sábado, 12 de janeiro de 2008


Eu tingo, sim...

Um escritor inglês virou caçador de palavras curiosas, como tingo, em rapanui. Quer saber o que significa?

gisela anauate

Sabe aquela sensação agradável de estar se divertindo e dando risada na companhia de bons amigos? Aquele momento que certamente ficará na memória? Os holandeses conseguem defini-lo em uma única palavra: gezellig. Esse foi um dos achados do escritor inglês Adam Jacot de Boinod.

Seu interesse por línguas estrangeiras surgiu quando era pesquisador de um programa de perguntas e respostas da rede britânica BBC. Consultando um dicionário albanês, deparou com nada menos que 27 verbetes para bigode e outros 27 para sobrancelhas.

A partir desse momento, De Boinod se tornou um colecionador de curiosidades lingüísticas. Juntou tantas que resolveu escrever o livro Tingo: o Irresistível Almanaque das Palavras Que a Gente não Tem, publicado no Brasil pela Conrad.

Em 2007, lançou mais um na Inglaterra, pela editora Penguin: Toujours Tingo (Ainda Tingo, em francês), com 319 páginas de palavras e expressões que dão muitas pistas sobre quem é o povo que está por trás da língua.

Algumas das palavras levantadas pelo autor mostram fenômenos estranhíssimos para nossa cultura. Lelufa é o ciúme entre duas esposas do mesmo homem, em setsuana, língua falada em Botsuana.

Outros vocábulos falam sobre coisas bem familiares, ainda que não tenhamos palavras para elas. Quem nunca se encantou com um wom-ba – o sorriso de uma criança ao dormir, em bakweri, língua de Camarões?

Tingo está na onda de outros best-sellers de cultura inútil, uma febre no Reino Unido. Um exemplo é o sucesso Do Ants Have Arseholes?

(algo como As Formigas Têm Ânus?), de Jon Butler e Bruno Vincent, primeiro lugar nas vendas de Natal. Esses títulos são chamados pelos britânicos de “loo books”, livros para serem lidos no banheiro.

Para figurar ao lado dos vasos sanitários ingleses, no entanto, De Boinod pesquisou 280 línguas, lendo pilhas e pilhas de dicionários.

Em um deles, encontrou a palavra que deu título a seus livros: tingo, em rapanui, idioma da Ilha de Páscoa, é pegar muitas coisas emprestadas da casa de um amigo, até que não sobre nada.

Tingo é uma obra tão interessante que seus leitores podem incorrer no hinmekuru, do japonês “virar a página violentamente”. Afinal, a palavra seguinte pode ser ainda mais engraçada.

Vexame na festa

Tartle, no inglês da Escócia, é um verbo usado para aquele momento constrangedor em que você vai apresentar alguém e surge um branco. “Esse aqui é o... hum... peraí que vou pegar uma bebida.”

A única saída é mesmo encher a cara. Falando em álcool, rangi-changi é nepalês para “bêbado”. Literalmente, quer dizer “ligeiramente multicolorido”.

Na Rússia, quando você chega tarde a uma festa e quer atingir rapidamente esse estágio policromático, entra em cena o daganyat’sya, expressão que significa “beber para ficar tão bêbado quanto os outros”.

O corpo feminino

Os italianos são loucos por mulher. Celulite? Ninguém nota. Já buço pode até ser bonito. Baffona é uma bela mulher bigoduda, em italiano. Os japoneses são cheios de expressões para elogiar – e sobretudo detonar – o físico feminino.

Daburu bikkuri é usado pelos atendentes de lojas para designar a mulher que parece tão bela de longe, que até provoca espanto. No entanto, ao se aproximar do balcão, a moça se revela um tribufu e acaba provocando um susto no pobre vendedor.

A expressão literal quer dizer “choque duplo”. Já os noruegueses preferem metáforas marítimas: sjotstyggé uma pessoa tão feia que, se for ao litoral, afasta a maré.

Cantando um chorinho

Chantepleurer é cantar e chorar ao mesmo tempo, em francês. Depois de uma sessão de cantoria-choradeira, à Edith Piaf, as conseqüências são visíveis.

Sekgamatha, em setsuana, de Botsuana, é a sujeira que fica na cara e nos olhos depois de derramarmos muitas lágrimas. Quem canta também pode incorrer no yaourt.

A palavra francesa, que quer dizer iogurte, é usada quando o cantor não sabe inglês e fica só enrolando na letra. “Embromation”, em resumo. Seguindo essa lógica, poderíamos chamar karaokê de coalhada.

Homens e lobos

Okuri-okami, em japonês, é um homem que finge ser cuidadoso, oferecendo-se para encontrar uma garota em casa, quando na verdade quer molestá-la assim que entrar pela porta. Literalmente, a expressão quer dizer “lobo te-vejo-em-casa”.

Mas, se a garota realmente quiser dar uma de Chapeuzinho Vermelho, melhor não levar a vovozinha ao encontro com o lobo. Afinal, ninguém gosta de tocar el violin, que, no espanhol dos chilenos, é o mesmo que “segurar vela”, no português do Brasil.
Oi, tudo bem?

Quando pergunta “tudo bem” a um colega, você não espera um relato preciso de suas alegrias e angústias, certo? Errado. Para muitos, o conceito de pergunta retórica não é tão claro.

É por isso que os russos usam a expressão nudnyi para chatos que desfiam uma ladainha quando tudo o que você quer é ouvir um “tudo bem, obrigado”. E tem gente que faz pior que achar que você é psicólogo de plantão.

Em tibetano, gadrii nombor shulen jongu é, literalmente, “dar uma resposta verde a uma pergunta azul”. Serve para vários políticos brasileiros, especialistas em fugir de perguntas capciosas dando respostas nada a ver.

O estranho mundo do escritório

Há várias maneiras de se gabar de seu status. Spesenritter, em alemão, é alguém que se mostra para os outros pagando a conta com o dinheiro da empresa.

Os gurus de auto-ajuda para executivos não devem aprovar essa arrogância. Mas eles podem concordar com o digdig – em manobo, idioma falado nas Filipinas, significa elogiar uma pessoa pelos atributos que ela não tem, de forma a encorajá-la a desenvolver essas qualidades.

Às vezes, no entanto, nem um líder competente consegue estimular alguns funcionários. Bulat, na língua falada em Maguindanao, também nas Filipinas, quer dizer “fobia de certos empregos”. Será que não existe uma palavra para “fobia de todos os empregos”?

A estupidez humana

Gugbe janjou, em tibetano, é uma pessoa estúpida tentando ser esperta. Tarefa difícil. Spruchkasper, em alemão, é um bobo cheio de frases sábias.

Aquele cara arrogante que cita Nietzsche e Hemingway sem nunca tê-los lido e sem entender a própria citação que está fazendo.

alta de humor inteligente também é erro grave em vários idiomas. Jayus, em indonésio, é alguém que tenta fazer uma piada tão sem graça que você acaba rindo de qualquer jeito.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008


JOSÉ SIMÃO

Masp Urgente! Chutaram os Bardi!

Sabe porque a Chupinsky não processou o Clinton? Porque engoliu as provas! Rarará!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!

E duas loiras estavam se bronzeando quando uma perguntou: "Qual o seu protetor?". E a outra respondeu: "Santo Expedito!" Rarará!

E a loira da vez é a Hillary: a Marta dos gringos. Diz que a Hillary ligou pra dona Marisa: "O problema do Clinton é que ele pensa com o pinto". E a dona Marisa: "E o problema do Lula é que ele pensa com o cérebro". Rarará!

E se a Hilária Pinton ganhar, ela vai se vingar. Só de vingança, ela vai contratar um estagiário. Pro Salão Oval. Oval de ovo. Salão Dois Oval! Rarará!

E sabe como era o pouso do avião do Bill Pinton? O comandante anunciava: "Favor apertar os cintos, fechar as mesinhas e botar a estagiária na vertical".

Esse é o problema do Bush: ele não tem estagiária! E sabe porque a Monica Chupinsky não processou o Clinton?

Porque ela engoliu as provas! Rarará! E uma amiga minha disse que o sexo na casa dela tá cada dia mais fantástico: uma vez por semana, domingo à noite!

E o Masp tá sendo chamado de Museu Tabajara! Forte esquema de segurança pra DEVOLUÇÃO dos quadros! Pra roubar foi moleza, mas pra devolver, foram seis viaturas, cem policiais, helicóptero e rede de TV ao vivo!

Um Picasso que parece o retrato do Sylvester Stallone! E um Portinari que parece o Alexandre Frota! Um Debret que não é Debret!

E a polícia disse que os quadros estavam no Leste Europeu, mas os acharam na região da zona leste de São Paulo!
Pelo menos acertaram no leste.

Cinqüenta por cento. Chutaram os Bardi! Rarará! É mole? É mole, mas sobe! Ou, como disse aquele outro: é mole, mas chacoalha pra ver o que acontece! Antitucanês Reloaded, a Missão.

Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês.

É que em Olinda, Pernambuco, tem um restaurante francês chamado La Mer, e aí abriram uma barraca em frente chamada La Merdinha. Rarará! Mais direto, impossível! Viva o antitucanês! Viva o Brasil!

