça, em sua primeira decisão, deu razão à inconformidade deles com as alegações da FDA. Um novo cronograma, mais "razoável", deve ser construído em nome da transparência.

Desde o início da pandemia, lemos e ouvimos que o desenvolvimento de vacinas em tempo recorde é uma proeza da ciência e que fazer perguntas ou expressar dúvidas sobre tal celeridade é obscurantismo. Pois admitamos que sim, que a pandemia tenha legado à humanidade semideuses, senhores do tempo capazes de garantir segurança e eficácia de vacinas em prazo recorde, sem observância de todas as etapas de pesquisa. Acreditemos que o homem subjugou o tempo e o tornou irrelevante.

A pergunta que os senhores do tempo precisam responder é por que a documentação da vacina, aprovada em alguns meses pela FDA, demanda 55 anos para ser aberta ao escrutínio público.

Encontrar sentido na realidade se tornou, por vezes, mais difícil do que interpretar sonho.

EUGÊNIO ESBER

05 DE FEVEREIRO DE 2022
DRAUZIO VARELLA

BOLSONARO E SEUS ACÓLITOS ESTÚPIDOS DESTROEM SAÚDE PÚBLICA IMPUNEMENTE

A Justiça precisa punir os criminosos que atentam contra a saúde pública. Se continuar de braços cruzados, tem que explicar para a sociedade por que razão não o faz.

No último fim de semana fui convidado a participar de um abaixo-assinado redigido por professores da USP, em repúdio a um documento do Ministério da Saúde que teve o descaramento de insistir na farsa da eficácia da hidroxicloroquina, característica que faltaria às vacinas, segundo eles.

Assinei, claro, como o fizeram 45 mil colegas nas primeiras 24 horas. Apesar da adesão em massa, estou certo de que será mais uma ação incapaz de alterar o rumo das políticas adotadas por um ministério desmoralizado, comandado por um lambe-botas incompetente, com credibilidade abaixo de zero, que envergonha a nossa profissão sob o olhar subserviente do Conselho Federal de Medicina.

Há um ano, jornalistas, médicos e cientistas aparecem nos meios de comunicação de massa para repetir à exaustão que as vacinas são seguras e protegem contra as formas graves da doença, afirmações defendidas por todas as sociedades médicas. Não conheço um único médico com um mínimo de formação científica que conteste a necessidade de vacinarmos a população; os que atacam as vacinas na internet ou no governo são ignorantes, curtos de inteligência ou mal intencionados, não há quarta alternativa.

Em contraposição, o ministro e seus auxiliares encarregados do trabalho sujo fazem o possível para desacreditar a vacinação e semear dúvidas sobre a segurança das preparações aprovadas pela Anvisa, uma das agências mais respeitadas do mundo.

O empenho em confundir o povo é tão grande que o ministro da Saúde, acompanhado da ministra que teve o privilégio de receber Jesus no alto de uma goiabeira, viajaram para Lençóis Paulista decididos a explorar o caso de uma menina que teve parada cardíaca horas depois de receber a vacina.

A ministra se apressou a divulgar a "suspeita" pelo Twitter, sem mencionar que o laudo médico já havia concluído que o episódio não guardava relação com a vacina. Na mesma plataforma, o ministro curtiu a mensagem da colega.

Para completar o show de horrores e de oportunismo rasteiro, o próprio presidente da República se deu ao trabalho de telefonar para os familiares da criança, em contraste com o desprezo às 623 mil famílias brasileiras que perderam entes queridos na pandemia.

Enquanto na Inglaterra o primeiro-ministro pode cair por causa de uma festinha que contrariou as recomendações oficiais de isolamento social, no Brasil, o presidente, o ministro da Saúde e seus acólitos escolhidos a dedo nas catacumbas da estupidez humana conspiram contra a saúde pública sem que nada lhes aconteça.

Essa pandemia é mais prolongada do que esperávamos. A variante Ômicron se dissemina numa velocidade impressionante. Em mais de 50 anos de medicina nunca vi virose tão contagiosa. Os mais velhos diziam que a varíola era assim, mas não cheguei a ver porque a vacinação varreu o vírus da face da Terra.

