sábado, 9 de fevereiro de 2008



09 de fevereiro de 2008
N° 15505 - Paulo Sant'ana


O boato salvador

Vire um boateiro. Reúna a sua família ou cada um dos integrantes da sua família e espalhe o boato: você vai ser doador de órgãos.

Depois, com cada amigo que você vai se encontrar, incuta o boato: você vai ser doador de órgãos.

A seguir, espalhe o boato entre os seus vizinhos. E no bar da esquina e com qualquer pessoa conhecida com que você se encontrar no shopping: insista que você vai ser doador de órgãos.

E no seu ambiente de serviço não tenha outro assunto: você vai ser doador de órgãos, espalhe o boato em todos os corredores e andares da sua repartição ou da sua empresa.

O fenômeno seguinte é o segundo estágio do boato: os seus vizinhos, os seus amigos, os seus colegas de repartição ou de empresa vão transmitir o boato entre si.

Até que o boato vá atingir, agora por outras vozes, a sua família. E não se importe que o boato se espalhe por toda a cidade: centenas de pessoas atingidas pelo boato se contaminarão com ele e decidirão também serem doadores de órgãos.

E a sua família se sentirá orgulhosa de que você vai não só doar os órgãos, como contagiará os outros a fazê-lo também.

É que não adianta você ser doador de órgãos e sua família não saber. Porque só sua família, caso você morra, pode doar os seus órgãos, a sua vontade anteriormente manifestada não terá validade se sua família não autorizar esse ato sublime de doar os seus órgãos.

Então espalhe o boato imediatamente. A vida de milhares de pessoas que necessitam dramaticamente de transplante de órgãos para viver depende desse boato.

Mãos à obra! Ou melhor, lábios e garganta ao boato! Já e agora!

A Santa Casa, por exemplo, se orgulha de ter transposto este ano o número 2.000 em transplantes.

No dia 31 de julho passado, a Santa Casa já tinha realizado 2.068 transplantes, compreendendo rim, fígado, córnea, pulmão, coração, medula óssea, válvulas cardíacas e conjugados de rins e pâncreas.

E esses milagres se multiplicam também pelo Instituto de Cardiologia, pelo Clínicas e pelo Hospital da PUC.

Graças principalmente à solidariedade dos gaúchos que doam seus órgãos, que se atiram à esse de transmitir vida aos aflitos que estão na fila dos transplantes, à espera ansiosa de que o boato de que você vai ser doador se espalhe e se constitua em sua salvação.

Porque não adianta só você saber que é doador. É indispensável que sua família autorize a doação dos seus órgãos, caso contrário nada feito quando você morre.

A doação, pois, deixou de ser uma decisão intimista, um fulgor onanista, é preciso contagiar os outros com essa esplêndida notícia, tecnicamente os outros é que vão carimbar a sua intenção sagrada de ver os órgãos retirados de seu corpo e redundar em vida estuante para os receptores.

Como pregava São Francisco, é dando que recebemos.

O que você está fazendo que não espalha logo o seu magnífico boato?

Viva a vida!

Crônica publicada em 11/08/2001

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008



jcimenti@zaz.com.br
8/2/2008


Aliança sinistra, crime misterioso em Southampton


O crítico de arte Jeremy Grove foi encontrado morto, sem vestígios de agressão corporal, mas com indescritível expressão de horror no rosto, num cômodo isolado de sua fabulosa mansão em Southampton, Long Island, Estados Unidos.

O tronco da vítima estava queimado por dentro e desabado para dentro de si mesmo. No quarto, sem qualquer sinal de arrombamento, um intolerável cheiro de enxofre e a marca calcinada de um casco no assoalho. Presença do diabo?

A morte do morador mais ilustre da cidade não parece ter sido causada por um criminoso comum, e as investigações iniciam-se sem identificação da arma do crime. Assim começa a narrativa de As marcas diabólicas, romance escrito por Douglas Preston e Lincoln Child, autores de mais de trinta best-sellers nos Estados Unidos.

O protagonista de história é o destemido agente do FBI Aloysius Pendergast. Ao lado dos policiais Vincent D´Agosta e Laura Hayward, mesmo sem a autorização oficial do FBI, mas com o apoio dos detetives, Pendergast sai em busca de explicações para o assassinato de características diabólicas.

O suposto pacto demoníaco leva as investigações, rapidamente, das coberturas de Nova Iorque e das abastadas propriedades de Long Island, para obscuros castelos localizados no interior da Itália. Um prato cheio para a imprensa sensacionalista e para os profetas do fim do mundo de Nova Iorque.

Em um dos castelos italianos, há trinta anos, quatro estudantes norte-americanos selaram seu destino quando fizeram um pacto impronunciável. Quando ofereceu sua alma a Lúcifer, Jeremy Grove e seus três jovens amigos teriam assinado sua própria sentença de morte.

Enquanto as investigações prosseguem nos Estados Unidos e na Itália, Laura Hayward enfrenta uma multidão de fanáticos religiosos acampados no Central Park, ameaçando a paz e a ordem da cidade, liderados pelo reverendo Wayne P. Buck.

Os fanáticos, motivados por reportagens de imprensa marrom, acham que a visita do diabo revela, de modo inegável, que se aproxima o fim dos tempos.

Mas os investigadores descobrem, entre muitas aventuras arriscadas, interesses nada sobrenaturais em relação ao assassinato brutal. Uma nefasta rede criminosa internacional, tão assustadora e surpreendente como satanás, estaria envolvida no estranho caso.

Enfim, a narrativa ágil, repleta de magia negra, espionagem internacional, extremismo religioso e outros detalhes sedutores mostra bem por que o sucesso dos autores de tantos romances não é mera obra do acaso. 572 páginas, R$ 64,00. Tradução de Pinheiro de Lemos, Editora Rocco, telefone 21-3525-2000

Ótima sexta-feira e um excelente fim de semana para todos nós.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008



07 de fevereiro de 2008
N° 15503 - Nilson Souza


Balão mágico

Visitei São Domingos do Sul no feriadão, sem precisar passar por nenhuma das estradas de poeira vermelha que ligam aquele simpático município do Noroeste do Estado à civilização.

Não fui pelo caminho da Serra, que tanto aprecio, passando por São Vendelino, Bento, Veranópolis, Nova Prata e Paraí. Nem peguei a Estrada da Produção, como fiz tantas outras vezes, batendo ponto em Lajeado, Arroio do Meio, Encantado, Guaporé, Serafina Corrêa e Casca. Fui pelo ar.

Voei no balão mágico do Google Earth - este fantástico instrumento da informática que mistura mapas e fotografias, possibilitando ao viajante virtual excursionar por qualquer parte do mundo sem levantar de sua cadeira.

Meu colega de trabalho Fernando Gomes, com quem compartilho a ligação afetiva de sermos ambos casados com mulheres daquela remota localidade, foi quem me sugeriu a viagem.

Custei a acreditar que os satélites já tivessem fotografado aquela paisagem que tão bem conheço, composta por campos e estradas, plantações de soja, milho e fumo, granjas e chiqueiros, silos metálicos e casas de madeira equipadas com chaminés.

Só de lembrar, sinto o cheiro inconfundível da fumaça dos fogões operando a toda lenha nas manhãs de inverno.

Pois tudo isso estava ao alcance de alguns cliques. Subi ao espaço como Gagarin e mergulhei suavemente na direção do planeta azul, olhos fixos no sul do Brasil.

Na medida em que o solo ia se aproximando na tela do meu computador, fui identificando os nomes familiares das cidades da minha terra, até que me detive no ponto indicado - a luzinha tênue de São Domingos do Sul, onde certa noite vislumbrei a mais bela lua cheia do universo.

Sobrevoei os telhados sem tocá-los, pairando sobre as ruas de pedra, a praça central, a igreja, o campo de futebol e, por fim, sobre a casa simples que já me abrigou por lá tantas vezes.

Nunca imaginei que faria uma viagem dessas, nas asas seguras da tecnologia. Me fez lembrar a primeira - e única - vez que viajei de helicóptero, chacoalhando de Porto Alegre a Pelotas para fazer a cobertura jornalística de uma inundação na Zona Sul do Estado. Naquela ocasião, tremi mais de medo do que de emoção.

Agora voei sem correr risco algum, mas não pude deixar de me emocionar ao ver tão perto e tão nitidamente um lugar que amo, suas plantações e arvoredos, suas ruas estreitas e suas casas com jardins caprichosamente cuidados pelos descendentes de imigrantes italianos e poloneses que lá se fixaram.

