segunda-feira, 12 de setembro de 2022



10 DE SETEMBRO DE 2022
EMPREENDEDORISMO NO RS

Audácia mesmo na pandemia

Na pandemia, Joel provou que faz o tipo audacioso de empreendedor. Quando todo o comércio fechou as portas, precisou pensar em estratégias para seguir vendendo sem colocar a saúde dos clientes e dos funcionários em risco.

Uma delas foi oferecer um tour virtual pela Davanti, possibilitando que os clientes, por videochamada, conferissem os modelos de óculos nas prateleiras. A outra foi o serviço de tirar medidas dentro da casa do cliente com o máximo de segurança possível: antes, o vendedor fazia um teste rápido para covid-19.

As vendas triplicaram e, com capital acumulado, Joel abriu a segunda loja em dezembro de 2020, também na região central de Ijuí. Menos de um ano depois, em outubro de 2021, abriu a terceira, onde montou um laboratório digital que garante a entrega dos óculos em uma hora. Joel admite que sentiu medo de investir em plena crise sanitária, ainda mais com o trauma pelo fracasso de 2015. Mas seguiu um ditado que mantém na ponta da língua:

- É mais fácil ultrapassar 10 carros em dia de sol do que num dia de chuva. Quando tá chovendo, todo mundo freia. Se tu acelera, quando vier o dia de sol, estará lá na frente. Na pandemia, quando todo mundo freou, eu disse: "É agora que eu vou acelerar, porque uma hora vai acabar essa crise aí".

Joel planeja, agora, ser referência no ramo de óptica, relojoaria e joias em Ijuí e, quando alcançar esse objetivo, vender o negócio para os funcionários e se aposentar aos 42 anos. A ideia é tirar o pé do acelerador e, aí sim, ver a vida passar.

- Quero viver. Mesmo não sendo de família rica, sempre fui organizado, juntei dinheiro, investi. Desde os 25 anos junto para a minha aposentadoria. Não acredito na ideia de ficar velho para aproveitar. Quero aproveitar agora, com minha filha, com a minha esposa. Não acho que preciso deixar riquezas para a minha filha. Eu não tive nada e mesmo assim fiz minha história. Ela vai fazer a parte dela, como eu fiz a minha.



10 DE SETEMBRO DE 2022
+ ECONOMIA

Sonho de noite de verão O shopping do Banrisul

Na próxima segunda-feira, o Banrisul lança seu marketplace (shopping virtual). Depois da mudança de marca, é mais um passo do banco estadual gaúcho no caminho da atualização. E também, claro, na busca de rentabilização.

O banco não detalha, mas o espaço terá lojas variadas, não será apenas um agregador de aplicações, inclusive de terceiros, como outros bancos estão adotando - caso do Bradesco.

O shopping virtual faz parte das iniciativas anunciadas no ano passado no Banrisul Day, destinado a analistas do mercado de capitais. Nesse âmbito, a diretora de Produtos, Segmentos e Canais Digitais do Banrisul, Claíse Rauber, já havia antecipado que um marketplace seria uma forma de atender a base de clientes e também de aumentar o uso dos cartões da instituição e de outras formas de pagamento.

O inverno ainda nem terminou, mas as noites já são povoadas de sonhos com a volta do horário de verão, extinto em abril de 2019. O mesmo havia ocorrido no ano passado, quando o país temia um racionamento, mas nem assim o adiantamento de uma hora nos relógios foi retomado.

A esperança de dias mais longos retornou ancorada na retomada de bares e restaurantes. No entanto, no Ministério de Minas e Energia, domina a avaliação de que não há tempo suficiente para "estudar eventuais benefícios com a medida". Integrantes do governo já admitem, extraoficialmente, que a medida é inviável para este ano. 

Oficialmente, "ainda não há definição com relação às implicações e implementação da referida medida". Se houvesse mudança de horário, teria de ser comunicada com dois meses de antecedência para que as atividades impactadas pudessem se reorganizar. Um exemplo é o transporte aéreo, que tem de refazer escalas de voos e de pessoas. Bancos e outros segmentos mais automatizados também seriam afetados.

+ ECONOMIA


10 DE SETEMBRO DE 2022
 ECONOMIA

Expectativa sobre "reinado ambientalista" de Charles

A expressão "rainha da Inglaterra" se popularizou como sinônimo de alguém que tem cargo e não manda nada. Mas a chegada ao trono do rei Charles III cria expectativas sobre como vai se comportar esse militante ambientalista que não terá poder de decisão. Aos 73 anos, tem oportunidade histórica: nunca se falou tanto sobre a questão ambiental nos círculos do poder.

Mas, como disse Elizabeth II em um de seus raros comentários políticos, "é realmente irritante quando falam, mas não agem". Dias antes, em outubro de 2021, Charles havia dado uma entrevista à BBC dizendo que entendia a frustração de ativistas como a sueca Greta Thunberg, que acusa políticos de não agirem diante da emergência climática. Reforçou o temor de que os líderes mundiais "se limitassem a falar" na COP26, em Glasgow, ponderando:

- A dificuldade está em lidar com essa frustração de forma construtiva, não destrutiva.

A provável agenda mínima de Charles III será fazer do Palácio de Buckingham um edifício neutro em carbono, como já são todos seus demais imóveis. Pode ser pouco, mas exercerá enorme pressão sobre os defensores do ambiente mais no discurso do que na prática.

E se iniciativas de Charles como príncipe tinham atenção limitada, como a Terra Carta, lançada no início do ano passado, terão outra visibilidade como rei. O documento é ambicioso, inspirado na Magna Carta de 1215, que limitou o poder dos monarcas da Inglaterra. Seu objetivo é criar um plano de recuperação da natureza, das pessoas e do planeta com investimento privado de US$ 10 bilhões até 2023.

Desde 2007, Charles mantém uma organização não governamental (ONG) chamada The Prince?s Rainforests Project (Projeto do Príncipe para Florestas Tropicais). A ONG trabalha com governos, empresa e organizações em busca de soluções para o desmatamento, usando o mote que acabou de ecoar no Brasil no Dia da Amazônia: fazer com que árvores tenham mais valor vivas do que mortas. Agora, o chefe de Estado do quinto país mais rico do mundo quer salvar a Amazônia.

+ ECONOMIA

10 DE SETEMBRO DE 2022
CARTA DA EDITORA

CARTA DA EDITORA Presença em Londres

Na quinta-feira, tão logo surgiram as primeiras notícias de que a rainha Elizabeth II estava sob supervisão médica e os seus familiares haviam sido chamados com urgência ao castelo de Balmoral, na Escócia, prontamente as redações da RBS TV e Integrada (ZH, GZH, Rádio Gaúcha e Diário Gaúcho) deram início a uma mobilização para deslocar da forma mais rápida possível um jornalista a Londres. Em grandes coberturas, ter um olhar próprio sobre o que está acontecendo proporciona um conteúdo diferenciado aos telespectadores, ouvintes e leitores.