E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Comemorar": dois direitos básicos de todo companheiro: comê e morá!

Rarará! O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno! Acorda Brasil! Que eu vou dormir! Rarará!

simao@uol.com.br

Uma ótima sexta-feira e um excelente fim de semana mesmo com chuva e temperatura super elevada por aqui.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008



10 de janeiro de 2008
N° 15474 - Nilson Souza


Propósitos

Aí vão minhas cinco resoluções para o Ano-Novo - sem a pretensão de que possam inspirar alguém, mas com o indisfarçável objetivo de que este compartilhamento público me constranja a cumpri-las.

Neste ano que chegou luminoso e promissor, separarei pelo menos uma manhã por semana para saboreá-la ao meu gosto, sem a obrigação de levantar cedo, sem a urgência de qualquer compromisso, sem a necessidade de enfrentar o trânsito, consultar o relógio ou fazer compras. Minha preferência é pelas quintas-feiras.

Portanto, não contem comigo na manhã de hoje, porque provavelmente estarei caminhando sem rumo e sem vontade de voltar, embora consciente de que o encanto do alienamento quebra-se ao meio-dia.

Mesa limpa. Meu segundo propósito é manter minha mesa de trabalho livre de papéis inúteis, leituras adiadas, envelopes usados, canetas sem tampa ou qualquer outro material que incite o espírito ao desleixo e à inércia.

Sei que isso parece obsessão, respeito quem consegue produzir no meio da bagunça, mas me sinto melhor e mais inspirado olhando para uma superfície limpa do que para uma pilha de revistas e jornais velhos.

Pretendo, também, organizar minhas leituras. Terminei 2007 com muitos livros começados e uns poucos concluídos. Mas li do início ao fim, no último dia do ano, um dos meus presentes de Natal - o amargo Homem Comum, do norte-americano Philip Roth.

Em 2008, pretendo virar últimas páginas de livros cuidadosamente selecionados pelo menos uma vez por mês.

E serei implacável com textos que me bloquearem os neurônios. Estes não ficarão mais nas torres gêmeas da minha mesa de cabeceira.

Também usarei este ano que ninguém usou ainda para dar mais atenção aos verdadeiros tesouros da rotina - os afetos familiares, os amigos, as crianças, os pássaros, as borboletas e os lírios do campo.

Por fim, planejo abolir a pressa do meu vocabulário. Li outro dia um interessante artigo que rotulava a pressa como presumível oitavo pecado capital, esquecido pelo açodado legislador na ânsia de terminar logo o seu regulamento. Pois bem, meu quinto propósito é revogá-lo, nem que leve o ano todo.

Sei que vivemos na era da instantaneidade, das respostas rápidas, das decisões definitivas. Digite-se e cumpra-se. Mas vou fazer esse exercício. Aliás, já comecei: tanto que só estou concluindo os meus propósitos de Ano-Novo agora, quando 2008 já chega ao seu 10º dia.

Manhã livre, mesa limpa, um bom livro, amigos e afetos, nenhuma pressa... Acho que estou precisando de férias.

Uma excelente quinta-feira para todos nós, ainda com temperatura muito alta neste Rio Grande.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008


JOSÉ SIMÃO

Buemba! Lula lança IPOD!

O presidente acaba de lançar mais um imposto: Imposto sobre Praias, Ondas e Derivados

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!

E o Lula acaba de lançar mais um imposto: o IPOD! Imposto sobre Praias, Ondas e Derivados! Tributaram o verão!
E já começou o "BBB", Big Bagaça Brasil ou Big Barriga do Bial.

Aliás, o Bial é aquele que escreveu a BIALgrafia do doutor Marinho! E a definição definitiva de reality show: um monte de gente sem nada pra fazer assistindo um monte de gente fazendo nada. Ou, como definiu a Grazi: "O "BBB" é muito bom para o auto-conhecimento de si mesmo".

O que prova que passar pelo "BBB" provoca um alto conhecimento! Rarará! E reality show é ficar trancado no elevador com a Heloísa Helena!

E só dois lugares têm movimento em janeiro: barraca de caipirosca e pedágio.

E eu acho engraçado que agora você pode pagar o pedágio com cartão. Antes você usava o cartão pra ir pra Miami. Agora você usa o cartão pra ir pra Cubatão!

E continua o bolão da Amy Winehouse. Quem acertar a data da morte da Amy ganha um iPod. Com as músicas da Britney Spears. Rarará!

Que aliás foi eleita a mais malvestida do ano passado. E quem está interessado na Britney vestida? Ela tinha que ganhar a MAIS MENOS vestida.

E o Lula tem a língua plesa e o Zé Dirceu tem a língua solta! Aliás, com aquele sotaque do Mazzaropi tá mais pra "sôrta" que pra solta!

É mole? É mole, mas sobe! Ou, como diz aquele outro: "É mole, mas trisca pra ver o que acontece!". Antitucanês Reloaded, a Missão.

Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo hilário de antitucanês.

É que em Ubatuba, aqui no litoral paulista, tem uma pousada chamada Pousada da Charuta, Onestidade e Igiene. Rarará!

Mais direto, impossível. Viva o antitucanês! Viva o Brasil! E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio

lulante. "Nostalgia": companheiro com saudades das nozes de Natal. Rarará! O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno.

E quem não tiver colírio pode pingar silicone com água oxigenada pra ver o mundo loiro e de peitão! E vai indo que eu não vou!

simao@uol.com.br

Neste Dia Internacional do sofá tenhamos todos um bom dia.


09 de janeiro de 2008
N° 15473 - Martha Medeiros


Tudo bem?

Você pergunta se está tudo bem para mais ou menos 25 pessoas a cada dia. Não fiz as contas, mas deve ser esta a média. Seja na rua, no escritório, ao telefone ou dentro do seu prédio, você dispara um monte de "tudo bem?", variando às vezes com um "tudo bom?" ou "como vai?".

Seja quem for o destinatário do seu cumprimento, ele responderá que sim, está tudo bem. Na pior das hipóteses, responderá "tudo indo".

Pode parecer uma resposta mal-humorada, mas é preferível alguém responder "tudo indo" do que desfiar um rosário de queixas. Se não está tudo bem para o indivíduo, ele respondendo "tudo indo" já sabemos que poderia estar melhor, só que ele está nos poupando dos detalhes. É uma criatura educada.

O problema é que a gente se sente meio culpado em ficar quieto depois de um "tudo indo". Tudo indo pra onde? Ribanceira abaixo?

De mal a pior? Seguidamente cruzo com uma moça com quem simpatizo mas não tenho intimidade, e a cada vez que pergunto a ela se está tudo bem, ela me responde "tudo indo" com um jeito de quem vai cair em prantos.

Há pelo menos um ano que está tudo indo pra ela. E eu fico torcendo para que esteja tudo indo às mil maravilhas, que tudo esteja indo de vento em popa, indo melhor do que o esperado. Mas não é nada disso que sugere o olhar sorumbático dela.

Na verdade, todos nós estamos indo, que é melhor do que estar tudo parado. Estamos indo rumo a novas eleições para prefeito, indo rumo a contas mais arrochadas, indo rumo a pessoas que ainda não conhecemos, indo rumo a dias melhores, a dias piores e, encaremos: indo rumo à morte, se me permite ser uma desmancha-prazer. É duro, mas a outra opção é estacionar, não ir a lugar algum.

Eu estou bem e estou indo. Não conheço ninguém que não esteja indo. Não significa que todo "indo" seja um deixar-se levar sem entusiasmo. Estamos indo rumo às férias, rumo ao Carnaval e rumo a novos acontecimentos. Parece bom.

Se eu continuar sem inspiração como hoje, o único rumo que vou tomar é o do departamento de RH para acertar minhas contas. Como você pode comprovar, aqui nest a coluna, tudo indo. Às vezes, sem norte algum, mas indo.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008



08 de janeiro de 2008
N° 15472 - Liberato Vieira da Cunha


Luar de verão

Convivo cordialmente com uma Porto Alegre divorciada dos calendários. Por toda esta área do Centro, a paisagem mudou. Quadras inteiras se transformaram em paredões de aço, cimento e vidro, engolindo meias-águas e sobrados.

Há, contudo, um trecho que sobreviveu a andaimes e elevadores. Fica bem aqui perto, em trechos da Demétrio Ribeiro, da Fernando Machado, da General Auto e adjacências.

Supondo que você saiba o que é a palavra adjacência, não deve desconhecer o que venha a ser relíquia. Pois é o que são essas casas das redondezas.

Enxertadas aqui e ali por uns raros edifícios, mantêm-se como eram há 80 ou 90 anos, para ficar apenas nas mais jovens.

Não compõem um bloco harmônico. Um quarteirão pode começar com umas moradas de porta e janela e converter-se sem aviso numa formação de vivendas de três andares.

O que resta, apesar de tudo, é um equilíbrio de modos e de idades absolutamente ausente no sobrante da Capital, descontados os modernos condomínios, mas não é disso que estou falando.

Ao que a paisagem denuncia, houve nas duas ou três décadas iniciais do século passado uma espécie de tranqüilo boom imobiliário.

