sábado, 4 de junho de 2022


04 DE JUNHO DE 2022
ESPETÁCULO

NOITES DE MÚSICA E POESIA

Vitor Ramil reencontra o público e apresenta seu novo trabalho, "Avenida Angélica", com poemas de Angélica Freitas

- Esse período de enclausuramento tirou um pouco o timing da gente para fazer as coisas. Estou ainda me sentindo um pouco que saindo de um pesadelo, de um sonho, acho que a ficha só vai cair quando eu der o primeiro acorde lá no teatro - confessa Vitor Ramil.

Os mais de dois anos sem se encontrar com o público - o último show presencial foi em março de 2020 - deixaram o artista pelotense vivendo em um mundo à parte, que o deixou distante fisicamente das pessoas, mas muito próximo da arte. Tanto é que, agora, ele sai deste período que chama de "aprisionamento" com um trabalho novo e pronto para estar junto novamente dos fãs, que verão o mesmo artista no palco, mas ouvirão novas canções.

Este primeiro contato depois do período afastado, respeitando o tempo da pandemia, acontece neste final de semana, quando Vitor regressa para a sua "casa em Porto Alegre", o Theatro São Pedro (TSP), para duas apresentações dedicadas ao lançamento físico do álbum Avenida Angélica, no qual canta os poemas de Angélica Freitas. Os shows ocorrem no sábado, a partir das 21h, e no domingo, às 18h (veja serviço na página 6).

Nas duas apresentações, o artista interpretará as 17 faixas que estão no disco, que foi feito inteiramente baseado nos textos publicados originalmente por Angélica nos livros Rilke Shake e Um Útero É do Tamanho de um Punho. A escritora também se fará presente, declamando o poema Ítaca, em um vídeo gravado diretamente de Berlim, na Alemanha, onde mora.

- Percebo que chama muito a atenção das pessoas as canções que resultaram dessa parceria, porque, às vezes, tem poemas musicados que tu ouves e que parece que não chega a encaixar completamente. Fica aquela coisa meio desajustada. Mas acho que marcou muito as pessoas foi isso, as canções que parecem que nasceram com letra e música - explica Vitor, quase dois meses após o lançamento do álbum digital no streaming.

Teatral

Décimo segundo título da discografia de Ramil, Avenida Angélica foi gravado em duas noites, em 7 e 8 de agosto de 2021, em um vazio Theatro Sete de Abril (que vem passando por restauros desde 2010), em Pelotas. Depois, ele foi lançado nas plataformas de streaming no começo de abril e, agora, chega em mídia física, em uma edição limitada e documental, feita para ser guardada como um livro de arte, segundo o próprio artista. O disco está à venda no site vitorramil.com.br e em livrarias selecionadas.

As duas noites de espetáculo de Vitor Ramil cantando as poesias de Angélica Freitas abrirão oficialmente as comemorações do aniversário do Theatro São Pedro - inaugurado em 27 de junho de 1858 - e integrando a programação oficial dos 250 anos de Porto Alegre. No palco, o artista se apresenta em formato solo, com voz e violões de cordas de aço, em ambientação visual criada por Isabel Ramil, sua filha, que faz da iluminação, do cenário e dos vídeos apresentados uma espécie de segunda interpretação, não-literal, dos poemas, conferindo ao show um caráter multimídia.

Estes dois shows no TSP, na verdade, podem ser considerados um fechamento de ciclo, uma vez que, em julho de 2019, ele esteve no local para apresentar em primeira mão o começo do projeto do Avenida Angélica. Depois de lá, refinou o seu repertório, tirando faixas e acrescentando novas canções, até chegar no resultado final, eternizado no álbum físico.

O processo lembra o da produção de Délibáb (2010), álbum em que o cantor compôs milongas para poemas do argentino Jorge Luis Borges e do alegretense João da Cunha Vargas. Cinco anos antes da gravação, Vitor, acompanhado de Carlos Moscardini, esteve no TSP para apresentar músicas do disco, que ainda demoraria para ser gravado.

- É interessante que esse trabalho com as poesias é muito ligado aos teatros, às apresentações ao vivo. Agora, para mim, é muito significativo que seja apresentado no São Pedro. Tem muita gente que diz "gosto de te assistir no São Pedro", então começa a se criar um vínculo com o espaço e com o público daquele espaço. E o retorno do ao vivo é sempre incrível. A energia do público vai, de certa forma, dirigindo a tua performance - destaca.

E o diretor artístico do Theatro São Pedro, Dilmar Messias, concorda:

- Tê-lo na abertura da nossa programação de aniversário redobra a nossa satisfação. Vitor intérprete, Vitor poeta, Vitor ídolo de uma geração que carrega na sua bagagem o lirismo e o questionamento.

Agora, é só se direcionar para o TSP e acordar do pesadelo juntamente com Vitor Ramil. E esse despertar vai ser cheio de poesia e música. Não podia ser melhor.

CARLOS REDEL


04 DE JUNHO DE 2022
MARTHA MEDEIROS

A melhor droga do mundo

- Isso me deixa louco... Lou-co!

Repetiu duas vezes a palavras louco com uma inflexão na voz que não deixava dúvida de que ele estava, mesmo, em outro estado de consciência. Manteve os olhos fechados e balançava a cabeça para o lado, em movimentos curtos e ritmados, como se fossem espasmos provocados por um estímulo interno. Era um maestro regendo uma orquestra, sentado na poltrona de sua pequena sala de estar. Escutava Strauss.

O que o deixava louco era a percepção de que seus sentimentos se expandiam, saltavam de dentro para fora, dominando-o. Não se sentia solitário, mesmo vivendo tão só. Sua sensibilidade deixava de ser invisível e impalpável: transbordava. O que muitos sentem através da palavra de Deus, numa missa, ou visitando Machu Pichu, no Peru, ou ainda na sala de parto, durante o nascimento de um filho, ele sentia igual, com a mesma intensidade, sem sair de onde estava.

Era como estivesse sob efeito de um narcótico. Apartado da miséria da vida, a salvo do vazio da mesmice, protegido contra a banalidade do mundo. Um homem embriagado de beleza e fantasia, mas sem perder a noção de que aquele momento era, antes de tudo, uma experiência real.

É uma droga muito viciante, a arte. A única que não nos enjaula, ao contrário.

As páginas de um livro de Guimarães Rosa. Bailarinos dançando uma coreografia de Deborah Colker. Os murais de Portinari. As fotos de Sebastião Salgado. Benditos todos os "malucos" que nos proporcionam viagens sensoriais, liberdade de pensamento e o êxtase das emoções inesperadas. A arte subverte a castração a que somos submetidos pela rotina dos compromissos. Alivia nossas dores existenciais e nos dá a sensação de que nada poderá nos ferir. A vida é boa (sim, David!) enquanto escutamos belas canções, enquanto as cortinas dos palcos não fecham, enquanto circulamos pelos corredores dos museus.