Não podemos nos iludir, essa variante não vai nos imunizar coletivamente. Tenho vários pacientes que tiveram covid, receberam as três doses da vacina e adoeceram outra vez nas últimas semanas, embora com sintomatologia discreta.

Se a doença provocada pelas variantes anteriores não produziu níveis de anticorpos suficientes para evitar a infecção pela ômicron, que certeza pode haver de que não emergirá uma nova cepa capaz de driblar a imunidade induzida por ela? O SARS-CoV-2 permanecerá entre nós. Quanto mais contagiosa for a variante e mais pessoas não vacinadas disseminarem o vírus, mais tempo ele terá para sofrer novas mutações.

Enfrentar epidemia de tal complexidade exige especialistas competentes, coordenação centralizada, serviços de saúde organizados e políticos conscientes de suas responsabilidades, para convencer a população de que todos devem se vacinar e tomar os demais cuidados para reduzir ao máximo a transmissão.

Admitir que autoridades inescrupulosas se dediquem a fazer exatamente o oposto, pondo em risco a saúde e a vida de todos impunemente, é um péssimo exemplo para lidar com esta e com as futuras epidemias. A Justiça não tem o direito de se omitir, precisa deixar claro para as próximas gerações que crimes contra a saúde pública devem ser punidos com rigor em nosso país.

DRAUZIO VARELLA

05 DE FEVEREIRO DE 2022
SAÚDE MENTAL

VALORIZE O AUTOCUIDADO

NÃO ESTÁ SENDO FÁCIL PARA NENHUM DE NÓS: PRECISAMOS DE ENERGIA PSÍQUICA PARA ADMINISTRAR DEMANDAS E ADVERSIDADES DO COTIDIANO

Nossos dias têm sido marcados por emoções diversas, nestes dois últimos anos, com o enfrentamento da pandemia e de todos os impactos que o coronavírus causou à saúde mental e econômica das famílias. Nunca vivenciamos tantas incertezas, instabilidade, frustrações e aprendizagens como nesse período, que nos exigiu resiliência, criatividade e competência para seguirmos nossos caminhos profissionais pessoais.

Hoje lidamos com inúmeras pessoas em situações de estresse pós-traumático, ansiedade, depressão e tantos outros transtornos ligados a saúde mental.

Não está sendo fácil para nenhum de nós! Nem para os pais, adultos e muito menos para as crianças. Quanta energia psíquica necessária para administrar tantas demandas e adversidades deste cotidiano.

O verão está sendo marcado pela elevação nas temperaturas e nos casos de covid-19, por causa da variante Ômicron, gerando um cenário de insegurança, propício para o desequilíbrio da nossa saúde emocional.

Olhar para nossa saúde mental e valorizar uma cultura de autocuidado é necessária para, aos poucos, transformar padrões de pensamento. As pessoas precisam compreender que aproveitar momentos do dia a dia para cuidar de si mesmas é essencial para viver bem. Precisamos trabalhar na linha da prevenção e não só do tratamento. Valorizar a alimentação, o lazer, horas e a qualidade do sono, relacionamentos, trabalho... Enfim, tudo soma para a prevenção.

u devemos aprender a conhecer nossas emoções

Pais e crianças estão cada vez mais precisando buscar ajuda e preparo para manterem-se no rumo adequado do desenvolvimento social. E quando falo em saúde mental, não estou dizendo ausência de doenças ou sintomas, mas nossa capacidade de conciliar o bem estar físico com o social e o mental. Precisamos estar cada dia mais fortes para gerarmos ambientes e relações mais saudáveis em nossos espaços sociais, de trabalho e familiar.

Nosso maior desafio tem sido justamente aprendermos a lidar e a conhecer nossas emoções frente a tantas limitações e mudanças. Priorizar um olhar atento aos cuidados que temos conosco e com os outros, e a forma como vivemos a alegria, a tristeza ou a raiva nos nossos dias. diz muito da nossa saúde mental.

