sexta-feira, 22 de agosto de 2025


22 de Agosto de 2025
CARPINEJAR

A chuva de prata

Todo mundo xingou a chuva de prata no início do confronto com o Flamengo, pelas oitavas de final da Libertadores, na noite de quarta-feira, em que o Colorado voltou a ser freguês do Flamengo de Filipe Luís, desta vez por 2 a 0, no Beira-Rio.

Nem o meteorologista Cléo Kuhn previu essa geada lenta e inesperada em Porto Alegre. Dizem que foi um erro da organização, que era para ter sido lançada em caso de avanço para as quartas.

Intencionalmente ou não, as toneladas de papel picado tomaram o gramado. Geraram 20 minutos de atraso e pânico na equipe de funcionários do estádio para tentar tirar o excesso. Eu testemunhava aquela chuva cair e achava linda, diferentemente da opinião da maioria.

Foi o único momento bonito do Inter. O único momento em que brilhamos. O único momento de poesia. O único momento de esperança. Parecíamos River, Boca.  Beira-Rio virava Monumental de Núñez, La Bombonera. A cortina de flocos lembrava o brado guerreiro da Argentina, dos santuários vizinhos, a bênção do alto a um exército de garra, afinco, entrega.

Eu vivenciei o que era comemorar uma vaga, mesmo tendo sido por engano. Experimentei esse prazer por alguns instantes.Se não fosse fora de hora, não aconteceria. Desfrutei da oportunidade de uma festa antes, porque depois seria impossível. Uma vibração de soberania e alívio a que não estamos mais habituados. Uma alegria que já não sabemos como é.

Já culpamos o juiz, o VAR, o excedente de calendário, a parada do Mundial, as lesões, a disparidade de investimentos dos rivais. Agora, só o que faltava: condenar a chuva de prata pelo mau desempenho?

Ela não pode ter esfriado os atletas, pois jamais foram quentes. Jamais entraram em campo. Estou aguardando até hoje. Cadê o meu Inter campeão do mundo? O que fizeram com o meu Inter?

Foi um lampejo de folia, de Carnaval. Aqueles confetes iluminavam o céu como nunca mais tínhamos visto. Atingiam com facilidade o gol, do qual nossos jogadores não conseguiram nem chegar perto durante 90 minutos - e durante dois jogos.

A chuva de prata deu uma goleada no Flamengo. Soterrou o elenco de estrelas. Só ela se mostrou implacável. O Inter não. Pelo contrário: a escalação titular descansou para fracassar melhor. Um time de níquel que não exibiu nenhuma cintilação. Desprovido do argento da técnica, da combatividade. Um time apático, dominado, paralisado, desentrosado, com falhas bisonhas e básicas, que não merecia o apoio de 43 mil torcedores que gritaram sem parar, que ficaram sem dormir, que transformaram a Padre Cacique em ruas de fogo.

Com um técnico sem reação, que não aproveitou a valiosa chance na carreira, que sacou os mais determinados em campo - Bruno Tabata e Alan Rodríguez. A torrente laminada se provou mais real do que os efeitos especiais dos discursos otimistas das coletivas. Enfeite era o Inter. De papelão era feito o Inter. Tombamos em casa mais feio do que fora, veja que ironia.

Não é que o Flamengo está numa prateleira acima. Estamos a sete palmos do chão. Enterrados há muito tempo. O ano acabou novamente em agosto. É a 13ª eliminação dessa direção. Nem de demitir o treinador ela é capaz, porque sugere que não tem dinheiro para contratar outro. Gastou tudo com contratações equivocadas.

Das suas últimas oito partidas, Roger acumulou cinco derrotas, dois empates e uma vitória, com duas desclassificações seguidas (Copa do Brasil e Libertadores). Tem um mísero motivo para permanecer?

Mas pode ser pior. O risco é sucumbir para Cruzeiro ou Palmeiras longe do Beira-Rio, ou tropeçar diante da torcida com Fortaleza ou no clássico Gre-Nal, e se enrascar no Z-4 do Brasileirão.

No fim, sentiremos saudade da chuva de prata, nossa rara trégua de fulgor e beleza. 

CARPINEJAR

Chega de festa fora de casa

Torta tamanho família, cachorro-quente, pastéis, grandes garrafas de refrigerante e alguns brigadeiros que a gente mesmo enrolava com as mãos besuntadas de margarina. Estava pronta a mesa de aniversário de qualquer criança.

A decoração tinha balões, chapeuzinhos, e os copos descartáveis eram coloridos. Os convidados: tios, tias, primos, vizinhos, padrinhos e madrinhas. O "parabéns" tradicional, sem personagens e velas performáticas. Tudo gostoso e simples.

Não gosto de ir a aniversário de criança em casas de festas. É sempre demais! Muita decoração, muitos brinquedos, comida variada. Até picolé distribuem quando está quente. Fui em um que tinha até contação de histórias, recreação e lembrancinha do personagem escolhido para que os convidados levassem para casa.

Festinha com os coleguinhas da escola também é estranho. Cadê as pessoas importantes na vida desse ser no Parabéns pra Você? Me perdoem os professores, não quero diminuir a importância de um mestre na formação de qualquer pessoa, mas, convenhamos, que na vida adulta olhamos para trás e não temos quase nenhum contato com os professores dos anos iniciais. Os coleguinhas nem vou perder tempo justificando.

Aniversário de criança precisa ter músicas tocando, parentes fofocando, um primo comendo oito fatias do bolo, uma tia pedindo chá e colocando cascas de frutas e maçã-seca para ferver, o aniversariante emburrado porque alguém assoprou a vela no lugar dele e aquele tradicional comentário: "Esse pastelzinho é bem recheado! O do outro lá (lembra algum antigo), nossa, era só vento!"

Gostaria de lançar aqui nessa coluna um movimento pelo retorno e pela defesa das festas de aniversário infantil do modelo garagem ou cozinha de casa. Tias e tios, aprendam a fazer tortas! Mães e pais, vamos voltar a enrolar os docinhos!

Hoje em dia esses aniversários que dão "pouco trabalho" custam uma fortuna. E, bem na real, todo mundo que faz essas festas acaba parecendo estar na mesma festinha. Afinal, só personalizam a decoração conforme a escolha do aniversariante.

As crianças precisam dessas festinhas comuns. É no aniversário feito em casa que a família se reúne sem cerimônia, que as crianças correm e brincam com aquilo que elas têm. Os presentes são entregues ao aniversariante na hora que o convidado chega. Ele abre, agradece. Sem aquela coisa horrível de botar nome no pacote e deixar numa caixa na entrada.

Salvem os aniversários de criança. 

MARCO MATOS 


22 de Agosto de 2025
GPS DA ECONOMIA - Anderson Aires

Sob o predomínio das ações do Fed

Aguardando sinais mais claros sobre o futuro do juro nos EUA, os desdobramentos da queda de braço entre Brasília e Washington e de olho nas eleições, o mercado andou ontem praticamente de lado. O dólar fechou com leve avanço de 0,09%, cotado a R$ 5,478, e o Ibovespa recuou 0,12%. Existia um temor de parte do mercado sobre possível novo capítulo na tensão entre Brasil e EUA diante de mais um indiciamento contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Mas esse ruído não apareceu - ainda - nos indicadores.

Também havia certa expectativa de como os ativos iriam reagir à mais recente edição da pesquisa Quaest, que apontou Lula à frente em todos os cenários de primeiro e segundo turno nas eleições de 2026. Geralmente, qualquer sinal de favoritismo do atual presidente costuma deixar o mercado mal-humorado, mas isso também não pesou muito nos dados de quinta, indicando cautela.