Nenhuma das alternativas permitia que um profissional chegasse lá em poucas horas. Foi quando a gerente-executiva de Jornalismo da RBS TV, Ellen Appel, trouxe a informação de que o repórter Marco Matos estava em Paris, às vésperas de retornar ao Brasil após período de férias pela Europa. Ellen na mesma hora entrou contato com Marco sobre a possibilidade de viajar para a capital inglesa. Nessas horas, mesmo conscientes de que os desafios são grandes, jornalistas costumam vibrar, pois sabem que estão diante de fatos históricos. E não foi diferente com Marco.

Quando veio a notícia da morte de Elizabeth, Marco já estava se dirigindo à estação para embarcar no trem que o levaria à Inglaterra. Poucas horas depois, já em frente ao Palácio de Buckingham, o repórter entrava com boletins ao vivo na Gaúcha e mandava textos e vídeos para GZH.

- Não tive dúvidas sobre a importância de correr para Londres. Foram duas horas entre eu estar sentado na beira do Rio Sena até estar sentado no trem indo para Londres. É um momento histórico. A despedida de uma das maiores personalidades do mundo, talvez a mais emblemática do último século. Cobrir isso tudo para o Grupo RBS é um grande desafio e uma responsabilidade - conta Marco, que entrou em 2012 na empresa como estagiário em Caxias do Sul e hoje está à frente da previsão do tempo na RBS TV.

Os conteúdos sobre os funerais da rainha estão nas páginas 22 a 24.

A partir desta segunda-feira e até o dia 21, ZH publicará artigos de oito candidatos a governador do Rio Grande do Sul. Foram convidados a responder por que querem governar o Estado os postulantes de partidos com ao menos cinco representantes no Congresso. A ordem de publicação dos textos é alfabética, conforme o nome que será apresentado na urna eletrônica no dia da eleição.

DIONE KUHN

10 DE SETEMBRO DE 2022
J.R. GUZZO

J.R. GUZZO

7 de Setembro e as lamentações

Passado o 7 de Setembro, com as fotos, vídeos e relatos pessoais atestando que multidões foram às ruas em todo o Brasil, a esquerda nacional e o seu candidato à Presidência da República entraram num clima de funeral indignado. Só havia um resultado aceitável para eles: um fracasso indiscutível de público no comício eleitoral em favor de Jair Bolsonaro que se colou de Norte a Sul às comemorações dos 200 anos de Independência do Brasil. 

Deu o exato contrário. Como já tinha acontecido no ano passado, o 7 de Setembro e o apoio a Bolsonaro, transformados numa coisa só, reuniram centenas de milhares de cidadãos em praça pública num ato político - e o atestado mais evidente disso foi a intensidade da sinfonia de lamentações na oposição. Se tivesse ido pouca gente, estariam em festa. Como foi gente demais, ficaram revoltados e foram reclamar com o juiz.

O PT e a confederação de interesses que apoia a candidatura Lula tentaram, no começo, assustar a população com ameaças de que "os bolsonaristas" iriam provocar violências; seria inseguro sair à rua. Também poderia ser "contra a lei", advertiram outros. A um certo momento, contaram até com o serviço de meteorologia - iria chover e a manifestação seria um fracasso. 

Nada disso deu certo. As pessoas lotaram a rua e o seu recado era óbvio: nós viemos aqui para dizer que vamos votar em Bolsonaro nas eleições do dia 2 de outubro. Pode haver alguma dúvida quanto a isso? Não, não pode - só nas análises dos formadores de opinião, mas não na vida real. A comemoração dos 200 anos da Independência do Brasil foi um manifesto político.

Numa ofensiva possivelmente desesperada, do ponto de vista da racionalidade jurídica ou política, Lula e o PT querem agora acusar Bolsonaro de uma porção de "crimes" por sua participação no Dia da Independência. Não tem nexo. Ele é o presidente da República; tem, em primeiro lugar, a obrigação de comparecer. Do que estão reclamando, então?

Lula, diante do que aconteceu, não disse nada de útil - resumiu-se a estar ausente na festa em que se comemorou os 200 anos de Independência do Brasil e fazer, depois, um lamento. Não explicou por que não saiu à rua; ele que se diz o maior homem do povo que o Brasil já teve em toda a sua história. Centenas de milhares de cidadãos foram à praça pública apoiar o adversário de Lula nas eleições. Ninguém saiu para dizer que o apoia. É o saldo do dia 7 de Setembro.

J.R. GUZZO

sábado, 3 de setembro de 2022


03 DE SETEMBRO DE 2022
TEATRO

APRENDIZADO PELA DIFERENÇA

Luiz Fernando Guimarães e Bruno Gissoni estrelam a peça "Ponto a Ponto"

Dois atores de peso farão o público rir e se emocionar em duas apresentações no Teatro do Bourbon Country (Av. Túlio de Rose, 80), em Porto Alegre, no sábado, às 17h30min e às 20h30min. Luiz Fernando Guimarães e Bruno Gissoni desembarcam na Capital com a comédia Ponto a Ponto - 4000 Milhas (veja detalhes sobre ingressos na página 6). A trama foca no distanciamento entre as pessoas, provocando uma reflexão sobre família por meio do relacionamento entre avó e neto.

A montagem apresenta Guimarães com seu humor de sempre, mas de modo inusitado: ele interpreta Vera, uma idosa que vive sozinha na cidade e que recebe a visita inesperada do neto Léo (Gissoni). O jovem, que gosta de se aventurar de bicicleta pelas montanhas, chega ao apartamento da avó após vivenciar uma situação traumática. O diálogo entre avó e neto faz emergir diferentes temas e pontos de vista que transformam a relação, permitindo ao público perceber o que aproxima e o que distancia os dois.

Relações familiares, política, idade, morte, distanciamento e solidão são temas presentes na relação mais próxima que os dois passam a desenvolver. O jovem está lidando com o luto, e estar próximo à avó ajuda a suportar esse momento difícil. Vera, por sua vez, se incomoda com as consequências da idade em sua vida solitária. A chegada inesperada do neto a faz perceber que gosta de estar ao lado dele, apesar de ter o cotidiano revirado por sua presença. A relação de Léo e Vera, no decorrer da peça, segue diferentes direções, não lineares.

- O que os distancia é tudo. A postura dele e a postura dela, o fato de ele não saber exatamente nada da vida ainda. Ele é um caminhante, um andante por aí, e ela é uma mulher muito estruturada, viúva de cinco maridos, com uma vivência - afirma Guimarães.

Relacionamentos

O texto já foi montado em diversos países e chega ao Brasil adaptado e dirigido por Gustavo Barchilon. Escrito por Amy Herzog, teve sua primeira montagem nos EUA, na Broadway, em 2011.

No espetáculo, entra em cena ainda a atriz Renata Ricci, interpretando dois papéis: Rebeca e Amanda. Com a ajuda delas, avó e neto se reconhecem em vários aspectos da vida, mesmo tendo pontos de vista divergentes. Assim, mais do que mostrar como um assunto é visto por duas pessoas de modo oposto, Ponto a Ponto é sobre relacionamentos.

- A peça aborda muitos temas, entre eles esse distanciamento entre as pessoas. O título, Ponto a Ponto, faz essa referência - explica Gissoni.