Fuga. Escape. Sonho. É preciso saltar o muro deste nosso hospício diário e ir ao encontro da delicadeza. Essa crônica foi inspirada pelo comovente livro Esperando Bojangles, de Olivier Bourdeaut, pelo importante depoimento de Walter Casagrande no programa Bem Juntinhos, do GNT ("Tive que procurar outra forma de prazer depois de largar as drogas. Açúcar? Não. Teatro. Cinema.") e principalmente pelo meu pai, que sempre fez uso abusivo desse entorpecente mágico, lícito e transgressor, e que agora adotou a música como sua mais constante companhia, aos 85 anos.

"Dizem que sou louco por pensar assim, mas louco é quem...", você sabe. Um viva aos Mutantes, que compuseram a Balada do Louco, em 1972, e a todos os milhões de seres extraordinários que não se contentam com a mediocridade. Que a gente morra tentando capturar o sublime.

MARTHA MEDEIROS

04 DE JUNHO DE 2022
CLAUDIA TAJES

Troféu Imprensa

Imagine um mundo sem jornais. Sem um espaço confiável para procurar uma informação. Um mundo onde as pessoas repassassem as coisas no boca a boca - e quem conta um conto, aumenta um ponto, diz a sempre sábia sabedoria popular. Existe uma Janete Clair dentro de cada um de nós, uma novelista enrustida acrescentando complicações imaginativas ao que parece prosaico demais. Nota para as novas gerações: Janete Clair foi a primeira-dama da telenovela no Brasil, até hoje inspiração para autores do ramo.

Maria e João casaram ontem. O vestido dela, credo, era de um mau gosto atroz, todo transparente, não era figurino para se entrar na igreja. E ele, que deixou uma namorada grávida para trás? A madrasta da noiva ficou no altar ao lado do marido, toda carinhosa, mas só para disfarçar. Faz anos que ela tem um caso com a Alzira, a madrinha da Maria, que nem convidada para o casamento foi.

De alguma forma, desde que uns e outros se dedicaram a demonizar a imprensa, a gente tem visto histórias assim, tão maldosas quanto ridículas, espalhadas pelo meio preferido de (des)informação dos que compraram a ideia de que a imprensa nunca diz a verdade. Por que ler um jornal se o grupo de WhatsApp traz tudo bem mastigadinho, e com detalhes que ninguém mais conhece?

A cantora fez uma tatuagem naquele lugar porque é satanista, a favor do aborto, drogada, pró-pedofilia e dança Macarena pelada. Passe adiante sem dó, nem piedade.

Saudade do tempo em que o grupo da família era apenas o órgão oficial do tradicional bom dia com a imagem de um sol nascendo ou de uma flor se abrindo. Hoje, mamadeira de piroca é pinto, sem trocadilhos, perto do que se lê ali.

Já se aventou que os responsáveis pela desinformação que corre solta no WhatsApp são os próprios jornais, que começaram a cobrar pelo conteúdo da internet e deixaram os não-assinantes à mercê dos mentirosos profissionais. Pode até ser, mas bom-senso não é exclusividade de assinante. Cada vez que um absurdo é repassado, fica a dúvida: quem encaminhou é ingênuo ou mal-intencionado? Pessoalmente, voto na segunda hipótese.

A vida sempre vem em versões pouco verossímeis no WhatsApp. Nem vamos falar no que aconteceu no início da pandemia, ou nos esculachos que comprometeram - e comprometem - carreiras e reputações. Nas versões covardes para o assassinato de Gevanildo, em Sergipe, e para as operações policiais que matam também quem não tem nada a ver com o peixe. Conselho de amiga: ao receber uma suposta notícia pelo WhatsApp, perca alguns minutos checando nos jornais. Evita disseminação de lorotas e poupa a gente de passar vergonha.

Tudo isso porque 1º de junho foi o Dia da Imprensa, que é uma das grandes ferramentas da democracia. Repetindo o óbvio: sem imprensa não existe democracia. Quem está distante da rotina de redações, plantões e apurações talvez não imagine o quanto os jornalistas trabalham pela notícia. Quem se apaixonar por uma ou um, já vá sabendo que dias santos e feriados serão dias trabalhados. E o salário, ó, como dizia o professor Raimundo.

Aproveitando o Dia da Imprensa, mando aqui minha mais sincera admiração por todos os jornalistas e um beijo (atrasado, para variar) para as minhas editoras, Renata, Mary e Adriana, que seguram as pontas das minhas tardanças na entrega da página. Na semana que vem, a coluna vai chegar no prazo - juro que não é fake news. E para a família, os amigos e os leitores do David Coimbra, um abraço com a certeza de que ele continua em cada linha que deixou.

CLAUDIA TAJES

04 DE JUNHO DE 2022
LEANDRO KARNAL

GENTE COMO A GENTE

Quem conhece narrativas bíblicas sabe que as pessoas do texto são muito marcadas pela ambiguidade. Na Idade Média dominou a narrativa modelar sobre os santos, as chamadas hagiografias. Os eleitos eram perfeitos desde o berço, nunca tremiam, jamais duvidavam. No texto bíblico, pelo contrário, as pessoas são reais. Abraão mente ao faraó que sua esposa seria sua irmã; um irmão engana o pai com ajuda da mãe (Jacó com o idoso Isaac); o encarregado do culto a Deus, Aarão, é quem cede ao povo e faz o bezerro da idolatria; e, apenas para dar outro exemplo, Jonas fica decepcionado que Deus não destruiu a cidade de Nínive. Existem narcisos feridos, jogos de poder, tramoias e estratégias pessoais. Vale o mote de Nietzsche: humano, demasiado humano.

O encontro do jovem Davi e o gigante Golias é narrado no capítulo 17 do Primeiro Livro de Samuel. Usando da habilidade com sua funda, o rapaz acerta o guerreiro enorme e o mata. Depois, decepa sua cabeça. Juntamente com o episódio de Judite/Holofernes e Salomé/João Batista, são três cenas fortes de gente perdendo a cabeça na Bíblia para deleite da história da arte.

Quase sempre, Davi é representado como um adolescente no episódio, com a notável exceção da estátua de Michelangelo. O florentino preferiu a exuberância de um homem forte e jovem.

Avanço na narrativa. O povo de Israel está feliz no capítulo 18 narrado por Samuel. O gigante atacava a honra de todos e ainda insultava o Deus dos hebreus. A vitória inesperada do jovem tinha provocado euforia. A fama de Davi crescia ao atacar filisteus. As mulheres cantavam que o rei, Saul, tinha matado milhares, mas Davi, dezenas de milhares. Não bastasse a fama crescente do jovem de Belém, a amizade com Jônatas, filho mais velho do rei, era muito forte.

O jovem Davi matava mais inimigos do que o velho e experimentado rei? Entrava na casa real com uma amizade forte com o herdeiro natural do trono? Era mais amado pelas mulheres de Israel e pelo primogênito do que o próprio Saul? Era demais para o primeiro rei de Israel.

A reação do soberano foi significativa. Duas vezes arremessou uma lança para matar o jovem filho de Jessé. Errou em ambas. O rei estava em uma rede complexa de sentimentos. Na narrativa, logo após ter tentado cravar Davi na parede, dá a ele sua filha Merab em casamento. O ex-pastor se achava indigno de ser genro de rei. A jovem acabou casando com outro.

