sábado, 14 de maio de 2022


14 DE MAIO DE 2022
INFORME ESPECIAL

Quem pagará pelas escolas fechadas

A cada dia que passa, vêm à luz do sol os efeitos ruinosos a mais secreta de todas as tragédias sociais que este país já teve em sua história moderna: o fechamento, por quase dois anos seguidos, das escolas, sobretudo as voltadas ao ensino público.

Poucos desvarios terão um preço tão alto para o Brasil quanto esse crime legal, praticado por governadores e por prefeitos nos tempos da covid – com a licença, o incentivo e a benção do Supremo Tribunal Federal.

Foram roubados das crianças brasileiras, para toda a vida, dois anos de aprendizado, e esse roubo não pode ser ressarcido; não há seguro para tal tipo de perda. As vítimas sofrerão por causa disso, no seu dia a dia prático, até o fim das suas vidas.

Ficou combinado na mídia, na vida política e nas classes intelectuais que não se fala dessa tragédia – o que permite, naturalmente, que os responsáveis por ela não se sintam incomodados com o desastre que criaram.

Ao contrário: quando tocam hoje no assunto, para denunciar “o descalabro da educação no governo Bolsonaro”, falam como se não tivessem nada a ver com a catástrofe que está aí. É a hipocrisia levada aos seus extremos.

A esquerda foi a grande fornecedora da ideologia que sustentou essa calamidade, e agiu assim unicamente porque o presidente da República estava do outro lado. Agora, com a casa no chão, vem fazer de conta que está preocupada com o problema.

A esquerda, que não fala em outra coisa a não ser na eliminação da pobreza no Brasil, agiu a favor da perpetuação das suas causas. É absolutamente simples: ignorância é miséria.

Quando se leva em conta que o começo, o meio e o fim do problema social do Brasil estão no baixo nível da educação pública, que priva a população pobre da única saída real para a pobreza – a aquisição de conhecimento – fica evidente o tamanho da agressão social contra os pobres que foi feita com o fechamento das escolas.

Os pobres não saem da pobreza com “políticas sociais”. Só têm alguma chance de melhorar de vida quando adquirem conhecimentos que lhes deem a oportunidade de subir no mercado de trabalho. Perder dois anos de escola foi o que se podia fazer de mais eficaz para reduzir essas oportunidades.

Adversários ferozes da volta às aulas, na ânsia de ficar ao lado dos professores sindicalistas-grevistas e contra o “genocídio” do governo, dizem hoje que lutaram pela “volta segura” às salas de aula. É mentira. Lutaram, na vida real, para manter as escolas fechadas pelo período de tempo mais longo possível.

Na verdade, os fechadores de classes ficam piores com a proximidade das eleições. Prometem agora, e como sempre, “mais investimentos para a educação” – seu candidato, aliás, diz que vai acabar com a obrigação de respeitar o teto de gastos públicos para “investir” em escolas que, até outro dia, seu partido exigia que estivessem fechadas. A tragédia continua do mesmo tamanho, com viés de piora.

 Conteúdo distribuído por Gazeta do Povo Vozes - J.R. GUZZO


14 DE MAIO DE 2022
PAULO GERMANO

Deus existe?

Escrevi esses tempos que a verdade é a verdade e acabou. Quer dizer: não existe isso de "cada um tem a sua verdade". Cada um pode ter sua opinião sobre uma verdade, claro, mas a verdade em si, por definição, é indiscutível - porque ela é justamente o que não pode ser posto em dúvida. Ela é o retrato inquestionável dos fatos, ela é inegociável, ela é absoluta. Ela é a verdade.

Por exemplo: Paulo Germano é jornalista. Isso é uma verdade, não há como discutir, eu realmente me formei em jornalismo e exerço a profissão. Agora, se sou bom ou mau jornalista, aí é uma avaliação de cada um.

Dito isso, bem, existem casos em que a verdade ainda não apareceu. Nem a ciência, nem a polícia, nem o jornalismo, nem qualquer estudo, auditoria ou investigação foram capazes até hoje de revelar a verdade sobre determinados temas. Deus é um bom exemplo. Qual é a verdade sobre Ele? Um dia, quando entrevistei para Zero Hora o padre Fábio de Melo, perguntei-lhe exatamente isso:

- Como o senhor tem certeza de que Deus existe?

E ele respondeu que, "se tivesse certeza, não precisaria ter fé".

- A experiência da fé nos dispensa das certezas - sorriu o padre. - Fé é confiança, não é certeza. É o que você pode experimentar, por exemplo, como filho. Você tem certeza do amor da sua mãe?

- Claro que tenho - respondi depressa. - E você tem provas científicas desse amor por você?

- Não...- Mas você confia. Você acredita. E basta.

Achei perfeito. Por isso as pessoas dizem "eu acredito em Deus". Porque acreditam que essa seja a verdade. Se houvesse plena convicção sobre a verdade, não faria sentido "acreditar" nela. Uma pessoa só acredita naquilo que julga provável, aceitável, possível, mas a verdade NÃO é isso. A verdade é irrefutável. A verdade é.

Talvez por isso, por considerar falaciosa a conversa de "cada um tem a sua verdade", uma das grandes inquietudes da minha vida se refira justamente a essa pergunta: Deus existe?

- Não há nenhuma evidência concreta disso - ouço dos ateus e até concordo, mas logo vem o adendo: - Quem acredita nele é que precisa provar.

Mas desde quando quem sente algo precisa provar qualquer coisa? Se uma pessoa de fato sente a existência de Deus - como sinto o amor da minha mãe -, quem sou eu para contestá-la? Ora, vai ver Ele existe. Só que alguns fiéis desaforados, tentando impor sua fé como verdade, preferem desdenhar:

- Você aceitará Deus quando realmente precisar dele.

Olha, já precisei dele uma meia dúzia de vezes e não creio que um momento de extrema dor ou desespero seja o mais indicado para avaliações sensatas. Nem o mais indicado para encontrar a verdade.

E o fato é que essa verdade a humanidade não vai descobrir. O máximo a que podemos chegar é "acreditar" na existência de Deus - ou não acreditar também. Paciência. Talvez o que importe, mesmo, seja o que o padre Fábio de Melo me disse ao final daquela entrevista:

- Conheço muitos ateus que agem como se tivessem Deus no coração. No fim, é isso o que Ele quer.