O economista André Perfeito afirma que a espera de indícios mais nítidos sobre o futuro do juro nos EUA é mais relevante, neste momento, na análise de ativos no mercado financeiro. Nesse sentido, lembra que, se os juros caírem por lá - como tudo indica -, o dólar fica mais fraco. Como o corte da Selic não será tão célere, o diferencial de juros continuará bom para o Brasil no sentido de vinda de capital estrangeiro para o país.

- A despeito dos ruídos que podem se inflamar, talvez não vai se traduzir em preço de ativo. Ou seja, dólar mais alto, bolsa para baixo, coisas do tipo. Porque existe uma tendência maior ainda que é o enfraquecimento da moeda norte-americana. O preço dos ativos não vai revelar talvez o mal-estar que alguns investidores têm a respeito de algumas dessas questões - complementa Perfeito.

Portanto, resta observar como o mercado vai - se é que vai - colocar esses componentes políticos no radar nos próximos dias. Por enquanto, o cenário externo segue dominando. Aliás, o discurso do presidente do Fed, Jerome Powell, no Simpósio de Jackson Hole, programado para hoje, será olhado com lupa. É esperado um indicativo mais claro do rumo da política monetária americana nesse pronunciamento, visto que a ata ficou mais presa a um recorte do passado. Isso pode acalmar ou tumultuar ainda mais o mercado. _

Novo dono no mercado de internet fibra ótica

Uma nova empresa está assumindo os cerca de 400 mil clientes no Rio Grande do Sul da Oi Fibra, divisão da gigante de telefonia que oferecia planos de internet fibra ótica para residências e pequenas e médias empresas.

Como parte do processo de recuperação judicial da Oi, a Nio, que tem como principal acionista fundos geridos pelo banco BTG Pactual, comprou a carteira de clientes da Oi Fibra, por cerca de R$ 5,7 bilhões. Com a aquisição, a Nio já nasce atuando em 41 cidades gaúchas. São 4 milhões de clientes em todo o Brasil.

Conforme a empresa, nada muda para os consumidores, que podem manter o mesmo plano, com o mesmo valor e a mesma forma de pagamento. _

Arrecadação em alta

Como já era esperado, a elevação das alíquotas do IOF ajudou a impulsionar a arrecadação do governo federal. Em julho, ficou em R$ 6,554 bilhões - alta real (acima da inflação) de 13,05% ante igual mês de 2024. No acumulado do ano, o avanço é de 9,42% em relação ao mesmo período do ano passado.

O decreto que definiu o aumento do IOF foi alvo de polêmica nos últimos meses e marcado por intervenção do Congresso e decisão do STF pela validade. Críticos avaliam que o uso do tributo como instrumento arrecadatório configura desvio de finalidade. Isso porque o IOF foi concebido como imposto regulatório. Como pode ser majorado via decreto, costuma ser usado como forma rápida de elevar as receitas. 

O avanço dos sozinhos

Estudo recém-lançado pelo Secovi-RS aponta que apartamentos estilo JK ou de um dormitório eram responsáveis por 34,8% dos imóveis disponíveis para aluguel em Porto Alegre em 2000.

Em 2022, essa fatia saltou para 36,9%. No entanto, essa participação vem caindo nos últimos anos, chegando a 24,7% em 2024 e a 21,7% em 2025 (com dados atualizados até junho).

Na avaliação do Secovi, isso indica uma tendência de demanda elevada por esses tipos de imóveis no mercado imobiliário da Capital nos últimos anos. Dados do último Censo apontam que a proporção de pessoas morando sozinhas em Porto Alegre é superior à observada no Brasil e no Rio Grande do Sul.

Em 2022, período do último Censo, o número de domicílios com um único morador chegou a 162 mil - 29% do total e mais do que o dobro em unidades de domicílios unipessoais verificados em 2000.

O Secovi-RS avalia que o movimento também se reflete nas vendas, destacando que pesquisa do Sinduscon-RS mostra que 50% das unidades comercializadas no primeiro semestre deste ano foram studios ou de apartamentos de um dormitório. 

GPS DA ECONOMIA

22 de Agosto de 2025
CRIANÇAS E ADOLESCENTES

CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Crianças e adolescentes. Projeto de lei contra adultização nas redes sociais retornará ao Senado

Aprovado na quarta-feira pela Câmara dos Deputados, o projeto de lei que combate a adultização nas redes sociais retornará ao Senado.

Batizado de "ECA digital" (em referência ao Estatuto da Criança e do Adolescente), o projeto foi apresentado no Senado em 2022. Como a Câmara fez modificações no texto, o tema terá de ser analisado novamente pelos senadores.

A aprovação na Câmara se deu em votação simbólica. Inicialmente contrária ao texto, a oposição passou a apoiar a proposta após mudanças feitas pelo relator, Jadyel Alencar (Republicanos-PI).

A principal mudança foi a criação de uma agência reguladora autônoma, que será responsável por aplicar as sanções. A oposição resistia à ideia de delegar essa tarefa a um órgão vinculado ao governo.

Outra alteração foi a previsão de que os pedidos para remoção de conteúdos que violam direitos de crianças e adolescentes, sem ordem judicial, só poderão ser feitos pelas vítimas, seus representantes, pelo Ministério Público ou por entidades representativas.

- O total controle e a total vigilância que o governo queria no texto original, colocando o projeto de lei da censura disfarçado em um projeto de proteção de crianças, foi desmontado pelo relator - alegou o deputado Kim Kataguiri (União-SP).

O projeto foi pautado diante da repercussão do vídeo divulgado no dia 9 pelo influenciador Felca Bressanim, no qual denunciou casos de exploração de crianças e adolescentes nas redes sociais e alertou sobre os riscos da exposição infantil no ambiente digital.

O que prevê

Com 16 capítulos e 41 artigos, o projeto obriga as plataformas digitais a adotarem medidas "razoáveis" para prevenir riscos de crianças e adolescentes acessarem conteúdos indevidos.

Também prevê regras para a supervisão dos pais e responsáveis e exige mecanismos mais confiáveis para verificação da idade dos usuários de redes sociais, o que hoje é feito por autodeclaração. _

sábado, 16 de agosto de 2025



16/08/2025 - 13h11min
Martha Medeiros

É ou não é bacana ver o mundo mudar? 

Rotem e Lior são amicíssimos e queriam dar uma desconectada da vida em família e do trabalho. Então saíram em férias como se fossem dois brothers.

Até ontem, o Quirguistão estava na lista dos cem países que eu podia morrer sem conhecer, mas tudo mudou depois que assisti à série documental Offroad, na Netflix. Em seis episódios, mostra a viagem de 30 dias que a modelo israelense Rotem Sela fez ao lado de seu grande amigo, o ator Lior Raz. Eles alugaram um 4x4 e desbravaram o cenário deslumbrante deste país tão pouco conhecido, e desconfio que foi o Ministério do Turismo que patrocinou: as filas de embarque para lá devem estar gigantes. 

Em um mundo tomado por governantes insanos e guerras absurdas, fugir para as montanhas – e que montanhas – se tornou emergencial. Mas entre tantas cenas de encher os olhos, fico com a última, quando Rotem e Lior se sentam no chão de um centro urbano, brindam o fim da aventura e declaram-se: te amo. Não, não é uma história de amor. Mas, sim, é uma história de amor.

Um homem e uma mulher, héteros, casados e com filhos, vivenciaram uma experiência intensa juntos. Rotem e Lior são amicíssimos e queriam dar uma desconectada da vida em família e do trabalho. Então saíram em férias como se fossem dois brothers. Só que não. É um homem e uma mulher, ambos atraentes – ela, linda de morrer. Posso imaginar que muita gente, enquanto assistia, se perguntou: quando é que esses dois vão se pegar? 