Faltou vê-los, ouvir o inconfundível sotaque de suas vozes, cumprimentá-los, abraçá-los. Mas, numa época de estradas cheias, deu para atenuar a saudade.

Como continuo viajando o wirelles tem se comportado maravilhosamente, espero que continue assim. Uma ótima quinta-feira para todos nós.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008



05 de fevereiro de 2008
N° 15501 - Liberato Vieira da Cunha


Uma freira no bar

Logo que comecei no jornalismo me mandaram entrevistar um expoente das artes. Foi uma conversa agradável, mas dela lembro uma única frase. À saída, fui apresentado à sua vasta pinacoteca e meu anfitrião deteve-se ante um desenho.

Dizem que é de Rembrandt; comprei em Amsterdã logo depois da II Guerra, de um vendedor de rua, por 50 dólares.

Desde então a minúscula tela freqüenta meus sonhos. É bom, volta e meia, dar corda à imaginação, já que a realidade, neste país e no mundo, se revela de momento pouco inspiradora.

Você está folheando, distraído, a edição de Os Lusíadas que herdou de seu bisavô. E então tropeça numa página marcada por um velho pedaço de envelope. E de repente percebe que o gasto selo que o decora é nada menos do que um Olho de Boi de 1843.

Você está se livrando de uns papéis que encontrou na gaveta oculta da cômoda que arrematou num Brique. E aí cai em suas mãos uma carcomida partitura, ao pé da qual se lê a assinatura de um certo Ludwig van Beethoven.

Você colide com uma arca, no porão da casa que lhe tocou no testamento de sua tia Viridiana. Por mera curiosidade, examina o conteúdo e dá com uma silente caixa de música. Mas logo escuta uma sinfonia: a dos 37 perfis do Rei Luís XIV, esculpidos em moedas de puríssimo ouro.

Não sei o Rembrandt. Os vendedores de rua de Amsterdã não te entregam um Rembrandt por 50 dólares, ainda que em ásperos tempos. Mas o Olho de Boi, o autógrafo de Beethoven, os ducados do Rei Sol te converteriam instantaneamente num eleito da fortuna.

Todas essas são fantasias improváveis.

Uma vez porém me vi face a face com um tesouro incalculável. Estava hospedado, naturalmente que a convite, no Atlantic, de Hamburgo. Havia senhores de casaca e de cartola no passeio fronteiro à recepção, que abriam a porta de teu táxi e te protegiam da neve. À noite, no bar, cavalheiros e damas, trajados de smokings e de vestidos longos, dançavam na pista de sândalo, ao som de um Steinway.

A certa altura, no entanto, surgia naquele ambiente ostentoso, uma sóror descalça, que suplicava ao distinto público uns trocados para o asilo que mantinha. Indiferente ao frio, aos olhares altivos, recolhia migalhas e tornava aos ventos glaciais do Alster. Até hoje me pergunto se haverá no universo fortuna maior que a de sua fé, sua solidariedade e seu coração.

Uma excelente terça-feira gorda para todo mundo.

domingo, 3 de fevereiro de 2008


DANUZA LEÃO

O Carnaval ideal

Serão quatro dias inteiros sem fazer nada, e sem celular, que delícia; e ler vários livros ao mesmo tempo

A MELHOR época para curtir o Rio é durante o Carnaval. Mais do que pelos desfiles, pelos blocos de rua; apenas -apenas?- para desfrutar da cidade numa relativa paz.

É uma delícia; muitos cariocas viajam, os turistas só querem saber de samba, e até mesmo os assaltantes costumam dar uma trégua: param de trabalhar e se dedicam apenas à folia.

O resultado é uma cidade tranqüila, com praias vazias, restaurantes idem e cinemas sem fila, pois quem passa as noites em claro e sambando precisa dormir, até porque no dia seguinte a festa continua.

Não há nada melhor do que uma cidade com todos os confortos da modernidade, mas sem um só dos problemas das grandes.

Poucos carros nas ruas, pouca gente nas calçadas; é só olhar no jornal para saber hora e local da saída dos blocos e ir para o lado oposto -e a pé. Nem pensar em sair de carro, nesses dias se pode andar nas ruas com tranquilidade, e até usar um anelzinho, sem medo de assalto.

Serão quatro dias inteiros sem fazer nada, e sem celular, que delícia; poder passar a agenda de telefones a limpo e ler vários livros ao mesmo tempo, sabendo que o telefone não vai tocar, é bom demais.

Praia até o meio-dia, depois um almocinho num restaurante da orla, à tarde um soninho leve, e à noite todos os filmes escolhidos no capricho, para escapar das escolas de samba. Para usufruir desse imenso prazer, deve-se ligar a TV, ver a primeira escola desfilar, a segunda, e só aí, aliviado, começar a sessão de cinema.

Lá pelas 3h da manhã, vale ligar a TV mais uma vez, se atordoar com a animação das escolas, e aí exercer seu sagrado direito de escolha, isto é, desligar a máquina e dormir o sono dos justos, sabendo que amanhã é feriado, terça e quarta também, e que se está longe desse insensato mundo. Oh, felicidade.

Mas é bom se preparar; pode acontecer de, às 7h da noite de hoje, dar uma aflição e uma vontade louca de ir ver o desfile. Se isso acontecer, ligue para aquela amiga que trabalha no camarote de uma cervejaria e peça uma camiseta pelo amor de Deus.

Ela resolve: amigas são para essas coisas também. Aí é só botar um tênis, uma flor no cabelo, exagerar na maquiagem e ir para a avenida, sem nem lembrar que tenha cogitado, por um só momento, ficar longe da festa.

E se alguém ousar te cobrar uma certa coerência -afinal, você não disse que não queria nem ouvir falar de samba?-, responda que faz parte dos direitos do homem mudar de opinião, sobretudo quando se está falando de Carnaval.

E vá, e caia na folia, e torça por sua escola, e se prepare para o desfile de amanhã, que você também vai assistir, claro; e se o seu patrão for tão insensível que queira que você trabalhe na Quarta-Feira de Cinzas, mande alguém ligar amanhã cedo dizendo que na quarta vai acordar com febre, porque nada será mais importante nesse dia do que acompanhar o julgamento das escolas.

Seu coração vai parar a cada nota 10 (10, nota 10) que sua escola receber, e se ela não ganhar é claro que a culpa foi dos juízes desonestos, mas não há de ser nada. Porque no próximo sábado vai ser o desfile das campeãs, e quem sabe ainda dá tempo para desfilar?

Não se pode confiar em quem sempre gostou de Carnaval e diz que mudou, que agora só quer paz e sossego; um ex-carnavalesco é coisa que não existe -eu, pelo menos, não conheço.

danuza.leao@uol.com.br

sábado, 2 de fevereiro de 2008


Diogo Mainardi

Fantasioso? Sórdido?

"No Natal de 2007, recebi de presente um documento sobre a Telecom Italia. Ele confirma integralmente uma reportagem que VEJA publicou dois anos atrás. Na verdade, a história é ainda mais enlameada"

No Natal de 2005, recebi documentos sobre um pagamento de 3,25 milhões de reais da Telecom Italia a Naji Nahas. Tudo ali era suspeito. Um: o pagamento fora efetuado em dinheiro vivo.

Dois: o carro-forte entregara o dinheiro na sede da Telecom Italia, em vez de entregá-lo diretamente a Naji Nahas. Três: Naji Nahas faturara 263.000 reais a mais do que o previsto em seu contrato de consultoria.

Passei toda a papelada a VEJA, que publicou uma reportagem sobre o assunto, seguindo o rastro daqueles 3,25 milhões de reais. A reportagem, baseada em fontes da própria Telecom Italia, dizia que o dinheiro fora entregue a um diretor da empresa, Ludgero Pattaro.

Ele o enfiara numa maleta e, acompanhado por guarda-costas, encaminhara-se ao hotel Renaissance, onde o repassara a um destinatário de identidade desconhecida. Numa coluna publicada ao lado da reportagem, contei os bastidores do acordo secreto entre a Telecom Italia e o lulismo, sugerindo que aquele dinheiro teria sido usado para azeitar o relacionamento da empresa com o poder político.

O presidente da Telecom Italia, Giorgio Della Seta, classificou as denúncias de VEJA como "absurdas, fantasiosas e sórdidas". Ele afirmou ignorar o que Ludgero Pattaro fazia no hotel Renaissance com uma maleta cheia de dinheiro.

Naji Nahas também contestou a reportagem, declarando ter recebido regularmente em seu escritório o valor de 3,25 milhões de reais. O caso parecia morto. Eu parecia absurdo, fantasioso e sórdido.