Para piorar a ambiguidade, outra filha do rei se apaixonou pelo guerreiro célebre. Davi, de novo, acha honra elevada, porém acaba aceitando o encargo em troca de um gesto de gosto duvidoso para nosso padrão atual: o dote seria o corte de um número expressivo de partes íntimas de filisteus. Era uma armadilha do rei ao futuro genro, que respondeu dobrando a meta e oferecendo 200 prepúcios ao soberano que demandara cem.

Uma das coisas que adoro na Bíblia é sua humanidade. As personagens são de imensa riqueza e muitas contradições. Reis violentos e com abalos psíquicos, jovens cheios de fé, amizades improváveis como a de Jônatas com Davi (ou Rute e Naomi como bom exemplo de camaradagem fora do padrão).

A história do pastor de Belém, Davi, é tomada de gente com inveja, desequilíbrios mentais, desejos, e tentações com a mulher de Urias. Eu me lembro perfeitamente da imensa impressão que tive com o quadro de Pedro Américo no Museu Nacional de Belas Artes. Do que trata o quadro? O primeiro capítulo de I Reis narra o rei Davi com frio, não conseguindo se aquecer por causa da idade. Então, arrumam uma jovem virgem, Abisag, com a função térmica no leito real. Pedro Américo pintou o momento em que um assustado ancião vê uma jovem se deitar com ele. O quadro tem influências do chamado "orientalismo" na sensualidade e na opulência erótica de "harém turco" que imagina.

O texto sagrado se permite liberdades que fariam corar muitos autores libertinos dos séculos 18 e 19. A lição é clara: o chamado de Deus ocorre em meio ao real histórico, ao contraditório e a todas as ambiguidades de pessoas normais.

"O Senhor é meu pastor, nada me faltará", proclama Davi como salmista. Ele me conduz e ao me conduzir me protege do rei louco, da inveja, dos excessos de sexo, da briga dos meus filhos pelo trono e de todas as intrigas que minhas fraquezas e as dos outros provocam. Em resumo, gente como a gente. Pessoas que parecem reais enfrentando seus limites e os do mundo, dialogando com o plano divino dentro e inserido até o pescoço no mundo profano. 

O que eu admiro em algumas personagens é que não falariam ao povo "vocês pecadores", porém "nós". Diferentes de tantos de hoje, não se colocariam em um pedestal imaculado julgando todos abaixo. Ao ouvir alguns, lembro-me da reclamação de Fernando Pessoa: "Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo?". Tenho esperança de que mais pregadores consultem a Bíblia e menos seus treinadores midiáticos. "Ó príncipes, meus irmãos!..."

LEANDRO KARNAL

04 DE JUNHO DE 2022
FRANCISCO MARSHALL

LISÍSTRATA

Era 411 a.C. quando o comediante Aristófanes (446-386 a.C.) apresentou sua Lisístrata, uma comédia engraçadíssima contendo crítica da guerra e das relações de gênero na Atenas clássica. Na trama, a protagonista Lisístrata congrega mulheres de Atenas e das polis que esta enfrentava na Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.), Esparta e Corinto, para armarem greve sexual e assim pressionar seus homens a pôr fim à guerra. Esta comédia foi apresentada em janeiro daquele ano no festival das Leneias, festa dedicada a Dioniso, com forte acento feminino. É muito bom que essa obra encabece a lista de leituras obrigatórias para o vestibular 2023 da UFRGS, o que nos convida a pensar a atualidade de suas questões.

Lisísitrata é nome inventado por Aristófanes a partir da palavra lysis, que significa afrouxamento, dissolução ou liberação; segue-se strata, referindo stratós, exército. Assim, este nome significa Dissolve-exército, o que a torna muito bem vinda em nosso país, ameaçado pela ambição desmedida e iníqua de força pública paga com nossos impostos. Em Atenas não havia exército como o nosso (!), mas permanente mobilização guerreira da sociedade viril. A crítica do comediante atinge a guerra e o gênero masculino, pois o ofício bélico era o núcleo político de uma sociedade de varões guerreiros, parte de um mundo então interditado às mulheres. 

Dois anos antes da estreia de Lisísitrata, encerrava-se a catastrófica expedição à Sicilia (415-413 a.C.), que encaminhou a derrota de Atenas nessa guerra. Em 415 a.C., Eurípides (480-406 a.C.) apresentou sua tragédia As Troianas, pungente manifesto contra a guerra e a violência imposta às mulheres. Guerra, naquele contexto, não significava triunfo, mas seu oposto, ameaça letal à cidade e às pessoas, especialmente ao universo feminino. Em Atenas, artistas souberam formular com ousadia a crítica à guerra e às violências de gênero.

A constituição de Atenas como cidade de homens em armas levou a classicista holandesa Eva Keuls a cunhar o termo falocracia, em obra de 1993, The Reign of the Phallus ("O reino do falo"). As condições e relações de gênero em Atenas eram complexas, mas incluíam uma declarada causa chauvinista de homens contra mulheres, no coração da Idade do Ferro, que pôs fim ao matriarcado da Idade do Bronze. A presença de heroínas femininas na tragédia grega mostra um intrigante mundo de práticas e especulações sobre mulher, sociedade e política; pensemos na jovem Antígona a enfrentar o tirano Creonte na tragédia de Sófocles (497-406 a.C.), e o quanto ela e Lisístrata significam na representação do poder feminino e do benefício que este pode trazer para a cidade.

Em 1976, inspirado em Lisístrata, o dramaturgo Augusto Boal (1931-2009) escreveu Lisa, a Mulher Libertadora, para a qual seu amigo Chico Buarque compôs a linda canção As Mulheres de Atenas, que pinta quadro de sujeição da mulher, espelhamento do Brasil na polis grega; ele então declarou que era "obra masculina, mas não machista. (?) dedicada a todos os movimentos de liberação feminina e a todas as feministas (?), com seus exemplos de vida". Que elas nos libertem, sempre!

FRANCISCO MARSHALL

04 DE JUNHO DE 2022
DRAUZIO VARELLA

PARADOXO DOS ANTIBIÓTICOS

Os antibióticos revolucionaram a medicina do século 20. Paradoxalmente, no entanto, as companhias farmacêuticas que obtiveram grandes lucros com a comercialização deles abandonaram as pesquisas de novos produtos.

Em edição de 2020, a revista Nature discute as razões pela falta de interesse na pesquisa e desenvolvimento dessas drogas, cada vez mais essenciais num mundo em que cerca de 700 mil pessoas morrem, anualmente, infectadas por bactérias resistentes.

No artigo, é citado o exemplo da Paratek, pequena farmacêutica que está com a sobrevivência ameaçada, apesar de ter lançado, em 2019, um antibiótico (omadaciclina) contra enterobactérias resistentes.

As grandes companhias que se retiraram da área, alegam que os preços praticados no mercado são incompatíveis com os investimentos necessários. Como consequência, a tarefa ficou por conta de pequenas empresas de biotecnologia, dependentes de financiamentos nem sempre disponíveis.