- E as 4 mil milhas são de distância. Esse tempo todo de pandemia fez com que as pessoas perdessem a comunicação, e o fato de a gente fazer teatro aproxima as pessoas, que estavam ávidas para ficar juntas, se tocar, ver uma peça, para sair - complementa Guimarães.

Ao chegar na casa de Vera, Léo encontra o conforto e o carinho de um familiar enquanto passa pelo processo de luto. Ele redescobre, assim, os laços com a própria avó, que lhe dá lições, lhe fala sobre a vida e abre seu coração. Ele, em troca, puxa Vera para a realidade. Deste modo, os dois vão se ajudando mutuamente - e as 4 mil milhas de distância vão diminuindo.

- Vendo a reação do público, é muito mais uma peça de aproximação de quem a gente ama, é uma peça que fala sobre diálogo. As pessoas saem muito emocionadas e muito felizes, porque também é uma peça muito divertida. Bate em um lugar muito sensível no coração de cada um - destaca o intérprete de Léo. 

FERNANDA POLO

03 DE SETEMBRO DE 2022
MÚSICA

CANÇÕES DE TOQUINHO PARA TODAS AS IDADES

Artista apresenta o show "55 Anos de Música" no Theatro São Pedro, que também recebe no fim de semana musical infantil com composições suas

Toquinho é um artista ocupado. Está sempre trabalhando, com o violão nas mãos. Por isso, atendeu à ligação da reportagem de ZH no meio do ensaio de preparação para a sua turnê pelas principais capitais do país. Ao fundo, dava para ouvir que ele terminava a sua participação na canção Fogão de Lenha, clássico nas vozes de Chitãozinho & Xororó.

- Estamos passando uma série de opções para o show. E por que não Fogão de Lenha? A Camila (Faustino, que o acompanha) canta muito bem o sertanejo, e talvez com um acordeom possamos fazer, sim, em Porto Alegre - adianta Toquinho.

O artista apresentará o show 55 Anos de Música, levando ao público grandes sucessos de sua trajetória, que conta com hits atemporais que vão de Aquarela e Carta ao Tom 74, passando por Tarde em Itapuã e Regra Três, até O Pato e Samba pra Vinicius. No total, são mais de 300 composições e 80 álbuns gravados.

O show será no Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/nº), neste sábado, às 21h. Os ingressos estão sendo vendidos pelo site teatrosaopedro.rs.gov.br (veja detalhes na página 6). Acompanhado de uma banda a que considera "excepcional", Toquinho espera que a comemoração seja repleta de informalidade e descontração, em um espetáculo que busca ser, ao mesmo tempo, grandioso e intimista.

- O show vai ter um apanhado da minha carreira e estou tentando colocar as canções mais importantes em ordem cronológica. Então, vai ter uma moldura muito boa em cada canção. E poder falar da vida, né? Do que aconteceu e das coisas importantes, com algumas histórias no meio e parceiros. Enfim, um pouco de cada coisa que aconteceu aí nesse apanhado todo de 55 anos de vida artística - explica.

Entre as homenagens que Toquinho pretende fazer no show, ele levará ao palco canções dos ídolos que, com o tempo, tornaram-se colegas de composição e amigos, como Tom Jobim, com os clássicos Este Seu Olhar, Corcovado, Eu Sei que Vou te Amar e Se Todos Fossem Iguais a Você; Baden Powell, com Berimbau; Paulinho Nogueira, com Bachianinha n.º 1; e Jorge Ben Jor, com Que Maravilha - este fará uma "participação" virtual no show, assim como Paulinho da Viola e Chico Buarque, os três por meio de gravações em vídeo.

Toquinho acabou de fazer uma turnê pela Itália, uma maratona de 16 shows em 20 dias, sendo cada apresentação em uma cidade diferente. E o músico, que está com 76 anos, reforça que sequer pensa em deixar os palcos - bem pelo contrário. Segue acumulando projetos e está sempre em processo de criação, buscando levar a sua arte a todos que querem escutá-la.

- Não espero me aposentar. Acho que, enquanto tiver saúde e o corpo ajudar, vou fazer shows. É uma coisa que gosto muito e me faz muito bem, inclusive.

Ao ser questionado se imaginava que quando começou, há 55 anos, que se tornaria uma referência na música nacional - e internacional -, Toquinho destaca que seria muita pretensão pensar que o futuro seria tão generoso com ele. De acordo com ele, "as coisas foram simplesmente acontecendo":

- E nem sei aonde é que vou chegar. Agora, não paro de trabalhar. Gosto muito disso, de fazer projetos, e os acúmulos vão acontecendo. Mas o tempo me ajudou e está aí uma carreira da qual, até agora, não posso me queixar. Faria tudo de novo, com muito amor, muito carinho.

E esta dedicação que Toquinho tem com os seus projetos - assim como o seu talento, é claro - transformou muitas de suas composições em clássicos. Saber que a sua obra perdura é, para ele, "um prazer muito grande", mas acredita que, acima de tudo, a forma como trabalha influenciou para que suas músicas fossem sucessos.

- Sempre tentei fazer a coisa de uma maneira natural, bem harmonizada, bem feita e, ao mesmo tempo, musicalmente lógica. Não é uma coisa simples fazer uma coisa simples. É muito difícil fazer o simples. Então, no fundo, talvez seja isso que tenha cooperado para essa permanência das canções na vida das pessoas - explica.

Crianças

No mesmo final de semana do show 55 Anos de Música, o Theatro São Pedro ainda recebe o espetáculo musical Os Direitos da Criança, baseado no CD que Toquinho fez inspirado na Declaração Universal dos Direitos da Criança. Foram 10 músicas compostas, uma para cada um dos princípios aprovados pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1959.

Serão duas apresentações, neste sábado e no domingo, ambas às 16h. Com músicas de Toquinho e Elifas Andreato, o espetáculo tem texto e direção de Carla Candiotto, que buscou criar uma história divertida e atual, com rápidas movimentações em cena, corre-corre, luta e bordões que marcam cada personagem.

No reino da Rainha Má, as crianças são chamadas de "Coisinha" e estão às voltas com planos mirabolantes para convencer a todos de que precisam de comida para sobreviver. Na aventura, precisam vencer o fiel escudeiro da Rainha, o Primeiro- Ministro, que quer dominar o reino e o mundo. Toquinho não está no palco do espetáculo, mas garante que a experiência conversa muito bem com o seu show:

- Os Direitos da Criança é um espetáculo musical infantil muito bem feito. É um trabalho para adultos e para crianças. É consistente, bem montado e que já fez muito sucesso lá em São Paulo e por onde passou. E é o lado infantil meu que vai anteceder o meu show, porque o mundo infantil se casa perfeitamente com tudo que fiz para adultos. É a mesma intensidade, a mesma dedicação em cada canção.

Entre as canções do artista que foram escolhidas para o espetáculo, estão Gente Tem Sobrenome, É Bom Ser Criança, Bê-a- bá, Imaginem, Natureza Distraída, Herdeiros do Futuro e Aquarela. Os ingressos também podem ser adquiridos pelo site do teatro (veja detalhes na página 6).