INTERINO

sábado, 7 de maio de 2022


07 DE MAIO DE 2022
MARTHA MEDEIROS

O amor de estranhos

Miguel Flores é um meteorologista célebre em Buenos Aires, que nunca errou uma única previsão em 20 anos de carreira e acaba de ganhar um programa de tevê só seu, em horário nobre. Mas justo na estreia, quando ele comunica que aquela noite será de céu limpo e temperatura amena, desaba uma tempestade de granizo sobre a capital argentina, destruindo carros, ferindo pessoas, matando cães. É o suficiente para o meteorologista ir do céu ao inferno. Passa a ser ofendido por vizinhos e vê seus seguidores sumirem das redes, assim como seu prestígio. Desolado, volta à sua terra natal, Córdoba, para repensar a vida.

Este é um breve resumo de Granizo, filme meio cômico, meio sentimental, meio absurdo, que me fez refletir sobre nossa dependência da aceitação dos outros.

No início dos anos 2000, o estudante Mark Zuckerberg fundou uma rede social chamada Facebook e elevou a autoestima de milhões de carentes no mundo. Qualquer ex-colega do jardim de infância passou a ser chamado de "amigo". A plataforma substituiu as valiosas relações interpessoais, mas deixou essa esmolinha: "Olha só quanta gente adora você".

Somos seres intrinsecamente solitários em busca de uma razão para existir, e essa razão pode estar no trabalho, na religião, na família, na política e até no isolamento - desde que o sumiço não seja radical. Não precisamos de uma multidão, bastam algumas pessoas com quem possamos estabelecer, ao vivo, a troca essencial de respeito, escuta e afeto. O problema é que manter laços profundos com um pequeno grupo exige sabedoria e humildade, e já nem todo mundo tem a prática. Sabedoria não se baixa num aplicativo e humildade está em desuso desde os anos 1980. É mais fácil atrair um milhão de amigos virtuais e se deixar enganar pela falsa popularidade.

E assim vamos substituindo relacionamentos por "contatos". A cada postagem, estimulamos fantasias a nosso respeito e viramos presas fáceis da bajulação. Até que essa ilusão se esfarela, é só dar uma opinião enviesada ou frustrar uma expectativa. Que golpe para o nosso narcisismo: sermos cancelados por amigos que nunca vimos.

Vou trocar a ironia fina por uma frase de para-choque de caminhão: quem não nos conhece, não nos adora. Simpatiza conosco à medida que entregamos o prometido, o previsto, mas no primeiro desapontamento, adeus, amor. Vida que segue.

Granizo é um filme leve, disponível na Netflix, que nos lembra que mais vale se relacionar de verdade com um único parente do que de mentirinha com milhares de desconhecidos. Sabemos disso, mas quem resiste, hoje, a cultivar sua própria plateia? A divertida cena final mostra que a vaidade não poupa ninguém: até os ermitões querem conquistar o coração de estranhos.

MARTHA MEDEIROS

07 DE MAIO DE 2022
CLAUDIA TAJES

O ataque dos preços assassinos

Por que está tudo tão caro? São muitas as razões para sobrar mês no salário da maioria absoluta dos brasileiros - isso considerando os que têm emprego, claro. Segundo os economistas, entre o que é palpável e as armadilhas do imponderável, dá para anotar:

- A taxa SELIC em 11,75%, e já ameaçando subir novamente.

- Os efeitos da pandemia na economia, que segue com dificuldades para suprir produtos e serviços no mercado interno. - A guerra entre Rússia e Ucrânia, que bagunçou o abastecimento de grãos e petróleo, para ficar apenas nos dois casos mais dramáticos.

-  As condições climáticas desfavoráveis no Brasil, que também afetaram o abastecimento.

-  A valorização do dólar, que aumentou o preço dos insumos importados utilizados na indústria nacional. E que, para o agro, faz com que seja melhor negócio vender para fora do que abastecer o mercadinho do seu Oliveira, ali na esquina.

- A expectativa com as eleições de outubro. Como se algum cenário pudesse deixar a coisa toda pior do que está hoje.

Fato é que a ida ao supermercado virou um filme de terror, e nem é original da minha parte dizer isso. Estou me autoplagiando, já escrevi uma coluna com esse tema em novembro do ano passado, quando parecia que os preços tinham se descontrolado.

Pois sim. Saudade do quilo da laranja custando menos de R$ 3. Da cenoura a R$ 2 e pouco. Do tomate a menos de R$ 4, e já era caro. Da banana a R$ 1,25 em julho de 2021! Do leite que se encontrava por menos de R$ 3 o litro e que, meses depois, chega a custar R$ 7 em alguns estabelecimentos.

E não vamos nem falar da carne. Do queijo. Do arroz. Do feijão. Do óleo. Dos produtos de limpeza. Dos supérfluos, primeiros a desaparecerem das listas de compras quando a coisa aperta. Não concordo com essa denominação, supérfluos, para os pequenos prazeres que deixam a vida mais colorida. Alegria nunca é supérflua.

Entrar no supermercado está tão assustador que lembra alguns filmes de terror B de décadas passadas. Em 1978, um grupo de amigos filmou O Ataque dos Tomates Assassinos com um orçamento tão baixo que, hoje, perigava não comprar uma caixa de tomates. Nascia um clássico horroroso, mas um clássico. Agora, passando pelas cenouras, sempre imagino que elas vão criar vida e me atacar, não com o objetivo de arrancar meu coração, mas sim para sangrar minha carteira.

Pelo sim, pelo não, não entro mais no super sem uma medalha da minha Nossa Senhora do Bom Preço. Até o momento, ela não foi capaz de fazer nenhum milagre.

Para todas as mães que nunca desistem e nem se entregam, um beijo de quem ainda se admira do tanto que o mundo fica mais solitário quando a gente não tem mais a nossa mãe.

CLAUDIA TAJES

07 DE MAIO DE 2022
FRANCISCO MARSHALL

AQUELES TRÊS...

Para quem esperava pela restauração do direito e da lisura processual, a sessão do TRF4 de 24 de janeiro de 2018 foi desapontadora. Eram então notórias as gravíssimas falhas de um juízo onde houve escuta eletrônica ilegal dos advogados do réu, mandados violentos com motivação populista, espetacularização do réu por acusação e julgador, combinados, agenda partidária de divulgação de dados do processo, desvio de atribuições do tribunal e, por fim, uma sentença escandalosa, onde um líder popular tornado réu foi condenado sem fatos e provas, afetando o destino da nação. Primeira pergunta: você aceitaria ser execrado em público e afinal condenado e encarcerado sem provas? Segunda: ficarão impunes os partícipes do gravíssimo delito então perpetrado?