Nos últimos dois anos, quatro dessas companhias foram à falência, depois de investir uma década em pesquisas, retirando de circulação ou reduzindo muito a disponibilidade de cinco dos 15 antibióticos aprovados pelo FDA (Food and Drug Administration, órfão federal dos Estados Unidos, com atuação semelhante à da Anvisa), desde 2010.

Comercializar um novo antibiótico é tarefa complexa. Segundo a OMS, apenas 14% dos que chegam a entrar na fase 1 de estudos clínicos têm chance de serem aprovados pelas agências reguladoras. Os economistas estimam em US$ 1,4 bilhão os custos envolvidos até a aprovação, que ainda devem ser acrescidos de dezenas de milhões para marketing e supervisão.

As gigantes Merck e Eli Lilly, que produziram antibióticos na segunda metade do século passado, distribuíam esses custos entre outras divisões da companhia, recurso de que as pequenas empresas de hoje não dispõem.

Apesar de aprovada para combater pneumonias e infeções de pele por bactérias resistentes, a omadaciclina (bem como outros antibióticos) é pouco atraente aos investidores por diversas razões.

A primeira é a resistência bacteriana que começa a aparecer com a utilização do medicamento, característica que limita sua vida útil.

A segunda é a duração da antibioticoterapia, geralmente medida em dias ou semanas, no máximo.

A terceira é a dimensão do mercado. O Centers for Disease Control and Prevention calcula que ocorram 2,8 milhões de infecções anuais por bactérias resistentes nos Estados Unidos, número bem menor do que os 7,4 milhões de americanos com diabetes, que fazem uso diário de insulina por anos.

Os especialistas estimam que, para se tornar viável, um antibiótico deve atingir vendas de US$ 300 milhões anuais, no mínimo. Assim, o mercado inteiro para enterobactérias resistentes renderia, no máximo, US$ 290 milhões por ano, orçamento que daria suporte a apenas um antibiótico novo contra esses germes causadores de tantas mortes pelo mundo.

As bactérias se tornam cada dia mais resistentes. No decorrer do século 21, corremos risco de voltar ao tempo em que assistíamos às mortes por infecção, sem medicamentos para impedir o desenlace.

DRAUZIO VARELLA

04 DE JUNHO DE 2022
MONJA COEN

NUNCA DEIXE DE AMAR

É preciso amar. Amar o amor que manso se instala em nós. Basta abrir o peito e deixar que se encha de amor puro e santo. Aquele amor que pede nada e é puro encanto. Encanta-se com a borboleta e com a chuva. Jamais perde o maravilhamento das descobertas mais simples e profundas de amar.

Amar a vida e o desabrochar das fragrâncias. Perfume no ar. Odores que identificam sabores, pessoas, lugares. Amar a morte que cessa a coorte de dores e sofrimentos e nos leva à grande paz. Amar a si e se reconhecer ternura em cada criatura. Amar sem esperar um tempo certo, pois sempre é tempo de amar. Amar sem expectativa de nada.

Deixar-se ser contagiada pelo amor que nos invade e nos faz felizes. Ocitocina, dizem especialistas _ o hormônio do amor. Há para vender nas farmácias, ajuda a mãe a soltar o leite, por exemplo. Há ocitocina natural, retroalimentada pelo amor incondicional.

Vamos, vamos, chegou a hora de trocar fama, riqueza, poder pelo simples ato de amar, de querer bem, de querer o bem de todos os seres.

Amar devagar e com rapidez. Amar com respeito e insensatez. Uma pétala de flor cai sobre o lixo, e somos capazes de querer bem a perfumada e bela pétala caída e o lixo que a recebe e a transformará em nova vida.

Reciclar a nós, nossos sentimentos. Refazer o valor de querer bem. Éramos assim: cuidávamos uns dos outros na querência de jamais abandonar os princípios éticos de viver em harmonia.

Nunca deixe de amar. Ame a vida que pulsa e se renova a cada instante. Ame a Terra, feita de nós e de nossos ancestrais. Movimento, transformação, reciclagem de multidões. Séculos dos séculos e ainda tentamos reaprender a amar.

Amar é cuidar, é querer bem, é respeitar, é libertar. Amar nunca ofende, troça, aperta, destroça, afoga, asfixia, bate e mata. Amar é dar vida. Reconhecer em cada ser o nosso ser maior.

É hora de treinar o amor a amar. É hora de formar seres capazes de, com certeza, afirmar: amar e ser feliz é melhor do que ter poder. Felicidade interna bruta se alimenta de amor. Vale mais do que tudo que possa imaginar.

Está na hora de despertar o amor adormecido, que virou amor bandido, incapaz de cuidar. Vamos juntos nos comprometer ao ato doce de amar, hoje, só hoje. Agora, só agora. Palavras gentis, olhares acolhedores, gestos sutis. Hoje, só hoje. Agora, só agora.

Aqui e onde quer que vá: ame e nunca esqueça de também se amar. Deixe que o amor banhe seu corpo todo, que seu espírito se sinta livre e forte para reconhecer em cada instante a doçura de querer bem. Santa querência, que se atreve a se fazer visível para proteger o ninho sagrado.

O ninho da vida dos quero-quero _ é também o nosso ninho de cuidar e compartilhar os bens, tornando-os bens de todos nós. Que haja menos enchentes e alagamentos, menos desmoronamentos, menos abusos da vida natural.

Que haja mais amor e consciência, perseverança e paciência para contagiar o mundo com a paz tranquila de quem sabe amar. Hoje, só hoje, ame e continue a amar. Mãos em prece

MONJA COEN

04 DE JUNHO DE 2022
J.J. CAMARGO

O TRABALHO QUE DÁ APARENTAR FELICIDADE

"A arte existe porque a vida não se basta." (Ferreira Gullar)

Que coisa bem difícil é a simulação da alegria. No cinema e principalmente no teatro (onde não se permite retomar a mesma sequência), há uma fantástica exigência de talento que consagra ou liquida o pretendente à condição de artista. E a exposição do dom dos privilegiados tem a leveza da espontaneidade, enquanto o determinado a forçar ser se consome num esforço tão grande, que o cansaço contamina o espectador, para quem o espetáculo devia ser lúdico e relaxante, mas se transforma em uma exaustiva sessão de halterofilismo emocional.

Kathy Bates não teve concorrência ao Oscar de melhor atriz em 1991, pelo papel espetacular, em Louca Obsessão (1990), de Annie, uma enfermeira que retira de um carro capotado numa tempestade de neve um motorista com fraturas nas pernas e leva-o para sua cabana. Lá, descobre que o acidentado é o famoso escritor Paul Sheldon (interpretado por James Caan), autor de Misery, a sua novela predileta. Depois de um início de euforia amistosa, ela enlouquece ao saber que, no livro a caminho do prelo, a sua heroína ia morrer.

A partir daí, o suspense só aumenta no melhor estilo Stephen King, o autor do romance no qual o filme se baseia. Ela determinada a jamais libertá-lo, para que a morte da heroína não se consumasse, e ele tentando de todas as maneiras simular um afeto impossível, na expectativa desesperada de fugir. Quando ele sugere que ela prepare um jantar a dois, ocorre, na minha opinião, a cena pela qual ela merecia uma segunda estatueta do Oscar. Com o jantar encaminhado à luz de velas, ela se ausenta por alguns minutos e volta maquiada e com um deslumbrante e comovente ar de felicidade quase impossível de ser reproduzido, enquanto que todas as atrizes medianas já choraram de maneira convincente.