Nesse sentido, Offroad soa inovador. Celebra a amizade, mas não a romantiza: um mês rodando dentro de um carro é uma experiência íntima, e como tal, sujeita a desgastes e irritações, como em qualquer relação. Mas a palavra que norteia essa expedição é confiança. Enfrentar penhascos, lugares ermos e pessoas desconhecidas exige união, troca de informações através do olhar, saber ceder quando não há consenso. 

Além disso, foi preciso contar com a confiança dos que ficaram em casa, torcendo para que o pai que partiu com a amiga, que a mãe que foi viajar com o astro de Fauda, se divertissem, aprendessem mais sobre si mesmos e voltassem sãos e salvos. O marido de Rotem confiou. A mulher de Lior confiou. Mesmo sem aparecerem na série, provaram que também são grandes amigos de seus amores. 

Dedico essa crônica ao Marcelo, meu “irmão” há 40 anos. No início da nossa amizade, quando trabalhávamos na mesma agência, fomos acampar em Floripa e, na viagem de volta, ele pediu: mente para o pessoal que eu te comi, ou minha reputação já era (a gente ri disso até hoje). E dedico também ao Dinho, outro amigo íntimo que, em 1994, voltando do Taiti, fez uma conexão surpresa em Santiago do Chile, onde eu morava, e se hospedou em meu apartamento, justo quando meu marido estava viajando a trabalho. Outra reputação que foi para o beleléu: a minha. Virei o assunto do prédio. É ou não é bacana ver o mundo mudar? 


16 de Agosto de 2025
CARPINEJAR

Onde você morreu é sua naturalidade

Nossa maior escritora de todos os tempos é ucraniana: Clarice Lispector. Um tapa na cara da xenofobia. A autora dos mistérios mais profundos nasceu numa família judaica russa que perdeu suas rendas com a Guerra Civil e se viu forçada a emigrar diante do antissemitismo - que, à época, já resultava em extermínios em massa.

Ela dizia jamais ter pisado na Ucrânia: foi carregada no colo. Assim como o mais influente cantor francês é filho de imigrantes armênios que se refugiaram em Paris das perseguições turcas: Charles Aznavour.

Fruto do exílio, ele uniu um país estrangeiro inteiro. Repatriou um povo descrevendo como ninguém os hábitos e as esquinas parisienses: as ruas molhadas de Montmartre, os cafés onde o romance é servido com pressa, os quartos de pensão onde as paixões desafiam o tamanho estreito da cama.

O Frank Sinatra da França se apresentou até morrer, aos 94 anos. Compôs cerca de 850 canções (entre elas, 150 em inglês, 100 em italiano, 70 em espanhol, 50 em alemão). Vendeu mais de 200 milhões de discos. Consagrou a chanson como o gênero mais tocado. Transformou sua rouquidão improvável em potência vocal. Girou o mundo encantando multidões - e fez um show em Porto Alegre, no Araújo Vianna, aos 89 anos, em maio de 2013.

Tanto Clarice quanto Charles inventaram seus nomes. Ela é Chaya. Ele é Shahnour. E tudo isso me leva a crer: a naturalidade deveria vir depois na certidão. Não como um carimbo eterno do local do nascimento, mas como uma homenagem ao lugar onde você escolheu morar.

Às vezes, o berço coincide com o porto predileto. Porém não é regra. Pode ser apenas um endereço de passagem, o ponto de partida para as experiências que se consolidaram em outro destino.

A verdadeira origem talvez esteja no lugar onde você gostaria de se despedir. Mais no aceno final do que no que está escrito no cartório. Mais no que é gravado no olhar de quem o chama pelo nome na padaria do que no registro oficial.

Seu berço é onde a sua ausência é mais sentida. A cartografia onde nascemos é acidental, já aquela pela qual optamos representa um gesto imperioso de vontade. É onde nossas manias são compreendidas. Onde nossos silêncios são lidos. Onde somos apelidados com o diminutivo certo.

Quem nunca mudou de cidade e sentiu, enfim, que estava retornando para casa, mesmo sem jamais ter estado ali? Quem nunca se reencontrou numa rua desconhecida, como se alguém tivesse alfaiatado a cidade sob medida para o seu corpo?

Você é batizado pelos pais, e depois se rebatiza sozinho. Paz é território. É fincar a agulha no mapa e constatar: "Aqui eu me percebo mais vivo."

O pertencimento não é um carimbo. É uma sensação. É quando o lugar o escolhe de volta. O mais importante não é o marco zero, e sim o paradeiro em que você se nota confortável, confiante, espontâneo, respeitado. É o grão de areia no universo em que você amou, constituiu família e foi feliz.

É a paragem onde você decide morrer, deixar memória, seguir vivendo na saudade dos mais próximos. Não há como impor a geografia. Ela também é um caso de amor. O sotaque ecoa da alma. 

CARPINEJAR

16 de Agosto de 2025
MARCELO RECH

É muito feedback

Se há uma coisa que aprendi na vida, é que acreditamos de pés juntos que o elogio a nós sempre é verdadeiro e sincero. Já a crítica... Penso nisso porque estamos vivendo uma epidemia de feedbacks. O anglicismo, você sabe, escalou para o topo das vidas corporativas pelos idos dos anos 1980. Até aí tudo bem. As avaliações periódicas fazem parte da rotina de quase todo empregado.

O problema é que o feedback agora se imiscui de uma forma enlouquecida nas nossas vidas. Você mal bota o pé em terra, a companhia área pede uma avaliação - e até o nome de algum funcionário que você queira destacar. Bonito isso, mas, se bobear, passo a noite respondendo a questionários. Você fica uma hora pendurado no celular da operadora e a moça simpática pede que você permaneça na linha para responder à pesquisa. Como registro em duas notas que a atendente era gentil, mas não adiantou nada?

Outro dia, fui a um restaurante e, antes que pudesse pagar a conta, o garçom, muito cortesmente, me alcançou um tablet para preencher o questionário. Se eu disser não, serei grosseiro? Então, melhor permanecer sentado e digitar minha avaliação. A apresentação do prato estava boa? O tempo de atendimento foi o esperado? O que mais você teria a dizer? Que só quero pagar e ir embora, tenho vontade de escrever.

Como o Google Maps me rastreia, ele sabe que acabei de sair do posto de gasolina. Em cinco minutos, me confronta com uma pergunta sobre minha "experiência". Você se hospeda em um hotel e o aplicativo quer o review. Se você o ignora, ele segue te perseguindo até você dar a sua nota e, se possível, escrever um comentário. Você toma uma cerveja? Review. Viu um filme? Mais review. Leu um livro? Fez uma compra? Parou no estacionamento? Socorro! Todos querem meu feedback sobre tudo. Conheço gente que se nega a fazer qualquer avaliação. Eu não sou esse rabugento. Se quero que o serviço melhore, entendo que devo colaborar. É uma forma de cidadania instantânea.

Mas aí surgem questões éticas. Eu não minto, mas sou sempre 100% sincero? Quanto um mísero detalhe ocasional influencia minha irritação ou satisfação? Todo mundo acredita em elogio, mas para uma empresa a crítica vale mais, porque é ela que ajuda a corrigir um processo torto. Só que o outro lado está pronto para ouvir minha avaliação negativa e consertar o que está errado?

Outra: tem muito review fake ou distorcido por aí. O sujeito bota um produto para vender na internet e pede para amigos e parentes elogiarem. Como avaliações e comentários realmente influenciam negócios, era óbvio que surgiria o feedback de aluguel. Pior mesmo foi o aviso que li de uma dona de imóvel para alugar por aplicativo: "Se você for fazer uma crítica, dispenso. Não precisa se hospedar aqui". Um caso extremo de sincericídio. Eu fora. Obrigado pelo feedback. _

MARCELO RECH

16 de Agosto de 2025
OPINIÃO RBS

O fim de um longo impasse na saúde

Sempre é digno de registro quando um longo impasse chega ao fim. É o caso do acordo firmado na quinta-feira pelo Ministério Público (MP) e o governo gaúcho para que o Estado, nos próximos anos, passe a cumprir, sem subterfúgios, a obrigação de destinar para a área da saúde o equivalente a 12% da sua receita líquida de impostos.