Senhores de vastos terrenos, nesta zona que não é bem Centro, nem Cidade Baixa, ou preencheram espaços baldios, ou converteram ranchos em habitações dignas do nome, ou, ainda, ergueram, de pisos térreos, solares com o gosto da altitude.

Ainda ontem passei por ali.

Olhei menos a arquitetura em pedra do que essa cimentada em vida.

Naquela esquina deve ter vivido o dono de um armazém de secos e molhados. Chamava-se talvez Manuel e tinha orgulho de seus bigodes e de uma ida noite de paixão com uma Inês, no outro lado do Atlântico.

Num quarto daquela pensão morou um estudante de Farmácia, que mais de fórmulas cuidava do coração de uma vizinha, a qual ele tratava com a infinita aplicação dos enamorados pelas ciências do amor. E no sótão daquele torreão sobrevivia uma moça tão bela quanto abandonada.

De dia lavava escadas e assoalhos. Mas à noite, por uma mínima janela, flertava, encantada, com o luar de verão.

Uma ótima terça-feira, especialmente a você, mesmo com temperatura acima de 30 graus e com sol forte neste Rio Grande do Sul.

sábado, 5 de janeiro de 2008



06 de janeiro de 2008 | N° 15470
Martha Medeiros


Grisalha? Não, obrigada

Nenhuma mulher, em pleno gozo de suas faculdades mentais, diria que não dá a mínima para seu cabelo

Certa vez, por ocasião do Dia dos Pais, escrevi uma crônica chamada A Dignidade do Grisalho, defendendo que os homens deveriam pensar muito antes de pintar o cabelo, já que o grisalho lhes dava muito mais credibilidade, charme e juventude - isso mesmo, juventude. Citei Giorgio Armani como um desses garotos.

Em contraponto, disse que entendia perfeitamente que mulheres pintassem o cabelo, já que em nós o grisalho passa uma idéia de relaxamento e raramente nos cai bem.

Pois descubro que um dos livros mais comentados por aí tem sido Meus Cabelos Estão Ficando Brancos, Mas Eu me Sinto Cada Vez Mais Poderosa, da americana Anne Kreamer, que, depois de extensa pesquisa de campo, defende que as mulheres não perdem nada em manterem suas melenas ao natural.

Anne defende que ficar grisalha é um ato político, de afirmação. Uma outra espécie de vaidade, muito mais honesta. Com suas mechas acizentadas, as mulheres, como os homens, também ganham mais credibilidade, charme e, por que não, até juventude.

Todos sabem: cabelos escuros, depois de uma certa idade, endurecem o semblante - e eu, que sou praticamente uma índia, não quero escutar mais nada: vou acabar essa crônica e ir pra cama chorar.

Ou seja, aquele truque de ficar loira pra não ficar velha estaria com os dias contados. Nem loira, nem ruiva, nem castanha, nem índia Sioux. Grisalha. É essa a verdadeira mulher moderna, de atitude.

Conceitualmente, concordo com tudo. Menos com a generalização. Que mulher é essa que só tem a ganhar? Qualquer uma de nós? Tá bom.

Recentemente estive no teatro e vi uma mulher com os cabelos curtos e grisalhos. O rosto dela era igual ao da Jaqueline Bisset nos áureos tempos.

Tinha quase dois metros de altura, magérrima e superestilosa. Ela nem precisava de cabelo nenhum, podia ter um balde em cima da cabeça e continuaria um deslumbre.

Mas para a mulher comum, que não chega a medir 1m65cm, que não tem corpo de modelo nem um guarda-roupa estiloso e ainda por cima quer manter os cabelos compridinhos, assumir a grisalhice é um homicídio qualificado contra si mesma.

A autora do livro condena a busca por uma aparência mais jovem. Concordo que não devemos entrar nessa neura: cada uma de nós pode ser atraente na idade que tiver.

Mas o livro trata todas as pró-tinturas como mulheres patéticas que querem ter 18 anos para sempre. Nunca é levantada a hipótese de desejarmos apenas ter uma relação cordial com nosso espelho, mirar-se sem ter vontade de gritar.

O assunto não é sério, mas totalmente trivial também não. Que mulher, em pleno gozo das suas faculdades mentais, diria que não dá a mínima pro cabelo?

Eu, por enquanto, nem penso em cirurgias, botox ou preenchimentos, tenho pânico só de pensar em escarafunchar meu rosto - não que eu não precisasse - , mas me acusar de não ter atitude porque passo um tonalizantezinho de nada já é querer humilhar.

Tenho atitude, sim, principalmente a atitude de pegar o telefone e marcar hora no cabeleireiro. Quem fala que isso é perder tempo não sabe que bela companhia é um livro enquanto a tintura age. Leve um livro pro salão e ganhe cultura enquanto "perde tempo".

Um cabelo branco, todinho branco, e bem curtinho, acho um charme total. Funciona porque branco é cor. Grisalho é o quê? Cansaço.

Excelente domingo, na praia, no sítio ou na serra. Aproveite.


06 de janeiro de 2008
N° 15470 - David Coimbra


Encontro com Kafka

Tenho cá, incrustada numa estante da minha pequena biblioteca, a História da Literatura Ocidental, de Otto Maria Carpeaux.

Trata-se de uma obra monumental, que se espraia por oito alentados volumes de texto tão informativo quanto saboroso. Em português.

Faço essa ressalva porque Otto Carpeaux era austríaco, veio para o Brasil fugido da Segunda Guerra Mundial e aqui, depois de se tornar íntimo da língua de Camões e Wianey Carlet, é que escreveu sua grande História da Literatura.

O detalhe é que, ao evadir-se às pressas do Velho Mundo, Carpeaux lá deixou a sua, essa sim, enorme biblioteca, exatamente a fonte de consulta com a qual teria de contar para escrever o seu livro. Quer dizer: Otto escreveu tudo...de memória!

Digo isso para deixar claro quem é o homem. Feitas as apresentações, conto que Otto Carpeaux, como seria de se esperar, tinha vasta admiração pelo escritor tcheco-alemão-judeu Franz Kafka. Mais: Otto Carpeaux conheceu Kafka.

A história desse encontro me encantou. Em 1921, Berlim era a capital do mundo intelectual. Tudo de novo, vivo e pulsante acontecia lá.

Otto vivia na cidade como estudante universitário e candidato a escritor, e, a exemplo de todos nessa condição, freqüentava o Café Românico, o correspondente ao Les Deux Margots para os existencialistas de Paris, duas décadas depois.

Algumas mesas do bar estavam reservadas para os já famosos, Heinrich Mann, Arnold Zweig, Werfel. Dessa região, nenhum mortal ousava se aproximar, a não ser que fosse convidado.

Uma noite, o Românico estava especialmente agitado. Não apenas pela presença dos intelectuais, mas também porque entre eles circulava com suas longas pernas uma famosa atriz alemã que granjeava fama de Messalina.

Todos em volta dela, aquela coisa, aquela excitação. Carpeaux, meio desasado, retirou-se para um canto da janela, já ocupado por um rapaz "franzino, magro, pálido, taciturno".

E continua Carpeaux: "Eu não podia saber que a tuberculose da laringe, que o mataria três anos mais tarde, já lhe tinha embargado a voz. Apresentou-se: Kauka.

Não entendi, perguntei: Como é o nome? Repetiu: Kauka. Não sabia eu outra coisa para dizer que: Muito prazer. E esse foi o diálogo todo; não muito espirituoso, mas histórico.

Ao sair, perguntei a um amigo: Quem é aquele rapaz magro com a voz rouca? Respondeu: É de Praga. Publicou contos que ninguém entende. Não tem importância".

Os encontros e desencontros de Carpeaux com Kafka não terminariam aí. Cinco anos depois, ele foi até a editora berlinense Die Brücke (A Ponte) a fim de tentar receber por alguns trabalhos que prestara à casa.

O diretor deixou-o esperando por mais de meia hora. Não tendo o que fazer, Carpeaux olhou para os lados e viu uma pilha de livros, todos iguais. Tomou um, abriu-o e começou a ler.

Era a primeira edição de "O Processo", de Kafka. Carpeaux estava distraído, lendo sem prestar muita atenção ao texto, quando um tapa nas costas o surpreendeu. Era o diretor.

- Pagar não posso, meu caro - disse-lhe. - Mas, se você quiser, pode levar, como pagamento, esse volume e mesmo a tiragem completa.

O Max Brod, que teima em considerar um gênio esse amigo dele, já falecido, me forçou a editá-lo. É uma droga. Não vendi nem três exemplares. Pode levar tudo!

Carpeaux não aceitou a proposta. Ficou apenas com o volume que havia aberto e o resto foi vendido como papel de embrulho. Justamente aquele volume foi um dos poucos livros que ele conseguiu trazer para o Brasil, durante a Segunda Guerra.

Se tivesse topado o curioso pagamento do editor, Carpeaux seria um homem rico. Mas quem poderia imaginar que Kafka se transformaria no mais célebre, mais cultuado e mais poderoso escritor entre todos os freqüentadores do Café Românico?

Kafka só foi se tornar Kafka muito depois de morto, o que não é incomum em se tratando de escritores. É preciso haver certo distanciamento histórico para apreciá-los como devem ser apreciados.