No Natal de 2007, ocorreu uma reviravolta. Recebi de presente mais um documento. Ele consta do inquérito da magistratura milanesa contra a Telecom Italia e confirma integralmente o que VEJA publicou dois anos atrás.

Trata-se de um depoimento de Marco Girardi, diretor financeiro da Telecom Italia no Brasil, realizado no dia 11 de novembro passado. Ele confessou o seguinte:

• Giorgio Della Seta, aquele das denúncias "absurdas, fantasiosas e sórdidas", amigo de Lula e de Marta Suplicy, mandou-o preparar um pacote com 1,3 milhão de dólares em dinheiro vivo.

• Um carro-forte fez a entrega de 3,25 milhões de reais na sede da Telecom Italia. Ali mesmo, um cambista trocou os reais por dólares.

• Os dólares foram entregues a Ludgero Pattaro, assessor direto de Giorgio Della Seta. Ele acondicionou o dinheiro em pacotes de diferentes valores, enfiou-o numa maleta e dirigiu-se ao hotel Renaissance, repassando-o a algumas pessoas que Marco Girardi nunca vira.

• Alguns dias depois, Giorgio Della Seta mandou o diretor financeiro entregar mais 406.000 reais a Ludgero Pattaro, para um pagamento análogo.

Mas a história é ainda mais enlameada. Outro diretor da Telecom Italia, Marco Bonera, admitiu em juízo ter transportado 300.000 dólares a Brasília, para recompensar um grupo de deputados federais. A leitura da confissão de Marco Girardi mostra que aqueles 300 000 dólares, adiantados pela Pirelli como "despesas de viagem", fazem parte da transação com Naji Nahas.

Até 2006, a Telecom Italia foi a grande aliada do lulismo na batalha pelo espólio da Brasil Telecom. Um espólio que está para ser cedido à Telemar, por meio de um decreto presidencial.

Ludgero Pattaro, o homem da maleta cheia de dólares, é candidato a uma das vagas no conselho consultivo da Anatel, que analisará o negócio. Absurdo? Fantasioso? Sórdido? Sim, tudo isso.

Ponto de vista: Lya Luft

Cotas: o justo e o injusto

"A idéia das cotas reforça conceitos nefastos:

o de que negros são menos capazes e precisam de um empurrão e o de que a escola pública é péssima e não tem salvação"

O medo do diferente causa conflitos por toda parte, em circunstâncias as mais variadas. Alguns são embates espantosos, outros são mal-entendidos sutis, mas em tudo existe sofrimento, maldade explícita ou silenciosa perfídia, mágoa, frustração e injustiça.

Ilustração Atômica Studio

Cresci numa cidadezinha onde as pessoas (as famílias, sobretudo) se dividiam entre católicos e protestantes.

Muita dor nasceu disso. Casamentos foram proibidos, convívios prejudicados, vidas podadas. Hoje, essa diferença nem entra em cogitação quando se formam pares amorosos ou círculos de amigos.

Mas, como o mundo anda em círculos ou elipses, neste momento, neste nosso país, muito se fala em uma questão que estimula tristemente a diferença racial e social: as cotas de ingresso em universidades para estudantes negros e/ou saídos de escolas públicas.

O tema libera muita verborragia populista e burra, produz frustração e hostilidade. Instiga o preconceito racial e social.

Todas as "bondades" dirigidas aos integrantes de alguma minoria, seja de gênero, raça ou condição social, realçam o fato de que eles estão em desvantagem, precisam desse destaque especial porque, devido a algum fator que pode ser de raça, gênero, escolaridade ou outros, não estão no desejado patamar de autonomia e valorização. Que pena.

Nas universidades inicia-se a batalha pelas cotas. Alunos que se saíram bem no vestibular – só quem já teve filhos e netos nessa situação conhece o sacrifício, a disciplina, o estudo e os gastos implicados nisso – são rejeitados em troca de quem se saiu menos bem mas é de origem africana ou vem de escola pública.

E os outros? Os pobres brancos, os remediados de origem portuguesa, italiana, polonesa, alemã, ou o que for, cujos pais lutaram duramente para lhes dar casa, saúde, educação?

A idéia das cotas reforça dois conceitos nefastos: o de que negros são menos capazes, e por isso precisam desse empurrão, e o de que a escola pública é péssima e não tem salvação. É uma idéia esquisita, mal pensada e mal executada.

Teremos agora famílias brancas e pobres para as quais perderá o sentido lutar para que seus filhos tenham boa escolaridade e consigam entrar numa universidade, porque o lugar deles será concedido a outro. Mais uma vez, relega-se o estudo a qualquer coisa de menor importância.

Lembro-me da fase, há talvez vinte anos ou mais, em que filhos de agricultores que quisessem entrar nas faculdades de agronomia (e veterinária?) ali chegavam através de cotas, pela chamada "lei do boi". Constatou-se, porém, que verdadeiros filhos de agricultores eram em número reduzido.

Os beneficiados eram em geral filhos de pais ricos, donos de algum sítio próximo, que com esse recurso acabaram ocupando o lugar de alunos que mereciam, pelo esforço, aplicação, estudo e nota, aquela oportunidade.

Muita injustiça assim se cometeu, até que os pais, entrando na Justiça, conseguiram por liminares que seus filhos recebessem o lugar que lhes era devido por direito. Finalmente a lei do boi foi para o brejo.

Nem todos os envolvidos nessa nova lei discriminatória e injusta são responsáveis por esse desmando. Os alunos beneficiados têm todo o direito de reivindicar uma possibilidade que se lhes oferece.

Mas o triste é serem massa de manobra para um populismo interesseiro, vítimas de desinformação e de uma visão estreita, que os deixa em má posição.

Não entram na universidade por mérito pessoal e pelo apoio da família, mas pelo que o governo, melancolicamente, considera deficiência: a raça ou a escola de onde vieram – esta, aliás, oferecida pelo próprio governo.

Lamento essa trapalhada que prejudica a todos: os que são oficialmente considerados menos capacitados, e por isso recebem o pirulito do favorecimento, e os que ficam chupando o dedo da frustração, não importando os anos de estudo, a batalha dos pais e seu mérito pessoal. Meus pêsames, mais uma vez, à educação brasileira.

Lya Luft é escritora

CIÊNCIA DO AMOR

Por que nós amamos

A ciência descobre quais são as reações do organismo que fazem as pessoas se apaixonarem e levar o romance adiante

Por MÔNICA TARANTINO

TESTE Um beijo, como este da cena do filme Modelos, entre Lee Bowman e Rita Hayworth, ajuda a saber se o toque dará prazer

Como descrever um legítimo ataque de paixão? Há quem sinta a mente embaralhada, a boca seca, palpitações e até uma estranha perda momentânea da coordenação motora.

Na prática, render-se às emoções da paixão a ponto de protagonizar cenas ridículas, como a de ficar parado diante do amado sem concatenar uma única frase com começo, meio e fim, faz parte do anedotário de cada um de nós.

A novidade é que, mais recentemente, a paixão virou tópico de grande interesse da neurociência, um ramo do estudo científico que se dedica a decifrar como o cérebro funciona.

Os cientistas estão se esforçando para explicar, por exemplo, os processos que desencadeiam uma revolução bioquímica no organismo de homens e mulheres a partir de um simples olhar e quais as diferenças entre a paixão e o amor.

O que se quer é entender por que amamos, como amamos e quais as repercussões que esse sentimento apresenta para a mente e o corpo.

Uma das primeiras respostas obtidas é a de que amamos para garantir a sobrevivência da nossa espécie. O que é surpreendente é a sofisticação da qual o corpo lança mão para que esse objetivo seja atingido.

Uma das teorias mais fascinantes elaboradas sobre o assunto é a que afirma que os sentidos – visão, olfato, paladar, tato e audição – agem em conjunto para rastrear no alvo sinais químicos para selecionar se ele tem características compatíveis para garantir a diversidade necessária à continuidade do ser humano.

“As pessoas sempre perguntam por que uma menina linda fica com o feioso em vez do bonitão.

Eis aí uma pista sobre as escolhas”, explica Ricardo Monezi, professor de uma disciplina chamada fisiologia da afetividade, ministrada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e pesquisador da Universidade Federal de São Paulo.

O que o estudioso quer dizer é que muito antes de se encantar com um rosto bonito ou uma boa conversa, ele ou ela foram estimulados por outros fatores sem saber.

O cheiro é um deles. Não se trata de ser atraído pelo perfume da moda, mas por um conjunto de moléculas exaladas pela pele chamadas feromônios.