E devemos ter a humildade para reconhecer que precisamos estudar, se conhecer mais, buscar ajuda para exercer nossas funções profissionais e pessoais com mais leveza e sucesso. Estamos todos juntos nessa busca contínua. O que desejo mesmo é que possamos nos reorganizar para este ano ainda de tantas incertezas, mas com a certeza de que quanto mais consciência das nossas emoções, mais autodesenvolvimento, respeito as nossas qualidades e dificuldades, mais aptos estaremos como pessoas, pais e educadores. 

(*) Psicóloga especialista em infância e adolescência - SOLANGE LOMPA TRUDA (*)


05 DE FEVEREIRO DE 2022
BRUNA LOMBARDI

O SORRISO DE DEUS

Comecei o ano de uma forma inesperada. Enquanto todos festejavam e fogos explodiam em cores na noite, lágrimas comovidas caiam no meu rosto. Eu abraçava, depois de uma ausência forçada pela pandemia, minha querida tia Yolanda, de 93 anos, que mora em Punta del Este.

A cidade estava em festa e meu coração, dividido entre a alegria do reencontro e a apreensão de ver como ela estava abatida, não querendo mais se alimentar há várias semanas, mesmo me dizendo que comia bem. Estava muito magra e debilitada.

A gente costumava se encontrar duas vezes por ano e falava por telefone regularmente. Ela foi uma mulher muito independente, sempre trabalhou, ficou viúva, não teve filhos e fez dos livros e dos bichos sua melhor companhia. Durante esse período de isolamento, deixou de ver seus amigos e família e o acúmulo do tempo fez a solidão pesar.

Mesmo acostumada com sua reduzida rotina, seu estímulo foi esmorecendo, seu entusiasmo de sempre deu lugar a uma certa melancolia, que ela nunca deixou transparecer. Por ser muito espiritualizada e ter conquistado uma grande sabedoria com o passar dos anos, sabia conviver com a contemplação da beleza do céu, observar o movimento das nuvens e das ruas e entregar sua alma ao silêncio, que ela sempre considerou precioso.

Via encanto ao seu redor e gostava de seus momentos sozinha. Sempre me dizia para prestar atenção na felicidade das coisas pequenas.

Aprendi muito com as mulheres da minha família. Todas modernas, inteligentes, poliglotas e com um finíssimo senso de humor. Foi o que as salvou dos muitos desafios que enfrentaram. Perdas, guerras, mudanças, novos países, costumes, culturas, ideias. Vieram de uma família muito rica, perderam grandes fortunas, mas mantiveram a força, a garra, a capacidade de inventar e criar novas realidades com magia e coragem. Com elas aprendi a ser forte diante da adversidade e a transformar o que viesse no seu melhor.

Quando abracei o seu corpo magro e vi seu sorriso, compreendi que afeto, cuidado e acolhimento são medicinas infalíveis. Sua saúde estava ótima, e nossa batalha não era apenas com o desgaste do tempo, mas com uma série de sentimentos invisíveis, desses que subliminarmente corroem a alma.

Coisas físicas se combatem pontualmente, essas outras são difíceis até de se detectar. São sensações que se embrenham no espírito e nos consomem. Drenam a energia e criam novas raízes. Vão se alimentar de medos, pensamentos negativos, sombras e conseguem nos confundir a ponto de não ser mais possível ver a saída. Na dúvida, você se pergunta se existe saída.

Enquanto existir vida, existe esperança, é um dos ditados mais comuns e uma verdade universal. E foi assim, se sentindo muito amada, que aos poucos ela despertou sua vontade de viver.

Com sua voz fraca, me disse que a gente ia deixando um rastro de amor por onde passava. Aos poucos, vimos ela se recuperar de uma forma incrível.

Amor cura. Amor salva. Amor é a resposta. Milagres nos acompanham quando nos empenhamos e prestamos atenção neles. Milagres são o sorriso de Deus.

BRUNA LOMBARDI

05 DE FEVEREIRO DE 2022
J.J. CAMARGO

A FRONTEIRA DOS DIREITOS INDIVIDUAIS

Final de plantão, todo mundo exausto, metade pelo trabalho, outra metade pela tensão - que tinha dado uma trégua e agora estava de volta, inteira. Então, mais uma vez tocou o alarme do box 17. Nova correria, para outra vez massagear um coração que, por falta de oxigenação, já desistira. Foram 95 minutos de sons alternados, da massagem, da insuflação manual do balão e de monitores alertando que a esperança racional já tinha saído pela janela. Como a menina só tinha 22 anos, o esforço continuou por mais um tempo que ninguém mais se animou em cronometrar. Até que alguém tomou a dianteira: "Pessoal, não tem mais sentido".