A alocação mínima está gravada na Constituição Federal. Na realidade, não vinha sendo observada por diferentes gestões no Piratini, ainda que o Tribunal de Contas do Estado (TCE) entendesse que existia o cumprimento pela inclusão controversa nos cálculos de outras despesas, como os gastos com a contribuição patronal para o IPE Saúde, entre outros. Esses desembolsos, agora, serão desconsiderados do cômputo e, assim, se encerra uma contenda que se arrastava havia mais de 20 anos, com cobranças reiteradas dos municípios gaúchos e do MP.

É inequívoco que a saúde pública padece com o financiamento insuficiente, ainda que parte do atendimento à população possa ser significativamente melhorado com o aprimoramento da gestão e do planejamento. As tabelas do Sistema Único de Saúde (SUS), sabe-se há bastante tempo, estão defasadas. Hospitais que atendem pelo programa universal invariavelmente retiram recursos de outras fontes, que não os repasses públicos, para cobrir esses custos e continuar a amparar a população mais necessitada. 

As faces mais visíveis do calvário atravessado pelos usuários do SUS são as longas filas para consultas, exames e cirurgias e as unidades, as emergências e os hospitais lotados neste ano, no Estado, devido à grande incidência de doenças respiratórias e a instituições que acabam por fechar as portas. Uma parcela do dinheiro que o Piratini endereçará será empregada na Tabela SUS Gaúcha, que complementa a verba insuficiente destinada pelo Ministério da Saúde.

Pelo trato firmado, o Estado elevará os aportes a cada ano, até chegar aos 12% constitucionais, em 2030. O acordo garante ainda a recomposição do que não foi aplicado entre 2003 e 2006. As verbas serão destinadas ao Fundo Estadual de Saúde, entre 2031 e 2036. O maior desembolso, precisa ser lembrado, só é viável porque o Estado avançou no equilíbrio das finanças públicas.

Merece ser saudado, ainda, o fato de o impasse ter se encerrado por meio do diálogo, após alguns meses de tratativas. Assim, extinguem-se ações que tramitavam no Judiciário sobre o tema. Muito se deve ao trabalho do Núcleo Permanente de Autocomposição do MP, voltado ao incentivo à resolução consensual de conflitos, evitando litígios que se arrastam anos a fio e, ao fim, não servem para que um serviço básico à população seja devidamente prestado.

Assim como na educação, a transição demográfica tem de estar no radar dos gestores para projetar as necessidades de custeio e de investimento na saúde nos próximos anos e décadas. Se o RS passa a ter menos crianças, é esperado que a pressão por gastos na educação não aumente. Mas uma população mais longeva e de idade média avançada, no sentido contrário, tende a precisar de mais cuidados médicos, o que exige maior esforço orçamentário direcionado para a saúde. 


16 de Agosto de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Trump pode desligar Brasil do Swift?

Como muitos não entendem a diferença de torcer contra um governo de turno e atuar contra o país, correm todos os tipos de boatos nas redes sociais. Inclusive o de que a perseguição de Donald Trump poderia incluir o desligamento do Swift (sigla em inglês para Sociedade para Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais). É uma espécie de intermediário das transações internacionais. No ano passado, fez 53,3 milhões de operações... por dia. Com sede em Bruxelas, é regido pelas leis da Bélgica. Os americanos têm maioria na gestão, e a entidade proclama ter "estrutura cooperativa, caráter global e neutro".

Embora não se possa duvidar de qualquer iniciativa de Trump, o presidente dos Estados Unidos teria muita dificuldade para impor uma decisão unilateral. Até pelo medo de que qualquer outro poderia ser o próximo. Desde 1973, quando foi criado, só dois países foram suspensos ou desligados do Swift: Irã, por duas vezes (em 2012, com volta em 2016, e em 2018), por descumprimento do programa nuclear, e a Rússia, pela invasão da Ucrânia, em 2022.

Só se virar ameaça ao mundo civilizado

Para ser punido dessa forma, o Brasil teria de ser reconhecido como ameaça ao mundo civilizado. Nem Trump foi capaz de sugerir semelhante baboseira. Nem os maiores críticos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva chancelam essa hipótese.

E embora seja, sim, muito grave ser desligado do Swift, é bom lembrar: a Rússia segue vendendo para o mundo, inclusive os EUA. Desenvolveu o Sistema de Transferência de Mensagens Financeiras e usa a opção da China, o Sistema de Pagamento Interbancário Transfronteiriço (Cips, na sigla em inglês). Um risco já percebido é o de que, com sucessivas sanções ao Brasil, Trump poderia provocar maior aproximação com a China. O atual ocupante da Casa Branca nega, mas já está ocorrendo.

Só para esclarecer, quando um país é desligado do Swift, seus bancos têm grandes dificuldades em realizar pagamentos internacionais. Não ficam inviabilizados. O grave é que leva mais tempo para efetuar transações internacionais, e o custo das operações sobe muito. _

Atuação em festival  - 7,65%

foi a alta nas ações do Banrisul na sexta-feira, depois que o banco estadual apresentou seu balanço do segundo trimestre. O lucro líquido no primeiro semestre ficou em R$ 619,2 milhões, 42,4% acima dos primeiros seis meses de 2024. Tornou-se o segundo maior no período da história. Conforme o presidente do Banrisul, Fernando Lemos, foram investidos R$ 177,9 milhões em tecnologia até junho, e o aporte deve chegar a R$ 400 milhões até o final do ano. O principal foco é em melhoria do app.

RS exporta parcela maior de sua produção

O estudo Comércio Exterior entre Regiões e Estados, da FGV Ibre, mostra o peso das exportações na economia do Rio Grande do Sul.

Os economistas Claudio Considera, Isabela Kelly e Juliana Trece se focaram na quantidade da produção local que é absorvida internamente e quanto do total é trocado, tanto entre diferentes unidades da federação quanto com o Exterior. No RS, as vendas a outros países representam 6,8% do total da produção.

É um percentual relevante. São Paulo, por exemplo, exporta 5,4% de sua produção para o mundo - afirma Considera.

Isso ajuda a entender por que o Estado é mais afetado do que a média nacional pelo tarifaço de 50% sobre os produtos que os Estados Unidos importam - ou, a essa altura, importavam. Ter bom peso das exportações na economia é positivo, tanto que é incentivado pela União e pelos Estados. O problema é que virou risco por causa do tarifaço estimulado artificialmente.

GPS DA ECONOMIA


16 de Agosto de 2025
ACERTO DAS (TUAS) CONTAS - Giane Guerra

Desemprego cai à menor taxa já registrada

A taxa de desemprego do Rio Grande do Sul caiu de 5,3% para 4,3% na passagem do primeiro para o segundo trimestre de 2025. É uma queda forte, que levou ao menor patamar já registrado na pesquisa do IBGE, iniciada em 2012.

São 5,8 milhões de gaúchos trabalhando. Houve até uma pequena redução em relação ao início do ano, mas a taxa caiu ainda assim, porque também diminuiu o número de pessoas buscando trabalho, estimado agora em 266 mil. Mesmo com essa redução, é um patamar historicamente alto de pessoas trabalhando, seja em empregos CLT, domésticos, por conta própria ou mesmo empregadores.

Houve uma certa estabilidade, com pequena redução, nos empregos no setor privado e de domésticos. Aumentou no setor público. Caiu o número de empregadores e de trabalhadores por conta própria no Estado, assim como os familiares.

