segunda-feira, 5 de janeiro de 2009



05 de janeiro de 2009
N° 15839 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Um caso de autoestima

Uma das mais ilustres veranistas da atual temporada do litoral mudou de nome da noite para o dia. Falo da coruja Zoia, que em pleno Réveillon perdeu o acento agudo, passando a chamar-se Zoia. A culpada foi a Reforma Ortográfica da Língua Portuguesa, mal-humorada senhora que causou outros estragos no idioma em que navegamos.

O acordo, firmado entre o Brasil e as outras sete nações da mesma fala, provocou mais vítimas inocentes. Embora as mudanças só devam atingir algo como 0,5% das palavras empregadas em Pindorama, há algumas que me provocam a mais sentida consternação.

O trema, por exemplo, morreu sem choro nem vela, sem uma fita amarela. Ou você acha que dizer tranquilo, que significa de ânimo calmo, de natureza serena, sem receio, confiante, vai representar a mesma coisa que tranquilo, feia palavrinha decepada do duplo e clássico sinal?

E as palavras compostas, quem vai reconhecê-las? Tomem para-quedas. O sentido não pode ser mais claro. Significa frear a queda, o que vale tanto para tempos de paz como de guerra. Já paraquedas parece o título de alguma receita destinada a quem quer consertar as costelas.

Peguem circunavegação. Parece evidente que foi a viagem que Fernão de Magalhães fez, tirando todas as dúvidas de quem ainda suspeitava de que a Terra era redonda, ou quase. Agora, escolham circum-navegação, que é como ficou decretado, e será difícil não pensar numa regata ao redor do um circo.

O velho prédio da Assembleia, aqui na Rua Duque, que será reinaugurado ao que anunciam neste janeiro, terá de providenciar nova placa, pois perdeu o acento. De igual acidente sofrerão a Coreia, a ideia, e a paranoia. A jiboia, a odisseia e a tramoia padecerão do mesmo mal.

Mas enquanto aqui refletimos, os portugueses continuarão a reflectir: é a tal de informação fonética. Outras informações menos técnicas têm o timbre da máquina registradora.

Os dicionários precisarão ser atualizados e calcula-se que milhões de exemplares de livros didáticos deverão receber reedições. O mesmo vale para as obras que nós compramos por prazer.

No fundo tudo será uma questão de auto-estima, ou de autoestima, segundo os mandamentos da grafia única e dos caprichos das Academias de Letras.

Aproveite a segunda-feira e tenha uma excelente semana.

sábado, 3 de janeiro de 2009



04 de janeiro de 2009
N° 15838 - MARTHA MEDEIROS


“Queridos Amigos”

Nesses dias de festa, me dediquei ao ócio caseiro, não coloquei o nariz pra fora.

Em vez de badalações, preferi recompor as energias no sofá da minha sala, curtindo o melhor presente que recebi no Natal: o DVD da minissérie Queridos Amigos, que foi ao ar em 2008 e que eu não havia assistido.

Pra quem não lembra, a minissérie foi baseada no romance Aos Meus Amigos, da divina Maria Adelaide Amaral. A história gira em torno de um homem que descobre ter uma grave doença e que em função disso resolve reunir a turma de amigos da juventude, à qual ele chama de “família”. A partir desse encontro, cada um deles reavaliará sua própria vida.

Não sei se porque assisti agora, no final do ano, com a emoção à flor da pele, mas essa minissérie testou minha resistência cardiológica. Foi uma overdose de sentimentos intensos. Pra começar, sou uma pessoa que realmente considera os amigos uma outra espécie de família.

Nada comove tanto quanto abraçar uma pessoa que compartilhou com você os melhores e piores momentos da sua vida, que percebe seu estado de ânimo só de te olhar. Tenho apenas um irmão biológico, mas vários outros irmãos e irmãs que me conhecem melhor do que eu mesma e que fortalecem minha identidade – sem eles, eu não sou eu.

Não bastasse, a minissérie tem um elenco de soltar fogos de artifício. Dan Stulbach, Débora Bloch, Denise Fraga, Matheus Nachtergaele, Bruno Garcia, Maria Luisa Mendonça, Drica Moraes, Guilherme Weber, Malu Galli, Juca de Oliveira, Fernanda Montenegro (e outras feras de igual calibre), mostrando o quanto se pode emocionar através de uma interpretação sem pieguice. Mágicos, todos.