Outra atriz, a australiana Toni Collete, protagonizou em O Casamento de Muriel (1994) uma cena que os cinéfilos consideram inesquecível: uma jovem feia, com sobrepeso, discriminada pelas colegas na escola, aceita participar de uma negociação que envolvia o casamento com um galã da natação sul-africana, de modo que esta aliança permitisse que uma vítima indireta do Apartheid pudesse concorrer às Olimpíadas pela Australia.

Apesar de uma situação completamente artificial, a alegria do cerimonial era genuína e, com a experiência de dezenas de casamentos presenciados, nunca vi ninguém entrando na igreja mais feliz e mais radiante. Sempre que posso, revisito O Casamento de Muriel por esta cena, que ocorre no 71º minuto do filme.

Um amigo querido, com um trauma latente do convívio penoso com um familiar com Alzheimer, sempre que esquecia alguma coisa, dessas difíceis de explicar, insistia que os médicos amigos solicitassem uma ressonância do cérebro, para ter certeza de que não estava também com uma doença. Algum tempo depois, talvez uns 10 anos, o acompanhei numa nova avaliação, agora solicitada por um neurologista. Como um leigo super informado, ele reconheceu as placas amiloides. Não tinha lamento na voz, apenas a preocupação de poupar os pais octogenários da notícia ruim: "Vamos lá, eu tenho que parecer feliz e aliviado".

Só queria que os médicos anunciassem quanto tempo de lucidez lhe restava. Com esta informação, ele foi, com a cara mais feliz que já vi, a caminho de casa, para contar que os exames tinham sido normais. Pela simples esperança de poder seguir cuidando dos seus amados e ainda pensando por eles. Pelo tempo que fosse. Talvez no extremo desta tarefa amorosa resida a força que pode fazer a vida imitar a arte.

J.J. CAMARGO

04 DE JUNHO DE 2022
FLÁVIO TAVARES

DUAS MORTES

Ninguém pode fugir à morte. Mas é na morte que a vida (ou o que fomos em vida) se ressalta. Dias atrás, David Coimbra nos deixou, aos 60 anos de idade, após lutar estoicamente contra o câncer por um decênio.

Não repetirei o que já se disse sobre ele, mas é impossível silenciar. Em cartas ao jornal, os leitores deram o veredito, pois são os únicos juízes do que publicamos. O legado que David nos deixa é, mais do que tudo, a perseverança, a alegria e a bondade que fizeram dele um jornalista e escritor que encantava até quando descrevia o corriqueiro.

Anos atrás, David fez a apresentação do meu livro "1961 - O golpe derrotado", na sessão de autógrafos do lançamento e falou sobre o movimento da Legalidade - anterior ao seu nascimento - com profundo conhecimento. Seu estilo era encarar com seriedade o que fosse. Por isso, nos fará falta e sua perda nos transforma em órfãos.

Ao norte, em Sergipe, outra morte chama atenção. O Brasil não tem pena de morte. Nenhum juiz pode sentenciar à morte sequer o criminoso mais perverso, mesmo em minucioso processo que prove a sanha da perversão.

O "direito de matar" parece reservado à polícia, como na execução de Genivaldo de Jesus Santos pela Polícia Rodoviária Federal. Viu-se a cena pela TV - algemado e posto no porta-malas da viatura policial, ele esperneia para se livrar do suplício, pois os policiais acionam o gás lá contido. Logo, morre asfixiado, como se as câmaras de gás dos campos de extermínio nazistas se reimplantassem no Brasil.

A vítima foi interceptada por trafegar sem capacete em motocicleta. Por não se autoproteger, foi morto pela polícia?

Dias após, o presidente da República tampouco usou capacete numa "motociata" em Goiás. Mas a PRF nem sequer lhe ofereceu capacete de proteção.

Os absurdos crescem, e Bolsonaro pediu que não houvesse "excesso de justiça" no julgamento do caso e da operação policial que matou 23 pessoas na Vila Cruzeiro, no Rio. "Excesso de justiça" será fazer justiça?

FLÁVIO TAVARES

04 DE JUNHO DE 2022
OPINIÃO DA RBS

OS CUIDADOS COM O PIB À FRENTE

Em linhas gerais, o crescimento de 1% do PIB do país no primeiro trimestre ficou de acordo com o estimado pelo mercado. O resultado, no entanto, foi acima das projeções feitas entre o crepúsculo de 2021 e o alvorecer de 2022, quando se cogitava, inclusive, o risco de queda na atividade e estagnação ao longo do ano. Pela perspectiva de um período mais longo de observação, de meses atrás, foi uma grata surpresa. Os números, de qualquer forma, refletem o que ocorreu no Brasil de janeiro a março e, neste momento, transcorre o terço final do segundo trimestre do ano. É necessário, a partir de agora, cuidar para que as variáveis possíveis de serem manejadas e que devem ajudar a determinar o desempenho da economia no segundo semestre e em 2023 não se deteriorem.

A maior parte dos economistas e das instituições financeiras projeta certa acomodação da atividade na segunda metade do ano. O impacto do juro alto será mais sentido e não há o efeito da reabertura do setor de serviços, que já ocorreu. A queda dos investimentos nos primeiros três meses do ano (-3,5%), de magnitude inesperada, é fator de alerta. A tensão eleitoral também tende a ser um freio. De positivo deve ser destacada a redução do desemprego, também em ritmo maior do que se imaginava no início do ano. Tende a contribuir com o consumo das famílias, mesmo com a inflação alta e persistente.

Há fatores externos, como os decorrentes da guerra, sobre os quais não se tem controle. Deles decorrem dores de cabeça como o preço alto dos combustíveis. É uma questão complexa e que, idealmente, deveria ter sido enfrentada antes, no bojo de uma reforma tributária vigorosa, sempre procrastinada. Devido às urgências eleitorais do governo e do Congresso, nos últimos dias surgiram propostas controversas. Improvisos são sempre temerários. Cria-se o perigo de, na tentativa de dar uma resposta à população, que ao fim se reverta em votos, começarem a ser incubadas deformações que estourem à frente. Algo como dar com uma mão e tirar com a outra, logo ali.

Vêm ganhando corpo, no Planalto e no parlamento, especulações sobre a possibilidade de um novo decreto de calamidade. Não há justificativa técnica e, se vier a ocorrer, será apenas movido pelo instinto de sobrevivência eleitoral, a quatro meses de os brasileiros irem às urnas. O propósito seria eliminar amarras para dar subsídios aos combustíveis e aumentar outros gastos. Uma nova ideia, ou balão de ensaio, seria uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) com o mesmo propósito, que teria a vantagem de não impedir aumento para o funcionalismo, como ocorre no caso da calamidade. Ao mesmo tempo, o Congresso discute a proposta de um teto de 17% de ICMS para os combustíveis e a energia elétrica.