CARLOS REDEL


03 DE SETEMBRO DE 2022
MARTHA MEDEIROS

Meu Brasil

Semana da Pátria de 1978. Eu tinha 17 anos e recebi do colégio um Diploma de Mérito por uma redação chamada "Meu Brasil". Não lembro uma linha sequer. Terei sido ingênua ou surpreendi as freiras com ideias provocantes? Jamais saberei. Na dúvida, deixo aqui uma versão atualizada do assunto, 44 anos depois.

Meu Brasil.

Meu? Este país é de milhões de pessoas diferentes que, em comum comigo, têm apenas a necessidade urgente de se encantar. Estamos todos fartos de lidar com a inércia e o desespero. Ou não é desesperante assistir à propaganda eleitoral? Desde a pré-história, os mesmos slogans vazios, os mesmos jingles bobinhos e dezenas de rostos maquiados para o próprio velório. O país da criatividade e da inovação, que sempre atraiu o olhar do planeta, consome-se em um conservadorismo acovardado. Não se atreve a realizar sua sina de gigante, é o legítimo "só tem tamanho". Cadê a audácia que caracteriza os que triunfam? 

O Brasil ainda se contenta em ser uma promessa, estratégia adolescente de enganar a si mesmo. Ser uma promessa é mais cômodo do que ser um fracasso, pensam os que nem tentam sair do lugar. Mas muitos aniversários se passaram e o mundo agora nos convoca a debater, a participar da construção do futuro. Não temos mais a prerrogativa de ser tão tolos. Fracasso é se agarrar à barra das calças do pai, não enfrentar os desafios do crescimento, brincar de acampamento dentro do quarto, protegidos pelo faz de conta. Brasilzinho, escuta a tia: o erro ensina, o sofrimento fortalece. Não perde a chance de virar gente grande, vai.

Que independência pretendemos celebrar, se ainda nos apegamos a ideias ultrapassadas e evitamos as discussões que pautam a vida moderna? Não precisamos de um tutorial de valores, sabemos muito bem a importância da honestidade e do trabalho. Temos é que ganhar impulso para nos alinharmos às transformações mundiais, e isso se alcança com volúpia, com foco, defendendo sentimentos e preceitos fundamentais, e não com heroísmo de soldadinho de chumbo e ameaças infantis. 

Quem teme mudanças refugia-se no blábláblá, se camufla em meio a gangues para fingir que é forte, quando deveria experimentar a verdadeira bravura: amadurecer. Todo adulto fala em nome de si mesmo, encontra sua própria voz. Uma nação independente é formada por indivíduos emocionados com a nova era que lhes coube viver, e não por uma massa de subordinados.

O próximo ou próxima presidente irá errar muitas vezes. É do processo civilizatório. Só não pode repudiar o conhecimento e temer a expansão. Quem só olha para trás, pleiteia a simpatia sonolenta dos nostálgicos, a fim de evitar avanços com os quais não sabe lidar, nem quer aprender. Foge à luta. Não é o meu Brasil.

MARTHA MEDEIROS

03 DE SETEMBRO DE 2022
LEANDRO KARNAL

Uma amiga comentou sobre o filho que estuda em uma escola privada de São Paulo. O adolescente parece ter entrado em atrito com o professor de Geografia. Em determinado momento, o educador disse que o menino era burro. Sempre devemos avaliar criticamente depoimentos, inclusive dos nossos filhos. Toda narrativa é subjetiva e enviesada pelos interesses. Quem conta seleciona, omite coisas e possui um objetivo político, quase sempre de exaltação de si e da sua inocência. Isso vale para um adolescente, um jornalista, um professor ou o presidente da República.

Existe a hipótese de o aluno estar falando a verdade. Houve testemunhos da frase. Como profissional da educação há 40 anos, sei, perfeitamente, que a tensão de uma sala de aula pode levar um adulto a cometer desatinos verbais. Já testemunhei físicos, inclusive. É muito difícil lidar com um grupo de crianças e adolescentes. Um monge zen treinado há 70 anos na paz de u m mosteiro perderia a calma.

Todo professor já se irritou. A maioria já gritou. Eu já fui muito agressivo em respostas e ironias. Essa é a "sociologia do pecador", mas não sua justificativa. Estou tentando entender (a partir do meu lugar de fala profissional). A sala de aula é uma trincheira de guerra com fogo amigo, inclusive. Dito isso, temos de concordar: nenhum professor poderia dizer que seu aluno é burro. Primeiro porque é subjetivo: as inteligências são múltiplas; as habilidades são variadas.

Um aluno pode ser pior em Geografia, genial em Matemática, mas pode ser medíocre em ambas, por falta de estímulo. Einstein não foi o melhor aluno do mundo. Notas não avaliam inteligência, apenas adaptação a um sistema. O primeiro argumento é este: é muito impreciso classificar o aluno de burro.

O segundo argumento é a atividade-fim da escola. A instituição foi criada para estimular a inteligência e o conhecimento. Da mesma forma, a tarefa principal de um hospital é a saúde. Se o paciente está doente (ou o aluno não souber algo), é parte da missão central da instituição resolver o problema. Um aluno "que não sabe" é o ponto de partida do esforço pedagógico. Dizer que um paciente não está se recuperando é reconhecer que os esforços médicos estão falhando. Um aluno que não aprende leva a questionar seu processo cognitivo individual - e o método escolar ao mesmo tempo. Apontar só um lado é, no mínimo, injusto.

Vamos ao terceiro argumento. A crítica pesada e pública não melhora o processo de conhecimento. Dizer que o aluno tem incompetência mental não resolve a questão, antes a piora. Burrice, se existente, não é uma escolha. É diferente da preguiça, por exemplo. Mesmo que alguém tivesse uma limitação mental, constatá-la em público e de forma humilhante seria inútil; falaria apenas da minha violência e descontrole, nada resolveria; antes, pioraria a relação do alvo da crítica comigo, com a escola e com sua autoestima.

Eu disse que atacar alguém como burro é impreciso, subjetivo, foge à atividade-fim da escola e (ainda!) é argumento inútil. Encerro lembrando um embasamento jurídico contra a frase "você é burro". A Lei 8.609 foi criada no dia 13 de julho de 1990. Ficou conhecida como ECA: Estatuto da Criança e do Adolescente. O estatuto desenvolve normas a partir do artigo 227 da nossa Constituição em vigor, o qual estabelece o amparo à criança e ao adolescente como prioridade e um dever social e do Estado. O artigo 17 do ECA garante a inviolabilidade física, psíquica e moral dos menores. A lei segue proibindo castigo cruel ou degradante para crianças e adolescentes. Humilhações públicas são vedadas. Agressões verbais podem ser condenadas em tribunais. Se os argumentos iniciais não comoveram pais e educadores, este último tem mais força de coerção.

Quem lida com alunos perde a paciência. De novo, eu entendo, sem justificar, o descontrole. Se você se irrita com um ou dois filhos em casa, pense em 45 em uma sala quente no fim de uma manhã tensa. Um profissional da educação deve ter controle emocional acima da média, equilíbrio psíquico agudo, sabedoria humana excepcional e consciência do motivo de estar lá todos os dias na sala de aula. Os professores deveriam ter acesso a acompanhamento psicológico permanente, como parte de uma "cesta básica". Há traumas de soldados em batalha e existem traumas pedagógicos.