E eu nem falei da trilha sonora. Uma viagem no tempo. Impossível citar o playlist inteiro, cada música é mais significativa do que a outra, nada está ali à toa, nada é apenas “pano de fundo”, são personagens da história.

Mas o mais valioso é que o DVD me chegou às mãos através da minha mãe, e isso não é uma trivialidade. Ela assistiu à minissérie quando foi ao ar e sabia que estava diante de algo qualificado. Vivia me dizendo: Martha, não perde, tu vais adorar – mas eu perdi. Portanto, não é apenas o desenrolar da história que me deixou assim comovida.

É o fato de eu ter perto de mim uma pessoa que sabe o valor de se passar adiante uma emoção, que me conhece bem o suficiente para ter certeza de que vou ficar tocada, que me dá de presente não apenas uma caixa com quatro CDS, mas algumas horas de pura sensibilidade, nada de melodrama barato. Ofertou reflexão, abalo e divertimento de alto nível.

Já escrevi uma crônica sobre isso anos atrás: o melhor presente que podemos oferecer a alguém é um acréscimo de vida. Podemos fazer isso dando uma dica de livro, de disco, de um lugar para conhecer, de um programa de tevê que fuja da mesmice, e assim tornar a vida do outro mais rica através da abertura de idéias e de um êxtase novo.

Minha mãe me ensinou a importância da arte e do livre pensar, me transmitiu o gene da alegria e do prazer, e apesar de todas as incomodações inerentes ao papel dela (mãe é mãe), acabou se tornando uma das minhas melhores e queridas amigas.

N esses dias de festa, me dediquei ao ócio caseiro, não coloquei o nariz pra fora. Em vez de badalações, preferi recompor as energias no sofá da minha sala, curtindo o melhor presente que recebi no Natal: o DVD da minissérie Queridos Amigos, que foi ao ar em 2008 e que eu não havia assistido.

Pra quem não lembra, a minissérie foi baseada no romance Aos Meus Amigos, da divina Maria Adelaide Amaral. A história gira em torno de um homem que descobre ter uma grave doença e que em função disso resolve reunir a turma de amigos da juventude, à qual ele chama de “família”. A partir desse encontro, cada um deles reavaliará sua própria vida.

Não sei se porque assisti agora, no final do ano, com a emoção à flor da pele, mas essa minissérie testou minha resistência cardiológica. Foi uma overdose de sentimentos intensos. Pra começar, sou uma pessoa que realmente considera os amigos uma outra espécie de família.

Nada comove tanto quanto abraçar uma pessoa que compartilhou com você os melhores e piores momentos da sua vida, que percebe seu estado de ânimo só de te olhar. Tenho apenas um irmão biológico, mas vários outros irmãos e irmãs que me conhecem melhor do que eu mesma e que fortalecem minha identidade – sem eles, eu não sou eu.

Não bastasse, a minissérie tem um elenco de soltar fogos de artifício. Dan Stulbach, Débora Bloch, Denise Fraga, Matheus Nachtergaele, Bruno Garcia, Maria Luisa Mendonça, Drica Moraes, Guilherme Weber, Malu Galli, Juca de Oliveira, Fernanda Montenegro (e outras feras de igual calibre), mostrando o quanto se pode emocionar através de uma interpretação sem pieguice. Mágicos, todos.

E eu nem falei da trilha sonora. Uma viagem no tempo. Impossível citar o playlist inteiro, cada música é mais significativa do que a outra, nada está ali à toa, nada é apenas “pano de fundo”, são personagens da história.

Mas o mais valioso é que o DVD me chegou às mãos através da minha mãe, e isso não é uma trivialidade. Ela assistiu à minissérie quando foi ao ar e sabia que estava diante de algo qualificado. Vivia me dizendo: Martha, não perde, tu vais adorar – mas eu perdi. Portanto, não é apenas o desenrolar da história que me deixou assim comovida.