A redução de impostos, conduzida de maneira responsável e amparada em cálculos robustos, deve ser sempre defendida. É algo a ser perseguido, ainda mais em um país de sufocante carga tributária como o Brasil. Outros países decidiram por medidas emergenciais no mesmo sentido. Mas há dúvidas legítimas quando são feitas de afogadilho, sem medir consequências e a relação custo-benefício em um prazo um pouco maior. O Comitê Nacional de Secretários de Fazenda (Comsefaz) estima perdas de R$ 83,5 bilhões ao ano para Estados e municípios, recursos que podem fazer falta para serviços essenciais, sem que exista certeza de redução significativa de preços aos consumidores. Apenas a área de ensino perderia R$ 21 bilhões, calculam o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e a União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). E a educação, ao contrário de ter corte de financiamento, deveria ser prioridade no pós-pandemia. É uma reflexão válida.

A gastança eleitoral sem freios por meio de um possível decreto de calamidade ou de uma PEC, por outro lado, adiciona riscos à economia, na forma de maior pressão inflacionária, curva de juro para cima, expectativas de inflação desancoradas e, por consequência, menos atividade econômica. É uma história bem conhecida, e o final não é dos mais felizes.


04 DE JUNHO DE 2022
A MAIOR AULA ABERTA

As histórias que inspiraram alunos no Crie o Impossível

O Crie o Impossível levou mais de 9 mil estudantes do Ensino Médio de escolas públicas ao Estádio Beira-Rio nesta sexta-feira. Moradores de cidades de diferentes regiões do Estado, os jovens enfrentaram horas de ônibus para desfrutar de uma manhã com palestras de 11 convidados. Os palestrantes - influencers e pessoas reconhecidas por suas carreiras e que estudaram em escolas públicas - contaram um pouco sobre suas trajetórias, que envolviam relatos de superação. O evento, considerado "a maior aula aberta" para a rede pública, começou pouco depois das 8h e foi acompanhado ainda, em transmissão ao vivo, por mais de 200 mil alunos em escolas de 765 municípios do Brasil.

A quarta edição do Crie o Impossível é organizada em parceria com o Sebrae-RS - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Rio Grande do Sul e com a Secretaria Estadual da Educação. Tem apoio de Instituto MRV, Instituto Localiza, Alicerce Educação, Bees, Latam, Estádio Beira-Rio e Grupo RBS.

A empresária, influencer e ex-BBB Bianca Andrade, conhecida como Boca Rosa, foi uma das mais esperadas e ovacionadas pelo público. No palco, Bianca Andrade, dona da própria marca de cosméticos, contou que desde adolescente era apaixonada por maquiagem.

A influencer relatou que começou na internet um tutorial de maquiagem "quando tudo era mato". Destacou que, para chegar até onde chegou, muitas coisas deram errado, mas que precisou daquilo para amadurecer. Depois de sua fala no evento, disse à imprensa que se impressionou com o impacto de sua presença junto aos jovens.

- Fiquei um pouco chocada, não imaginava. Larguei todo o roteiro que eu tinha feito pra falar mais naturalmente com eles - comentou a influencer.

Ramana tem 20 anos e mais de 1 milhão de seguidores no Instagram. Mesmo com dificuldades, criou um canal com tutoriais de dança no YouTube e tornou-se dona do maior canal de dança com bailarina negra.

- Eu tinha duas coisas que tecnologia nenhuma me dava: vontade e coragem - garantiu.

A cientista Jaqueline Goes de Jesus, que liderou uma equipe que sequenciou o genoma do Sars-Cov-2, foi uma das mais aplaudidas. Lembrou aos estudantes que já foi como eles. E deu seu conselho:

- Me agarrei a todas oportunidades, e essa é a dica que dou para vocês. Professor de Língua Portuguesa e youtuber, Noslen falou aos estudantes que, aos 17 anos, não sabia o que faria.

- Percebi que o motivo de eu existir é que eu queria ajudar as pessoas - afirmou. Com soluções criativas, criou o maior canal de ensino de Língua Portuguesa do Youtube.

João Pedrosa, professor, escritor e ex-BBB, deu um conselho aos estudantes:

- Há muito tempo, não sabia o que queria fazer da minha vida. Vocês têm cerca de 17 anos, é muito cedo para decidir. Tudo bem se aventurar, mas façam o que vocês gostam, que serão felizes.

Humorista e influencer, Isaías gravou seu primeiro filme, um sonho realizado. Começou gravando vídeos na internet e hoje tem mais de 11 milhões de seguidores no TikTok.

- Você pode ser inteligente em uma área ou em outra, até encontrar o seu lugar. E tudo fica mais fácil - explicou. Edmar Ferreira é o criador de uma empresa de marketing, a Rock Content. Começou a aprender programação só com livros impressos.

Isso foi o que permitiu que ele criasse a empresa que tem clientes em todo o mundo e fatura mais de R$ 100 milhões por ano.

MC Soffia aborda temas como racismo, feminismo e empoderamento em suas canções. E defendeu o estudo:

- Já fiz vários trabalhos com a ONU, a Unicef, trabalhos internacionais. Quando comecei a cantar, só queria chegar no nível da Beyoncé, mas a gente vê que vai conquistando fases.

Gustavo Tubarão, influencer que fala sobre a vida caipira, conta que, quando saiu do Interior e foi viver em Belo Horizonte, foi difícil fazer amigos por conta do sotaque. Foi aí que teve a ideia que virou sucesso:

- Fiz do limão uma limonada. Eu pensei que tinha que ser eu, mostrar quem eu era de verdade.

Murilo Duarte conquistou seu primeiro R$ 1 milhão aos 26 anos. O palestrante, criador do canal Favelado Investidor, relatou aos estudantes que começou o canal gravando os primeiros vídeos na laje:

- Uma frase que eu sempre repito nas redes sociais: o segredo é a constância.

Tinga, que já pisou no campo do Beira-Rio tantas vezes enquanto jogador do Inter e que iniciou sua carreira no Grêmio, se emocionou ao falar sobre suas experiências. Ex-atleta e empresário, lembrou das dificuldades até conseguir se firmar no futebol. Aos 37 anos de idade, depois de encerrar a carreira de atleta, resolveu retomar os estudos. Por ser conhecido, ficava com vergonha de dizer que estava com dúvida nas lições.

- Quando levantei o dedo e disse que não estava entendendo nada, nunca vi tanta gente querendo me ajudar. (...) Quando você entender que são as perguntas que vão fazer você transformar a vida, o mundo, tudo muda - observou.

Hoje ele é dono de empresa de turismo, marca de roupas e investidor na área de entretenimento em Gramado.


04 DE JUNHO DE 2022
+ ECONOMIA

Com vista para o Vale dos Vinhedos

Transformar filosofia de vida em projeto pessoal e atividade profissional foi o que fez surgir a Locanda di Lucca, restaurante no município de Monte Belo do Sul, ao lado do Vale dos Vinhedos. Mas a história começa muito antes de o restaurante abrir as portas pela primeira vez, em 2016.