A conclusão da Comissão de Direitos Humanos da ONU consolida o reconhecimento do que já se sabia: a parcialidade do mau juiz que condenou Lula e o impediu de candidatar-se à Presidência, e logo beneficiou-se de sua sentença, ganhando cargo no governo eleito com seus favores e dando curso à sua desmedida ambição. Trama de folhetim, tragicamente real, pois no bojo desses delitos incluíram-se a eleição de um monstro que trata de destruir a nação, a promoção de sentimentos iníquos de ódio legitimados pelo linchamento togado e, não menos pavorosa, a degradação da autoridade judiciária, pela indevida passionalidade política de quem deveria sempre exibir máxima isenção. Além da vergonha internacional, a sentença da ONU aponta responsabilidades, e estas devem ser apuradas com rigor, sem leniência corporativa, fúria ideológica ou inconsistência legal. Devemos examinar indícios de que aqueles três, e igualmente parte do STJ e do CNJ, são sócios do juiz tisnado nos malfeitos que feriram nossa democracia.

Aquele rito grotesco foi antecedido pela vexatória e delituosa declaração do presidente do TRF4, de que a sentença mal escrita seria "irretocável": o colégio local, cálido amigo do juiz então contestado, atuou em incestuosa sincronia, deixando entreverem-se arranjos áulicos agredindo a defesa e o réu e resultando na ratificação e ampliação da pena iníqua. Um dos desembargadores simbolizou, com sua expressão oral peculiar, o que ora se tornou evidente: maltrapilhos do direito, que só conseguiriam fazer o que fizeram: descartar todos os recursos apresentados e avançar na execução do réu convertido em vítima. Nenhum desses malfeitos passou despercebido, e ora a mais alta corte internacional põe em seu devido lugar a tragicomédia então realizada contra a nação; a invalidade e suspeição desdenhadas pelo TRF4 e declaradas pelo STF convalidam-se na sentença da ONU. Enquadrada a farsa, passemos a outra instância, regida por ética, bom direito e democracia.

Para a promoção do estado social catastrófico em que estamos, ainda traumatizados por um genocídio sem precedentes e diariamente insultados por tanta desfaçatez, cooperam pig, pseudiatras, maus juízes, militares nauseabundos, corruptos, bandidos, fanáticos ignorantes e oportunistas com bolso forrado. Essa conta é cara e tem que ser paga.

FRANCISCO MARSHALL

07 DE MAIO DE 2022
DRAUZIO VARELLA

UCRÂNIA, TUBERCULOSE, HIV, COVID

Epidemias são um dos horrores das guerras. A invasão russa da Ucrânia não é exceção.

As imagens de pessoas refugiadas em abrigos subterrâneos e estações de metrô, sem acesso à água corrente e às medidas básicas de higiene, mostram os riscos de disseminação de doenças infecciosas que elas correm.

Para agravar, o grande número de feridos que superlota os hospitais e monopoliza a atenção das equipes de atendimento desestrutura o sistema de saúde e compromete os programas de tratamento de doenças crônicas, de atendimentos de emergências clínicas e de vacinação.

A guerra foi deflagrada no fim de fevereiro, quando a onda de casos de covid causados pela variante Ômicron começava a refluir, depois de ter atingido o pico no início daquele mês. A invasão tornou inoperante o programa ucraniano de imunizações e inviabilizou as testagens em massa.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os índices de vacinação no país estão muito baixos. Na capital Kiev, ficam ao redor de 65%, mas em algumas cidades do interior mal atingem 20%.

A mesma dificuldade em vacinar contra a covid tem preocupado a OMS por causa da poliomielite, do sarampo e de outras doenças transmissíveis, num país em que a descrença na eficácia das vacinas já era problema antes da guerra, como afirma em entrevista à revista Nature, Jarno Habicht, diretor do escritório ucraniano da organização.

No ano passado, foram diagnosticados dois casos de poliomielite no país. A testagem dos contatuantes permitiu isolar o vírus em 19 deles.

Como na poliomielite em cada 200 pessoas que contraem o vírus apenas uma apresenta a forma paralítica da doença, o número de infectados deve ser bem maior. É triste assistir à circulação de um vírus que chegamos perto de extinguir do mundo, por meio da imunização em massa.

A queda nos índices de vacinação contra o sarampo e o surto que começou no país em 2017 - e que até 2020 já havia provocado 115 mil casos - são outra ameaça. Com esforço, os serviços de saúde tinham conseguido imunizar até 82% da população, número alto, mas que não consegue impedir a disseminação de um vírus tão contagioso quanto esse. Na cidade sitiada de Kharkiv, em que a cobertura vacinal está abaixo de 50%, os habitantes se deslocam para lugares mais seguros, levando com eles o risco de surtos epidêmicos.

Vacinar contra covid, sarampo e pólio a população em fuga desordenada é tarefa urgente que desafia as agências de saúde e as organizações internacionais.

Em artigo publicado na Nature, Leslie Roberts lembra que a Ucrânia tem uma das mais altas taxas de incidência de tuberculose resistente a múltiplas drogas, um dos maiores desafios do combate à doença no mundo inteiro. Lá, ocorrem cerca de 32 mil casos de tuberculose por ano, um terço dos quais é resistente aos medicamentos empregados de rotina, característica que encarece e torna mais complexo o esquema de tratamento.

Para complicar, 22% dos pacientes com tuberculose ativa também convivem com o HIV. Tuberculose é a principal causa de morte em pacientes HIV-positivos no país.

Enquanto o HIV é transmitido principalmente nas relações sexuais e no compartilhamento de seringas e agulhas infectadas, o bacilo da tuberculose se espalha por meio das gotículas eliminadas pela tosse e pela respiração, infectando especialmente os que vivem em ambientes insalubres com aglomerações.

Numa situação em que as pessoas são obrigadas a abandonar suas casas, como aderir a tratamentos que exigem medicação diária para evitar recaídas, como na tuberculose e na aids?

DRAUZIO VARELLA

07 DE MAIO DE 2022
MONJA COEN

MÃES E MÁES

Nem toda mãe deixa memórias agradáveis para seus rebentos. Há mães que batem, insultam, detestam os filhos. Há mães que abandonam, fogem, vão embora, não querem nunca mais ouvir falar que foram mães. Há mães que destroem com excessos e faltas. Há mães que nunca deixam de ser filhas.