É o fato de eu ter perto de mim uma pessoa que sabe o valor de se passar adiante uma emoção, que me conhece bem o suficiente para ter certeza de que vou ficar tocada, que me dá de presente não apenas uma caixa com quatro CDS, mas algumas horas de pura sensibilidade, nada de melodrama barato. Ofertou reflexão, abalo e divertimento de alto nível.

Já escrevi uma crônica sobre isso anos atrás: o melhor presente que podemos oferecer a alguém é um acréscimo de vida. Podemos fazer isso dando uma dica de livro, de disco, de um lugar para conhecer, de um programa de tevê que fuja da mesmice, e assim tornar a vida do outro mais rica através da abertura de idéias e de um êxtase novo.

Minha mãe me ensinou a importância da arte e do livre pensar, me transmitiu o gene da alegria e do prazer, e apesar de todas as incomodações inerentes ao papel dela (mãe é mãe), acabou se tornando uma das minhas melhores e queridas amigas.


04 de janeiro de 2009
N° 15838 - MOACYR SCLIAR


A Terra do Nunca, A Terra do Sempre

Uma frase inevitável nesta época é: “Parece que foi ontem que o ano começou e ele já está terminando”. Tradução: o tempo passa.

Quando a gente vê, a semana terminou, o mês terminou, o ano terminou. E, claro, a vida termina, mesmo para os imortais membros da ABL, que, como dizia Rachel de Queiroz, podem ser imortais mas não são imorríveis. É bom a gente lembrar a transitoriedade da vida.

Porque a passagem do tempo é coisa que não aceitamos, que negamos fervorosamente, e aí está o botox para comprová-lo. Essa negação tem um preço, inclusive em termos emocionais. Se a gente soubesse avaliar melhor o tempo, usar melhor o tempo, se a gente pudesse aprender com o tempo, a nossa vida seria muito melhor.

Existem duas palavras que disso dão testemunho: nunca e sempre. As duas palavras negam que o tempo passe, que o tempo mude as coisas. Correspondem a uma fantasia infantil e não é de admirar que o escritor J.M. Barrie, o criador de Peter Pan, tenha dado o nome de Terra do Nunca àquela mítica região onde as crianças jamais envelheceriam.

Também não é de admirar que o estranho Michael Jackson tenha dado esse nome ao rancho que possuía em Santa Barbara, na Califórnia, e que teria sido cenário de cenas de pedofilia – até o cantor perder a propriedade por causa de uma milionária dívida hipotecária.

De alguma maneira vivemos na Terra do Nunca. E também na Terra do Sempre. Usamos constantemente essas duas palavras. Que são, podem estar certos disso, um desastre para qualquer relacionamento. É a mulher que diz ao marido: “Tu nunca me levas para jantar fora”, é o marido que acusa a mulher: “Tu nunca perguntas como é que estão as coisas no escritório”.

É o namorado que diz à namorada: “Tu estás sempre me criticando”, é a namorada que responde: “Tu estás sempre pensando em sexo”. Essas acusações tendem a se perpetuar, porque um “nunca” puxa outro “nunca”, um “sempre” evoca outro “sempre”. Um conflito eterno, muito mais eterno que o próprio amor, que, recomenda Vinicius de Moraes, deve ser eterno apenas enquanto dure.

Claro, não são poucas as pessoas que perceberam as armadilhas contidas nessas palavras. Há uma expressão em inglês que deveria servir de antídoto ao menos para o “nunca”: “Never say never”. É título de uma canção, título de um filme do 007, e deu origem a um neologismo, cunhado pelo jornalista americano William Safire, o “never-say-neverism”, que é uma regra para escrever melhor. Exemplo: “Nunca use pontos de exclamação!” (este que termina a frase é, claro, irônico).

As palavras nos unem, as palavras nos separam. As palavras criam beleza ou geram desgraça. E deste último caso “nunca” e “sempre” são exemplos eloquentes. Querem uma boa resolução de Ano Novo? Aí vai: nunca usar o nunca, sempre evitar o sempre.

ma frase inevitável nesta época é: “Parece que foi ontem que o ano começou e ele já está terminando”. Tradução: o tempo passa. Quando a gente vê, a semana terminou, o mês terminou, o ano terminou. E, claro, a vida termina, mesmo para os imortais membros da ABL, que, como dizia Rachel de Queiroz, podem ser imortais mas não são imorríveis. É bom a gente lembrar a transitoriedade da vida.