Os criadores são o casal Edgar e Marilei Giordani, ambos de 60 anos. Edgar fez carreira como músico, enquanto Marilei é arquiteta e urbanista. São bisnetos de imigrantes italianos da serra gaúcha, e Edgar vem de uma família de vitivinicultores. Por isso, cultivavam o sonho de ter a sua própria propriedade e produção, até o início da colheita, em 2015.

- A proposta é proporcionar experiências e sensações. A gastronomia é artesanal e usa produtos biodinâmicos e orgânicos, com tônica na sazonalidade. Valorizamos o respeito à terra, aos costumes e às tradições para preservar nossa cultura - diz Marilei.

Baseado em sua filosofia pessoal de harmonia com a natureza, o casal pratica a agricultura biodinâmica. Além não usar produtos agrotóxicos, ainda considera fenômenos como a fase da Lua e o signo astrológico na época do plantio.

O Locanda di Lucca nasceu como espaço para degustação de vinhos biodinâmicos, com fermentação natural, sem adição de sulfitos nem filtragem. Aos poucos, avaliaram que seria importante servir refeições para acompanhar as bebidas, até se tornar de fato um restaurante.

A primeira sede foi nos Caminhos de Pedra, em Bento Gonçalves, mas o terreno não permitia o cultivo de vinhedos. Em 2019, o casal adquiriu uma nova propriedade, em Monte Belo do Sul, para instalar a vinícola Vinum Terra.

- Em dezembro de 2019, a Locanda di Lucca também se mudou para Monte Belo. Na propriedade, já havia uma casa de mais de 70 anos, que restauramos e ampliamos. Hoje, a vinícola fica na parte de baixo, onde já havia produção de vinhos antiga da família, e o restaurante, na parte superior - afirma Marilei.

O cardápio do restaurante é sazonal, composto por produtos orgânicos. Os sócios, que ainda pretendem ampliar sua própria produção, também buscam comprar os alimentos que ainda não colhem de pequenos produtores da região. A chef é a própria Marilei, que traz como inspiração principal a cozinha da mãe e da avó, nascidas em Monte Belo do Sul.

- O cardápio muda sempre, conforme os produtos disponíveis - destaca a chef.

Há possibilidade de fazer as refeições ao ar livre, contemplando a vista. A propriedade onde estão a Locanda di Lucca e a Vinum Terra fica na Capela Caravaggio, 1.065, Linha Alcântara Alta. Abre para almoço sexta-feiras, sábados, domingos e feriados, a partir das 13h. No sábado à noite, oferece jantar harmonizado com vinhos próprios. Durante a semana, é possível visitar a vinícola e o restaurante mediante agendamento prévio.

MARTA SFREDO

04 DE JUNHO DE 2022
CARTA DA EDITORA

Legado Eterno

Todo o trabalho de um grande profissional é único, portanto, insubstituível. Isso vale para qualquer profissão, incluindo o jornalismo.

No último dia 27, o cronista, escritor e repórter David Coimbra, um dos mais importantes jornalistas da história do Grupo RBS e do país, morreu após uma década de luta contra o câncer. O vasto conteúdo deixado por David nas páginas de ZH, em GZH e nos seus livros será lembrado sempre que alguém for buscar prazer na leitura, inspiração, informação ou referências literárias e históricas. O jornalismo e a literatura agradecem pelo teu legado eterno, David.

A partir desta edição, o também jornalista e escritor - e atualmente colunista semanal de ZH - Fabrício Carpinejar passa a escrever diariamente no espaço antes ocupado por David, na penúltima página do jornal. Mantendo a tradição daquela página, abordará temas variados do cotidiano. Os seus textos também estarão em GZH.

Com 48 livros publicados, e mais de 20 prêmios literários, entre eles duas vezes o Prêmio Jabuti, Carpinejar é um dos escritores contemporâneos mais reconhecidos do país. É o atual patrono da Feira do Livro de Porto Alegre. Na sua coluna diária de estreia, intitulada "A finitude não é um empecilho", ele faz uma homenagem a David, destacando que jamais irá substituí-lo.

Aos nossos leitores, o escritor manda a seguinte mensagem:

- O que mais amo no Rio Grande do Sul é a luz. Pode estar nublado, chovendo, ainda tem uma luz só nossa, com sotaque, que traz um brilho todo especial para as janelas, para as vitrines, para os parques e as praças, para os rostos das pessoas se movimentando para as suas vidas. Na coluna diária, na tradicional e lendária última página do nosso jornal Zero Hora, antecedendo e honrando cronistas inesquecíveis, pretendo espalhar essa luz da Capital ao Interior, do Interior para a Capital. Será meu jeito de ajudar a combater as sombras. Conte comigo para vencer o medo do futuro.

Além de ZH e GZH, Carpinejar estará presente na Rádio Gaúcha, com entradas diárias no programa Gaúcha Hoje e participação no SuperSábado, e terá ainda um podcast.

Outra novidade é o retorno do jornalista Tulio Milman. Depois de 24 anos atuando no Grupo RBS em diferentes veículos, entre eles ZH, onde até o final do ano passado assinava o Informe Especial, Tulio passou a contribuir como consultor de relações institucionais e a se dedicar a projetos pessoais. A partir da próxima quinta-feira, passa a escrever semanalmente na página 4 do jornal, no espaço até então ocupado por Carpinejar.

Sucesso aos dois.

DIONE KUHN

04 DE JUNHO DE 2022
MARCELO RECH

Só perdedores

Cem dias depois da invasão da Ucrânia, tem-se uma configuração rara: esta é uma guerra de impacto global em que as três partes em confronto estão perdendo, enquanto as que assistem ao conflito de longe também saem chamuscadas. O saldo até agora.

Ucrânia - Com 4 milhões de refugiados, milhares de mortos e US$ 1 trilhão em perdas, a jovem nação sofre uma das maiores violências desde o fim da Segunda Guerra. Ainda assim, surpreendeu com o fervor de sua resistência e apresentou ao mundo Volodimir Zelensky, um estadista que até então era ridicularizado por só ter experiência como ator. No curto prazo, terá de lutar contra ocupação de pelo menos 20% de seu território ou cederá parte dele para chegar a um armistício, como a Finlândia invadida pela Rússia em 1939. No longo prazo, a Ucrânia será mais ocidentalizada e próxima da Otan do que nunca.

Rússia - Jogou fora três décadas de assimilação pelas democracias e integração à economia ocidental devido aos delírios de seu líder autocrático. Os objetivos de Putin naufragaram: teve de abdicar da tomada total da Ucrânia, transformou seu inimigo Zelensky em herói, empurrou a Finlândia e a Suécia para uma Otan ressuscitada e viu exaurir seu arsenal convencional, enfraquecendo a capacidade militar da Rússia. Ocupará o Donbass e o sul da Ucrânia a um preço moral e econômico que será pago por gerações de russos.