Toda propaganda estimula as "boas" mães - mesmo aquelas que tiraram a chupeta, deram uma palmada, colocaram de castigo e que hoje as filhas agradecem, compreendem e amam. Será que amar filhos e filhas é natural? Será que educar é fácil e emocionante? Será que ser mãe é sofrer no paraíso?

Chegou cedo, chegou tarde. Está com cara de choro, está tremendo, está doente, está sarada. A vida passa e a filha vira mãe e repete vícios e erros que detestava. A neta avisa que a mãe é igual à avó. Depois a neta vira mãe e reconhece a bisavó como fonte de toda amargura de sua vida.

Maridos vão embora, filhos, netos e bisnetos se vão para o vão da memória. Já nem sabe quem são.

No asilo, enrolada em um cobertor fétido, a idosa sorri ao ver a borboleta amarela pousar em seu colo. Sumiu. Foi breve o momento da face sorrir, no que mais parecia uma careta de dor. Sem dentes, olhos inflamados, dedos retorcidos de artrose, ninguém se lembra ou imagina que essa velha carcomida e suja, com cheiro de fezes e urina foi um dia uma menina.

"Mãe, mãe, mãe...." Onde teria ido a jovem senhora que deixou a menina chorando sozinha? Você não é obrigada a ser uma boa mãe e amar seus filhos. Apenas cuide dos mais pequeninos. O afeto surge do cuidar. Não o faça por querer ter uma velhice charmosa.

Cuide com respeito e afeto, sem ser afetada pela dor da indiferença. Não espere nada em troca. Talvez só venham buscar um quadro para trocar por crack. Talvez só mandem mensagem para pedir dinheiro. Tudo bem. Não se magoe nem magoe ninguém.

Estão vivos e saudáveis? E o sistema linfático continua circulando? As doenças genéticas continuam matando. Culpa da mãe esse câncer que veio do avô paterno... Há culpa nas doenças e nas curas?

Será que somos capazes de celebrar a vida em cada criatura? Respeito e compreensão são as bases de uma boa criação. Quem criou a mãe de Deus?

Vamos aprender a ler, estudar, crescer. Comer verduras e frutas. Emagrecer. Outras precisam engordar, desenvolver carne e músculos nos corpos minúsculos. O tempo girando e as mães circulando, calculando quem precisa de casaco, quem precisa de tamanco.

Há pais que são mães e mães que não são. Morrem sem deixar memórias...

Todas serão celebradas amanhã. As biológicas e as de criação. As benditas e as malditas. Aquelas de quem se fala bem e as de quem se fala mal. Egoísmo, insônia, mama ardendo, ferida da boca pequenina que suga o seio farto. Ou a mama murcha da fome, e o bebê esquelético sem força para sugar o vazio.

Mãe do mundo, mãe do povo, mãe das gentes, das terras e das sementes. Acode que a filharada está brigando e jogando misseis, estilhaçando corpos, destruindo cidades, abusando de crianças, matando idosos e rindo, rindo loucamente de sua voracidade vingativa. Cadê o amor e a flor, mãe? Quem levou embora meu amor? Amor se cultiva, planta, rega, cuida. Vamos cuidar juntos para que a gente não precise procurar a nave mãe e desaparecer em outra galáxia. Benditos sejam aqueles capazes de amar, cuidar, respeitar e jamais destruir, odiar, matar.

Amanhã celebramos o Dia das Mães - de todas, inclusive das boas.

Mãos em prece

MONJA COEN

07 DE MAIO DE 2022
J.J. CAMARGO

DOS NOSSOS LIMITES

No meio de uma apresentação empolgada, sob a euforia produzida pelo círculo virtuoso desencadeado por uma relação médico/paciente afetuosa, alguém jogou água fria, com balde e tudo, com um comentário inesperado: "Nem sempre o médico está disposto a tolerar os chatos que marcam consulta para derramar num estranho as queixas que seus amigos e familiares não têm mais paciência para ouvir".

Uma ponderação absolutamente pertinente, sendo o médico um ser humano convencional, exposto aos bons e maus momentos da vida, e que muitas vezes tem que sublimar as suas próprias mazelas para ouvir as do outro, marcado pela infelicidade, sempre de tocaia, na sombra da solidão. Seria um exagero atribuir todas as doenças à falta de relações pessoais sólidas, mas não há nenhuma dúvida de que os solitários envelhecem mais precocemente, perdem a capacidade cognitiva mais cedo, adoecem mais. E quando isso acontece, sofrem muito, porque a doença agrava a tragédia de não ter com quem compartilhar.

A experiência médica ensina que, excetuados os chatos congênitos, a grande maioria dos incômodos desnecessários da relação médico/paciente advém de um misto quente de infelicidade e irritação de quem sentou do outro lado da mesa, pleno do ódio total indefinido. É aquele que enche a sala de espera e mira imediatamente na secretária sorridente quando ela, construindo a ficha, pergunta:"Qual é o número do seu celular?".

- E porque você quer saber, se ninguém me liga?

Um inexperiente pode concluir que se trata de falta de educação, mas é muito mais do que isso. Um mal educado feliz nunca daria esta resposta, enquanto o amargurado aproveita todas as brechas para derramar o seu contêiner de tristeza. E a potência do seu míssil de desafeto aumenta muito se, por trás de tudo, houver uma dor crônica. Quem já tenha passado um dia inteiro com dor, qualquer dor, será mais tolerante a todas as queixas paralelas.

Muitas vezes o crachá de identificação deste tipo de inconveniente é apresentado ao médico no final de uma tarde de casos complexos, quando ele, já cansado, o recebe com a derradeira reserva de sorriso engatilhada e, ao lhe perguntar "Como vai, tudo bem?", o outro dispara o canhão:

- Se eu estivesse bem, não estaria aqui!

Diante dessas reações intempestivas, cada médico reagirá do único jeito que lhe pertence: o seu. Aliás, esse não é momento para improvisações. O que se pode discutir são as estratégias de desarmamento. Então lá vão três sugestões para os médicos jovens (os veteranos já descobriram as suas, e deveriam sim trazer suas contribuições, porque estamos todos ávidos de aprender):

- O que o Sr. acha que eu posso fazer para lhe ajudar a reduzir esta raiva que lhe atormenta tanto? (não se surpreendam se isso desencadear uma crise de choro)

- Por favor, proponha um roteiro de conversa capaz de fazer com que saiamos daqui com a certeza de que o nosso encontro valeu a pena.