Essas substâncias despertam reações de atração ou de rejeição, dependendo de cada um. Ou seja, o mesmo cheiro funciona como um ímã para um e como um repelente para outro.

Estudo mostrou que mulheres com vozes consideradas atraentes são as que possuem cintura fina e quadris largos

Não se sabe o que determina essas diferenças nas respostas ao mesmo estímulo, embora a ciência se empenhe em descobrir a resposta. Um dos investigadores desse mistério é o cientista Charles Wysocki, do Monell Chemical Senses Center, nos EUA.

Em entrevista à ISTOÉ, ele disse acreditar na possibilidade de a aprendizagem ou as experiências de cada pessoa influenciarem a preferência de um odor corporal em relação a outro. “As expectativas de prazer ou aquelas mantidas em relação à reprodução também podem desempenhar um papel importante nesse processo”, disse o cientista.

Há casos nos quais os feromônios provocam reações mais ou menos homogêneas. Foi o que revelou um trabalho publicado no ano passado, coordenado pela cientista Donatella Marazzitti, da Universidade de Pisa, na Itália.

A pesquisa mostrou que a soma das gorjetas recebidas por dançarinas de strip-tease sofria uma generosa elevação no período da ovulação (quando um óvulo maduro sai do ovário e segue pelas trompas até o útero. Se não for fecundado nesse percurso, será eliminado na menstruação).

A explicação é que provavelmente os feromônios exalados durante esses dias tornem os homens mais protetores e ciumentos.

Outra fonte de insumos para a paixão mais influente do que se imagina é a voz. O cientista Gordon Gallup, da Universidade de Albany, nos Estados Unidos, recentemente fez descobertas interessantes.

Ele pediu a um grupo de voluntários para classificar como atraente ou pouco atraente mais de uma centena de vozes gravadas.

As donas de vozes consideradas mais sedutoras eram mulheres que tinham cintura fina e quadris largos, justamente as formas associadas a um maior potencial de atração sexual.

Além disso, as mais votadas estavam em plena fase ovulatória, o que leva a supor que há uma silenciosa conspiração do organismo feminino para atrair parceiros exatamente no período em que o corpo está pronto para conceber um filho.

“O mero som de uma voz pode dar pistas sobre o potencial reprodutivo dessa pessoa”, disse Gallup à ISTOÉ. Mas isso ninguém consegue perceber no plano consciente.



Com o tempo, o corpo fabrica compostos que dão sensação de segurança e calma

A partir do momento em que a ligação se estabelece, o cérebro dos apaixonados inicia um processo desenhado para que a conexão se fortaleça. Diversas regiões são ativadas e substâncias liberadas (leia quadro).

Depois, se tudo segue como mandam os genes – e o coração, obviamente –, os especialistas acreditam que após cerca de 18 a 30 meses, o corpo já não responde com tanta euforia às doses mais elevadas de serotonina que ocorrem durante a paixão.

Após esse período, tanto faz se a união está dando certo ou não, a serotonina volta aos níveis normais e não há mais alimento extra para os neurônios que se utilizam dela para fomentar a paixão.

Outra possibilidade é o casal querer seguir em frente. Nesse caso, a serotonina é substituída pela dopamina, ligada a sensações de segurança e estabilidade.

Além disso, outros hormônios começam a agir com mais intensidade e quantidade. No homem, um deles é a vasopressina, ligado à paternidade. Na mulher, sobe a ocitocina, associada ao relaxamento e à formação de vínculos.

Tudo isso contribui para o surgimento de laços estáveis, favoráveis à criação de uma família. Se por algum motivo um desses mecanismos falhar, sempre há o alento de que uma nova paixão pode aparecer quando menos se espera.


02 de fevereiro de 2008
N° 15498 - CLÁUDIA LAITANO


Viva o biquíni

Às vésperas da festa nacional dos corpos sarados, um dos assuntos desta semana, vejam só, foi o direito de usar biquíni GG. A pequena polêmica de verão começou com uma idéia de mau gosto e cresceu ao longo dos últimos dias com comentários em blogs e sites de variedades.

O ponto de partida foi a capa de uma revista de fofocas que estampava duas fotos de praia.

De um lado, a cantora Preta Gil, 33 anos, baixinha, gordinha, mãe de um garoto de 13 anos. Do outro a apresentadora Sabrina Sato, 27 anos, sem filhos, malhada e turbinada. A intenção, não exatamente sutil, era explicitada com dois carimbos: "não vou" e "vou", respectivamente.

Quando olhei a capa da revista, lembrei de um episódio curioso que aconteceu comigo há alguns anos. Estava atravessando a rua meio distraída, ou apressada, ou os dois, e por pouco não fui atropelada.

O motorista se assustou - e como voltar e me atropelar direito talvez causasse alguns problemas, preferiu uma vingança mais ardilosa. Colocou a cabeça para fora da janela e gritou, para toda a rua ouvir: "Além de cega é feia!".

Como Preta Gil - e a grande maioria das mulheres - mantenho com minha auto-estima uma relação de altos, baixos e médios. Isso significa acordar um dia ou outro sentindo-se um desastre, noutros simplesmente opaca e, de vez em quando - ainda bem - linda e colocada.

Mas ouvir um anônimo bobalhão me chamando de feia no meio da rua teve exatamente o efeito planejado. Fiquei chocada, paralisada, a um passo de chorar como uma menina que perdeu a boneca.

Tudo isso por mais ou menos 30 segundos - o tempo de juntar a auto-estima do chão e terminar de atravessar a rua.

Moral da história: é muito fácil atingir a auto-estima de uma mulher a respeito de sua aparência. Tão fácil que beira a covardia. Isso porque todas as críticas sobre forma, tamanho e embalagem que possam ser feitas passam antes pela nossa cabeça, sem que ninguém precise gritar impropérios no meio da rua.

Minha reação ao ver a capa da revista, portanto, foi de imediata empatia com a mulher comum, a moça sem corpo malhado que vai à praia de biquíni e estende sua esteira ao lado de uma menina de corpo perfeito sem necessariamente sentir-se inferior.

Porque fazer isso é sempre uma vitória - diante das próprias inseguranças, antes de mais nada, mas também diante de convenções que parecem verdade absoluta quando são apenas determinações culturais.

Cultura é o caldo em que estamos mergulhados sem nem nos darmos conta, é o que nos induz a tomar decisões que nos parecem obrigatórias - até que alguém comece a fazer diferente.

Por estranho que pareça, ir ou não à praia de biquíni nem sempre é uma decisão individual, que se toma em casa calmamente diante do espelho.

Uma jovem mulher dos anos 70 tinha uma relação com o corpo, nós temos outra. Européias, japonesas, americanas encaram a beleza - e a ausência de - de formas diferentes.

Ou seja: a época e o lugar contam mais do que os quilos extras na hora de decidir o que queremos ou não usar na praia. Preta Gil pode não ser padrão de beleza em nenhuma praia do mundo nos dias de hoje, mas ter ou não ter liberdade para exibir um corpo imperfeito é, sim, cultural e portanto questionável.

Talvez o biquíni da Preta Gil seja uma bandeira de liberdade, como foi a sunga de crochê do Fernando Gabeira ou o barrigão de fora de Leila Diniz. Mudanças de costumes acontecem o tempo todo, e em todos lugares - inclusive na praia. Longa vida ao biquíni GG.

A professora de inglês Lígia Beskow de Freitas escreve para corrigir o título da coluna da semana passada, Smoking/No Smoking:

"O correto seria Smoking or NON-smoking, já que são adjetivos; o segundo recebe o prefixo NON". Obrigada, professora, essa eu não erro mais!

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008



31 de janeiro de 2008
N° 15496 - Nilson Souza


A máquina da verdade

Faz sucesso no biguebroder, como já fazia em outros programas de televisão populares, a tal máquina da verdade - um aparato capaz de detectar variações reveladoras na voz e na expressão corporal de quem está sendo submetido a um questionamento.

Trata-se de um programa de computador similar ao que a polícia israelense utiliza para interrogar terroristas.

É uma evolução do célebre polígrafo criado pelos discípulos do criminalista italiano Cesare Lombroso, mencionado recentemente neste polêmico projeto de pesquisa com adolescentes infratores.

Lombroso, só para lembrar, desenvolveu a tese do criminoso nato, que podia ser identificado por algumas características corporais - entre as quais lábios grossos e orelhas grandes, o que já me deixaria, no mínimo, na condição de suspeito.

Suas teorias foram superadas, para alívio dos feios e dos tatuados. Tendência à tatuagem era, também, um dos indicadores da propensão à delin- qüência. Hoje a moda se encarregaria de desmoralizar esta hipótese.