Um aposentado do magistério deveria ser chamado de veterano de guerra, com medalhas vistosas. Dito isso, relembro a mim e a quaisquer colegas: nunca chamem um aluno de burro, pois isso apenas mostra nosso descontrole, despreparo, falta de conhecimento do ECA e incompetência psíquica.

Eu posso me considerar burro, é meu direito de consciência individual. Meu aluno é meu objetivo, minha função, meu destino profissional, meu foco. É errado considerá-lo burro e, pior ainda, dizê-lo em público. Crer na educação é, também, educar-se de forma permanente. Essa é minha esperança, ainda que eu tenha sido burro muitas vezes como mestre. Alunos e professores podem melhorar sempre.

LEANDRO KARNAL

03 DE SETEMBRO DE 2022
ELIANE MARQUES

A MORTEDA MORTE

Em O Mundo se Despedaça (1959), Chinua Achebe conta que Okonkuo, grande homem de Umuófia, atirou seu pai, o flautista Unoka, na Floresta Maligna. Abandonado para morrer ali, não teve túmulo. Unoka sofrera de inchação, abominável para a deusa terra, por isso se proibiu a ele o enterro em suas entranhas. Unoka "morreu e apodreceu por cima da terra e não lhe fizeram enterro, nem de primeira, nem de segunda", diz Achebe. 

Contudo, a rejeição da terra a Unoka deriva do fracasso dele em viver a vida que seu filho considerava boa - quase todos fracassamos nisso. É como se a Unoka fosse atribuído crime contra a mãe (terra). Mas era Okonkuo quem padecia do medo do fracasso que atribuía ao pai, era ele quem sofria do medo de ser descoberto na sua quase semelhança com o velho. Mais por isso do que pelo inchaço, o grande homem talvez tenha negado os ritos fúnebres ao pequeno. Ao não reconhecer nesse "pequeno" a condição de ancestral, Okonkuo mata o luto. E, anos depois, ele mesmo comete crime tido como "feminino" e vem a morrer com os pés distantes da terra.

Há frases para falar ou para silenciar a morte, para se fazer o luto e para consolar os enlutados e até o morto e a morte. No caso do flautista Unoka, tais frases foram banidas, enterradas no corpo de quem ficou. Não sendo possível o enterro do morto, enterraram-se, em seu lugar, as palavras do enlutamento. 

Tal cena se pode imediatamente associar ao padecimento do corpo amefricano advindo dos milhões de assassinados, aparentados a nós, no processo de escravização transatlântica cuja morte não se fez acompanhar de palavra, pranto ou túmulo. Sim, não é a mesma coisa; Unoka estava ainda sobre uma terra considerada sua. Mas quantos de nós, que transitamos entre os vários significantes "Negro", pensamos (sem pensar) que fomos rejeitados por nossa terra-mãe e, por isso, jogados à flor da terra estrangeira amaldiçoados como "pretos novos"?

"Aos 18 de julho de 1827, Joaquim Antônio Ferreira mandou sepultar um escravo novo, com a marca à margem no braço direito, vindo de Angola no navio Despique; do que fiz este assento (...)". Se compararmos os sequestrados de África com o quantum dos que morreram na travessia transatlântica, na chegada, antes de serem vendidos, ou depois, com os corpos jogados ao sal do mar ou atirados à flor da terra ou mesmo jamais enterrados, o trecho acima, citado de À Flor da Terra: Pretos Novos no Rio de Janeiro (Júlio Pereira), não enuncia a regra quanto ao sepultamento das gentes escravizadas, mas a exceção. 

Quem é que pranteava por essas vidas-mortas, quem se recordava de que tais corpos tinham um nome e uma história, quem falava deles? É o que pergunta Preta Susana, no romance Úrsula, de Maria Firmina dos Reis. A colunista estará mais uma vez de mimimi ao convocar a leitora para mais do que "pensar", falar sobre isso?

Com a repressão da morte, se reprimiram também as coisas do amor. A recusa do enlutamento é uma recusa da morte e do amor. Por isso, é tempo de viver o luto por esses mortos ainda sem nome enterrados em nós.

ELIANE MARQUES

03 DE SETEMBRO DE 2022
BRUNA LOMBARDI

VOCÊ GOSTA DE SILÊNCIO?

Sabe o que é o silêncio? É a gente mesmo, demais?

Essas sabedorias, preciosas e miúdas, percorrem a obra de Guimarães Rosa. Ele observa as coisas mais simples com grandeza, aponta a nossa natureza e a matéria de que é feita nossa alma. Recentemente, uma tia minha, muito querida, partiu aos 93 anos da maneira mais serena possível. Foi lúcida e sem nenhuma doença. Apenas fez a passagem.

Como disse lindamente o escritor Agualusa: "...foi desaparecendo aos poucos, como um arco-íris se dissolvendo no céu?"; Postei no meu Insta @brunalombardi suas últimas fotos e um vídeo, onde juntas olhávamos o pôr do sol. Minha tia dizia que a coisa mais bonita e importante da vida é o silêncio. E eu, quieta ao seu lado, a escutava comovida.

Somente na nossa própria quietude somos capazes de ouvir nossa voz interior. A voz do coração é a nossa conexão mais profunda. A nossa escuta é uma arte, e se é difícil aprender a escutar os outros, imagina conseguir ouvir a si mesmo?

O silêncio nos leva a um mergulho profundo dentro de nós, nos faz olhar pra dentro, o que não é uma coisa fácil. Na verdade, é uma das mais difíceis e corajosas aventuras.

Aventurar-se no fluxo dos sentimentos, das sensações, das emoções que nos assombram e tantas vezes nos dominam exige muita força de vontade. Existe tanta coisa para ser descoberta no silêncio. Tantas razões que a nossa razão não compreende, lógicas que não resistem à sensatez, raciocínios que nós mesmos distorcemos sem perceber.

E se o silêncio nos proporciona essa conexão profunda, por que o evitamos? Por que uma grande maioria não suporta o silencio?

Vivemos num tempo do excesso de tudo. Estamos mergulhados dentro dessa ininterrupta centrífuga de informações, notícias, entretenimento, ofertas, onde tudo se mistura, onde se vive de extremos. Estamos nadando contra a corrente e tentando não se afogar.

Tudo se embaralha e nos acelera numa busca incessante de estímulos, cada vez mais intensos e fortes. Precisamos do barulho em volta de nós, quanto mais, melhor. Gente falando alto, música alta, TV ligada, tudo nos atrai e nos distrai.

Nossa atenção está cada vez mais fragmentada na rapidez do feed das redes sociais, numa confusão de imagens e assuntos que ter déficit de atenção é inevitável.

Assim vamos ficando amortecidos, anestesiados e temos necessidade de doses cada vez maiores. E tudo é muito e tanto e ao mesmo tempo e agora.

Vivemos na ilusão de participar desse agito, dessa balada num ritmo frenético, dessa dança, dessa festa, desse avanço tecnológico, numa velocidade impossível de acompanhar.