Com jogadores de futebol, hoje, acontece exatamente o contrário. A fama lhes chega antes da obra. São craques antes de ter jogado. Vide Alexandre Pato.

Não jogou seis meses como profissional, não fez nada realmente importante, mas já tem salário de ídolo, cobertura da imprensa de ídolo e namorada de ídolo. Imagine quando jogar!

Mas, ainda que não jogue, ainda que Alexandre Pato gore, algo se pode dizer: em vida, já foi mais venturoso do que o infeliz Franz Kafka.

André Petry

Será mais um basta?

"O problema no trânsito, como em tudo o que se refere ao crime, está onde sempre esteve: na impunidade. Pena mais dura nunca
resolveu nada. Fosse assim, pena de morte seria barbárie, mas eficaz, e não é"

O Brasil talvez seja o único país em que quase toda família tem para contar um caso de assalto, um acidente de trânsito e uma campanha de basta.

Somos cheios de bastas. Não adianta nada porque basta de brasileiro é como promessa de político: só vale no calor da hora. Qualquer cidadão já ouviu falar em campanha de basta de violência no trânsito. Não deve haver capital no país que não tenha feito a sua.

Agora, com a matança nas estradas brasileiras no Natal, quando se deu a trágica confluência de aumento da frota, estradas esburacadas e motoristas amalucados, devem acontecer mais bastas.

O ministro da Justiça, Tarso Genro, já anunciou o seu. Até o fim do mês, vai lançar o remédio ao qual toda autoridade recorre na emergência: pacote.

O tal pacote deve prever penas mais duras, talvez até com o polêmico confisco do carro do reincidente. Seria ótimo se funcionasse, mas o problema brasileiro no trânsito, como em tudo o que se refere ao crime, está onde sempre esteve: na impunidade. No país onde é preciso repetir o óbvio, é óbvio que pena mais dura nunca resolveu nada.

Fosse assim, pena de morte seria barbárie, mas eficaz, e não é. O que combate a impunidade é uma coisa singela: punição. Pode até ser pequena, mas tem de existir.

Nos Estados Unidos, Paris Hilton passou 23 dias em cana por dirigir embriagada. Mel Gibson tomou pena de três anos sob liberdade assistida.

Em 2005, quase 1,5 milhão de americanos foram autuados por dirigir bêbados. Para ser punido, não precisa ter causado um acidente. Basta ter bebido. E aqui?

Em dezembro de 1995, Edmundo, o jogador de futebol, causou um acidente que matou três pessoas. Foi condenado a quatro anos e meio de prisão. Entrou com recurso para reduzir a pena. Não deu.

Tentou de novo. Não deu. Tentou outra vez. Também não deu. Tentou sete vezes. Perdeu todas. Mas, passados doze anos, até hoje não foi para a cadeia.

Em 2004, numa cena inesquecível da antologia da impunidade nacional, Edmundo foi visto no desfile da Mocidade Independente. O enredo, patrocinado pelo Detran, era Não Corra, Não Mate, Não Morra. Como deboche, uma pérola.

Num caso recente, alguém apostaria um vintém na prisão do promotor Wagner Juarez Grossi? Em outubro passado, o promotor atropelou e matou um casal e uma criança de 7 anos em Araçatuba, no interior paulista.

Estava com "embriaguez moderada". Se pegar menos de quatro anos de prisão, Gross não irá para a cadeia. Será triplo homicídio punido com serviços à comunidade.

O festival de impunidade resulta de uma sociedade mal-educada e permissiva, que aceita tudo depois do último basta. Campanhas educativas, portanto, são fundamentais, mas as autoridades torram dinheiro público com panfletos repetitivos, apelos insípidos, mensagens anódinas.

Em Brasília, o jornal Correio Braziliense fez uma campanha agressiva, criativa e certeira há alguns anos. Resultado: os motoristas da capital até hoje respeitam a faixa de pedestre. Agora, a RBS, o maior grupo de comunicação do Sul, lançou uma campanha inovadora.

Voltadas para jovens e homens, as peças publicitárias trazem belas atrizes globais ao lado da frase: "Se o cara é rapidinho no trânsito, deve ser rapidinho em tudo". O país todo ganhará se a campanha não virar apenas mais um basta.

Ponto de vista: Lya Luf

A dignidade humana

"Enquanto houver uma cela cosm 100 presos onde caberiam quarenta, enquanto houver pátios sujos de sangue, urina e fezes, enquanto houver tortura e injustiças, não teremos direito de falar em lei e direito neste país"

O presídio, pequeno e de um só andar, a que chamávamos "a cadeia", ficava na outra esquina, em diagonal com a esquina de nossa casa. Acordada no escuro, às vezes a menina que eu era escutava gritos vindos de lá.

"Deviam estar batendo em algum dos presos", me diziam de manhã. Aquilo era uma peça perdida no interessante quebra-cabeça do mundo que eu estava descobrindo e já amava.

Pois, há alguns anos, um telefonema da diretora do presídio feminino da cidade onde resido comunicou-me que estavam instalando uma biblioteca para as presidiárias. As "apenadas" queriam dar meu nome ao local.

Ela me consultava para saber "se eu não me ofenderia com isso". Ao contrário, respondi, eu me sentia honrada, de verdade.

Meses depois, novo telefonema: a biblioteca estava pronta, queriam que eu fosse inaugurá-la. Antes, uma visita ao lugar. Refeitório, oficina, ateliê, algumas celas com berços para os filhos – várias presas tinham crianças pequenas, que até certa idade poderiam ficar com a mãe – e a modesta biblioteca me pareceram normais. Havia setores onde não pude entrar. Imaginei que seriam as solitárias.

Não acredito que fossem o chiqueiro imundo de presídios que conheço via imprensa e outros relatos, mais uma prova de que o ser humano tem um lado sombrio preocupante, pois aquilo não é decidido e administrado por psicopatas, mas por pessoas no cumprimento da lei (as perguntas seriam: que pessoas e que leis?).

Vendo minha emoção, minha acompanhante dizia: "Não se impressione demais, aquela vovozinha desdentada matou os três filhinhos da amante do marido. Aquela moça com cara de anjo esfaqueou e mutilou o marido, que a traía". Mas a maioria dos casos, ela me disse, era de "crimes do coração".

Mulheres de todas as idades estavam ali em lugar de seu companheiro: numa batida policial, o traficante botara a droga embaixo do travesseiro, nas roupas dela ou do bebê, e fugira. Apanhada, a pobre fora para a prisão no lugar dele, e em geral elas aceitavam tudo sem o acusar.

No fim da visita, hora de inaugurar a biblioteca, descerrando a placa que me deixaria presente ali definitivamente. Fiquei aflita. O que dizer àquelas mulheres, algumas jovenzinhas, outras já envelhecidas, olhos magoados de criança surrada ou duros como punhais? Eu não havia preparado nada. Não dou conferências.

Converso com as pessoas, divido com elas minha curiosidade ou reflexões. Ali fiquei insegura, me senti pequena, quase miserável – tudo o que eu dissesse estaria errado.

Logo eu voltaria para as ruas, para minha casa, para minha família. Elas ficariam lá, justa ou injustamente, por alguns anos, muitos anos, a vida toda.

Entendi que a única saída era a sinceridade: disse-lhes sem rodeios que estava me sentindo mal, que não tinha palavras, que me incomodava a liberdade de sair em seguida, enquanto elas ficariam.

Não me importavam, ali, nem justiça nem injustiça. Importava o que poderia lhes dizer de pessoa para pessoa.

Lembrei, então, a frase de meu pai para alguém que o visitava quando eu era mocinha, e que me foi relatada anos depois. Estendendo a mão para as fileiras de livros em suas paredes, meu pai apenas disse: "Estes são os meus amigos".

Pois para elas, ali prisioneiras, os livros também poderiam ser conforto e distração. Porta e janela para o mundo. Aula de psicologia, de história, de qualquer matéria. Momento de beleza. Hora de chorar.

Ocasião de abrir os olhos para qualquer coisa que ajudasse a diminuir a dor e dar esperança.

Possibilidade de conhecimento de si, dos outros, de tudo. Entre as modestas prateleiras, estava algo que ninguém poderia lhes tirar: a liberdade de pensar e de sentir, a liberdade de ser gente.

Recordei aquele episódio lendo outro dia notícias sobre a moça presa entre dezenas de homens: ser menor de idade era um detalhe, pois mulher alguma, dos 8 aos 80, pessoa alguma, homem, mulher, adolescente ou criança, pode ser tratada como um animal.

Aliás, corrijo: animal algum pode ser jogado no lixo, em uma cela imunda, apinhada de seres desesperados, enquanto lá fora, nos tribunais e nas cortes, se pronunciam em tom solene palavras pernósticas e frases complicadas sobre justiça, direito e lei.

Enquanto houver uma cela com quarenta homens ou mulheres quando lá caberiam dez, com 100 quando caberiam quarenta, enquanto houver pátios sujos de sangue, urina e fezes, enquanto houver tortura, maus-tratos e injustiças que gritam aos céus, não teremos direito de falar em lei e direito neste país.

Seremos todos, direta ou indiretamente, malfeitores.