Mas o polígrafo da verdade sobreviveu e vem sendo aperfeiçoado pela tecnologia, que a cada dia acrescenta-lhe um novo item de precisão.

Ainda assim, os especialistas reconhecem que é possível enganar a máquina. Pessoas muito controladas, como os psicopatas, são capazes de se submeter ao teste sem maiores alterações.

Já os mais sensíveis emocionalmente correm o risco de passar por mentirosos simplesmente porque ficam nervosos quando são alvos de atenção.

Tive um colega de faculdade tão tímido que a diversão da turma era olhar para ele e dizer: "Fica vermelho!". E ele incendiava. Imaginem um sujeito desses no detector de mentiras! Aposto que passaria por inconfiável. E, por tê-lo conhecido bem, posso atestar que era quase um santo.

Dizem que o homem é o único animal capaz de ruborizar por ser também o único que tem razões para isso. Mas a maioria, sabemos, não demonstra tão facilmente seus sentimentos.

Pelo contrário, somos muito mais hábeis para fingir do que para revelar, até mesmo porque a vida em sociedade exige algum grau de hipocrisia. Se a tal máquina da verdade fosse absolutamente precisa, é provável que os conflitos humanos se multiplicassem.

De minha parte, confesso que prefiro continuar confiando na minha intuição e nas pessoas que ainda enrubescem por nada.

Aprecio a sinceridade, amo a franqueza, mas tenho uma certa reserva em relação a verdades absolutas, ainda mais quando atestadas pela precisão de uma máquina que não foi programada para entender as fraquezas humanas.

Tudo bem, podem me acusar de ser excessivamente tolerante. Daria para esperar outra coisa de quem tem lábios grossos e orelhas grandes?

Uma excelente quinta-feira ainda que com chuva por aqui.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008



30 de janeiro de 2008
N° 15495 - Martha Medeiros


Procuro-me

Lembra daquele anúncio de "procura-se" que saiu algumas vezes aqui em Zero Hora? Que coisa esquisita. "Procura-se".

Ao melhor estilo faroeste, o jornal fazendo papel de poste. À primeira vista, achei que fosse algum anúncio publicitário, mas não: uma família foi assaltada e decidiu ir à caça dos bandidos por conta própria.

É provável que houvesse algo de muito valor afetivo a ser recuperado, ou a motivação foi vingança. Seja o que for, achei tudo muito estranho e ligeiramente incômodo. Pois agora esse anúncio voltou à minha mente, e já explico por quê.

Zero Hora publicou ontem uma história hilária que me aconteceu. Quinta-feira passada, um senador italiano leu um texto meu em plenário e com isso ajudou a provocar a queda do primeiro-ministro daquele país.

Dizem que o momento da leitura do texto foi uma comoção. Só que o tal senador creditou o texto a Pablo Neruda, pois foi desse modo que ele o recebeu pela internet.

No dia seguinte, quem diria: os principais jornais da Itália estampavam uma foto minha, creditando a mim a verdadeira autoria do texto que abalou o governo. Meus 15 minutos de fama internacional.

Achei a maior graça, vou fazer o quê, chorar? Jamais um texto meu seria lido tão longe e por um motivo tão sério se não achassem que o autor era um Nobel de Literatura. Francamente, quem é que sabe que eu existo na Itália? Bom, agora sabem.

Indiretamente, saí ganhando com esse equívoco, mas vamos pensar juntos: por que o senador não leu um texto com autoria comprovada? Simples: porque foi mais um que se deixou levar pelas "facilitações" da internet.

Porque é provável que ele nunca tenha lido Neruda na vida, ou saberia reconhecer o estilo do chileno. Porque ele foi apressado e confiou demais no mundo virtual quando deveria seguir confiando em livros.

Eu sou fã da internet, mas é preciso saber usá-la com mais parcimônia. Me incomoda ver as pessoas se desabituando a privilegiar a cultura impressa, documentada, com marca registrada e direito autoral garantido.

Assim como também estão se desabituando a ter relações reais, de toque, olho no olho, emoções com algum registro sensorial comprovado.

Então volto ao assunto lá do início dessa crônica: não estaremos todos meio foragidos de nós mesmos? Inspirada naquele anúncio de "procura-se", resolvi lançar a seguinte campanha: "procuro-me".

Tenho tido provas cabais de que estou perdendo a identidade nesse mundo excessivamente virtual. Não sei você, mas vou atrás de mim mesma. Estou saindo de férias, volto assim que me encontrar.

Neste Dia Internacional do Sofá tenhamos todos, ainda que com muita chuva, uma ótima quarta-feira.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008



29 de janeiro de 2008
N° 15494 - Liberato Vieira da Cunha


Entardecer num café

Torno, depois de dois mil séculos, ao Café Mozart. O Poeta vai aparecer daqui a pouco, imagino, sentar-se comigo nesta mesa, puxar um Carlton e ordenar café preto e quindins.

O Poeta vai falar de uma borboleta, da Saga dos Forsythe, que estamos lendo juntos, o Poeta vai falar em Greta Garbo. Mas as horas fluem e o poeta não pinta.

Chove sobre o verão de Porto Alegre; a casa está quase deserta. A arquitetura do hall me lembra um navio. Estou nos mares da Grécia, penso, logo vai telefonar aquela moça alta, dizer que me espera junto ao bar do cassino do navio.

A moça alta e tão bela não liga. Isto não é um navio, é uma despedida, segundo informa no sistema de som Adriana Calcanhotto:

"E o meu coração, embora finja fazer mil viagens, fica batendo parado naquela estação."

Aumenta a chuva. Não conheço Adriana Calcanhotto, que era loira e agora é morena, ou ao contrário, e gravou um disco admirável para crianças de todas as idades.

Tudo bem, Adriana, é uma gare. Para onde vai este casal que sentou aqui ao lado, de começo tão terno, em seguida tão prisioneiro de triviais malquerenças?

Ancoram três amigos e, ainda que o inesperado frio do entardecer requeira vinho, pedem cerveja. Os dois garotos disputam as graças da garota loira, que volta os olhos para o terraço, tipo quem diz: por que esta súbita tempestade?

O garoto que tem o rosto decorado de espinhas parece estar perdendo a parada.

Atraca, lento e trêmulo, um velho, junto à porta. "O de sempre" - informa ao garçom, que lhe traz um mínimo cálice de Porto. Há perdas, desde o mármore da mesa até seus lábios, extravios de rubi e luz que jamais serão provados por ninguém.

No corredor, que foi encruzilhada de trilhos, que foi porto, acomoda-se um grupo de adolescentes. Não têm dinheiro para entrar aqui, ajustam-se às costas uns dos outros, feito uma expedição de pássaros noturnos.

A garota loira busca a boca do garoto decorado de espinhas.

O Poeta teria gostado da cena.

Mas chove melancolicamente lá fora e sou inclinado a crer que não há mais Poetas.

Uma excelente terça-feira, esta que marca o ante-penúltimo dia de janeiro de 2008

domingo, 27 de janeiro de 2008



I N Í C I O

Quando você começar a pensar que algo está completo, começará a ficar morto. A perfeição é morta; assim, os perfeccionistas são suicidas. Desejar ser perfeito é uma maneira indireta de cometer suicídio. Nada jamais é perfeito, não pode ser, porque a vida é eterna.

Nada jamais se conclui. Não existe conclusão na vida - apenas pontos cada vez mais elevados. Quando você atinge um ponto culminante, um outro está desafiando-o, chamando-o, convidando-o.

Assim, lembre-se sempre de que onde você estiver é sempre um início. Então você sempre permanece uma criança, você permanece virgem.

E esta é toda a arte da vida: permanecer virgem, permanecer novo e jovem, não corrompido pela vida, não corrompido pelo passado, não corrompido pela poeira que normalmente se junta nas estradas da jornada. Lembre-se: cada momento abre uma nova porta.

Isso é muito ilógico, porque sempre pensamos que, se houver um começo, deverá haver um fim. Mas nada pode ser feito. A vida é ilógica: ela tem um começo, mas não um fim.

Nada que está realmente vivo jamais termina, mas segue continuamente em frente.

- OSHO -

DANUZA LEÃO

Paris e a gastronomia

A partir daí, comecei a prestar mais atenção à carta dos restaurantes e descobri outras coisas instigantes

PARIS (a última) - A gente pensa -eu pensava- que, por ter estado tantas vezes na França, e até morado lá, entendia alguma coisa da cozinha francesa. Nem estou falando da mais moderna, mas da antiga, tradicional; qual nada.