- Quando o Sr. se acalmar, perceberá que não é nada inteligente tratar mal quem poderá lhe ajudar.

Por mais que se ensine em seminários de relação médico/paciente que temos de ser tolerantes com quem sofre, só a experiência nos ensinará que a intolerância e a revolta fazem parte da doença, e então temos que sublimá-las com delicadeza, paciência e parceria.

Mesmo quando pareça claro que o infeliz veio determinado a descobrir os nossos limites.

J.J. CAMARGO

07 DE MAIO DE 2022
PAULO GERMANO

Como comprar uma pessoa

Escrevi esses tempos que dinheiro não compra ninguém. O dinheiro até pode atrair meia dúzia de aliados por algum tempo - mas jamais serão aliados confiáveis, porque bastará o dinheiro acabar para todos pularem fora. O que realmente compra as pessoas, o que faz delas eternamente leais e gratas, o que faz delas soldados incapazes de abandonar um companheiro é outra coisa.

No capítulo 13 da famosa Carta aos Coríntios, Paulo de Tarso explica que coisa é essa. Ele diz o seguinte: "E ainda que eu tivesse o dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria".

Quer dizer: não adianta ter poder, nem inteligência, nem toda a cultura do mundo, não adianta acreditar em Deus nem encontrar as respostas que a humanidade procura se, no fim das contas, não houver afeto. Sem amor, é o que Paulo prega, um homem não é nada. A vida se torna vazia - e não há quem queira lhe ser leal.

Se você dá afeto, se presta atenção no outro, se sorri para as pessoas e tenta ajudá-las, aí a dívida de gratidão se torna eterna. Foi nisso que pensei quando um estudante de jornalismo, semanas atrás, me perguntou que conselho eu lhe daria na profissão.

- Talento é o de menos - foi o que eu disse. - Em qualquer profissão, talento é secundário.

Reconheço que exagerei - talento é importante, óbvio. Mas queria deixar claro que o talento é apenas um entre tantos pilares de um bom profissional. Outro pilar é a persistência - ou saber engolir sapos. Se o sujeito é incapaz de lidar com frustrações e fracassos, não admite bronca de chefe, já começa a carreira só querendo fazer "o que gosta", aí seu fabuloso talento não servirá de nada.

Mas não há pilar mais importante do que o do afeto. Conheço profissionais talentosíssimos, das mais diversas áreas, que, por serem intratáveis ou geniosos demais, não conseguiram decolar. Por quê? Porque ninguém chega a lugar algum sem aliados. Ninguém decola sem pessoas que o ajudem a decolar.

Vale o mesmo para veteranos: eles duram mais em seus cargos e têm mais tempo de sucesso quando são afetuosos. Conheço o chefe de uma faculdade, por exemplo, que há anos sabota o próprio trabalho por conta do alcoolismo, mas durante décadas ele foi tão generoso com os colegas que ninguém tem coragem de demiti-lo.

Alguém dirá que o correto seria, sim, mandá-lo embora, e talvez eu concorde, só que esse homem comprou as pessoas - e não foi com dinheiro: elas se sentem em dívida, não querem abandoná-lo, estão presas à teia de afeto que ele foi tecendo ao longo dos anos. E, como constatou Paulo na Carta aos Coríntios, o amor "tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta".

Quer dizer: as pessoas toleram o pior quando existe amor. Porque só ele pode fazê-las eternamente gratas, só ele consegue preenchê-las de verdade. Não haverá quantia alguma de dinheiro que um dia possa alcançar tamanho poder.

O colunista David Coimbra está em licença médica - INTERINO  



07 DE MAIO DE 2022
ARTIGOS

QUEM CUIDA DAS MÃES BRASILEIRAS?

O Dia das Mães é uma data em que nos dedicamos a expressar o amor e a admiração que temos pelas mulheres que nos deram a vida, mas também pode ser uma oportunidade para refletirmos sobre o que é ser mãe no Brasil, já que as desigualdades, que são gritantes no nosso país, se aprofundam ainda mais quando se trata dessas mulheres.

Atualmente, segundo o IBGE, mais de 11 milhões de mães criam seus filhos sozinhas e são obrigadas a se dividirem entre os afazeres domésticos, os cuidados com os filhos e o provimento do lar. O resultado dessa sobrecarga é óbvio: 63% das casas chefiadas por mulheres estão abaixo da linha da pobreza. São pessoas que dormem hoje sem saber quando será sua próxima refeição. São mães que precisam lidar com toda a responsabilidade da maternidade e, ainda, com a dor de ver um filho chorar porque não tem o que comer. Nos lares brasileiros, são as mulheres que cuidam da família. Mas quem cuida dessas mulheres?

É dever do Estado agir pela redução das desigualdades e colocar como prioridade, em qualquer política pública, as pessoas que, hoje, estão mais vulneráveis à pobreza. Os avanços nessa pauta têm sido tímidos e isso se deve, principalmente, ao fato de nós, mulheres, sermos muito pouco representadas na política. Foi só no início deste ano que o Senado aprovou um projeto de lei que determina que mães solo passarão a ter prioridade de atendimento em políticas sociais e econômicas. 

Entre outras coisas, o texto prevê o pagamento em dobro de benefícios, além de prioridade em creches, cotas mínimas de contratação em empresas e acesso a crédito. Se sancionado, representará um grande avanço, já que a falta de um lugar para deixar os filhos e o preconceito nas empresas com mães de crianças pequenas são os principais motivos que afastam essas mulheres do mercado de trabalho.

É preciso agir para formar um ambiente de oportunidades que permita às mulheres criarem seus filhos com dignidade, sem abdicarem de suas próprias vidas e suas carreiras. Não só porque é justo que todos tenhamos nossos direitos garantidos, mas também porque são os filhos dessas mães que construirão o futuro que planejamos - e todos sabem que não se muda o mundo com fome. 


07 DE MAIO DE 2022
FLÁVIO TAVARES

CRIME & CRIME

Existem crimes explicáveis, às vezes até os mais brutais. Nesse rol estão, inclusive, casos de feminicídio, cada vez mais constantes, em que a vítima é vítima só por ser mulher. As rixas de casais, em que o hábito da convivência substitui o amor, estão nesse caso, dando razão ao Papa Francisco ao pregar que os namorados devem conhecer-se melhor antes do matrimônio para evitar futuras separações e tudo o que delas deriva.