Estamos correndo atrás, ansiosos, perturbados, criando uma sequência infinita de desejos inalcançáveis. Inventamos consumos e acúmulos e com eles, ansiedade, ressentimentos, decepções e frustrações.

E disso tudo fazemos um embrulho indigesto, tóxico e nocivo, que fica em algum lugar guardado dentro de nós. Esse é um dos mecanismos que nos desconecta do que somos, da nossa essência. Precisamos do silêncio pra nos limpar de tanta intoxicação. Precisamos escutar nós mesmos, demais?

BRUNA LOMBARDI

03 DE SETEMBRO DE 2022
CARPINEJAR

A toalha do bispo

Fui acompanhar a minha esposa no shopping. Eu acompanho na boa. Não fico reclamando, acelerando o passeio, cobrando a cortesia do estacionamento, resmungando as demoras e indecisões no provador de roupa. Sou uma sombra comportada. Sento-me num cantinho, naqueles pufes pretos em círculo, e observo o formato das nuvens dos meus pensamentos.

Só não chego ao cúmulo de segurar a bolsa dela. Isso é uma aberração masculina. Cada um com os seus pesos. Depois que você segura uma vez a bolsa, vira capacho para sempre. É um caminho sem volta. Vêm em seguida os chifres e as renas do Papai Noel.

Até porque você não pode levar algo se você não sabe o que tem dentro, se você não pode mexer. Corre o risco de acabar preso, desinformado, numa blitz, por transportar muamba.

Imagine que você, todo garboso e leal, carregando a bolsa de sua mulher, é apanhado numa operação da Polícia Militar, e ela diz que a bolsa é sua e que ela não tem nada a ver com isso. Casamento tem limites.

Naquela tarde, Beatriz se dedicava a espiar promoções de lençóis, contava os mil fios de um e de outro, e eu, matando o tempo, encontrei uma toalha vermelha na estante. Entenda a epifania: uma toalha vermelha imensa, duas vezes o meu tamanho, brilhante, inesquecível.

Tive um troço, um arrebatamento, um amor à primeira vista. Talvez ela tenha despertado a carência da infância por uma capa de super-herói. Talvez tenha suscitado as histórias romanas das minhas estantes do inconsciente. Ao sair do banho, já me sentiria com o manto do imperador César.

Delirava roçando o rosto no tecido felpudo, quando Beatriz, enxergando o meu interesse um tanto perigoso, surgiu na minha frente para me dissuadir:

- Que horror, tem cor de bispo! Eu resisti diante da sua corneta, tentando me concentrar em sensações agradáveis e imagens relaxantes, agarrando-me às minhas fantasias, buscando definir se a cor da toalha era Cabernet Sauvignon chileno ou Malbec argentino.

Apesar dos protestos, o vinho mental me embriagou e comprei. A primeira vez que comprava uma toalha, a minha toalha, não uma toalha qualquer escolhida por outros, dobrada para serventia anônima. Não uma toalha coletiva, que qualquer um poderia usar. Faltaria apenas bordar o meu nome nela para completar a possessividade.

Cheguei em casa louco para uma chuveirada, o que é um disparate no nosso inverno.

Na hora de me secar, ela não absorveu nada, espalhava a água na minha pele. Não reclamei por uma questão de orgulho. Concluí que deveria lavá-la na máquina para amaciar suas fibras. Uma semana depois, ela continuou não me enxugando. Eu tiritava de frio. Um mês depois, ela seguiu debochando do meu corpo. Já a tinha estreado o suficiente e não venci a goma da fábrica. Parecia que me esfregava com esponja seca, plástico, capa de chuva. Linda e atraente na loja, mostrava-se impermeável e insossa na convivência.

Hoje ela serve de coberta ao cachorro, em sua caminha. Não tenho nenhum remorso. Mas a ciência ainda precisa me explicar como a intuição feminina se antecipa às nossas decisões equivocadas.

CARPINEJAR

03 DE SETEMBRO DE 2022
OPINIÃO DA RBS

PARA VOTAR EM PAZ E SEGURANÇA

Decidiu com sensatez o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ao proibir o porte de armas em um raio de 100 metros das seções de votação. A determinação abrange os dias do primeiro e segundo turnos, incluindo as 48 horas anteriores às datas do pleito e as 24 subsequentes. A exceção, conforme definiu a corte, vale para agentes de segurança em serviço.

A posição unânime dos ministros, que acompanharam integralmente o voto do relator do caso, Ricardo Lewandowski, demonstra o grau de preocupação com a violência política. Razões não faltam. O discurso de ódio encontra espaços especialmente nas redes sociais, mas vez por outra transborda para agressões físicas. Há maior quantidade de armas em circulação no país a partir de decretos do governo federal que facilitaram a aquisição e o porte. É uma mistura explosiva.

A tensão gira em torno principalmente da disputa ao Palácio do Planalto e já gerou episódios graves e fatais, como o assassinato, em julho, em Foz do Iguaçu (PR), de um guarda municipal petista por um apoiador do presidente Jair Bolsonaro. No último fim de semana, no Distrito Federal, uma discussão banal também levou o segurança de um candidato a dar um tiro na cabeça de um funcionário de um restaurante. O próprio Bolsonaro, há quatro anos, foi vítima de um atentado, embora com arma branca. É um mal que não se limita ao Brasil, como mostrou a tentativa de assassinato da vice-presidente argentina, Cristina Kirchner, na quinta-feira à noite.

Se existe um temor justificado de que a agressividade derivada de diferenças políticas possa escalar, é prudente tomar todas as precauções ao alcance das autoridades para que novas tragédias possam ser evitadas. É preciso garantir segurança aos eleitores e aos mesários que, no dia das votações, estarão nas seções. Caberia ainda aos líderes políticos moderar o tom e deixar claro, aos seus seguidores, que a violência é incompatível com a democracia.

Dados divulgados pelos Instituto Sou da Paz e Igarapé mostram que o número de armas registradas por caçadores, atiradores e colecionadores (CACs) chegou a 1 milhão em julho, o triplo de dezembro de 2018. Deve-se sempre evitar generalizações, mas o fato de mais pessoas terem o direito de porte, em um período de especial acirramento de ânimos, requer especial atenção.

Acertou também o TSE ao definir que eleitores devem deixar com os mesários os seus aparelhos celulares antes de votar. A medida, em primeiro lugar, assegura o sigilo do voto, uma garantia constitucional. Também evita que mal-intencionados, como ocorreu em pleitos anteriores, distorçam situações ou produzam imagens, depois postadas em redes sociais, que sirvam para tentar desacreditar as urnas eletrônicas e causar tumulto.

As alterações nas resoluções que regulamentam o uso de armas e celulares foram publicadas na quinta-feira. O eleitor que se negar a entregar o telefone ou aparelhos com câmeras não será autorizado a votar. Até detectores de metais poderão ser usados, se for o entendimento da Justiça Eleitoral local. Quem desrespeitar a limitação do perímetro portando arma será preso em flagrante. É preciso crer que os cidadãos com bons propósitos e conscientes de seus deveres colaborarão. Assim, será possível celebrar o voto pacificamente e diminuir o risco de conflitos com desfechos trágicos e tumultos que manchem a democracia brasileira. 