EUA/Europa - Derrotados na frente econômica, na qual a inflação se associa à recessão. O bloco democrático ocidental não teve sucesso até agora em bloquear o ímpeto bélico de Putin. Com as sanções, disseminaram-se a inflação e o desemprego na Rússia, reforçando o discurso do Kremlin de "ameaça do Ocidente contra o povo russo". Para asfixiar o esforço militar de Moscou, as sanções teriam de ir ainda mais fundo e realmente desplugar a Rússia da economia mundial, o que faria disparar de novo o custo da energia, realimentando a inflação e a crise em um Ocidente já às voltas com a conta da pandemia.

China - Vislumbra em uma Rússia desidratada pelo Ocidente um vasto mercado a ser preenchido pelas empresas chinesas, mas antes o Kremlin teria de concordar em cair nos longos braços de Pequim, o que é uma temeridade, dado a história de mútuas desconfianças das duas potências. No curto prazo, a reação de EUA/Europa à invasão da Ucrânia é um freio aos impulsos chineses sobre Taiwan. No longo prazo, a China confirma sua vocação de parceira pouco confiável para o Ocidente.

Resto do mundo - Sofre as consequências da guerra a cada vez que se abastece um veículo, mas o pior ainda está por vir: a crise de alimentos motivada pelas sanções à Rússia e pela paralisia das exportações ucranianas. O Brasil e a Argentina têm uma janela de oportunidade para ocupar o vazio e garantir alimentos para o mundo, mas não parecem estar se preparando para tanto.

MARCELO RECH

04 DE JUNHO DE 2022
J.R.GUZZO

Ladrão com "direito de trabalhar"

A notícia saiu na Gazeta do Povo e foi confirmada pelas autoridades competentes: um professor de escola secundária de Roraima afirmou, em plena sala de aula, que um assaltante tem o direito de roubar as pessoas porque está apenas "trabalhando". Ele é um cidadão injustiçado e carente que, em seu entender, precisa ganhar a vida.

Um aluno perguntou se estaria certo ele trabalhar 10 anos seguidos para comprar um carro, por exemplo, e ter de entregar o seu carro para o ladrão. Tudo o que o professor fez foi dizer que "ninguém" consegue comprar um carro no Brasil com 10 anos de trabalho, diante de toda essa injustiça social que, segundo ele, está aí. Fora isso, deu uma bronca no aluno.

É possível fazer todo tipo de comentário diante de um despropósito desses, mas, com certeza, há um que estará errado: dizer que isso só acontece em Roraima ou em algum outro fim de mundo desse "Brasilzão" atrasado. Falso. Pode acontecer em São Paulo, no Rio de Janeiro ou em Brasília.

Na verdade, o manifesto social do professor de Roraima é tão parecido com a posição semioficial da esquerda brasileira sobre crime e criminosos, mas tão parecido, que não dá para ver bem qual é a diferença. Afinal das contas, gente muitíssimo mais conhecida do que ele diz basicamente a mesma coisa.

Como esperar outra coisa? Um dos peixes mais graúdos da advocacia criminal brasileira, devoto fervoroso da candidatura Lula à Presidência, não disse recentemente, na frente de todo mundo, que os crimes pelos quais a Justiça brasileira condenou o ex-presidente deveriam ser esquecidos? "Já aconteceu", disse ele.

Ou seja: o sujeito mata a mãe, mas já que a mãe está morta mesmo, não adianta nada punir o filho, certo? O advogado em questão julgou oportuno, também, dar uma lição de ciência penal ao público. "Não se ache que a punição irá combater a corrupção", afirmou. Na sua opinião, segundo se pode deduzir, o corrupto está apenas "trabalhando" - algo mais ou menos na mesma linha de raciocínio exibida pelo professor que defende os assaltantes.

Num país em que um condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, em três instâncias e por nove juízes diferentes, é candidato à Presidência da República, é possível esperar tudo - a começar pela defesa do crime nas salas de aula. Essa indulgência plenária para os delinquentes vale, até mesmo, quando as suas vítimas estão dentro dos círculos mais elevados da esquerda lulista.

Como se noticiou amplamente, um filho do ex-presidente foi assaltado há pouco no centro de São Paulo e, automaticamente, absolveu os bandidos. De quem é a culpa, então? Segundo o filho de Lula, o culpado é "o Bolsonaro" - ele "não adota políticas sociais" e, em consequência disso, os cidadãos saem por aí assaltando os outros. O professor de Roraima, como se vê, poderia ser um consultor valioso da campanha de Lula.

J.R. GUZZO

sábado, 28 de maio de 2022


28 DE MAIO DE 2022
MARTHA MEDEIROS

Adeus, exclusão

Era 2011, minha primeira vez em Tóquio. Caminhava com minha filha pelo fervilhante bairro de Ginza quando, numa movimentada avenida, escutamos uma música de balada: de onde saía aquele som? Logo percebemos que vinha de uma loja, e para ela fomos atraídas. Na entrada, dois homens sem camisa, apenas de calças jeans, recepcionavam os clientes: como referência, imagine James Dean e Marlon Brando aos 20 anos. 

Uma vez lá dentro, vertigem: parecia que eram três da manhã, e não três da tarde. A música que se ouvia da calçada se transformou numa rave trepidante, era como estar numa casa noturna. Os três andares da loja eram interligados por grandes escadas com degraus iluminados como numa discoteca, mas o que impressionava eram os funcionários. Meninos e meninas saídos de capas de revista: incrivelmente lindos e sexys. Seduziam com bíceps, decotes, sorrisos e olhares, "deseja alguma coisa"? Saí de lá antes de fazer alguma besteira.

Estávamos na Abercrombie, marca de roupas casuais que estourou entre os jovens americanos nos anos 1990 e que fazia da exclusão o seu diferencial. Com várias filiais espalhadas pelo mundo, a empresa contratava a equipe não pelo currículo, mas pela aparência, e usava a moda como promessa de pertencimento: quem quisesse se sentir desejável como eles, bastaria vestir uma camiseta da grife. Técnica publicitária clássica, mas não demorou para que se percebesse que não havia negros, nem asiáticos, nem latinos, nem gordos naquela tribo. Adeus, reinado. Abercrombie & Fitch, Ascensão e Queda é o nome do documentário disponível na Netflix, para quem quer conhecer melhor essa história.

O mundo mudou, continuará mudando e cada vez mais rápido. É verdade que as redes sociais sequestram nosso tempo e funcionam como um tribunal impiedoso, a que damos o nome de patrulha, mas é preciso reconhecer: que suporte elas têm dado à revolução em curso. A diversidade é a grande beneficiada pela fiscalização virtual - tolerância zero para preconceitos e segregações. O mundo descolado não é mais branco, nem magro, nem assim, nem assado. Afora a ética, que sempre deve ser protegida, não existe mais um monopólio de conduta. A idade certa para. O jeito certo de. A beleza padrão. A família ideal. Exclusão não vende mais nada e torço para que também não eleja mais ninguém, só quem se vale dela são marcas e políticos em estado de putrefação.

A Abercrombie não quebrou. Tem novos diretores, reformulou seu modo de operação e adequou-se ao universo inclusivo. Era isso ou a morte. Consumidores jovens e maduros, pequenos e grandes empresários: já não há quem não saiba que o produto mais valioso do mercado, hoje, chama-se consciência.

MARTHA MEDEIROS