Renda

O rendimento médio do trabalhador caiu 0,7% no segundo trimestre após sequência de altas, passando a uma média de R$ 3.794. A massa de rendimento total fica em R$ 21,8 bilhões, também recuou, mas se mantém em um patamar elevado.

Mercado aquecido

O mercado de trabalho está aquecido nos últimos anos, levando a taxas que costumamos chamar de "pleno emprego". Isso tem dado mais poder de negociação ao trabalhador, elevando a rotatividade e o aumento nos pedidos de demissão, algo sempre destacado pelo presidente da Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social (FGTAS), José Scorsatto. Ao mesmo tempo, aumenta a dificuldade das empresas de preencherem vagas. _

Os 10 profissionais mais bem pagos

Os profissionais de tecnologia e de gestão para indústrias predominam no ranking de cargos mais bem pagos no Rio Grande do Sul no primeiro semestre de 2025. Destaque ainda para a remuneração dos segmentos jurídico-empresarial e agroindustrial. Os profissionais de finanças, como usual, também têm um bom espaço na lista.

A pesquisa exclusiva foi feita para a coluna pela empresa de recrutamento e seleção Icon Talent. No levantamento, foram consideradas empresas de médio e grande porte, especialmente da região metropolitana de Porto Alegre, do Vale do Sinos e da Serra, mas também há companhias de outras cidades localizadas no interior do Estado. _

Porto Alegre lidera em número de vagas de alta complexidade, principalmente nas áreas de tecnologia da informação (TI), jurídico corporativo, bancário e saúde privada.

Caxias do Sul e Bento Gonçalves puxam os salários nas áreas industrial e logística, com foco em automação e supply chain (cadeia de suprimentos).

Vale do Sinos concentra forte demanda por desenvolvedores de software, gerentes comerciais e controllers (gestor contábil e financeiro).

Em Pelotas e Santa Maria, com o crescimento da infraestrutura educacional e de saúde, destaque para cargos de diretoria hospitalar e TI institucional.

Ketchup saudável - Consumidor verde

Em busca de um ketchup mais natural e artesanal? A coluna indica o da agroindústria familiar Naturale, de Rio Grande. O tomate, a goiaba e os demais ingredientes são cultivados na propriedade. Patricia Oliveira Duarte é profissional de gastronomia e toca a produção com familiares como a filha, que é nutricionista e estuda técnicas para desenvolver os produtos, que incluem risotos em potes de vidro com ingredientes desidratados por eles mesmos.

- Buscamos, com a agroindústria, agregar valor ao que plantamos. Então, nas feiras, vendemos o tomate inteiro para salada, o molho de tomate e o ketchup - exemplifica Patricia.

Não são usados agrotóxicos no plantio nem conservantes nos produtos. É possível comprá-los também pela internet,.

ACERTO DAS (TUAS) CONTAS

16 de Agosto de 2025
ATAQUE HACKER

ATAQUE HACKER

Zambelli aceita cumprir pena no Brasil, diz defesa. O advogado Fábio Pagnozzi, que representa a deputada federal licenciada Carla Zambelli (PL-SP), disse que ela não se opõe a cumprir pena no Brasil. Zambelli está detida na Itália, para onde se transferiu após ser condenada a 10 anos de prisão pelo STF pelo ataque hacker aos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

- Ela não se opõe a cumprir pena no Brasil. O que a Carla sempre disse é que ela quer estar em um país no qual possa ser julgada por pessoas imparciais - afirmou Pagnozzi, em entrevista à GloboNews.

Em outro processo, o Supremo julga a parlamentar por ter perseguido o jornalista Luan Araújo com uma arma em punho em uma rua de São Paulo em outubro de 2022. Na sexta-feira, o ministro Nunes Marques votou pela absolvição de Zambelli, mas a Corte já formou maioria para condená-la.

sábado, 2 de agosto de 2025


02 de Agosto de 2025
CARPINEJAR

Quando o artista é impostor de si mesmo

Saiu uma série sobre Raul Seixas na Globoplay, extremamente fidedigna à metamorfose ambulante da história do cantor, desde a infância em Salvador (BA) até a morte em São Paulo (SP), aos 44 anos, em 1989, já corroído pelo álcool e pelas drogas.

O protagonista é o gaúcho Ravel Andrade, porto-alegrense, irmão do também ator Júlio Andrade. Ele pega emprestada a alma do roqueiro baiano, sem caricatura, e acompanha fase a fase da evolução do personagem - contrastando a época careta como produtor e a psicodelia de suas experiências transcendentes. Trata-se de uma reencarnação descomunal: a trama revive a condição contraditória, convincente, desesperadamente humana do músico, expondo seus dilemas entre a loucura e a lucidez, entre a vontade de ser um bom pai e o ímpeto de entrega a novos romances, entre a sede do sucesso e a necessidade do anonimato, entre o tempo com a família e a pregação da sociedade alternativa.

Um dos oito episódios destaca um fato pitoresco da biografia do Pai do Rock. No fim da carreira, debilitado pelo vício, Raul foi fazer um show em Caieiras, no interior de São Paulo, em 1982. Diante da voz castigada, o público começou a vaiá-lo e a agredi-lo, arremessando latas de cerveja e jurando que quem estava no palco era um sósia.

Ninguém acreditava que ele fosse o verdadeiro artista. Chegaram a pedir a prisão do "impostor". Sem contar com sua carteira de identidade na hora, Raul Seixas terminou na delegacia buscando provar, inutilmente, sua autenticidade.

Tal trauma anedótico me pôs a pensar nas dificuldades e constrangimentos que os famosos enfrentam. Eles não têm a paz da rotina, de uma vida normal. Não desfrutam dos desejos e arroubos comuns a todos. São ETs caçados por paparazzi.

Não transitam impunemente, tanto fisicamente quanto na web. Inclusive, existe um lugar em que não há como entrar: no Tinder ou nos demais aplicativos de paquera. A celebridade terá que ficar reiterando que é ela a cada contato. Não conseguirá convencer a sua interlocução.

Imagine se você encontrar Alessandra Negrini por lá. Ou Cauã Reymond. Ou Bella Campos. Aposto que concluirá que é alguém tentando se passar por eles. Nem levará a sério. Sentirá pena do falsário.

Mesmo mandando fotos, documentos, jamais receberão credibilidade. Qualquer um pode catar imagens de gente ilustre à paisana nas redes sociais.

Serão zombados, identificados como fakes. A virtualidade não é cupido para eles. Famosos não dão match. Suas contas verificadas são sempre postas, ironicamente, sob suspeita no cotidiano. Sofrem da solidão do selo azul.

Unicamente o amor à moda antiga funcionará: a discrição do olho no olho, longe do algoritmo.

O que explica a paixão de cativeiro. Celebridade costuma se casar com celebridade. Só serão críveis e reais entre si. 

CARPINEJar

02 de Agosto de 2025
MARCELO RECH

To LFV, with Love

Como bom cinéfilo, Luis Fernando Verissimo seguramente assistiu nos idos de 1968 ao filme Ao Mestre, com Carinho, no qual um brilhante e jovem ator negro, Sidney Poitier, interpreta um engenheiro nascido na então Guiana Britânica que acha trabalho como professor numa escola barra-pesada do East End de Londres.

Para mim, o filme traz a mais bela música-tema da história - To Sir, with Love, cantada por Lulu. É só ir no YouTube para concordar ou não. A produção inglesa é sobretudo uma ode à missão de ensinar e sobre como um mestre pode influenciar positivamente vidas alheias - no caso, uma turma rebelde e rabugenta.