Todo mundo parou de fazer o que fazia, mas ninguém saiu do lugar. Até o ruído da retirada das luvas era parcimonioso, para que a mãe, do outro lado da parede, não percebesse que tínhamos perdido.

O desconforto desta perda, que os intensivistas conhecem como ninguém, fica reverberando, desgruda do jaleco mas sobe no ombro e embarca no carro no caminho de casa. Arranha o esôfago na hora do jantar e enche de pedras o travesseiro.

O choro da mãe, consumida por noites insones e orações fúteis, ainda se juntava ao desespero inculposo de não ter conseguido dobrar o discurso negacionista da filha, vítima incauta de uma patrulha ideológica de uns tipos que nem sabem para que a ciência serve, mas são contra, e dos que escolhem estupidamente a doença porque desconfiam dessa história de vacina.

Na manhã seguinte, durante uma sessão do café, alguém levantou a questão que todo pai escolheria nunca ter que responder: "O que fariam se um filho amado de vocês, transbordando de argumentos persecutórios, extraídos a golpes de idiotice de teorias da conspiração, essas que enchem a lata do lixo da internet, anunciasse que não se vacinaria, por nada deste mundo?".

Houve uma troca não programada de olhares, quando o mais velho, e por todas as razões o menos tolerante com a estupidez humana, radicalizou: "Depois da surra?". Todos fizeram uma parada respiratória, mas ninguém protestou.

Os civilizados que rodeavam aquela mesa são pais amorosos, de afeto genuíno, e defensores dos direitos individuais. Mas estavam cansados, pela sobrecarga de casos graves, e mais ainda pela sucessão de perdas que foi minando a autoestima de quem foi treinado a lutar pela vida e agora assistia inerte à banalização da morte. A consciência de que muitas daquelas mortes poderiam ter sido evitadas pela vacina tinha esgotado a paciência.

Passados alguns meses com redução gradual de casos novos e de óbitos, a chegada da cepa nova foi vista com alguma serenidade pelos infectologistas, por ser menos letal, apesar de rapidamente disseminante, e porque esta combinação, historicamente, antecede o fim das pandemias. E então, de repente, o alto percentual de ocupação das UTIs voltou à mídia, desta vez por iniciativa de pessoas que tinham se negado à vacina e optado pela doença, tudo em nome do livre arbítrio, claro.

Os médicos, porque só sabem fazer isso, retomaram a batalha insana para salvá-los, mesmo sabendo que, com um tubo na traqueia, o "muito obrigado doutor" ia ter que aguardar uma eventual sobrevivência. E sem nenhuma expectativa de mudar a cabeça dos radicais, embotados demais para cederam à única explicação possível para 90% dos casos mais graves estarem entre os 30% dos brasileiros ainda não vacinados.

J.J. CAMARGO

05 DE FEVEREIRO DE 2022
FLAVIO TAVARES

IDOSOS JOVENS

A fonte da "eterna juventude", que até aqui era só fantasia ou devaneio, pode estar a caminho. Uma equipe multinacional de neurocientistas, encabeçada pelas brasileiras Isadora Matias e Flávia Gomes, da UFRJ, descobriu um "marcador" do envelhecimento do sistema nervoso central que leva a entender o declínio cognitivo dos idosos.

Trata-se da rota para compreender o desenvolvimento de dois males aterradores, Alzheimer e Parkinson, com sintomas visíveis até pelos leigos, mas cujas origens e causas a ciência médica desconhece.

O trabalho, publicado na revista científica Ageing Cell e realizado conjuntamente na Holanda e no Rio de Janeiro ao longo de 10 anos, associa a proteína "lamina-b1" ao declínio cognitivo dos idosos. Não se trata, porém, de formas de rejuvenescimento, ao estilo das que estiveram de moda nos anos 1970-80, como os tratamentos da doutora Aslan, na antiga Romênia comunista, à qual recorriam os bilionários capitalistas do mundo inteiro?