Lya Luft é escritora

rafael pereira

"É duro ver um filho paralítico"

O drama do jovem baleado em um assalto no Réveillon contado por seu pai, que também é médico

Uma face pouco conhecida do trabalho de Lídio Toledo, médico da Seleção em seis Copas do Mundo, foram os 40 anos de plantões na emergência de um hospital público carioca.

Ali atendeu muitos baleados. Portanto, sabia o que ia encontrar ao visitar seu filho mais velho, Lídio Toledo Filho, o Lidinho, de 35 anos, vítima desse mesmo tipo de violência.

Mesmo assim, seu emocionado relato retrata a tragédia das famílias vítimas do crime. Na noite do dia 31, a caminho de uma festa com a mulher, Silene, Lidinho foi assaltado e reagiu. O casal foi baleado e sobreviveu, mas Lidinho deverá ficar paraplégico.

ENTREVISTA - Lídio Toledo

VIDA: Lídio Toledo nasceu no Rio de Janeiro, onde vive. Tem 75 anos, é casado com a fisioterapeuta Nilka Dionísio e tem três filhos

CARREIRA: Médico ortopedista há cinco décadas, tornou-se conhecido como médico do Botafogo e da Seleção Brasileira de Futebol. Seus três filhos também são ortopedistas. Lidinho, o mais velho, vítima do assalto no dia 31, divide com o pai uma clínica de ortopedia na Barra da Tijuca

ÉPOCA – O que mudou em sua vida?
Lídio Toledo – Mudou tudo. Eu estava em Copacabana, num apartamento de 8o andar de um amigo meu na Avenida Atlântica. Entrei às 23 horas. Às 23h03 meu telefone toca. Era um policial dizendo que meu filho tinha sido assaltado e baleado.

Não houve Réveillon. Pedi desculpas à família e fui correndo ao Hospital do Andaraí. Devo mencionar e agradecer publicamente o magnífico atendimento que meu filho recebeu lá. A equipe de plantão salvou a vida de meu filho.

ÉPOCA – Quando seu filho chegou ao hospital nesse estado, o senhor já estava lá?
Toledo – Sim. Eu estava lá quando ele chegou de ambulância, sangrando e chocado, e não passou por nenhum exame. Seguiu direto para o centro cirúrgico.

ÉPOCA – O senhor já sabia exatamente o que havia acontecido?
Toledo – Logo fiquei sabendo. Os bandidos estão muito bem organizados, e o Estado está mal organizado. Esse é o problema. É só você olhar o plano do assalto, que saiu nos jornais. Botaram um garoto, menor, para ver se havia algum policial.

Só então a primeira moto partiu para o assalto. Como meu filho reagiu e jogou o carro em cima da moto deles, uma segunda moto veio socorrer os bandidos. Era tudo bem planejado, diferentemente do policiamento.

ÉPOCA – Como o senhor descreveria seu filho?
Toledo – Meu filho é um rapaz de 35 s anos, excelente médico ortopedista, magnífico cirurgião, operava quase diariamente, principalmente joelho. Botafoguense doente, jogava futebol, ia sempre à praia...

Ele trabalhava aqui comigo na clínica, era meu braço direito. De repente, fiquei só. Tenho outro filho médico que mora em Florianópolis e um terceiro que ainda está para se formar. Todos ortopedistas também. Mas ele era o único apto a me ajudar aqui.

ÉPOCA – Como o senhor se sente?
Toledo – Estou triste. É ruim ver um indivíduo jovem, esportista, provavelmente ficando paralítico nas pernas. Ele teve uma lesão medular grave.

Mesmo tendo sido bem operado, é provável que seja irreparável. Foram três tiros de (calibre) 9 milímetros, um na mandíbula, outro no antebraço e o terceiro, o pior, atravessou um pulmão, o músculo diafragma e o baço, antes de transpassar duas vértebras.

ÉPOCA – Como médico e pai, o senhor conseguiu manter-se calmo?
Toledo – Você tem de ver o caso sob dois aspectos. Sob o aspecto médico, eu trabalhei 40 anos no pronto-socorro do Hospital Miguel Couto, de modo que estou superacostumado a ver essa situação.

Tinha baleado toda semana – agora é todo dia. E confiei na equipe. O segundo aspecto é o do pai. Sempre fui católico, praticamente criado no Mosteiro de São Bento, e rezei muito, senti muito.

Mas eu tive de bancar o durão, perante a família e os amigos. Alguém tinha de orientar, transferir a mulher dele para outro hospital, ligar para meus colegas de profissão para que meu filho tivesse a melhor assistência. Deixei um pouco o sentimento de lado para tratar do assunto objetivamente.

" Ele pediu um papel e escreveu um recado para a mãe, enquanto estava lúcido: ‘Mamãe, eu estou melhor. Um beijo, Lidinho’ "
ÉPOCA – Seu filho teve a oportunidade de conversar com o senhor?

Toledo – Agora (manhã da sexta-feira 4) ele está dopado, em coma induzido. Antes, ele falou comigo, mas foram pouquíssimas palavras. Inclusive ele pediu um papel e escreveu um recado para a mãe enquanto estava lúcido. “Mamãe, eu estou melhor. Um beijo, Lidinho.”

ÉPOCA – Ele sabe da gravidade da lesão?
Toledo – Ele não sabe ainda.

ÉPOCA – O senhor imagina qual será a reação dele?
Toledo – Você calcule. Um rapaz de 35 anos com paralisia nas pernas, ortopedista e cirurgião... Vamos ter de fazer um trabalho psicológico muito grande para ele reagir a isso.

Vai ser muito complicado. Ele conhece bem a patologia. Se fosse um leigo... Mas ele está por dentro dos sintomas, não terá nenhuma falsa esperança.

ÉPOCA – Como está sua nora?
Toledo – Está melhor. Ela tomou dois tiros, inclusive um no tórax. Mas não foram profundos. As balas já foram retiradas e ela saiu do CTI.

ÉPOCA – O senhor já teve outros casos de violência próximos de seu cotidiano?
Toledo – Já, claro. O filho do delegado Hélio Vígio, que é muito meu amigo, tomou um tiro também. Teve uma lesão medular e está numa cadeira de rodas. Mas eu nunca imaginei que isso acontecesse em minha família. Uma surpresa profundamente desagradável.

ÉPOCA – O que o senhor espera da polícia e da Justiça?
Toledo – Primeiro eu devo dizer que a Polícia Civil foi sensacional. Resolveram o caso, identificaram os criminosos e nos atenderam muitíssimo bem.

Mas o policiamento em geral, atribuição da Polícia Militar, deixa muito a desejar. As ruas estão abandonadas. Nesse dia não havia nenhum guarda na estrada toda. E acho que as leis precisam ser mais duras.

ÉPOCA – Pensa em mudar-se de cidade?
Toledo – Não, isso não. Sou carioca e adoro minha cidade.

REAÇÃO
Lidinho tentou derrubar a moto do assaltante, bateu e foi baleado a sangue-frio

ÉPOCA – Sua rotina mudou?
Toledo – Já mudou tudo. Aqui na clínica, por exemplo. Era meu filho quem fazia praticamente todas as operações. E eu agora vou ter de voltar a operar, quase dois anos depois de parado. A clínica tem de continuar funcionando. Temos doentes marcados, pós-operatórios delicados a fazer. Mas à noite eu fico lá até bem tarde.

No dia 3, passei rapidamente e, no dia 4, já voltei ao trabalho normalmente. Os doentes não têm nada a ver com o que aconteceu. Para mim é muito difícil. Mas durante o trabalho eu acabo me desligando um pouco do caso. É uma maneira de se distrair, o trabalho.

ÉPOCA – E o apoio dos pacientes?
Toledo – O que tem de telegrama, telefonema ou gente que vem aqui falar comigo, mesmo que sem consulta marcada... Quanto ao apoio deles, eu não tenho do que reclamar.

ÉPOCA – E os amigos?
Toledo – Uma palavra especial foi a do doutor João Havelange. Desculpe... (Toledo chora e pede um minuto para se recuperar.) É difícil um homem chorar assim, mas não tem jeito.

Havelange estava em Angra dos Reis quando soube e me telefonou. No dia seguinte, às 7 horas da manhã, estava na casa de saúde. Ele vai lá todos os dias.

Ele me deu conforto e colocou-se à disposição. É um homem extraordinário. Você me desculpa, de vez em quando acontece. Olha que eu estou me prendendo. Sou um cara meio chorão, mas estou me segurando ao máximo. Às vezes despenco. Despenquei.

ÉPOCA – Antes do ocorrido, qual foi a última vez em que o senhor esteve com ele, que conversaram?

Toledo – Olha, eu vou falar uma coisa que achei estranha. No dia do ocorrido, dia 31, fui à praia com ele e a esposa, aqui na Barra da Tijuca mesmo. Não acredito muito nisso, não, mas notei uma grande alteração no comportamento dele. Estava triste e falando o mínimo possível.

Foi à beira da água, ficou em pé de braços cruzados por uns dez minutos, olhando o mar. Eu estava na barraca e estranhei um pouco. Ele sempre almoçava comigo, e eu o convidei, mas ele recusou.