Porque a passagem do tempo é coisa que não aceitamos, que negamos fervorosamente, e aí está o botox para comprová-lo. Essa negação tem um preço, inclusive em termos emocionais. Se a gente soubesse avaliar melhor o tempo, usar melhor o tempo, se a gente pudesse aprender com o tempo, a nossa vida seria muito melhor.

Existem duas palavras que disso dão testemunho: nunca e sempre. As duas palavras negam que o tempo passe, que o tempo mude as coisas. Correspondem a uma fantasia infantil e não é de admirar que o escritor J.M. Barrie, o criador de Peter Pan, tenha dado o nome de Terra do Nunca àquela mítica região onde as crianças jamais envelheceriam.

Também não é de admirar que o estranho Michael Jackson tenha dado esse nome ao rancho que possuía em Santa Barbara, na Califórnia, e que teria sido cenário de cenas de pedofilia – até o cantor perder a propriedade por causa de uma milionária dívida hipotecária.

De alguma maneira vivemos na Terra do Nunca. E também na Terra do Sempre. Usamos constantemente essas duas palavras. Que são, podem estar certos disso, um desastre para qualquer relacionamento. É a mulher que diz ao marido: “Tu nunca me levas para jantar fora”, é o marido que acusa a mulher: “Tu nunca perguntas como é que estão as coisas no escritório”.

É o namorado que diz à namorada: “Tu estás sempre me criticando”, é a namorada que responde: “Tu estás sempre pensando em sexo”. Essas acusações tendem a se perpetuar, porque um “nunca” puxa outro “nunca”, um “sempre” evoca outro “sempre”. Um conflito eterno, muito mais eterno que o próprio amor, que, recomenda Vinicius de Moraes, deve ser eterno apenas enquanto dure.

Claro, não são poucas as pessoas que perceberam as armadilhas contidas nessas palavras. Há uma expressão em inglês que deveria servir de antídoto ao menos para o “nunca”: “Never say never”.

É título de uma canção, título de um filme do 007, e deu origem a um neologismo, cunhado pelo jornalista americano William Safire, o “never-say-neverism”, que é uma regra para escrever melhor. Exemplo: “Nunca use pontos de exclamação!” (este que termina a frase é, claro, irônico).

As palavras nos unem, as palavras nos separam. As palavras criam beleza ou geram desgraça. E deste último caso “nunca” e “sempre” são exemplos eloquentes. Querem uma boa resolução de Ano Novo? Aí vai: nunca usar o nunca, sempre evitar o sempre.

quarta-feira, 31 de dezembro de 2008


JOSÉ SIMÃO

Ueba! Boas entradas e melhores saídas!

Feias, bagulhos e mocréias, evitem as praias! Senão, o Ano Novo se assusta!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta! Boas entradas! Boas entradas e melhores saídas. Porque a última vez que me desejaram boas entradas, eu entrei pelo cano.

Rarará! Então: boas entradas e melhores saídas! E olha o que umas amigas minhas já tão dizendo umas pra outras: FELIZ HOMEM NOVO! Rarará! E uma delas disse que, em vez de entrar, ela quer ser entrada.

E eu acho que vou passar o Réveillon na padaria. Hoje de manhã, entrei na padaria, e os caras: "É aí garoto, tudo bem?". "Vai um cafezinho, meu jovem?". Garoto? Meu jovem? Ueba! Vou passar o Réveillon na padoca. Virada na Padoca!

E só hoje reparei que Réveillon tem acento. Eu achava que só a Ivete Sangalo falava RÉveillon! E essa guerra na Faixa de Gaza no Natal? Eu me lembro de duas frases. "A humanidade não deu certo", de Nelson Rodrigues. "A civilização não se comportou", de Ronald Golias, o Bronco. A civilização não se comportou! E essa manchete: "EUA exigem que Hamas pare de atacar Israel".