O novo e revolucionário em termos médicos é que o estudo entendeu o papel daquela proteína nos neurônios e nas células gliais, ou interstícios das células nervosas, e, assim, também no DNA. Até aqui, isso era desconhecido e a pesquisa do grupo científico internacional avançou em uma área totalmente nova.

Alzheimer e Parkinson, doenças neurodegenerativas, passam a ter, assim, um caminho que leve a retardar ou, até mesmo, impedir ou evitar seu aparecimento. Mais do que tudo, o novo é o descobrimento da rota que leva ao envelhecimento das células cerebrais e destrói a integridade do núcleo celular.

Não se trata de remoçar. Nem em pensar que, a partir de agora, abre-se a fonte da "eterna juventude", como insinuei ao início. A idade e os anos são nossa prova de vida e envelhecer é o único testemunho de que vivemos.

Abre-se, porém, a rota para o fim da senilidade e da caduquice, e os idosos poderão pensar e agir como jovens. E morrer lúcidos e sãos. Afinal, a água é dádiva da natureza (e, assim, tem algo de divino) ou é mercadoria vendável, tal qual as das prateleiras dos supermercados?

A pergunta se encaixa na decisão do governador Eduardo Leite (aprovada pelos deputados) de privatizar a Corsan, que abastece 307 municípios gaúchos. Arilson Wünsch, presidente do Sindiáguas, que reúne os trabalhadores do setor, lembra (e festeja) que 70% dos municípios recusaram-se a aceitar os termos que levam à privatização.

FLÁVIO TAVARES

05 DE FEVEREIRO DE 2022
EM BUSCA DE SOLUÇÕES

Em Passo Fundo, chuva trouxe esperança

O presidente do Sindicato Rural de Passo Fundo, Carlos Fauth, relata que a soja é a cultura mais afetada no município, levando em conta a área de plantação. Embora o milho seja o plantio que mais sofreu com a falta de chuva, ele tem menor área de cultivo na região, explica Fauth. O dirigente estima quebra de, no mínimo, 40% na soja. No milho, a previsão é de 70%.

- As perdas estão se acentuando. Agora, para o fim de semana, tem previsão de chuva. Ainda não é possível definir os prejuízos. Eles podem estabilizar ou piorar - explica Fauth. Durante a apresentação do programa, chuva constante atingia o município do Norte, abrindo margem para especular uma trégua na estiagem.

O coordenador regional da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag), Nauro Nizzola, disse que as dificuldades são maiores na agricultura familiar.

- O próprio preço da soja e do milho estão em patamares nunca vistos antes na história. Quando se fala nesses preços altos e não tem produção, a dificuldade aumenta. Porque quem trabalha com atividade de leite, mas também atua com soja e milho, acaba fazendo a troca do milho e da soja por farelo e ração. Quando você não tem essa matéria-prima que é afetada pela estiagem, tem de adquirir esse produto e não tem o retorno que precisa para rentabilidade e sustento da família - afirmou Nizzola.

O coordenador regional da Fetag destacou a necessidade de ajuda dos governos federal e estadual no combate aos efeitos da estiagem. Renegociação e prorrogação de financiamentos, linhas especiais de crédito e ações de fortalecimento no fornecimento de milho estão entre as reivindicações.

O professor da Universidade de Passo Fundo (UPF) Mauro Rizzardi, que também é engenheiro agrônomo e doutor em Agronomia, afirmou que é necessário avançar em melhorias na estrutura do solo. Rizzardi avalia que, além de pensar em barragens e irrigação, é importante pensar e trabalhar na conservação da água no solo.

- Cada vez mais, nós devemos buscar, através da pesquisa, a melhoria da estruturação do solo, melhorando a conservação.

O prefeito de Passo Fundo, Pedro Almeida, afirma que a prefeitura está encaminhando a construção de novos poços:

- São três com recursos próprios e um com a ajuda do Estado, para termos mais quatro poços artesianos no interior nos próximos meses - declarou.