Quando fomos embora, ele foi andando na minha frente, e não ao meu lado. Não acredito em fantasmas, mas que dá para desconfiar de alguma coisa, dá. O que é, eu não sei.

ÉPOCA – Em que momento da vida ele estava?
Toledo – Magnificamente realizado. Contente com a vida.


05 de janeiro de 2008
N° 15469 - A Cena Médica | Moacyr Scliar


Vale a pena escutar

Há pelo menos duas pessoas interessantes na vida de Alexander Graham Bell, o inventor do telefone.

Uma é o imperador Dom Pedro II, que tomou conhecimento do invento de Bell na Exposição Internacional de Filadélfia, em 1876, e ficou simplesmente maravilhado ouvindo Shakespeare pelo aparelho: "Meu Deus, isto fala!".

A segunda pessoa foi a noiva do inventor, Mabel Hubbard, que era grande companheira e incentivadora. Mabel tinha um déficit auditivo, o que levou o dedicado Graham Bell a confeccionar um aparelho para ajudá-la a ouvir melhor.

Tinha o tamanho de um tijolo e funcionava à base de duas grandes baterias. Ou seja, carregar aquilo era um transtorno quase tão grande como o déficit auditivo. E o pior é que não resolvia o problema.

Quem conta essa história é o doutor Luiz Lavinsky, professor da Faculdade de Medicina da UFRGS e um entusiasta da otologia. Ele destaca o enorme progresso na área: os aparelhos auditivos foram os primeiros a utilizar transistor e circuito impresso para melhorar um problema sensorial.

O primeiro equipamento a atuar na interface entre o ambiente e o sistema nervoso central foi o implante coclear - a cóclea, que tem forma de caracol, é a parte interna do ouvido, essencial para a transmissão do som ao cérebro. Hoje, implanta-se ali um chip capaz de mandar 80 mil sinais para as terminações nervosas.

E as próteses diminuíram de tamanho: do "tijolo" de Graham Bell chegamos hoje às dimensões de um grãozinho de feijão, com a prótese pesando menos de oito gramas.

Esse progresso corresponde a uma necessidade real: cerca de 10% da população tem algum tipo de problema auditivo. Em até 80% dos casos, há solução satisfatória.

Mas é preciso saber encaminhar as coisas. A surdez é um problema em si, mas é, sobretudo a manifestação de uma doença, inclusive tumoral.

E doença quer dizer médico. Como diz o doutor Simão Piltcher, expoente da otologia em nosso meio, a escolha do equipamento tem de ser orientada por um especialista da área.

Caso contrário, poderá representar perda de tempo e de dinheiro e uma frustração que muitas vezes é endêmica entre pessoas que têm esse problema.

Uma velha anedota fala de um homem já idoso que tinha um déficit auditivo severo, mas que se recusava a tomar qualquer providência a respeito. Aos filhos que insistiam com ele, dava uma seca resposta: "Hoje em dia não há mais nada que valha a pena escutar".

Ou seja, uma teimosia que só podia prejudicá-lo e que mostra uma verdade evidente: pior que não escutar os sons do mundo é não ouvir a voz da razão.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008


JOSÉ SIMÃO

Socuerro! Fila pra entrar no mar!

As praias estão tão lotadas que pra entrar no mar tem que pegar senha na prefeitura!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

Direto do País da Piada Pronta! Direto do planeta da piada pronta: sabe como se chama o filho e herdeiro político da Benazir Bhutto? BILAW. Bilau Bhuto!

Esse devia ser o representante internacional do meu PGN, Partido da Genitália Nacional! Bilau Bhuto do Baquistão!
E já tô com saudades de 2007!

Principalmente da última semana! Eu só voltei da praia porque botaram a rede pra lavar. Fui despejado da rede. Aliás, as praias estão tão lotadas que tem fila pra entrar no mar. Tem que pegar senha na prefeitura. Rarará!

E a primeira coisa que eu vi neste ano foi a Ana Maria Braga. Com o cabelo parecendo cacho de banana! E eu conheci um piloto da TAP que me contou que turbulência em Portugal é abano!

Senhores passageiros, apertem os cintos, permaneçam sentados que VAMOS ABANAR! Será que eles abanam no inverno também ou é só no verão? Senhores passageiros, apertem os cintos que estamos atravessando uma zona de abano.

Zona de Abano Urgente! Lamento informar que começou o ano fiscal: IPVA, IPTU, IPI. Ih, me ferrei. Esse devia ser o novo imposto do Lula; IMF. IH... ME FERREI! Isso que é zona de abano! Rarará!

E sabe por que tributo se chama tributo? Porque a gente recebe os carnês de três em três. De manhã, recebe três, à tarde recebe mais três e à noite, trinta e três!

Por isso que a árvore símbolo do Brasil é o ipê: IPÊVA, IPÊTU! Rarará! E essa: cobra confunde bolas de golfe com ovos na Austrália.

Pior aquela minhoca que entrou num prato de espaguete pensando que era uma suruba! E a pergunta que todo ano faço às minhas leitoras: entraram ou foram entradas?! Rarará! É mole? É mole, mas sobe! Ou, como diz o outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece!

Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo hilário de antitucanês.

É que no interior do Maranhão tem um forró fim de noite chamado Derrubando e Comendo Logo! Rarará! Mais direto, impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!

E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Vandalismo": companheiro que foi pro show do Wando! O lulês é mais fácil que o inglês.

Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno! E vai indo que eu não vou!

Ótima sexta-feira e excelente fim de semana este que é o primeiro de 2008, para todos nós.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008



03 de janeiro de 2008
N° 15467 - Nilson Souza


O ano da coruja

Sei que o público vaiou e que o prefeito ficou indignado, mas também me incluo entre os que aplaudem a ação do Batalhão Ambiental da Brigada Militar que impediu os fogos da virada de ano em Capão da Canoa, para não perturbar a família de corujas hospedada nas dunas da praia.

A prefeitura gastou R$ 26 mil para iluminar os céus da cidade na chegada de 2008 e agora não sabe o que fazer com os rojões que seriam queimados durante 12 minutos, exatamente no lugar onde a coruja dorme, com seu companheiro e seus filhotes recém vindos ao mundo.

Sugiro que a administração pública guarde as suas bombinhas para as festas juninas ou distribua os foguetes para os pescadores utilizarem como sinalizador em caso de necessidade, mas deixe as aves em paz.

Os veranistas contrariados também devem refletir melhor. O Ano-Novo chegou de qualquer maneira e certamente com um pouco mais de paz para todos.

Basta lembrar o exemplo trágico da vizinha Imbé, onde um artefato disparado irresponsavelmente atingiu a cabeça de uma idosa, causando sua morte. Neste sentido, é uma bênção para Capão da Canoa ter sido escolhida como estação de verão pela família de simpáticas corujas.

Esta semana mesmo, lendo sobre previsões e simpatias para a virada de ano, encontrei uma curiosidade que se adapta perfeitamente ao episódio do litoral gaúcho.

Um xamã, que é uma espécie de sacerdote indígena e que se vale de recursos da natureza para curar pessoas, dizia exatamente que 2008 é o ano da coruja-branca, símbolo do aprendizado: "Por isso, devemos adotar a postura de aprendizes e prestar muita atenção nas questões mal resolvidas", recomendou.

Tenho uma amiga querida que costuma reagir sempre com a mesma frase quando ouve uma queixa ou o relato de um acontecimento amargo:

- E o que a gente aprende com isto?

Podemos aprender, por exemplo, que os pássaros, os cães, os gatos, os cavalos e todos os animais merecem um pouco mais de respeito quando promovemos as nossas barulhentas celebrações.

Podemos, também, até para consolar os inconformados veranistas que ficaram sem o show de fogos, aprender que a coruja-branca se alimenta de roedores, sendo uma das responsáveis pelo controle da população de ratos.

Podemos, talvez, aprender que os governantes queimam o dinheiro de toda a população - e não apenas dos apreciadores do foguetório - quando investem recursos públicos em pirotecnia.

Ou, quem sabe, podemos aprender a mais importante de todas as lições do Ano da Coruja: que 2008 pode ser efetivamente um ano de cuidados com o meio ambiente.

Excelente quinta-feira com temperaturas acima dos 30º graus e clima seco por aqui nesta Porto que continua alegre.

JOSÉ SIMÃO

Ueba! Chegou a conta dos fogos!

Que preguiça! Réveillon na Bahia é bom porque acabou o Réveillon já começa o Carnaval

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!
Em 2008, molhe o biscoito! E, como diz a minha vizinha, se for em mim, melhor ainda!

E um leitor me disse que 2007 foi o ano da rabanada. Levou rabanada do chefe, levou rabanada da mulher, levou rabanada da sogra. E levou rabanada do Lula.

Aliás, o Lula disse que este será o ano do crescimento. Vamos crescer tanto que vamos furar a lona do circo! Rarará! Vamos furar a camada de ozônio. E a dona Marisa tá parecendo um quindão de botox! Rarará!

Ai que preguiça! Falta muito para o Réveillon de 2009? Réveillon na Bahia é bom porque acabou o Réveillon já começa o Carnaval.
Não tem aquele intervalo insuportável!