OPINIÃO DA RBS

03 DE SETEMBRO DE 2022
MARCELO RECH

Independência ou ...

Se já houvesse textão de Facebook há 200 anos, a independência teria sido bem mais complicada. Como uma dessas vozes iradas nas redes, sem os habituais erros de português, trataria o gesto de Dom Pedro:

"A imprensa podre está querendo nos aplicar que Dom Pedro declarou a independência do Brasil há alguns dias em São Paulo. Só pode ser fake news destes jornais desde que Portugal cortou a mamata. Agora eu pergunto: quem viu essa declaração? Onde está registrada? Um amigo meu com fontes na corte me garante que foi tudo uma farsa, que era um sósia de Dom Pedro ali nas margens do Riacho Ipiranga, e que o regente, na verdade, está encarcerado nos porões de um palácio no Rio. Não sei, não tenho como provar, mas passo adiante como eu recebi.

Seja o que for, esse Dom Pedrinho (Acorda, Pedrinho! kkkk) nunca foi flor que se cheire. Passou a perna no próprio pai, Dom João, quando ele estava longe. Que falta de caráter. Traidor! Só pode ter maquinação aí. Como ele não reconhece todos os avanços desde que Dom João chegou aqui? Está certo que ele foi embora com todo o dinheiro do Banco do Brasil e 4 mil pessoas na comitiva. Exagero? Pode ser, mas abriu os portos às nações amigas. E o que Dom Pedro quer agora? Entregar esse patrimônio do Estado, do povo, nas mãos dos liberais? Alguém tem dúvida de que a Inglaterra (sempre ela!) não está por trás desta independência fajuta?

Aliás, dizem que Dom Pedro é um robô nas mãos dessa figura abjeta do José Bonifácio, neoliberalzinho de peruca branca (só pode! kkkk!) que fica fazendo a cabeça da corte e da imprensa. O que vão querer depois? Proclamar a república? Vejam só a loucura! Como não aparece alguém para dar um jeito nesta turma? Foi esse Zé Bonifácio, mancomunado com a primeira-dama, a tal de Leopoldina (aí tem, hein? kkkk!), que escreveu a cartinha sobre a intenção de Portugal de fazer o Brasil virar colônia de novo, o que teria irritado Dom Pedro na margem do riacho. Invenção pura, claro, e seguramente com apoio destes jornalistazinhos vendidos.

Parece - não sei, é o que dizem - que o príncipe foi pego no Ipiranga de calças na mão porque estava com diarreia. (Só prova que ele é um c@@ão kkkk!) Mas vá lá que tenha um fundo de verdade e que Dom Pedro tenha mesmo declarado a independência. Vamos ver se a suprema corte em Portugal toma vergonha na cara e faz alguma coisa. Bando de salafrários! Supremo é o povo, e o povo não subscreve essa independência.

Como o Exército e Portugal não fazem nada (bando de melancias!), temos nós que nos mexer. Tire o traseiro da cadeira e vamos em cavalgada até o Palácio São Cristóvão mostrar praquele mulherengo quem manda no Brasil. Se não fizermos nada, daqui a 200 anos vão dizer que só tinha frouxo por aqui."

MARCELO RECH

O desprezo do ministro ao MP

O inquérito do ministro Alexandre de Moraes para desvendar, impedir e castigar o "golpe do WhatsApp", mais uma palhaçada totalitária e ilegal do STF em sua guerra para controlar a vida pública no Brasil, começou com uma aberração; é inevitável que produza aberrações novas a cada dia em que continuar aberto. Os "atos antidemocráticos" que levantaram a ira do ministro são, como se sabe, conversas privadas pelo celular por um grupo de empresários. Por conta disso, mandou a Polícia Federal invadir residências e escritórios de cidadãos que não violaram absolutamente nenhuma lei - e se serviu mais uma vez da habitual penca de horrores que soca em cima das vítimas de suas investigações. Está agora, também mais uma vez, em confronto direto com o Ministério Público.

É claro que está. Há três anos o ministro Moraes, com o pleno apoio da maioria dos seus colegas, desrespeita abertamente a Constituição com o seu inquérito perpétuo contra supostos "atos antidemocráticos"; pelo que estabelece o texto constitucional, só o MP tem o direito de colocar em andamento uma investigação criminal, mas o ministro não toma conhecimento disso. Não só passa por cima da lei ao fazer algo que é exclusividade dos procuradores; ignora sistematicamente suas repetidas objeções à ilegalidade do inquérito. Não é possível, assim, evitar novos conflitos a cada vez que se lança em expedições como a desse "golpe pelo WhatsApp". O que está errado na origem, só pode gerar mais e mais erros, na medida em que o pecado original continua sendo praticado.

A Procuradoria-Geral da República, no caso, define precisamente o que é, em sua essência, a investigação dos empresários: uma "espetacularização midiática". É o que diz a vice-procuradora ao pedir que o STF negue a quebra de sigilo de comunicações exigida agora por um grupo de senadores "de esquerda" que se utiliza o tempo todo das ações de Alexandre de Moraes para promover seus interesses políticos pessoais. Ela vai exatamente ao centro de toda essa questão: trata-se, como diz em seu pedido, de uma perseguição penal especulativa e indiscriminada, sem objeto certo ou declarado - a não ser aparecer na mídia. A quebra de sigilo não tem nenhum cabimento. Nada, no inquérito de Moraes, tem algum cabimento. É assim desde 2019, quando ele iniciou sua perseguição geral aos "inimigos da democracia". Vai continuar assim.

J.R.GUZZO

sábado, 27 de agosto de 2022


27 DE AGOSTO DE 2022
MARTHA MEDEIROS

A conversa na sala

Todo casamento passa por altos e baixos, e quando termina é uma pequena morte. Apostou-se que aquele amor seria o definitivo, ou que, ao menos, a amizade erótica resistiria firme às provocações inevitáveis do destino, mas algo se quebrou e não há mais o que fazer a não ser tentar ser feliz de outro jeito. Fica a tristeza e a frustração, mas o pior momento acontece antes de a porta fechar com alguém do lado de fora: é quando os filhos precisam ser avisados.

Uma separação sem filhos dói também, mas não igual. A dor é singular, uma implosão.

Havendo filhos, é um castelo de vários quartos que desmorona, não apenas uma torre. Se a separação for litigiosa, precedida por gritos e agressões, o desfecho será um alívio, mas a um custo dilacerante. Se, ao contrário, for uma separação consensual, ficha limpa, sem fissuras visíveis, será menos dolorida, mas nunca descomplicada. Afinal, há inocentes envolvidos - de todas as idades.

Quando meus pais se separaram, eu era uma mulher de 20 anos, já trabalhava, mas diante da ruptura, mesmo que amigável, voltei à infância primária. Caminhei uma tarde inteira sem ter para onde ir, não queria chegar a lugar nenhum. Em trânsito, eu me preparava para a nova história que iria começar, como se eu fosse nascer outra vez. E assim foi, nasci, e voltei a nascer outras tantas vezes nesta vida repleta de mortes pontuais.