A cada viagem, na companhia dos que entendem e prestando muita, mas muita atenção, chego, cada vez mais, à triste conclusão de que não entendo absolutamente nada dos segredos da gastronomia francesa.

Na minha última viagem, convidada por amigos, fui parar pela primeira vez num Bistrot à huitres, isto é, um bistrô onde só servem ostras.

Eu sabia que existem várias famílias de ostras; no inverno, é só passar na porta de um restaurante que as sirva, e do lado de fora, na rua, em cima de uma mesa, estão todas elas expostas, cada tipo dentro de uma cesta cheia de algas, com uma etiqueta em cima com o nome da qualidade. Até aí, tudo bem, tudo normal.

Mas nesse restaurante a coisa era bem mais complicada. Éramos seis, e o garçom foi perguntando a cada um qual o tipo que queria; só que a variedade é muito maior do que eu teria jamais imaginado.

Ficamos todos meio sem saber o que pedir, quando alguém teve a grande idéia: uma grande bandeja com vários tipos de ostra. Aleluia, a pátria estava salva.

Daí a pouco chegou um prato imenso, com oito qualidades diferentes, e tão lindo, que se eu tivesse uma maquininha, teria tirado uma foto. Mas a vida não é simples: o garçom explicou qual tipo deveria ser comido em primeiro lugar, qual em segundo, qual em terceiro, e assim por diante.

É claro que não guardei a ordem das coisas -será que alguém guardou?-, só da que deveria ser comida em primeiro lugar e a em último.

Fiquei um pouco atordoada com o lado cultural da experiência, e depois, conversando com amigos franceses, soube de mais coisas: que quase todo tipo de ostras é numerado pelo tamanho. Existem as 0, as 00, as 000, as 1, 2, 3 e 4, e os franceses já pedem dizendo a qualidade e o tamanho que preferem.

Além de tudo isso, há um tipo que só existe em raros restaurantes, e que só aparece dez dias por ano, que se chama a pérola dos tzars -a mais cara, é claro. Não é fácil, a França.

A partir daí, comecei a prestar mais atenção à carta dos restaurantes e descobri outras coisas tão instigantes quanto as ostras.

Um queijo parmezón, por exemplo, pode ter seis meses, ou 12, ou 18, ou 36, de maturação, e os presuntos também.

Além disso, existem as sardinhas millesimés, que levam de dois a seis anos para atingirem o máximo de seu sabor.

Essas -dizem- são maravilhosas. E em alguns restaurantes vem escrito na carta a procedência do pão e da manteiga.

Não vou falar dos queijos -são mais de 300-, nem dizer que existem os meses mais indicados para comer cada um deles, e que quando o garçom chega com a bandeja, dirige o espetáculo dizendo em que ordem devem ser provados, sendo que cada um com um determinado vinho; dos vinhos, é claro que não vou falar.

Detalhe: qualquer francês sabe de tudo isso na maior naturalidade, tanto os brasileiros sabem qual cerveja preferem.

E ainda há quem pense que é fácil sentar num restaurante de Paris para jantar.

P.S.: A proibição de fumar nos restaurantes e cafés criou um problema: como nas mesas que ficam nas calçadas o fumo é permitido, o chão fica coberto de pontas de cigarro, o que está poluindo a cidade.

Já se fala em multar quem jogar um cigarro na rua, e uma nova indústria está florescendo: a dos cinzeiros individuais, com tampa, para levar no bolso.

danuza.leao@uol.com.br

sábado, 26 de janeiro de 2008



27 de janeiro de 2008
N° 15492 - Martha Medeiros


Lá na infância

Por mais que tenhamos recebido afeto, é na infância que começamos a nos formar e a nos deformar

Qualquer pessoa que já tenha se separado e tenha filhos sabe como a gente se preocupa com a reação deles e procura amenizar qualquer estrago provocado por essa desestruturação. É preciso munir-se de muito respeito, delicadeza e amor para que essa ruptura seja bem assimilada e não produza traumas e inseguranças.

Muito do que somos hoje, do que sofremos e do que superamos, tem a ver com aquele lugar chamado "infância", que nem sempre é um paraíso. Por mais que tenhamos brincado e recebido afeto, é lá na infância que começamos a nos formar e a nos deformar através de medos, dúvidas, sensações de abandono e, principalmente, através da busca de identidade.

Por tudo isso, estou até agora encantada com a leitura de Marcas de Nascença, fenomenal livro da canadense Nancy Huston e que deixo como dica antes de sair de férias.

O livro é narrado por quatro crianças de uma mesma família, em épocas diferentes, todas quando tinham seis anos: primeiro, um garotinho totalmente presunçoso, morador da Califórnia, em 2004. Depois, o relato do pai dele, quando este também tinha seis anos, em 1982. A seguir, a avó, em 1962, e por fim a bisavó, em 1944.

Ou seja, é um romance genealogicamente invertido, começando logo após o 11 de Setembro e terminando durante a Segunda Guerra Mundial, mas é também um romance psicanalítico, e é aí que se torna genial:

relata com bom humor e sem sentimentalismo todo o caldeirão de emoções da infância, mostrando como nossas feridas infantis seguem abertas a longo prazo, como as fendas familiares determinam nossos futuros ódios e preconceitos e como somos "construídos" a partir das nossas dores e das nossas ilusões.

Mas tudo isso numa narrativa sem ranço, absolutamente cativante, diria até alegre, mesmo diante dessas pequenas tragédias íntimas.

A autora é bastante conhecida fora do Brasil e ela própria, aos seis anos, foi abandonada pela mãe, o que explica muito do seu fascínio sobre as marcas que a infância nos impõe vida afora.

É incrível como ela consegue traduzir os pensamentos infantis (que muitas vezes são adultos demais para a idade dos personagens, mas tudo bem), demonstrando que toda criança é uma observadora perspicaz do universo e que não despreza nada do que capta: toda informação e todo sentimento será transformado em traço de personalidade.

Comecei falando de separação, que é o fantasma familiar mais comum, mas há diversas outras questões que são consideradas "linhas de falha" pela autora e que são transmitidas de geração para geração.

Permissividade demais gerando criaturinhas manipuladoras, mudanças constantes de endereço e de cidade provocando um desenraizamento perturbador, o testemunho constante de brigas entre pessoas que se dizem amar, promessas não-cumpridas, pais que trabalham excessivamente, a religião despertando culpas, a política induzindo a discordâncias e exílios, até mesmo uma boneca muito desejada que nunca chegou às nossas mãos: tudo o que nos aconteceu na infância ou o que não nos aconteceu acaba deixando marcas para sempre. Fazer o quê?

Em vez de tentar escapar de certas lembranças, o melhor é mergulhar nelas e voltar à tona com menos desespero e mais sabedoria. Todos temos nossas dores de estimação. O que nos diferencia uns dos outros é a capacidade de conviver amigavelmente com elas.

Excelente domingo para todos nós.

Diogo Mainardi

359 passos ao redor do mundo

"Se filosofar é aprender a morrer, a paternidade é a filosofia do homem comum, a filosofia dos pobres de espírito, a filosofia das massas. É a única filosofia ao alcance de gente como Tom Cruise e eu"

Edmund Hillary morreu em 11 de janeiro. No mesmo dia, meu filho deu 359 passos. Escalar o Monte Everest, como fez Edmund Hillary, pode parecer um feito um tantinho mais notável do que dar 359 passos, como fez meu filho.

Mas, para quem tem uma paralisia cerebral como a dele, dar 359 passos seguidos, sem ajuda, sem cair, sem espatifar os dentes, é um evento épico, pelo menos na mitografia familiar.

Se meu filho é Edmund Hillary, eu só posso ser seu sherpa, Tenzing Norgay. Ele cambaleia de um lado para o outro, com sua marcha incerta, progredindo lentamente de metro em metro, eu me mantenho na retaguarda, indicando-lhe o caminho menos acidentado e salvando-o das quedas.

Os 359 passos de meu filho foram dados em Veneza. Já estamos planejando nossos próximos desafios. Em primeiro lugar, daremos 359 passos no Corcovado. Depois disso, 359 passos na Muralha da China.

Depois disso, 359 passos no Deserto do Saara. Depois disso, 359 passos na Acrópole. Depois disso, 359 passos no Monte Everest. Meu filho e eu daremos a volta ao mundo a pé, de 359 passos em 359 passos.

Sou um pai dedicado. O único aspecto frustrante de ser um pai dedicado é que agora todos os pais parecem ser igualmente dedicados. Time publicou uma reportagem sobre o assunto.