05 DE FEVEREIRO DE 2022
POLÍTICA +

Yeda descobre talento para pintura

Amante da arte e das cores, a ex-governadora Yeda Crusius virou pintora aos 77 anos. Autodidata, pintou sua primeira tela autoral neste início de 2022, ano do centenário da Semana de Arte Moderna, que tem um significado especial em sua vida. Foi inspirada nesse movimento que ela deu o nome à filha Tarsila, nascida em 22 de janeiro.

A imagem retratada na tela é a que Yeda tem da janela da casa comprada com Tarsila em um condomínio de Xangri-Lá, em julho do ano passado.

- Escolhi a casinha quando entrei nela e vi o pôr-do-sol. O que está retratado na tela é a primeira visão que tenho da casinha, o refúgio onde vou ler, escrever e criar.

O desejo de pintar começou há três anos, quando Yeda começou o que define como "um programa pessoal que juntasse as coisas e fizesse entender mais amplamente o momento em que estava vivendo, como presidente do PSDB Mulher, com aquela guerra permanente com os homens, na política, para fazer a coisa melhorar":

- Fui para um campo de estudo de mito, de filosofia, pegar umas coisas que na atual fase eu posso fazer. Não fiz em uma vida inteira de trabalho, faço agora.

Yeda é autodidata, mas dá vivas ao YouTube:

- O que tenho de aula pelo YouTube, de como desenhar primeiro e pintar depois, é uma coisa incrível.

ROSANE DE OLIVEIRA

05 DE FEVEREIRO DE 2022
CHAMOU ATENÇÃO

"Tá tudo bem ser diferente"

"Tá tudo bem ser diferente" é uma frase debatida, explicada e compartilhada pelo estudante de Publicidade e Propaganda Deives Picáz, de 20 anos. Repetida, repetida e repetida.

- Não me canso de desconstruir esse preconceito que as pessoas têm. Olhar com a sensação de que a pessoa com deficiência é incapaz - explica.

O influenciador digital tem agenesia de membros, má formação congênita que impediu, durante a gravidez de sua mãe, a formação do antebraço direito. No perfil do Instagram @deives, ele encara sua deficiência física da maneira como as demais pessoas deveriam tratar: uma característica do seu corpo.

Na rede social, o estudante da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) alcançou 30 mil seguidores. Uma foto em especial viralizou: em frente ao espelho, o jovem faz um sinal de "V" com a mão, enquanto apoia o smartphone no outro braço (imagem acima).

Em casa, em Cachoeirinha, na Região Metropolitana, ele instalou equipamentos para captação profissional de ví­deos. Um dos posts acabou compartilhado pela equipe da atriz, cantora e campeã do último Big Brother Brasil (BBB 21), Juliette. Ele também virou embaixador da Dar a Mão, uma associação de acolhimento, apoio e suporte a pessoas com agenesia de membros.

Na quinta-feira, debateu capacitismo (ideia de que pessoas com deficiência são inferiores) ao vivo na Rádio Gaúcha.

- O outro sempre acha que a gente não tá apto a estar naquele lugar de destaque, que a gente não é capaz de exercer aquela função. Quando na verdade aquela função é só mais uma comum, das milhares que a gente tem no dia a dia - declarou, durante o programa Gaúcha Hoje.

TIAGO BOFF


05 DE FEVEREIRO DE 2022
MARCELO RECH

Bolas fora

Perguntinha rápida: o que uma candidatura a presidente e uma partida de tênis têm em comum?

Resposta mais rápida ainda: vence quem erra menos. Na política, como nas quadras de tênis, há saques e jogadas irresistíveis, impossíveis de serem rebatidos. Mas a maioria dos pontos não é conquistada: é desperdiçada pelo adversário em movimentos e táticas equivocadas ou em bobagens memoráveis. O governo Olívio Dutra, no Rio Grande do Sul, por exemplo, ficou marcado pela exibição da bandeira de Cuba numa sacada do Piratini já no dia da posse. Alguém mais empolgado teve a ideia da bandeira, que provavelmente lhe pareceu luminosa na hora, e o governo passou os quatro anos seguintes convivendo com a noção de que pretendia implantar uma Cuba no Brasil meridional.