Há, porém, crimes em que a perversão é tanta que tudo se torna inexplicável e nebuloso. É o caso do quádruplo assassinato, dias atrás, em Porto Alegre, em que um pai de família se suicidou após matar a tiros a esposa, o filho, a sogra e a própria mãe. Não recordo de algo assim no mundo inteiro.

Toda a conduta ético-moral foi estraçalhada nesse crime que culminou com o suicídio, algo também afrontoso em si. Sabe-se que o criminoso premeditou tudo para matar enquanto as vítimas dormiam em plena cama. Mesmo condenável e perverso, pode-se deduzir que teria assassinado a esposa e a sogra num momento de raiva, transformado em ódio ao ampliar pequenas desavenças conjugais, o que não teria ocorrido.

Os assassinatos da própria mãe e do filho, porém, fogem a todas as interpretações e análises, negando algo humanamente sagrado. A única explicação é um surto de loucura. O assassino, porém, era tido pelos vizinhos como pessoa dócil, educada e prestativa. Talvez estivesse no rol dos que costumamos dizer serem "incapazes de matar uma mosca".

Nesse crime, não há sequer indícios de que o assassino fosse drogado e atuasse como tal. Cada vez mais, convenço-me de que a alma humana pode esconder-se do próprio ser e nem sabemos o que somos.

Os absurdos dominam o momento atual. Em entrevista à revista Time, dos EUA, o ex-presidente Lula da Silva afirmou que o presidente da Ucrânia buscou a guerra e, mesmo indiretamente, viu nele um agressor, não uma vítima do prepotente Putin.

Outra vez, Lula igualou-se a Bolsonaro - que se declarou "solidário" a Putin -, confundindo o agressor com a vítima da agressão.

FLÁVIO TAVARES

07 DE MAIO DE 2022
OPINIÃO DA RBS

ÊXITO E ESPERA POR NOVAS EDIÇÕES

Diante do êxito inequívoco do South Summit Brasil, realizado entre quarta e sexta-feira, na Capital, não se espera nada diferente de uma grande mobilização para o Rio Grande do Sul ser o anfitrião não apenas em 2023, mas nos próximos anos. É preciso desde já reeditar o esforço que viabilizou a vinda de um dos mais relevantes encontros globais de inovação, empreendedorismo digital e negócios ligados à tecnologia. É uma tarefa que deve unir poder público, o que inclui governo do Estado e prefeitura de Porto Alegre, legislativos, iniciativa privada e toda a rede gaúcha ligada à área.

Está em curso há alguns anos uma bem-sucedida mobilização para consolidar o Rio Grande do Sul como referência em inovação. Esse empenho se materializou em um grande número de startups, parques tecnológicos, incubadoras e arranjos como o Pacto Alegre e outros institutos, em várias regiões gaúchas. Todas as iniciativas que ajudem de alguma forma a consolidar ainda mais esse ecossistema são bem-vindas e merecem adesão. A realização e a atração de eventos, elevando o intercâmbio, a possibilidade de troca de experiências e novas conexões, também se inserem nesse contexto. Já afirmada no Estado, a Gramado Summit, na Serra, é um exemplo. Outra edição aqui do South Summit, que nasceu em 2012, em Madri, na Espanha, traria uma nova contribuição inestimável para esse amadurecimento.

O entusiasmo da espanhola María Benjumea, fundadora do evento, foi sem dúvida simbólico. A empolgação de alguém experimentada na área com o Rio Grande do Sul, a Capital e o local do encontro, os armazéns do Cais Mauá, na beira do Guaíba, atesta o sucesso da ideia. Entre os sentimentos de euforia e aprazimento dos participantes do país e do Exterior, ficou nítido o saldo amplamente positivo do evento em Porto Alegre, com mínimos contratempos. Razões, portanto, não faltam para que, nos próximos anos, o Estado volte a ser ponto de atração para empresários e mentes criativas, em busca de novidades e oportunidades de negócio.

Nem é preciso referir os ganhos imediatos para setores como gastronomia e hotelaria. Mas o mais importante são as conquistas intangíveis, como o fortalecimento internacional da imagem da Capital e do Rio Grande do Sul como polos promissores para a inovação, que assim se firma como novo, importante e promissor vetor do desenvolvimento regional.

Consolidar o Estado na geografia global da inovação valoriza o trabalho das startups, universidades e empresas locais. Faz com que se preste mais atenção à inventividade que viceja em todas as regiões. Muitas vezes, a diferença entre o sucesso e a frustração pode ser a chance de apresentar uma ideia a quem pode compreender o seu potencial e financiá-la. O reconhecimento beneficia ainda o capital humano gaúcho. Com o avanço rápido das comunicações, hoje é possível trabalhar para empresas de alta tecnologia a partir de qualquer canto do mundo. A área portuária da cidade viu o nascimento do núcleo urbano da Capital há dois séculos e meio e, por isso, simboliza o seu passado. É possível que, a partir de agora, também possa ser um marco da inserção na economia do futuro. 


07 DE MAIO DE 2022
POLÍTICA +

Ranolfo vai à Europa e a Israel

A primeira viagem internacional do governador Ranolfo Vieira Júnior não será mais para a Colômbia, como estava planejado, mas para o outro lado do Atlântico.

As datas e compromissos ainda estão sendo definidos, mas o roteiro deve incluir Alemanha, Holanda e Israel. Ranolfo não quer ficar muito tempo longe do Estado porque não tem vice. Como o próximo da linha de sucessão é o presidente da Assembleia, Valdeci Oliveira, que não assumirá por ser candidato à reeleição como deputado, na ausência do governador o Executivo ficará sob comando da desembargadora Iris Helena Medeiros Nogueira, presidente do Tribunal de Justiça.

O deputado Fernando Marroni (PT) reclama que está recebendo cobrança das redes sociais por causa do projeto que tenta proibir os rodeios no Estado. Marroni esclarece que o autor é o colega Rodrigo Maroni (PSDB), "com um R só".

Nem nas férias o conselheiro Cezar Miola sossega. Em Portugal a passeio, Miola se reuniu com o presidente do Tribunal de Contas lusitano José Tavares, e se interessou pelas práticas de fiscalização das autoridades portuguesas.
Vereador Bins Ely deverá comandar Comissão de Ética da Câmara de Porto Alegre, a ser instalada na próxima semana.

RS faz parceria com a Amazon

Primeiro resultado concreto da viagem do ex-governador Eduardo Leite aos Estados Unidos, em março, o governo do Estado assinou durante o South Summit termo de cooperação com a Amazon Web Services (AWS) para formar programadores e investir em inovação no Rio Grande do Sul. O acordo foi formalizado na quinta-feira.