Ela mostra como os pais passaram a se sujeitar cada vez mais às necessidades dos filhos, desempenhando uma série de tarefas maternais.

De acordo com a reportagem, nós, pais dedicados, formamos uma nova categoria social. Mais do que isso: pertencemos a uma nova espécie. Até nosso nível de testosterona é inferior ao dos outros pais. Sou um sherpa hermafrodita.

Montaigne também era um pai dedicado. Num de seus ensaios, ele discorreu sobre o afeto paterno, ostentando sua filha Léonor, assim como eu ostentei meu filho Edmund Hillary e Tom Cruise ostentou sua filha Suri. Léonor foi a Suri do Renascimento. Em outro ensaio, Montaigne argumentou que filosofar é aprender a morrer.

Depois de uma longa temporada de férias com meus filhos, estou perfeitamente preparado para a morte. Além de ser emasculado por meus filhos, fui subjugado por eles. Deixei de existir.

Perdi a vontade própria. Desencarnei. Se filosofar é aprender a morrer, a paternidade é a filosofia do homem comum, a filosofia dos pobres de espírito, a filosofia das massas. É a única filosofia ao alcance de gente como Tom Cruise e eu.

No penúltimo dia de férias em Veneza, fomos a uma mostra fotográfica sobre a Aktion T4, o programa secreto de extermínio de deficientes físicos e mentais na Alemanha nazista.

Entre 1940 e 1941, 70.273 deficientes foram mortos, muitos dos quais crianças. Quando a SS assumiu o controle do programa, seu nome mudou para Aktion 14F13.

Até o fim da guerra, outros 200.000 deficientes foram mortos nas câmaras de gás dos campos de concentração. O Edmund Hillary da paralisia cerebral e seu sherpa hermafrodita ganharam uma nova meta: 359 passos em Buchenwald.

Ponto de vista: Stephen Kanitz

Analise o erro e não erre mais

"Infelizmente, a maioria das pessoas não admite quando erra. Mas o verdadeiro idiota não é aquele que comete erros, e sim aquele que não aprende com os erros cometidos"

Todos nós cometemos erros, faz parte da vida. Em vez de ficarmos remoendo os erros, o correto seria realizar o que chamamos de "post-mortem do problema" e aprender a lição.

Fazer post-mortem significa analisar as razões que nos levaram a tomar a decisão errada. Quem nos aconselhou errado, que dados errados usamos, qual foi o raciocínio ou a teoria equivocada utilizada, que dados temos hoje e quais deveríamos ter tido ao decidir, e assim por diante.

Infelizmente, a maioria das pessoas nem sequer admite quando erra, ou então não aprendeu a técnica na faculdade. Mas o verdadeiro idiota não é aquele que comete erros, e sim aquele que não aprende com os erros cometidos. Portanto, gaste sempre um tempinho analisando os seus erros de uma forma estruturada.

Façamos o post-mortem da CPMF. O deputado João Mellão se arrepende publicamente de ter votado pela CPMF e explica por quê: "O doutor Jatene, por sua biografia e reputação, emprestou credibilidade ao imposto do cheque e como conseqüência o Congresso o aprovou" – inclusive ele.

Primeira lição desse post-mortem: emoção é um péssimo critério para tomar decisões, e confiar na reputação intelectual dos outros, pior ainda. Quem tem de pensar é sempre você, e não os outros.

Ilustração Atômica Studio

A CPMF começou com a proposta do imposto único. Os assalariados passariam a pagar somente 1,7% a 2% de imposto no recebimento do salário, mais 1,7% a 2% na compra de bens e serviços.

Um total de 3,4% a 4% de imposto somente, uma maravilha. Ou seja, já dava para desconfiar que algo estava errado. O governo precisa arrecadar 37% do PIB, e não 3,4% a 4%. De onde então viria a diferença?

Dos empresários, dos atravessadores, dos capitalistas, dos especuladores, dos banqueiros, dos atacadistas, dos varejistas, das empresas, os inimigos de sempre. Só que eles representam 40% do PIB, na melhor das estimativas. Ninguém aceita pagar 83% do que ganha, é confisco, e portanto totalmente inviável.

Mesmo assim, é impressionante a quantidade de confederações do comércio e pequenos empresários que dão apoio ao imposto único. E imaginem a fila de prefeitos, governadores e ministros que se formaria atrás do ministro da Fazenda para rediscutir a divisão do imposto único.

Paralisaria o país. Foi exatamente o que aconteceu com a CPMF. Dedicada inicialmente a gastos de saúde, ela logo teve a sua fila quilométrica e destinações diversas.

A CPMF jamais deveria ter sido criada, muito menos recriada, como querem alguns.

O setor de saúde deveria lutar por parte do IPI da Souza Cruz, pelo menos o necessário para custear os estragos médicos causados pelo tabaco, como o enfisema e o câncer de pulmão. Deveria lutar pela receita das multas de quem não usa cinto de segurança para custear as cirurgias de quem se espatifa no pára-brisa de seu carro.

Deveria lutar por parte do IPI ou do ICMS das indústrias de alimentação que exageram no sal para custear as complicações médicas da hipertensão. Em administração, isso se chama custeio ABC: achar a correspondência, mesmo que indireta, entre despesas e receitas. Quanto mais cigarros forem vendidos, maior será a receita da área de saúde.

A Fiesp quer redução de impostos sem reduzir despesas de saúde. Mas como? O custeio ABC permite uma inteligente forma de reduzir tributos.

Negociar a redução de sal nos alimentos e biscoitos em troca da redução do imposto, por exemplo, algo que a Fiesp poderia fazer. Reduzir carcinogênicos em troca de redução do IPI do fumo. Imposto criado sem destinação é convite à malversação e à gastança e permite sonegação de serviços públicos acordados em lei.

Os economistas são normalmente a favor da desvinculação de receitas porque eles não são bobos. Desvincular receitas facilita a vida deles e aumenta o poder do ministro da Economia.

Nem toda despesa do governo pode ser rateada, logicamente o custeio ABC não é uma panacéia, mas tem sua aplicação em muitos casos. Na dúvida, ficaria o padrão usual: os ricos pagariam mais pelos serviços prestados pelo estado, via imposto de consumo ou imposto de renda.

Por todas essas razões, a CPMF entrará na história econômica do Brasil como um imposto mal votado, mal concebido, mal pensado, desvirtuado, cuja alíquota de 0,38% vai continuar, incorporada que foi em outros impostos que não carregam o seu nome.

Stephen Kanitz é administrador (www.kanitz.com.br)


É seguro voar de avião no Brasil?

Não é não!

Seria se muitas das decisões tomadas não fossem de cunho absolutamente político.
Alguns pontos preocupam-me e, por isso mesmo, merecem destaque.

1) A voracidade das empresas aéreas nacionais (nacionais?) em agigantar-se, ao menos no que diz respeito às três grandes: TAM, Gol e Varig. As demais ficam, como se diz na linguagem carnavalesca, na "pipoca".

Querendo, porém, saltar da panela e crescer também. Antes, nos tempos de Departamento de Aviação Civil (DAC), o crescimento das empresas aéreas era mais controlado. Hoje, entretanto, quem as regula é o mercado, que está aquecido no que tange a crédito.

O lado positivo disso, é precio admitir, é que o transporte aéreo está bem mais socializado: deixou de ser transporte de elite para acolher aqueles que viajam à Casas Bahia.

2) Normas, regras, doutrinas, regulamentos, podem ser flexibilizadas se for do "interesse geral da nação". Nosso prezado ministro da Defesa assumiu seu papel com posições firmes, claras, norteadoras, no sentido de se incrementar a segurança.

Hoje, esse ministro já não é mais o mesmo. Talvez ambições não tão declaradas o tenham levado a ordenar ao Conselho Nacional de Aviação (Conac) que transija com Congonhas (nosso aeroporto paulista), a fim de atender os interesses das aéreas e o clamor dos usuários, que não têm elementos suficientes para analisar riscos que correm.

Afinal, fosse eu um político, jamais desprezaria a força que uma empresa aérea pode oferecer em uma campanha política. O apoio de uma única empresa é equivalente a milhões de votos. Todas então, nem se diga.

3) A parte que diz respeito ao controle aéreo é outra questão que me preocupa. Essa parte é vital ao sistema e precisa de tempo e investimentos para se adequar à nova realidade. Para formar um controlador de tráfego leva-se tempo. Além da teoria, é necessária muita prática.