Lembrei de Ao Mestre, com Carinho ao topar com uma antiga crônica de Luis Fernando Verissimo na enciclopédica e histórica edição de 100 anos do jornal O Globo no domingo passado. Ali, entre as 548 páginas do jornal, reencontro uma amostra da genialidade criativa de Luis Fernando, que foi colunista de O Globo e de Zero Hora. Na crônica In English, LFV redige metade do texto em inglês "porque acho que a imprensa brasileira tem o dever patriótico de passar a usar uma língua que o FMI entenda" e avisa que só vai voltar a escrever em português no caso de palavras intraduzíveis, como "marketing".

LFV é um mestre. Ele é do tempo em que catalogávamos jornalistas, cronistas e escritores dizendo "Fulano é um grande texto", uma expressão que caiu em desuso porque parece não ser muito apreciada pelos algoritmos. Em textos de humor, um estilo difícil porque sempre ameaçado pela pieguice, não há quem bata LFV no Brasil, e olha que passou por aqui muita gente boa, como toda a turma do Pasquim.

Posso ser suspeito porque, como colega, editor e leitor, tive o privilégio de acompanhar grande parte da trajetória de Luis Fernando, com suas milhares de crônicas, personagens e tiradas memoráveis. Duas delas para recitar de supetão: ressaca de gim é um dos poucos casos em que a medicina permite a eutanásia e 1987 foi tão inexpressivo que as pessoas só vão lembrar do ano porque foi quando deu maconha em lata na praia.

Mais uma lição: LFV é de uma geração de gaúchos que, como diria David Coimbra, outro grande texto, se aparafusou em Porto Alegre, sem precisar migrar para Rio ou São Paulo para ser lido e reconhecido - tal e qual seu pai, Erico Verissimo, aliás. Luis Fernando provou (concordam, Peninha, Carpinejar, Martha Medeiros e tantos outros?) que a aldeia pode ter suas limitações, mas não sufoca a inspiração. O mestre LFV é um destes gauchinhos metidos que colocaram o nariz no mundo, mas sempre voltaram para conviver com seus conterrâneos e, de alguma forma, nos ensinar a sermos mais civilizados. Então, "To Luis Fernando, with Love". 

MARCELO RECH

02 de Agosto de 2025
ANDRESSA XAVIER

João da Penha

Nessa semana assistimos, atônitos, ao vídeo que mostra um homem enchendo uma mulher de socos no elevador. Lá no Rio Grande do Norte, mas tão próximo da realidade que a gente acompanha diariamente. Ver os socos é materializar o que ouvimos no noticiário, entender os gritos de uma vizinha, o controle travestido de ciuminho quando o cara quer escolher a roupa ou as amizades da sua parceira ou desmerecer as realizações dela. É como levar aqueles socos junto com a vítima. É sentir um enjoo e, depois, uma raiva. Ver um covarde como este é aflorar sentimentos ruins.

O desrespeito à mulher muitas vezes vira agressão, física ou psicológica. Muitas vezes a mulher agredida acaba morta por quem ela achava que seria amada. Sua honra é colocada em xeque por quem deveria ajudar a defendê-la porque ainda tem quem pergunte o que ela fez para levar 60 socos ou um puxão de cabelo. Como se houvesse alguma justificativa para o que os imbecis fazem.

Uma sociedade machista empurra o preconceito para o colega do lado porque nunca vem da gente, afinal. Diz que ama as mulheres, que até é filho de uma. Que tem amigas mulheres. Mas uma sociedade machista ainda faz piada com o papel da mulher. Ainda deixa que elas lavem a louça e sirvam seus pratos com o almoço. Ainda pergunta na entrevista de emprego se ela pretende engravidar. Ainda diz que tinha que ter a lei João da Penha, afinal não são somente os homens que matam mulheres e o contrário também ocorre.

Sim, ocorre. Mulheres matam homens eventualmente. É preciso olhar as estatísticas para dizer, sem errar, que os homens são muito mais violentos. Você já viu uma mulher dando 60 socos no marido, até ele sangrar e precisar fazer plásticas para voltar a ter um rosto?

Você pode dizer também que há os casos de mulheres que sentem ciúmes ou que fazem falsas denúncias. De fato, há. Nessa semana fizemos um debate de altíssimo nível na Gaúcha sobre como combater a violência contra a mulher. A promotora Ivana Battaglin trouxe um dado que escancara o tamanho do mito. Estudos mostram que, no mundo, apenas entre 2% e 8% dos casos registrados por mulheres não se confirmam. Pode ser por mentira ou por falta de provas.

Calcula-se que vai demorar 150 anos para existir algo próximo a condições ou oportunidades iguais para homens e mulheres. Para isso acontecer, nesse século e meio precisaremos evoluir, e muito. Começa nas escolas, sem o medo de debater gênero, sem medo de educar as crianças contra o discurso de ódio que se propaga pelos algoritmos das redes sociais. 

Passa por não achar graça da piada machista. Por assumir responsabilidades que não são somente de homens ou mulheres. De mudar a cabeça e o comportamento. Passa por ver homens falando e postando sobre o monstro dos 60 socos sem questionar a vítima ou não falando do tema porque é um problema das mulheres, e não seus. _

ANDRESSA XAVIER

02 de Agosto de 2025
TENSÃO DIPLOMÁTICA

TENSÃO DIPLOMÁTICA

Após tarifaço, Trump afirma que Lula pode falar com ele "quando quiser". Em resposta a uma jornalista da TV Globo, republicano afirmou que "ama o povo brasileiro". Declaração pode indicar uma abertura por parte da Casa Branca, que até agora se fechou à negociação com Brasília. Planalto já sinalizou disposição para uma conversa, mas quer foco na questão comercial

Após confirmar o tarifaço de 50% sobre parte das importações brasileiras, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse na sexta-feira que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode falar com ele "quando quiser".

A declaração ocorreu em resposta a uma jornalista da TV Globo. Questionado se estaria disposto a uma conversa com Lula, Trump afirmou:

- Ele pode falar comigo quando quiser. Na sequência, a jornalista perguntou o que seria passível de negociação com o Brasil.

- Bem, vamos ver o que acontece, mas eu amo o povo brasileiro - afirmou o republicano.

Trump ainda foi questionado sobre por que uma tarifa tão alta, e que não parece ter fundamentação econômica, contra os produtos brasileiros.

- As pessoas que governam o Brasil fizeram a coisa errada - alegou Trump, sem dar maiores detalhes.

Na quarta-feira, Trump assinou o decreto que institui a tarifa adicional de 40% - que se soma à taxa de 10% em vigor desde abril - a partir do dia 6 de agosto.

O impacto econômico do tarifaço foi minimizado com as exceções a quase 700 produtos inseridas no decreto, incluindo alguns dos principais itens da pauta de exportações do Brasil aos EUA, como suco de laranja, aviões, petróleo e aço. Ainda assim, outros itens de peso na balança comercial, como café e carnes, terão a sobretaxa, e entidades empresariais projetam prejuízos relevantes em alguns setores, o que pode gerar demissões.

No início da semana, Lula já havia indicado que está disposto a uma conversa direta com Trump. O governo, porém, quer garantias de que o diálogo será focado em comércio e de que Lula não será submetido a nenhum constrangimento público, a exemplo do que ocorreu nos últimos meses com os presidentes da Ucrânia, Volodimir Zelensky, e da África do Sul, Cyril Ramaphosa, que tiveram bate-bocas durante reuniões com Trump.

A declaração de Trump pode ser um sinal de abertura da Casa Branca - que, até então, mantinha-se fechada a qualquer negociação com o governo brasileiro.

Na quarta-feira, o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, se encontrou com o chanceler Mauro Vieira em Washington. Um dia depois, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a Secretaria de Tesouro dos EUA procurou a pasta para marcar uma agenda com o objetivo de discutir o tarifaço. A conversa com o secretário Scott Bessent deve ocorrer na próxima semana.