Uma das principais inicia­tivas da parceria prevê a formação de programadores com o apoio do Instituto Caldeira. A ideia é selecionar jovens de escolas públicas para as capacitações com foco na criação e no desenvolvimento de softwares.

O South Summit e o sucesso do Embarcadero podem passar a falsa ideia de que é possível manter os armazéns como estão, fazendo eventos provisórios. Trata-se de um pensamento simplista, já que a revitalização de todo o trecho pode significar, além de negócios, mais espaço para o lazer e a cultura em uma área hoje inacessível ao público.



07 DE MAIO DE 2022
MARCELO RECH

A nossa guerra

Em um domingo recente, como costumo fazer cedo da manhã, saí para um passeio de moto por estradinhas de terra. No interior de Portão, na Grande Porto Alegre, percorria um trecho pastoril, habitado por ovelhas e cabeças de gado, quando, ao me aproximar de uma curva, avistei uma viatura da Brigada. Diante dela, jazia no acostamento o corpo de um homem esquálido, o rosto desfigurado por tiros. Havia sido executado ou desovado ali.

Nada demais, nenhum grande abalo que interrompesse o passeio. Nem notícia a morte foi. O corpo podia ter sido esquecido em uma estradinha da Ucrânia, mas foi apenas mais um dos 41 mil assassinatos anuais no Brasil, fruto provavelmente da guerra de facções que, em última análise, é fomentada por usuários que não veem o sangue escorrer quando cheiram uma carreira de cocaína.

Nossa guerra não desperta lá muito interesse, até porque é de baixa intensidade - uma morte aqui, um órfão ali, populações pobres tomadas como reféns por traficantes em áreas brutalizadas pela lei do silêncio. Nossa guerra não tem mísseis teleguiados, mas sobram munição e armamento pesado, como fuzis que poderiam estar nas mãos de combatentes nas estepes ucranianas. Os céus noturnos dos morros do Rio riscados por balas tracejantes não atraem correspondentes de guerra, embora façam com que brasileiros passem a noite acordados, de cabeça baixa, rezando para serem poupados no fogo cruzado.

Nossos refugiados não fogem em trens. Tomam aviões para os EUA e Europa, onde, além de esperança e oportunidades, encontram a paz de caminhar à noite sem medo e de dormir tranquilos enquanto a filha ainda está na balada. Segundo dados do Itamaraty, em 2020, já eram 4,2 milhões de brasileiros lá fora. Somente no primeiro trimestre de 2021, 120 mil brasileiros buscaram refúgio no Exterior. É um êxodo em conta-gotas.

Alguns querem nos fazer crer que, na nossa guerra, os culpados são as vítimas, porque a violência, as cercas elétricas e o medo na sinaleira à noite só acabarão quando não houver mais desigualdade social. É uma tese injusta e preconceituosa com os mais pobres, em sua gigantesca maioria honesta. Fosse essa a razão primordial, Índia, Indonésia e Egito, também populosos e desiguais, viveriam epidemias de criminalidade.

O Brasil desceu a ladeira da violência quando se esfarelaram as referências e os valores éticos, quando até bueiros e bustos em praça são furtados, quando covardes perdem a vergonha de abandonar mulheres grávidas, e crianças, como suas mães, se veem vítimas de abusos de toda ordem dentro de casa. O abismo se aprofunda com a corrupção, com a leniência com bandidos, com os presídios lotados, com a glamourização das drogas e a desimportância à educação. Índia, Egito e Indonésia são pobres, mas suas sociedades têm valores profundos, mais fortes que qualquer força policial. É disso que o Brasil também precisa.

MARCELO RECH

07 DE MAIO DE 2022
J.R. GUZZO

Lula tem mania de grandeza

Lula, como vem sendo demonstrado pelos fatos há 40 anos, vive em estado permanente de mania de grandeza. Está convencido, desde que entrou na política, de que é melhor do que todos, sobre todos os assuntos, o tempo todo; acredita que é o inventor do Brasil, da raiz quadrada e do ovo frito. Entre as grandes competências que atribui a si próprio, está a de gênio da política internacional.

Ficou nos mitos e lendas da altíssima diplomacia mundial, por exemplo, o feito extraordinário que realizou ao arrumar sozinho, segundo revelou anos atrás, um acordo de paz entre os Estados Unidos e o Irã - coisa que, segundo ele próprio, "nunca antes" tinha acontecido neste mundo. É uma pena, realmente, que ninguém tenha ficado sabendo disso, a começar pelos Estados Unidos e pelo Irã, mas o que se vai fazer? A culpa é da direita.

Agora, na condição de candidato a presidente da República, Lula acaba de surtar de novo como perito emérito em questões internacionais de grande porte. Disse numa entrevista à revista americana Time - que o apresenta como um líder que "volta do exílio" - que o presidente Volodimir Zelensky, da Ucrânia, é tão responsável quanto a Rússia pela invasão do seu próprio país.

Como assim? Quer dizer que a Rússia invade a Ucrânia, com tanques, tropas e bombardeio aéreo, mata milhares de pessoas, ataca hospitais, escolas e teatros com gente dentro - e o culpado é o presidente do país invadido? Pois então: é como Lula vê o mundo que se dispõe a liderar com a cooperação das grandes potências depois que for reeleito presidente do Brasil.

Lula diz que Zelensky deveria ter evitado a guerra, mas não quis "negociar" - por isso, é culpado pelos atos do agressor. Segundo ele, Zelensky, a quem chama de "esse cara", está se exibindo demais. Vive aparecendo nas capitais da Europa, aparece na televisão, dá entrevistas, etc., etc., em vez de combinar com os russos - está, segundo Lula, se beneficiando da invasão.

Se fosse com ele, Lula, tudo se resolveria com uma cerveja, como já disse; na sua entrevista, informou que iria "conversar" com os grandes líderes mundiais que, obviamente, aceitariam as suas instruções e colocariam um fim na guerra. É duro de acreditar, mas aí é que está: Lula disse mesmo isso tudo, e seus devotos estão convencidos de que, além de salvar o Brasil do "fascismo", ele agora vai salvar o mundo.

Pela cabeça de Lula, a culpa da Segunda Guerra Mundial é dos países da Europa que foram invadidos pela Alemanha nazista - deveriam ter negociado com Hitler, mas provocaram a própria invasão por não terem se entendido com o invasor. O Vietnã é o culpado pela ocupação americana do seu território. Os Estados Unidos são culpados pelo ataque que sofreram do Japão no Havaí - e por aí vai.