E agora volta ao trabalho. Back to reality. Definição definitiva da volta ao trabalho: depois de comer tudo aquilo, voltamos a comer por quilo!

E essa é a grande previsão pra 2008: depois da grande virada, todo mundo se virando. Pra pagar a conta dos fogos. Ou você acha que rojão em Copacabana é de graça?

O show da Alcione no Recife já vem embutido nos impostos. Esse ano vão cobrar IPVA até de carrinho de supermercado. De carrinho de bebê!

E sabe como foi a passagem de ano do Rubinho? Os outros é que passaram! Rarará!

E sabe o que um amigo meu fez no primeiro dia do ano? Vomitou no carpete da sogra, vomitou no elevador do prédio e mijou na porta da geladeira. É mole? É mole, mas sobe! Ou como diz aquele outro: é duro, mas desce!

Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês.

É que em Arembepe, na Bahia, tem uma barraca de beiju COM TUDO DENTRO! Mais direto, impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!

E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. Delivery: companheiro que age por vontade própria. Delivery e espontânea vontade. Rarará. O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã.

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno. No peru! Pra fazer glu-glu! E quem fica parado é poste! Acorda, Brasil! Que eu vou dormir. Até 2014! Ufa!

simao@uol.com.br

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008



02 de janeiro de 2008
N° 15466 - Martha Medeiros


Nunca subestime uma formiga

Ela é das grandes. Daquelas bem pretas. Vem caminhando em cima da minha escrivaninha, rumo ao teclado do meu computador, como se tivesse perdido o celular em algum lugar.

Ela olha para um lado e para o outro freneticamente - formigas não são cegas, como se sabe. E não usam celular, foi uma brincadeira.

Mas que ela está procurando alguma coisa, está. Um farelo, um grão, um filho. Finjo que não estou prestando atenção, mas não tiro o olho da bichinha, inscluve etsou escrnevdo tduo errdao.

Lá vem ela com passinhos ligeiros e pimba: subiu no teclado, está tentando se enfiar entre o F1 e o F2, mas lhe dou um peteleco bem mirado.

Ela volta cambaleando pra mesa e nem acusa o golpe, segue serelepe da vida. Só há um jeito. Vou matar. Sim, vou matar bem matadinha, vou entrar pro Bope e esmagá-la - argh, que nojo. Ao menos não é uma barata.

Pego uma folha pequena, arrancada de um bloco de recados. É suficiente para prensar esta desvairada contra a mesa. Depois é só dobrar o papel, limpar alguma gosminha que reste no local do crime e estará feito o serviço. Sem testemunhas. Como sou malvada.

Quando coloco o papel sobre ela, no entanto, o plano dá errado. Ela enxerga o papel! E isso não é o que mais me surpreende. Que ela não era cega, sempre soube. Só não sabia que era instintiva!

Ela entende que aquele papel sobre sua cabeça não é um zepelim planando, não é um guarda-chuva, não é uma nuvem: é uma ameaça de morte.

Ela sabe que está correndo perigo. Sabe a diferença entre viver e morrer, e não quer morrer, lógico. Então ela corre feito um maratonista e desaparece embaixo da minha impressora. Danada. Quer guerra? Pois bem.

Passados cinco intermináveis minutos, quem eu vejo saindo por baixo da impressora? Ela. Reconheceria a quilômetros. Resolvo mudar de tática: nada de folha de papel. Vou usar um livro. Isso, vou abrir um livro, fingir que estou lendo e assim que ela me der as costas, pá.

Peguei o Guia Prático do Português Correto, era o que eu tinha à mão ao lado do computador. Sim, também tenho minhas dúvidas gramaticais. Livro de bolso, pequeninho, vai ser uma barbada.

Onde está ela, onde está? Ali. Não consigo evitar de dizer em voz alta: "Você já era, sua metida. JÁ ERA!" Então ela, que até então estava andando por ali bem tranqüila, acelerou as patinhas e se mandou num flash. Sumiu. Escafedeu-se.

Que não são cegas, sabia-se. Que são inteligentes, foi uma descoberta. Mas que entendem o que a gente fala, foi de estarrecer.

Ótima quarta-feira, excelente primeira semana e que 2008 seja de muitas realizações para todos nós.

segunda-feira, 31 de dezembro de 2007



31/12/2007 e 01/01/2008
N° 15465 Liberato Vieira da Cunha


Balanço de Ano Bom

No ano que findou, não compus uma sinfonia, não pintei uma tela, não construí um romance, não esculpi uma estátua, não criei uma peça teatral. Estranhamente, contudo, não me sinto arrependido.

Pois minha sinfonia seria dissonante. Minha tela seria abstrata. Meu romance não teria nem começo, nem meio, nem fim. Minha estátua seria o reverso de sua imagem. Minha peça dispensaria atores.

Mas, de novo estranhamente, não me sinto arrependido, pois, neste outro palco em que atuo, desempenhei papéis de que me orgulho.

Numa época em que o medo é a mais constante companhia das pessoas, soube sustentar um traço de coragem. Não, não enfrentei nenhum grande exército. Apenas fui valente o bastante para encarar os pequenos desafios que a vida nos apronta todos os dias.

Fui sonhador. Numa era em que estamos todos tão sitiados pela realidade, aprendi a evadir-me do cárcere do cotidiano. Não, não imergi no devaneio. Apenas fui ousado o suficiente para moldar o cenário segundo o perfil de minhas utopias sobrantes.

Fui sincero. Num tempo em que é moeda corrente a mentira, ou a fuga, disse sempre o que pensei. Não, não fui deseducado. Apenas fui franco e preciso para desenhar a verdade contra a moldura da ficção.

Talvez tudo isso não seja muito. Talvez não seja nada.

Mas estou pensando agora no dezembro em que conquistei o canudo da universidade. Estou lembrando o janeiro em que comprei o meu primeiro carro. Estou voltando ao setembro de meu vôo inaugural à Europa.

Estou me dando conta de que vai ver que compor uma sinfonia, pintar uma tela, construir um romance, esculpir uma estátua, criar uma peça não sejam assim tão relevantes.

Mais importante quem sabe seja mostrar-me guapo, sonhador, sincero.

Pois somos feitos de ilusão e argila. A arte de viver consiste não em viver muito, mas em viver segundo nossa natureza e nossa inclinação.

sábado, 29 de dezembro de 2007



30 de dezembro de 2007
N° 15464 - Martha Medeiros


Sentido único: em frente

Sairei de 2008 melhor do que estou entrando, simplesmente porque é impossível desprezar conhecimentos, conversas, sensações

Faço aniversário em agosto. Quando alguém, em julho, pergunta quantos anos eu tenho, já respondo com a idade nova.

Não sei até quando terei essa coragem de me envelhecer antes da hora, mas, por enquanto, ainda arredondo pra cima. Com o ano novo, é a mesma coisa. Já estou em 2008 faz uns 20 dias.

Coloquei-o em total vigência, é um ano em curso, mergulhei de cabeça nele. 2007 já era, já deu o que tinha que dar. Aliás, foi bom pra você?

Poucas pessoas viveram grandes feitos, grandes viagens ou grandes paixões. A maioria viveu o que podia ter vivido. Foi ao cinema e adorou (ou odiou) Tropa de Elite. Leu alguns livros. Curtiu alguns churrascos.

Passou uns finais de semana fora da cidade. Reclamou da falta de dinheiro. Brigou com pais e irmãos. Fez as pazes com pais e irmãos. E depois brigou de novo.

Esperou em filas. Assistiu a pelo menos um show. Achou a Camila Pitanga linda em Paraíso Tropical. Reclamou muito do frio. Bebeu demais.

Pensou em casar. Pensou em descasar. Pensou em ter um cachorro.

"Ano da virada" é apenas força de expressão. A maioria de nós viveu um ano semelhante aos outros anos, salvo aqueles que foram colhidos por uma fatalidade - já não é fatalidade suficiente estar vivo?

Eu tive um ano muito bom e muito parecido com outros anos bons, inclusive nas partes ruins. Ainda assim, o melhor de chegar aqui, na saideira, é olhar para trás e concluir que o aconteceu de mais diferente foi eu mesma.

Entrei de um jeito em 2007 e estou saindo outra, mesmo que eu pouco perceba essa alteração.

Recentemente ouvi alguém admitir que era uma pessoa melhor anos atrás. Duvido. Não se pode dizer isso pra valer. É muito desestimulante a gente acreditar que está involuindo.

Quando olho para o meu passado, encontro uma mulher bem parecida comigo - por acaso, eu mesma - porém essa mulher sabia menos, conhecia menos lugares, menos emoções.

Ora, por mais legal que a gente tenha sido, sempre fomos mais pobres em relação ao presente - e não estou falando de dinheiro, mas de vivência.

Involuir é muito trabalhoso, exige que rejeitemos todos os aprendizados: quem faria essa maldade consigo mesmo? Evoluir é que está na ordem natural das coisas.

Portanto, tenho certeza de que em 2008 eu verei alguns filmes, assistirei pelo menos a um show, lerei alguns livros, sairei da cidade uns finais de semana, irei bater ótimos papos com os amigos, terei uns arranca-rabos em família e depois voltarei às boas, perderei tempo em filas e reclamarei do frio.