- Finalmente nós vamos ter uma reunião mais longa e mais focada na decisão, até aqui unilateral dos EUA em relação ao Brasil - disse Haddad na sexta-feira.

"Sempre estivemos abertos"

Ainda na noite de sexta-feira, Lula respondeu à declaração de Trump em uma manifestação em rede social. O presidente afirmou que o Brasil "sempre esteve aberto ao diálogo".

"Quem define os rumos do Brasil são os brasileiros e suas instituições. Neste momento, estamos trabalhando para proteger a nossa economia, as empresas e nossos trabalhadores", escreveu. _

Moraes diz que vai ignorar sanções e critica intervenção

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou na sexta-feira que vai ignorar as sanções aplicadas contra ele pelo governo dos Estados Unidos.

- As ações prosseguirão o rito processual do STF, não se adiantará, não se atrasará. O rito processual do Supremo irá ignorar as sanções praticadas. Este relator irá ignorar as sanções praticadas e continuará trabalhando - afirmou o ministro.

Na quarta-feira, o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros do Tesouro dos EUA confirmou a decisão de sancionar Moraes com base na Lei Magnitsky, que autoriza sanções contra pessoas ou entidades estrangeiras acusadas de violações graves contra os direitos humanos, mas jamais havia sido utilizada contra um juiz de Suprema Corte.

A medida bloqueia contas bancárias e bens de Moraes em solo norte-americano, além de proibir a entrada dele no país. A Casa Branca o acusa de decisões arbitrárias contra o ex- presidente Jair Bolsonaro e empresas de tecnologia americanas.

A manifestação de sexta-feira ocorreu durante a cerimônia de abertura do semestre do Judiciário.

Moraes disse que todos os réus pela tentativa de golpe de Estado em 2022 , entre eles Bolsonaro, serão julgados ainda neste semestre.

- Nós julgaremos todos os responsáveis, absolvendo aqueles onde não houver prova de responsabilidade, condenando aqueles onde houver prova, mas julgando, exercendo nossa função jurisdicional, e não nos acovardando por ameaças, seja daqui ou de qualquer outro lugar - alegou.

Moraes também criticou a tentativa de interferência e chamou de "pseudo-patriotas" os que buscaram articular sanções contra ele e contra o país - no caso do tarifaço imposto às importações brasileiras.

- É uma verdadeira traição à pátria. Uma traição covarde e traiçoeira - disse.

Jantar no Alvorada

Na véspera, em um jantar no Palácio da Alvorada com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros ministros, Moraes afirmou, segundo o jornal Folha de S. Paulo, que dispensa atuação do governo em sua defesa nos EUA. Lula havia determinado que a Advocacia-Geral da União (AGU) atuaria na representação do ministro. _

Fiergs: RS será o Estado mais afetado

Bruna Oliveira  - O Rio Grande do Sul é o Estado mais afetado pelo tarifaço de Donald Trump, mesmo com as exceções. A avaliação é da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs). A entidade aponta que as exceções têm efeito mínimo, pois somente 15% da produção gaúcha foi incluída na lista, contra uma média nacional de 45%.

Os cálculos da entidade preveem impacto em pelo menos 20 mil empregos diretos e queda de R$ 1,5 bilhão no PIB estadual.

Um comitê de crise com representantes do setor esteve reunido na manhã de sexta-feira na Fiergs. Na próxima terça-feira, haverá uma reunião com as secretarias de Desenvolvimento Econômico e da Fazenda na tentativa de renegociar créditos de ICMS retidos na exportação.

Em coletiva de imprensa após o encontro, Bier demonstrou preocupação em relação aos empregos. Uma possibilidade é a de buscar aumentar a linha de crédito de R$ 100 milhões assegurada pelo Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE). A entidade também pede a liberação de créditos do ICMS Exportação para indústrias que tiverem suas vendas aos EUA afetadas.

Outro pedido é por medidas de alívio tributário e trabalhista, como ocorreu na pandemia.

- Vamos ter situações tão preocupantes como foi visto na pandemia e na enchente - afirmou Guilherme Scozziero, coordenador do conselho de relações do trabalho da Fiergs.

Os EUA são os maiores parceiros comerciais da indústria do RS. São 1,1 mil empresas que exportam ao país. _



02 de Agosto de 2025
POLÍTICA E PODER

Plano Diretor tem pontos que precisam ser discutidos

Os repórteres Gabriel Jacobsen e Paulo Egidio passaram os últimos dias debruçados sobre o projeto do Plano Diretor de Porto Alegre, que será discutido em audiência pública na próxima semana. O trabalho fez surgir informações que precisam ser debatidas com a sociedade.

Um estudo jurídico produzido pelo Centro de Apoio Operacional da Ordem Urbanística do Ministério Público concluiu que a minuta do novo Plano Diretor contém uma série de omissões e de regras inconstitucionais. As mais graves seriam a ausência de mapeamento das áreas de risco e de medidas de proteção contra desastres. O estudo já foi enviado à prefeitura.

O MP também considera que apenas uma audiência pública é insuficiente para o debate social adequado - e nesse ponto não há como discordar.

Além da construção de prédios de até 130 metros de altura no Centro Histórico, Quarto Distrito, Zona Norte, áreas próximas à beira do Guaíba e às margens das grandes avenidas, como Ipiranga, Protásio Alves e outras, a prefeitura propõe reduzir a distância entre os prédios, acabando com a lógica atual em que edifícios mais altos precisam ter uma margem de recuo maior. O que isso significa? Apartamentos menos ensolarados em uma cidade conhecida pela umidade no inverno.

A lógica do adensamento é trazer as pessoas para mais perto de onde há serviços consolidados e que a pessoa fique mais perto do trabalho. Na teoria, tudo certo, mas e na prática? Serão os preços de um apartamento no 30º andar da Ipiranga acessíveis para quem depende de programas como o Minha Casa, Minha Vida?

Porto Alegre é, de fato, uma das últimas capitais a ampliar a altura dos seus prédios - a prefeitura diz que o plano foi inspirado em Cingapura e em cidades do Brasil, como Curitiba, que quem conhece sabe estar muito distante da nossa realidade de ruas estreitas, trânsito congestionado e sistema deficitário de transporte coletivo.

Sem conhecer os detalhes, não é prudente definir posição. Os vereadores terão de aprofundar a discussão, ouvindo técnicos em vez de transformar em um simples embate político. _

Ameaças não intimidam os ministros do Supremo

A reabertura dos trabalhos do Supremo Tribunal Federal (STF) transformou-se num ato de desagravo aos ataques à instituição e ao ministro Alexandre de Moraes. Os ministros trataram como "organização criminosa" o grupo que atuou contra a democracia brasileira, e sinalizaram que o movimento feito por Eduardo Bolsonaro nos EUA produzirá efeito contrário ao que ele esperava.

O presidente do Supremo, Luis Roberto Barroso, disse que Moraes agiu com bravura e encarou "altos custos pessoais" para evitar a erosão da democracia.

O decano do Supremo, Gilmar Mendes, foi na mesma linha:

- Um deputado, na linha de frente do entreguismo, fugiu do país para covardemente difundir aleivosias contra o Supremo Tribunal Federal, num verdadeiro ato de lesa-pátria. _

Deputados fazem acordo para impulsionar região das Missões

A Assembleia Legislativa assinou na sexta-feira um acordo com representantes legislativos da Província de Missiones, na Argentina. Com a parceria, deputados gaúchos e argentinos trabalharão em sintonia para melhorar o capital turístico da região, de olho na celebração dos 400 anos das Missões Jesuíticas.