Imagino a garotada de oito, 10, 11 anos. Apegam-se à fantasia da continuidade, ao conto de fadas universal, à segurança garantida por dois adultos no comando de um projeto de felicidade, até que descobrem que mãe e pai se desiludem, falham, mudam. O "pra sempre" é apenas uma farsa bem-intencionada: o mundo externo atrai nossos super-heróis com desejos subversivos. Ambos fizeram juras no altar, mas não passam de reles humanos, que decepção.

"Queridos, desliguem o computador, deixem os celulares de lado, vamos conversar ali na sala". Tensão. Os pequenos olham para nós, incrédulos, enquanto usamos as palavras mais ternas, prometendo estar sempre a postos e que ter duas casas vai ser divertido, que o amor não sofrerá nenhum abalo. De fato, mas cada um organiza sua desconstrução em silêncio. 

Hoje a cena parece banal, mas os pais que um dia tiveram esta conversa sabem que é uma tortura: tão dedicados a proteger os filhos do sofrimento, são obrigados a provocá-lo. Atenuante, só vejo um. Que o "pra sempre" deixe de ser uma promessa. Que a eternidade da relação passe a ser vista por todos como uma benção, não mais como regra. Sem prejuízo ao amor, que ao assumir-se finito, trocará o romantismo por uma edificação mais sólida - e bonita como só a verdade consegue ser.

MARTHA MEDEIROS

27 DE AGOSTO DE 2022
LEANDRO KARNAL

Era inevitável, e os números anunciavam o processo havia décadas. O censo indicava, a cada novo levantamento, o encolhimento da parcela de católicos. Sim, a religião oficial da Colônia e do Império não cessava de perder a fatia demográfica dominante. O Brasil era, ano a ano, mais evangélico.

O período de 2025 a 2035 foi decisivo. Pesquisas independentes revelaram que os católicos já estavam abaixo de 40%. O eleitorado evangélico cerrou seus votos nos candidatos exclusivos das igrejas reformadas. A virada no Congresso foi perto de 2032: 70 senadores declaravam-se ligados a alguma grande denominação pentecostal ou neopentecostal. Dois eram luteranos e um, presbiteriano. Havia um ateu declarado. Poucos ainda se diziam católicos.

O avanço numérico e político resultou em novas leis. O feriado de 12 de outubro foi mantido como o Dia da Criança Brasileira, mas não mais como a festa de Nossa Senhora Aparecida. Começou um movimento de reorientação geográfica. O Cabo de Santo Agostinho (PE) foi rebatizado como Cabo Só Jesus Salva. A cidade de Santa Maria (RS) tornou-se, em 2033, a Cidade do Evangelho. A batalha dos nomes foi mais forte em São Paulo. Por um tempo, dividiu-se o público entre os que chamavam de São Paulo e aqueles que diziam morar na cidade do Apóstolo Paulo. Por fim, a Câmara dos Vereadores aprovou a mudança em 2054, a tempo de comemorar o quinto centenário da metrópole.

O pastor Samuel de Oliveira e Silva foi eleito presidente pela aliança O Brasil É de Jesus. Sua vice era a bispa Francisca de Almeida. As verbas publicitárias corriam para a rede Record; escasseavam na Globo e na Bandeirantes. As novelas bíblicas estavam cada vez mais elaboradas. Surgiu até um Big Brother da família cristã. O paredão era para quem tivesse praguejado ou se esquecido de orar.

As lojas elegantes de Ipanema, no Rio de Janeiro, ou da Oscar Freire, em São Paulo, passaram a vender a onda fashion evangélica. Aumentou a produção de ternos para homens. As roupas de praia passaram a utilizar mais tecido. Havia uma nova estética em ascensão.

O feriado católico de Corpus Christi virou o Dia Nacional da Marcha com Jesus. As ruas de todo o país foram tomadas de entusiasmados manifestantes. Em todos os campos, a vitória evangélica era visível. Alguns aderiram por convicção pessoal. Outros, especialmente políticos e empresários, entenderam que votos e verbas eram mais fáceis com participação em cultos. Como na vitória do Cristianismo, no Império Romano, a nova crença crescia nos corações, nos cérebros e nos bolsos.

A bispa que era vice do presidente Samuel foi eleita após os dois mandatos do pastor. Surgiu uma constituinte, e o Brasil foi declarado oficialmente cristão. Quebrava-se o verniz da laicidade do Estado que a República tinha tentado. Os novos feriados nacionais eram religiosos: o Dia da Bíblia, o da Família Cristã e a Festa do Dízimo. Aboliu-se o Carnaval, substituído por uma animada micareta de salmos. O Galo da Madrugada, no Recife, anunciava que Pernambuco também era de Jesus. Foi instaurado o concurso nacional de versículos. Ganhava o aluno do Ensino Fundamental que mais soubesse passagens de cor - da versão João Ferreira de Almeida, claro!

A mudança universitária foi rápida. Sendo porta de acesso à função de pastor, o curso de Teologia tornou-se o mais procurado Em 2040, havia mais candidatos por vaga na USP, para o Instituto Teológico da Universidade de São Paulo, criado cinco anos antes, do que para Medicina ou Engenharia Mecatrônica.

Grandes igrejas católicas iam sendo adaptadas para o culto evangélico. Foi comemorado o dia em que a Catedral da Sé, de São Paulo, virou um novo Templo de Salomão. A basílica de Aparecida removeu as obras do artista Cláudio Pastor e transformou-se na Igreja da Família Evangélica.

O mundo artístico tinha mudado. Anitta tornou-se militante da Assembleia de Deus; seus shows com vestido preto comprido cantando louvores eram emocionantes. Pablo Vittar era, agora, Apóstolo Rodrigues da Silva. Seus depoimentos de como tinha encontrado Jesus a caminho de Campinas (SP) bombavam nas redes. Ele havia sido derrubado da garupa de uma moto e ficado cego com uma luz intensa. Batizado, recuperou a visão. O TikTok era de louvores, apenas.

O turismo passou a conviver com novos roteiros como "a caminhada de Abraão", que ia de Parati a Tiradentes _ a pé. No caminho, encenações do sacrifício de Isaac e do encontro com Melquisedeque. As pousadas bíblicas, todas familiares, exigiam o certificado de casamento para hospedar um homem e uma mulher no mesmo quarto.

Não seria completo este relato histórico se eu não falasse do que ocorreu comigo. Após uma vida de ateísmo, aceitei ser batizado na Igreja Deus É Amor. A cena foi televisionada e alcançou muito ibope. Emergi das águas transformado e passando a rodar o Brasil, narrando a mudança. Agora, aos 75 anos, percorro a nova Terra de Santa Cruz, sempre dando o testemunho como um João que viu um novo Céu e uma Nova Terra.

Minha piedosa leitora e meu piedoso leitor: minha breve ficção produziu esperança ou medo em você? É utopia profética ou distopia? Sonho ou pesadelo? Bem, tente viver mais alguns anos e seja feliz. Amém!

LEANDRO KARNAL