E mesmo sendo mais um ano como tantos outros - no caso de nenhuma fatalidade ocorrer - , sairei de 2008 melhor do que estou entrando, simplesmente porque é impossível desprezar conhecimentos, conversas, sensações - tudo o que parece repetitivo, mas que nos dá uma cancha necessária pra seguir adiante e viver melhor.

Então, feliz você novo, mesmo que pareça igualzinho.

Ótimo domingo - Excelente segunda-feira e FELIZ ANO NOVO.


Diogo Mainardi

Ficamos mais bestiais

Luiz Moyses perdeu a mulher na tragédia da TAM. Na tragédia do Aeroporto de Congonhas. Na tragédia do Airbus. Na tragédia da Anac. Na tragédia da Infraero. Na tragédia de Lula. Chame do jeito que quiser.

Luiz Moyses era de Porto Alegre. Depois do acidente, a TAM o acomodou no Hotel Blue Tree, em Moema, perto de Congonhas. Em 31 de agosto de 2007, à noite, ele estava no bar do hotel, acompanhado por dois outros familiares de vítimas do Airbus.

No mesmo dia, ocorrera a abertura do III Congresso Nacional do PT. Mais de 150 delegados do partido também estavam hospedados no Hotel Blue Tree. O PT sempre se deu bem com o Hotel Blue Tree. Um dos delegados petistas foi confraternizar com Luiz Moyses, imaginando que ele fosse um correligionário.

Luiz Moyses repeliu-o dizendo que Lula era o culpado pela morte de sua mulher. O delegado petista tentou agredi-lo. Insultou-o. Disse que os parentes dos mortos da TAM estavam chorando demais. O agressor só foi contido pelo deputado baiano Joseph Bandeira e pelos guarda-costas do partido.

O próprio Luiz Moyses relatou-me o episódio alguns meses atrás. Nesta semana, à procura de uma imagem que sintetizasse o ano, lembrei-me dele. Mais do que pelo acidente de Congonhas, 2007 ficará marcado pela bestialidade que deflagrou.

Da alegria indecente de Lula na posse de Nelson Jobim ao top, top, top de Marco Aurélio Garcia quando o Jornal Nacional falou sobre o reversor pifado, o Brasil desceu mais uns degrauzinhos na escala de civilidade.

Em 2005 e 2006, o conflito foi entre lulistas e antilulistas, entre achacadores e achacados, entre quadrilheiros de um bando e de outro. 2007 foi pior: o conflito passou a ser mais essencial, mais primário, entre a selvageria e a humanidade.

Os fatos do Hotel Blue Tree resumem idealmente o que aconteceu no país nos últimos tempos. Num artigo pomposo como este, em que se analisa o passado em busca de ensinamentos para o futuro, cai bem citar um autor ilustre.

É kitsch, mas cai bem. Pensando em Lula, em Marco Aurélio Garcia e no agressor de Luiz Moyses, cito o autor mais manjado de todos, Samuel Johnson: "A piedade não é natural ao homem. Crianças são sempre cruéis. Selvagens são sempre cruéis. A piedade é adquirida e aperfeiçoada pelo cultivo da razão".

A mulher de Luiz Moyses chamava-se Nádia. Foi sua primeira namorada. Eram casados havia sete anos. Quando Nádia morreu, Luiz Moyses vendeu sua empresa e mudou-se de Porto Alegre.

Atualmente, ele tenta reconstruir sua vida em outro lugar, ao mesmo tempo que coordena as atividades do grupo de parentes dos 199 mortos de Congonhas. Chegou a ser recebido por Lula no Palácio do Planalto. Perguntou o motivo do descaso do governo com a segurança nos aeroportos.

Lula respondeu, segundo ele, que "o povo brasileiro nunca pediu segurança, pediu que modernizássemos os terminais". Lula teria acrescentado que o Brasil "possui os melhores terminais do mundo, com shopping center e tudo o mais".

O ano acabou. A tragédia da TAM ficou para trás. Menos para Luiz Moyses e todas as pessoas que perderam parentes ou amigos. Eles continuam a buscar respostas para os acontecimentos daquele fim de tarde de julho. Reúnem-se, confortam-se, trocam mensagens.
A última suspeita que circula entre eles é que o piloto do Airbus teria pedido autorização para aterrissar no Aeroporto de Guarulhos, mas tivera seu pedido negado pelos controladores.

Em 2007, o Brasil pediu para aterrissar numa pista longa e segura, mas acabou numa pista incerta e escorregadia, "com shopping center e tudo o mais".


Ronaldo Soares - Oscar Cabral

O campeão do ano na Bolsa

Eike, em seu quartel-general no Rio: com uma só empresa, ganho de 6 bilhões de dólares desde 2006

A trajetória empresarial de Eike Fuhrken Batista alternou feitos memoráveis e fracassos retumbantes. Ele explorou com sucesso a maior mina de ouro e prata da América do Sul, no Chile.

Também perdeu muito dinheiro em investimentos aventureiros, como uma fábrica de jipes e uma empresa de entregas pela internet. Com a exuberância do mercado de capitais brasileiro, no entanto, esse empresário de 50 anos se reinventou.

Antes mais lembrado como o marido de Luma de Oliveira, a modelo com quem tem dois filhos, o empresário promoveu uma virada em sua imagem. De aventureiro, firmou-se como um empreendedor de peso.

Foi Eike (pronuncia-se áique) quem melhor aproveitou a onda de IPOs (oferta pública inicial de ações), que começou em 2004 e atingiu seu auge em 2007.

Ele encabeça uma lista da revista Exame com os bilionários que mais lucraram com a febre da abertura de capital. O resultado pode ser atribuído ao desempenho da maior empresa de seu grupo, a mineradora MMX.

Quando a companhia abriu o capital, em julho de 2006, seu valor de mercado era de 1,4 bilhão de dólares. No fim de 2007, a cifra atingiu 7,5 bilhões de dólares (veja o quadro). Em um ano e meio, Eike ganhou 6 bilhões de dólares.

No fim de novembro, o empresário deu mais um salto surpreendente. Investiu 1,5 bilhão de reais na aquisição de 21 áreas de exploração no leilão da Agência Nacional de Petróleo (ANP). Sua empresa, a recém-criada OGX, superou gigantes como a Vale e a Petrobras. Foi a grande vencedora do certame, com quase 75% do total arrecadado.

O dinheiro para tal aventura? Há duas semanas, a OGX captou 2,3 bilhões de reais numa operação de emissão privada de ações, conhecida como private placement. Foi a maior operação desse tipo realizada na América Latina. Ela só foi possível com a ajuda de craques recrutados a peso de ouro no mercado – preocupação característica do "novo Eike".

Ele tem a seu lado economistas do porte de Francisco Gros, ex-presidente do Banco Central, e Paulo Mendonça, cujo passe foi comprado por um salário de 200 000 reais por mês. Mendonça era gerente de exploração e produção da Petrobras. Virou diretor de exploração na OGX.

Nascido em Governador Valadares (MG), Eike é o segundo dos sete filhos de Eliezer Batista, que presidiu a Companhia Vale do Rio Doce e foi ministro de Minas e Energia. Ele passou a infância no Rio de Janeiro e, aos 12 anos, mudou-se com a família para a Europa.

Quando voltou ao Brasil, aos 23 anos, investiu numa mina de ouro na Amazônia. Expandiu seus negócios e fez fortuna com a exploração de minas também no Chile e no Canadá. Até alguns anos atrás, atribuía-se, com certa dose de maldade, seu enriquecimento a uma espécie de herança genética.

Corria à boca miúda que, por causa dos laços paternos, ele teria obtido um mapeamento do subsolo brasileiro feito pela então estatal Vale do Rio Doce. "Esse mapa nunca existiu.

Se fosse assim, eu estaria dentro de Carajás", diz Eike, referindo-se à mina da Vale no estado do Pará da qual, desde o início de suas operações, em 1984, já se extraiu 1 bilhão de toneladas de minério de ferro.

Mesmo seus desafetos, no entanto, reconhecem em Eike um talento fora do comum para atrair investidores estrangeiros para suas empreitadas.

Assim como seu pai, Eike sempre mantém bom relacionamento com o Planalto. Na administração Lula, aproximou-se de José Dirceu, contratado mais tarde por Eike como intermediário junto ao governo de Evo Morales para tentar salvar uma siderúrgica de Eike da sanha estatizante boliviana.

Como se sabe, não deu certo. Eike não desistiu da Bolívia, mas dispensou os serviços de Dirceu. No Brasil, mantém o apetite por novos negócios, cada vez mais diversificados.

Suas apostas atuais incluem uma empresa de reflorestamento e restaurantes – mantém o chinês Mr. Lam, no Rio, e pretende abrir, no Brasil, filiais do nova-iorquino Nobu, de comida japonesa.

Também cogita criar uma empresa de saneamento para despoluir a Lagoa Rodrigo de Freitas, um dos cartões-postais do Rio. Há duas semanas, ele inaugurou um navio de luxo para passeios na baía.

No dia seguinte à inauguração, caiu uma chuva torrencial no Rio. Mau presságio? Pouco importa. O horizonte nunca esteve tão azul para Eike Batista.