Não bastasse isso, os atuais controladores, desesperançados com a profissão que abraçaram e amam, estão indo embora, trocando seus consoles e radares por profissões públicas e privadas, visto que a maior parte deles tem o terceiro grau. Sem mencionar os fortes indícios de desrespeito das condições trabalhistas, uma vez que, como militares, o regulamento que prevalece é o da caserna.

4) Congelar o crescimento da frota nacional seria uma medida justa, correta e necessária, a fim de adequar paulatinamente o sistema de transporte aéreo civil no Brasil. Levará tempo, porém, para ajustarmos as reais necessidades com as reais possibilidades. Só assim teremos um crescimento ordenado e firme.

5) As vontades de nossos políticos são terríveis! Legislam, quando não em causa própria, fazem-no em nome de minorias que, no final das contas, não perecem em acidentes aéreos, visto que viajam em seus próprios aviões ou em aeronaves do Grupo de Transporte Especial (GTE) da FAB. Nesse caso, a distância do encosto da poltrona da frente é compatível com o comprimentos das pernas dos políticos e autoridades que ali se assentam.

O povo, ora o povo... Leva-me a crer que a Zélia Cardoso de Melo e o ministro da parabólica tinham razão.

No final, ao povo (usuários) resta correr atrás do seguro de morte, que não substitui jamais o ente perdido. Levará nessa peleja um, dois, ou dez anos, não importa! Dezenas de parentes de vítimas do acidente ocorrido em 1996 no bairro do Jabaquara, em SP, ainda não viram um tostão, porém, a(s) empresa (s) vai(ão) bem, obrigado.

(Carlos Camacho)


Preocupe-se

Documentos inéditos da Aeronáutica revelam situações de alto risco de acidentes no espaço aéreo brasileiro. Duas tragédias não foram suficientes?



No dia 12 de junho do ano passado, o airbus 319 da Presidência da República, conhecido como Aerolula, decolou do Aeroporto Internacional de Guarulhos por volta das 15h30.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participara do 7º Congresso Nacional dos Metalúrgicos da CUT e voltava para Brasília. Toda vez que o avião da Presidência da República liga o motor, o controle de tráfego aéreo redobra a atenção.

As distâncias entre as aeronaves são ampliadas e o controlador passa a tratar como prioridade o avião que aparece na tela de controle com a sigla FAB01, o principal avião da frota da Força Aérea Brasileira.

Naquele dia não foi diferente. O Aerolula era o centro das atenções. Até que uma pane na sala de controle de Guarulhos apagou três dos quatro consoles, os aparelhos que permitem a visualização das aeronaves.

Com apenas um deles funcionando, o controlador responsável pela segurança da aeronave presidencial passou a monitorar também outros 13 aviões. Naquele instante, um Boeing 777 da Alitalia, prefixo AZA677, que decolara de Guarulhos rumo à Itália, se aproximava rapidamente de um avião bimotor particular prefixo PT LYZ. Havia alto risco de colisão.

O controlador de vôo, percebendo a possibilidade do acidente, desviou a trajetória do avião italiano. Mas, como a rota das duas aeronaves previa uma curva logo adiante, o desvio determinado acabou jogando uma aeronave contra a outra.

Apenas 30 metros separaram a barriga do avião da Alitalia do teto do bimotor. Parece uma distância longa. Para aviões a uma velocidade média de 900 km/h, não é. A margem mínima de segurança, determinada por padrões internacionais, é 300 metros.

O relatório interno da Força Aérea Brasileira (FAB) classificou o incidente como grave, com risco crítico de colisão. A conclusão da investigação interna da Aeronáutica é uma síntese dos problemas do controle do tráfego aéreo brasileiro: os equipamentos falham, e os controladores trabalham em condições inadequadas e sobrecarregados.

O controlador, com 14 aviões na mesma tela, sendo um deles o Aerolula, errou. E quase causa uma tragédia.

Não foi o único caso de um quase acidente nos últimos meses. Documentos internos da Aeronáutica, a que ÉPOCA teve acesso, mostram centenas de registros de falhas no controle de tráfego aéreo.

Elas vão desde panes em equipamentos e falta de manutenção até a existência de pontos no espaço aéreo brasileiro que os radares não conseguem monitorar.

São falhas parecidas com as que contribuíram para o acidente com o Boeing da Gol em setembro de 2006. Após se chocar com um jato Legacy, o avião da Gol caiu, matando 154 pessoas.

Durante as investigações desse desastre, o país foi alertado para os problemas de pessoal e de equipamentos do controle aéreo. E passou a ter dúvidas sobre as reais condições de segurança da aviação brasileira.



Em 6 meses, 8 promessas não cumpridas

Os recuos do ministro da Defesa, Nelson Jobim
O que foi anunciado
• As companhias aéreas vão reembolsar os passageiros em caso de atraso nos vôos
• Reduzir o desconforto nos aviões, aumentando o espaço entre poltronas
• Reajustar o salários dos militares, incluindo os controladores de vôo
• Iniciar a construção de um terceiro aeroporto em São Paulo
• Conduzir a desmilitarização do controle do tráfego aéreo brasileiro
• Restringir o número de conexões no aeroporto de Congonhas, em São Paulo
• Construir uma terceira pista no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, São Paulo
O que foi feito
• Até agora, a medida não foi regulamentada. Se o reembolso vier, será em milhas
• A idéia está no limbo. Uma consulta pública ainda não obteve resultado prático
• Com o fim da CPMF, o governo suspendeu aumentos salariais
• O plano foi adiado. As obras não vão começar antes do fim de 2009
• A idéia, que partiu do Palácio do Planalto, foi engavetada
• As empresas aéreas burlaram a proibição, e o governo recuou
• O governo desistiu do projeto. Diz que fará um novo terminal de passageiros

Fotos: Adriano Machado/AE, Anderson Schneider/ ÉPOCA

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008



24 de janeiro de 2008
N° 15489 - Nilson Souza


Feia, mas linda

Um professor neozelandês acendeu o rastilho da indignação nacional esta semana ao elencar no seu site as melhores e as piores bandeiras do mundo, considerando apenas o valor estético.

A brasileira ficou em quarto lugar no ranking internacional da feiúra e foi considerada por ele a mais feia entre todas as nações independentes.

Para alfinetar mais ainda o orgulho nacional, o homem classificou como bela a bandeira argentina, pela boa escolha de cores. Nem preciso dizer que a brasileirada subiu nas tamancas, despejando na internet comentários do tipo:

- Feia é a vovozinha desse camarada!

Pobre velhinha. Jamais imaginou que seu neto provocaria tanto furor numa nação do outro lado do mundo simplesmente por considerar que as cores de nosso pavilhão nacional não combinam e também por abominar frases em bandeiras. Na verdade, nosso símbolo augusto da paz não chega a ser unanimidade nem aqui.

Muita gente torce o nariz para o lema positivista que corta o globo azulado e há também quem implique com as formas geométricas, com o colorido e até com o excesso de estrelas.

Gosto é gosto. Pelo meu, nossa bandeira é linda.

Adoro vê-la tremulando contra as nuvens nos dias de vento ou enrolada no corpo dos jovens de cara pintada que freqüentam manifestações de rua e arquibancadas de praças esportivas.

Fico feliz quando a identifico no meio de multidões estrangeiras, seja numa corrida de Fórmula-1 ou numa missa dominical em frente ao Vaticano. Já mais de uma vez, em viagens ao Exterior, deixei escapar lágrimas de saudade ao deparar com o pendão verde-amarelo.

Uma vez, em Sevilha, fiquei extasiado numa plantação de girassóis que se transformou, diante de meu olhar saudoso, numa imensa bandeira do Brasil.

Nossa bandeira é bela porque sempre a enxergo com os olhos do coração.

Pouco me importa se a união do retângulo verde com o losango de ouro e o círculo celeste fere o senso estético do mestre neozelandês.

Para mim, aquela aquarela de constelações será sempre a combinação mais harmoniosa do mundo, pois representa a terra onde nasci, os dias mais prazerosos de minha vida e as pessoas que mais amo.

Por isso, sempre vou ver naquele pano multicolorido, mesmo quando desbotado, um pedacinho do céu da minha pátria - onde poderei identificar a estrelinha branca que simboliza o meu Estado natal.

Feia, professor?

Só para quem não sabe o significado que o povo brasileiro deu para cada cor da sua bandeira.

Aquele verde é o ar que o senhor respira, aquele ouro é a riqueza do nosso planeta, o azul é a nossa aspiração de eternidade e o branco é o nosso desejo de que o senhor e a sua vovozinha vivam em paz.

Excelente quinta-feira com temperatura elevada outra vez por aqui, mas com muita Paz no Palácio Piratini.