Um dos temas discutidos foi a Ponte da Integração que vai unir Porto Xavier, do lado brasileiro, a San Javier, na Argentina - onde estiveram os parlamentares gaúchos. O presidente da Assembleia gaúcha, Pepe Vargas, explica que falta apenas assinar o contrato para que a obra, sonhada desde a década de 1980, saia do papel. _

Lula fica na obrigação de ligar

A declaração de Donald Trump na sexta-feira (leia na página 10) deixa o presidente Lula na obrigação de tomar a iniciativa do diálogo.

Se Trump está disposto a conversar, Lula precisa tomar a iniciativa e telefonar. Existe a barreira do idioma, mas para isso existem os intérpretes na diplomacia.

Melhor seria um encontro presencial, olho no olho, na companhia do chanceler Mauro Vieira e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Não é hora de bravata nem de preconceito. O que está em jogo é um prejuízo bilionário para o Brasil. _

União é condenada a ressarcir Estado por fraudes no home care

A União foi condenada a pagar R$ 2 milhões ao Estado como ressarcimento por valores bloqueados das contas do Estado destinadas ao custeio dos serviços de home care (atendimento médico domiciliar). A decisão é de primeira instância e cabe recurso.

A Justiça acolheu o argumento da Procuradoria-Geral do Estado (PGE-RS), de que a Lei nº 8.080/90 atribui ao Ministério da Saúde a responsabilidade pelo financiamento de tratamentos não incorporados ao SUS.

- A sentença reiterou que, havendo a condenação ao SUS para a prestação do atendimento, cabe à União o financiamento - explica o procurador Lourenço Floriani Orlandini.

Em março, o Grupo de Investigação da RBS (GDI) revelou supostas fraudes no sistema de home care na Região Metropolitana. Os casos envolviam adulteração de laudos, assinaturas e carimbos para justificar decisões que obrigam o poder público a custear o atendimento.

Em 2024, mais de R$ 38 milhões foram bloqueados das contas do Estado para pagar por esse tipo de tratamento. 

POLÍTICA E PODER

02 de Agosto de 2025
INFORME ESPECIAL - Rodrigo Lopes

Belém não é Dubai, e nem deve ser

Nos últimos dias, a notícia de que 25 países solicitaram a transferência da sede da COP30 de Belém para outra cidade acendeu um alerta vermelho. A motivação principal é clara - e escandalosa: o abuso nos preços de hospedagem. Diárias em hotéis simples ultrapassam a casa dos R$ 7 mil, um valor que beira o inacreditável e compromete o princípio básico de uma conferência que se pretende ampla, inclusiva e acessível, como reiterou em nota o governo brasileiro.

O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, foi enfático: não há plano B. A COP será em Belém. Reconheceu, no entanto, a gravidade da situação e informou que o governo busca alternativas para garantir hospedagem a preços mais justos. Mas o episódio revela um dilema entre o espírito da COP e os interesses de mercado.

A menos de cem dias do início do evento, cogitar a mudança de sede seria um desrespeito com as milhares de pessoas que já compraram passagens, reservaram hospedagem e organizaram suas agendas com base na realização da COP em Belém. Além disso, jogaria por terra anos de preparação, centenas de milhões em investimentos públicos e, especialmente, o principal ativo simbólico desta conferência: sua realização no coração da Amazônia.

A COP30 não será uma cúpula genérica em uma capital global. Foi pensada para ser uma conferência conectada ao território mais estratégico do planeta no debate climático - a floresta amazônica. Sobretudo, um gesto de reconhecimento à importância do bioma, à cultura amazônica e à urgência de se ouvir quem vive a floresta por dentro. Retirar a COP de Belém agora seria não apenas um retrocesso logístico, mas uma derrota política e simbólica. A ganância de alguns setores da hotelaria não pode contaminar o esforço coletivo de preparar uma reunião histórica. Belém não é Dubai, sede da COP28 - e não deve ser. _

Descida da rampa não será pública

Se você, como eu, está ansioso para ver o dia em que um skatista descerá a "rampa" do Centro Administrativo Fernando Ferrari (CAFF), na Capital, é bom calibrar as expectativas. A coluna apurou que a ação, prevista para o começo de setembro, será fechada ao público.

Pessoas ligadas à organização afirmam que não se trata de evento e sim de ação de empresa particular, no caso a Red Bull. Obviamente, a área é ampla, talvez seja possível ver a movimentação a distância, mas não se sabe como ficará o trânsito no dia da descida - ou se um limite de restrição ao tráfego e aproximação de pessoas será criado no entorno.

A coluna pediu autorização à Secretaria do Planejamento, responsável por parte do Estado pelo acordo com a Red Bull, para sobrevoar de drone o local. Mas recebeu como retorno que não seria permitido devido à preocupação da empresa com a segurança do atleta (cujo nome é mantido sob sigilo) e para não gerar expectativa de público para ação que não será aberta.

A coluna apurou que o espaço aéreo na área do CAFF é restrito ao sobrevoo de drones. As primeiras estruturas do evento "Building Drop" já foram colocadas no local. _

Campanha contra o antissemitismo no Brasil

Em reação à onda de antissemitismo, o Memorial do Holocausto e a Federação Israelita do Estado de São Paulo lançaram uma nova campanha com vozes de sobreviventes do horror nazista que migraram para o Brasil.

Entre os protagonistas estão Ariella Segre e Gabriel Waldman, que narram suas trajetórias de dor, superação e gratidão ao país, mas também expressam preocupação com os sinais crescentes de intolerância e desinformação. Os vídeos terminam com a mensagem direta: "Diga NÃO ao antissemitismo."

Os vídeos foram dirigidos pelo cineasta Marcio Pitliuk, curador do Memorial do Holocausto.

A campanha é lançada no momento em que o governo retirou o Brasil da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA), organização que reúne países comprometidos com o combate ao antissemitismo. A medida do governo Lula foi em resposta à maneira como o governo Benjamin Netanyahu vem lidando com a crise na Faixa de Gaza.

Os vídeos estão sendo veiculados nas redes sociais das instituições e devem integrar ações educativas e de mobilização pública em escolas, universidades e espaços comunitários ao longo do segundo semestre. _

Submarinos americanos virados para Rússia

Em seu afã de brincar de dono do mundo, o presidente dos EUA, Donald Trump, disse ter mobilizado dois submarinos nucleares após ameaças russas. Aos fatos: quinta-feira, o ex-presidente da Rússia Dmitri Medvedev, espécie de títere de Vladimir Putin de 2008 a 2012 no Kremlin, mencionou o "Mão Morta", sistema automático de disparo de mísseis nucleares desenvolvido na época soviética.

Nesta sexta-feira, Trump informou sobre movimento militar em "regiões apropriadas". Não disse onde. O "Mão Morta" é do tempo da Guerra Fria e foi desenvolvido para reagir caso a liderança russa seja eliminada em ataque.

Vale lembrar que um submarino nuclear não significa que tenha arsenal atômico. Tecnicamente, é movido com energia nuclear, podendo transportar armas convencionais ou nucleares.

O fato de Trump ter reposicionado submarinos nucleares, na prática, não significa muito: serve mais ao propósito de dissuasão. _

Trump para Nobel da Paz?

O governo do Camboja anunciou nesta sexta-feira que indicará Donald Trump para o Prêmio Nobel da Paz. O vice- primeiro-ministro Sun Chanthol destacou como motivo a intervenção direta do líder americano para interromper o recente conflito na fronteira com a Tailândia.

Esta não é a primeira vez que o nome do republicano é cogitado para a honraria. Em junho, o Paquistão já havia manifestado a intenção de recomendar Trump pela atuação dele na mediação do conflito com a Índia. Recentemente, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, também revelou ter indicado o presidente para o prêmio. _

O delegado aposentado Guilherme Wondracek foi reeleito para a presidência da Associação dos Delegados de Polícia do RS (Asdep-RS). A chapa terá como vice-presidente a delegada Marina Machado Dillenburg, titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher de Viamão.

INFORME ESPECIAL