É esse o sábio das relações internacionais que se prepara para ensinar à humanidade como o mundo tem de ser governado.

J.R. GUZZO

07 DE MAIO DE 2022
"O RS ESTÁ A PONTO DE DECOLAR"

Marta del Castillo CEO global do South Summit

A madrilenha Marta del Castillo, 41 anos, fez de Porto Alegre sua casa nos últimos 10 dias e se surpreendeu com o que viu no Cais Mauá.

CEO global do South Summit, Marta é formada em administração pela IE Business School, uma das mais conceituadas escolas de negócios do mundo, em Madri, e pós-graduada em empreendedorismo pela Stanford University, no Vale do Silício, na Califórnia. Esteve na Capital duas vezes em 2021 e, na última semana, dirigiu o evento que posicionou a cidade e o Estado no mapa internacional da inovação.

Confira a seguir a entrevista que Marta (na foto) concedeu com exclusividade à coluna.

Como avalia o evento em Porto Alegre?

Superou todas as expectativas. Já estávamos felizes por chegar ao Brasil e, em especial, a Porto Alegre, porque sabíamos que é um ecossistema de inovação em crescimento, com todos os elementos para florescer, mas fomos surpreendidos positivamente pelo grande interesse das pessoas. Sentimos uma energia muito boa na cidade.

Como foi trabalhar aqui? Sabemos que o Brasil nem sempre inspira confiança. Temos fama de desorganizados, de não respeitar prazos?

Totalmente o contrário. Houve um grande esforço de entrega, apesar das dificuldades. Tínhamos pouco tempo e planos ambiciosos, como o de reabilitar o cais. Conheço a fama do Brasil e vivi muitos anos na América Latina, mas conseguimos ótimo resultado em apenas três meses.

A escolha do cais foi importante como legado. Pensaram nisso desde o início?

Para nós, isso era muito importante. Tinha de ser no cais, porque sabíamos que contribuiria para a cidadania, seria um legado e um símbolo da inovação.

Sobre a cultura regional, o que mais te chamou atenção?

Nos sentimos em família aqui. A cultura gaúcha tem algo muito forte em termos de integridade, generosidade e hospitalidade. Ah, e a comida é espetacular. Descobri, também, os vinhos do Rio Grande do Sul, que não conhecia.

Porto Alegre quer ser um polo de inovação. Como fazer com que isso se torne concreto e visível para a população?

Porto Alegre vive uma tormenta perfeita. Há compromisso entre governos, empresários, grandes universidades e parques tecnológicos. Creio que faltava um evento como esse, porque é importante ter casos de êxito que os jovens possam ver de perto. É uma forma, também, de posicionar a inovação como "rockstar" e de atrair o olhar internacional. Há muitas oportunidades aqui, e os investidores precisavam ver isso. O RS está a ponto de decolar.

Podemos, de fato, contar com uma nova edição do evento em 2023?

Sim, é 100% certo. Temos que organizar os detalhes, mas é uma aposta de longo prazo, e a nossa intenção é seguir aqui, não só em 2023, mas nos próximos anos.

A imagem da semana

Não dá para deixar passar. A imagem ao lado, do fotógrafo Jefferson Bernardes, da Agência Preview, mostra uma Porto Alegre que há muito não se via. O South Summit provou que o velho Cais Mauá, alvo de tantos debates e reveses, merece, sim, um destino melhor do que o abandono. A cena fala por si.

JULIANA BUBLITZ - INFORME ESPECIAL

sábado, 30 de abril de 2022


30 DE ABRIL DE 2022
MARTHA MEDEIROS

Uma escolha fácil

Não entendo quando dizem que a próxima eleição será difícil. Mais fácil, impossível. Armas versus livros. Culto à alienação versus incentivo ao conhecimento. Facilitações exclusivas para militares e evangélicos versus uma política social que atenda todas as pessoas, de qualquer credo, cor e gênero, de esquerda ou direita.

Isolamento do resto do mundo versus respeito internacional. Discurso vazio versus diálogo. Fascismo versus democracia. Desgoverno versus governo. Qual a dificuldade de escolher?

A dificuldade chama-se Lula, dirão os que ainda usam o líder petista como desculpa por terem votado num oficial que foi expulso do exército por terrorismo e cujo ídolo é um torturador. Alegam ter sido "obrigados" a colocar o país nas mãos de um homem sem projeto, a fim de se livrarem da corrupção - beleza, agora ninguém investiga mais nada. Tiveram que "tapar o nariz" e votar em alguém que nunca debateu uma ideia, em vez de elegerem, mesmo a contragosto, um professor com experiência em gestão pública. Entregaram nosso futuro de mão beijada para um homem que veio do submundo da política, com seu papinho retrô de moralização dos costumes e que usa Deus como cabo eleitoral para manipular a boa-fé de cidadãos mal-informados - e os mantém mal-informados através da indústria das fake news, a única coisa que progrediu nos últimos quatro anos.

Já alguns bem-informados, que sabiam direitinho o que o PT havia feito pelos mais pobres, também vieram com essa conversa mole de "desencanto", a fim de disfarçarem sua identificação com o capitão machista. Deu nisso. Agora somos o país dos milicianos no poder, dos ministérios conduzidos (em sua maioria) por medíocres, da turma desmiolada que despreza a ciência, dos irresponsáveis que foram contra máscara e vacina em plena pandemia. Sério mesmo que temos uma escolha difícil a fazer em outubro?

Corrigir nosso erro histórico não nos conduzirá direto ao paraíso. Seja quem for o candidato ou candidata que conseguir interromper esse período grosseiro do Brasil, haverá de ser cobrado desde o dia que assumir. Um presidente da República tem obrigações e, quando falha, apanha da opinião pública, como todos já apanharam, é o ônus do ofício. Somos 200 milhões de patrões avaliando a conduta de um funcionário que pleiteia o emprego mais importante do país e que promete um plano eficiente de gerenciamento. Se não cumprir, fora.

A besteira que fizemos em 2018 está custando caro, econômica e moralmente. De que adianta sermos bons cristãos, se hoje estamos alinhados aos tiranos do mundo? A escolha é fácil: voltemos aos governos que nos desiludem, como todos desiludem em algum ponto, mas que não colocam a democracia em risco, nem usam nossa fé contra nós mesmos.

MARTHA MEDEIROS