No Brasil, o confronto dos dois líderes nas pesquisas ao Planalto evidencia uma somatória de erros que pode abalar profundamente uma ou até as duas candidaturas. Lula e Bolsonaro nem precisam se xingar mutuamente. Como no caso da bandeira de Cuba, só precisam mostrar o que o adversário diz ou faz para que o outro marque pontos. As redes de Bolsonaro, por exemplo, espalham um vídeo do próprio PT, no qual seus dirigentes dão vivas ao PCO, partido marxista que incensa Lula, ataca as urnas eletrônicas e descrê das instituições democráticas. 

O arsenal disponível é abundante. Além da rapinagem em governos passados, há os acenos do PT ao esquerdismo infantil e radical ou de retrocessos em favor de corporações e dos sindicatos ligados ao partido - fora a gravação do próprio Geraldo Alckmin na campanha de 2018 dizendo que Lula, agora seu possível companheiro de chapa ao Planalto, "depois de quebrar o Brasil, quer voltar à cena do crime".

Lula e o PT também não precisam garimpar arquivos para grelhar a imagem de Bolsonaro, tamanha a quantidade de sandices acumuladas pelo presidente, que vão dos ataques à democracia à peroração insana contra as vacinas e as medidas de proteção contra a covid, sem considerar as promessas e previsões descumpridas. E elas podem ser contadas aos borbotões, como a proteção à sua própria família, o abraço apertado no centrão e a filiação de Bolsonaro ao PL, uma capitania de Valdemar Costa Neto, condenado a sete anos e 10 meses de prisão por causa do Mensalão, ora só, do PT.

Palavras e gestos são símbolos fortes na política e, no mundo da internet, não caem facilmente no esquecimento. Como Lula e Bolsonaro erraram muito e a campanha nem começou ainda, tanto um como outro podem ser eliminados do campeonato, tal a quantidade de saques e jogadas perdidas. Para tanto, basta que ambos - e toda a fila de adversários que ambicionam chegar ao segundo turno - sigam exibindo sem fim suas raquetadas na rede ou as bolas para fora da quadra.

MARCELO RECH

05 DE FEVEREIRO DE 2022
J.R. GUZZO

Projeto nacional de destruição

Nunca houve antes na história política do Brasil, como está sendo agora o caso de Lula em sua campanha eleitoral, um candidato que quisesse chegar à Presidência da República em cima de um programa consistente de destruição. Candidatos costumam se apresentar aos eleitores, na maior parte das disputas, com mentiras, promessas que não têm a menor intenção de cumprir e ideias ruins, que vão dar errado todas as vezes que alguém tentar aplicá-las.

Mas Lula está dando um "plus a mais" na desgraça habitual, ou "dobrando a aposta", como faria a inesquecível Dilma Rousseff - inesquecível sobretudo para ele, pelo atraso que fez na sua carreira. Não se contenta com o erro. Quer, acima de tudo, destruir - e, naturalmente, quer destruir justo aquelas coisas, não muitas, que estão dando certo neste país. É claro. A existência dessas coisas prejudica diretamente os interesses de quem viaja no seu bonde. Pau nelas.

Lula deve calcular, é óbvio, que isso pode render voto para ele em outubro. Ele está não apenas pensando em si. Está defendendo os interesses individuais de muitos dos piores grupos de parasitas que existem no território brasileiro. Esses grupos perderam terreno depois que Dilma foi posta para fora do governo. Estão desesperados, agora, para recuperar o que tinham.

Lula é o melhor atalho para voltarem à vida boa de antes. Basicamente, querem ter de novo o Tesouro Nacional à sua disposição. Dar às suas minorias, como conseguiram fazer em quase 14 anos de governo, o dinheiro tirado do imposto de todos - esse é o seu mandamento número 1, acima de qualquer outro.

Basta ver o que eles mesmos estão dizendo. Lula, em seu governo, promete destruir a reforma trabalhista aprovada no governo Michel Temer - o passo mais importante para a modernização das relações de trabalho que o Brasil já deu nos últimos 50 anos. Promete destruir a lei que acabou com o infame "imposto sindical.

J.R. GUZZO