E atenção! Feias, bagulhos e mocréias, evitem as praias! Senão, o Ano Novo se assusta e não entra! E o Lula que falou: "No dia 31, os brasileiros vão dormir e acordar no dia 1º com uma vida melhor". Só que ninguém dorme no dia 31. Fica todo mundo em pé. E não vai acordar com uma vida melhor, vai acordar com um fígado pior! Vai acordar fazendo curva quadrada. E com a língua mais seca que língua de papagaio! Rarará!

E um grande conselho para a crise: se não tiver dinheiro pro champanhe, pega um saco de supermercado e estoura. O que importa é o barulho. É que um amigo meu foi pro supermercado e disse que tudo aumentou. No Iraque, tem carro-bomba. E agora no Brasil tem o carrinho-bomba. Carrinho-bomba de supermercado. Explode qualquer saldo! É mole? É mole, mas sobe. Ou como disse aquele outro: é mole, mas chacoalha pra ver o que acontece!

Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês. É que em São Miguel do Gostoso (RN), tem uma casa de shows chamada Traseirão. Taí um bom programa pra começar 2009: encarando o Traseirão. Mais direto, impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!

E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Analista": companheiro especializado na vida emocional do ânus. O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno. Pra ver fogos psicodélicos!

simao@uol.com.br

Ótima quarta-feira - FELIZ ANO NOVO - FELIZ 2009 - SPRING_INTENSITY

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008



29 de dezembro de 2008
N° 15833 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Do fundo do tempo

A fotografia é um instante aprisionado da eternidade. A idéia me vem ao folhear Memória Visual de Porto Alegre 1880 – 1960, álbum publicado pelo Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa e organizado, sob a batuta de Lauro Schirmer, por Denise Stumvoll e Naida Menezes.

Na verdade, o período contemplado é um tanto elástico, pois sobra espaço para um anúncio de 1860 e imagens de 1970. Mas isso é o que menos importa. O que conta é a esplêndida coleção de flagrantes da vida real modelarmente selecionados pelos técnicos de uma instituição que atravessa um excelente momento, como mostrou reportagem do caderno Cultura, de Zero Hora.

Tomem a capa do álbum. Uma banda colegial desfila pela Rua da Praia no penúltimo dia de inverno de 1960. Ali estão os cinemas Imperial e Guarani, a Farmácia Carvalho, o Grande Hotel, o prédio de A Federação, que viria a ser a sede do museu. Mas ali está também o rosto extraordinariamente expressivo de uma menina, que nos mira do fundo do tempo.

Considerem as cenas da Legalidade. Naqueles dias o Rio Grande se levantou pela democracia, na que foi uma das mais belas páginas de sua história.

Olhem a esquina da Rua Conceição com a Voluntários da Pátria. Aqui se ergue o torreão da Estação Ferroviária. Daqui partiam os trens que me levavam a Cachoeira e a inesquecíveis instantes de minha primeira juventude.

E esse bonde que desliza pelos trilhos da Praça da Alfândega, numa manhã perdida da década de 30? Não será ele o símbolo de uma capital com um extraviado cenário vagamente europeu?

E essa mansão do cruzamento da Hilário Ribeiro com Formosa (leia-se Florêncio Ygartua) não será a confirmação de que éramos um quarteirão esquecido de Berlim ou de Viena?

E esse Austin A-70, estacionado junto a um Citroën negro em plena Rua da Praia, esse Jaguar parado na Jerônimo Coelho, esse Stutz percorrendo a Avenida Farrapos não espelham dias que não voltarão?

Sei não, pois talvez tornem a cada vez que eu abrir a Memória Visual de uma Porto Alegre que não existe mais.

Aproveite a segunda-feira e tenhamos todos uma excelente semana. Esta que marcará o fim de 2008 e o início de 2009.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008


FREI BETTO

Feliz Natal

Feliz Natal a todos que pulam corda com a linha do horizonte e riem à sobeja dos que apregoam o fim da história

FELIZ NATAL aos infelizes cativos do desapreço ao próximo, da irremediável preguiça de amar, do zelo excessivo ao próprio ego. E aos semeadores de alvíssaras, aos glutões de premissas estéticas, aos fervorosos discípulos da ética.

Feliz Natal ao Brasil dos deserdados, às mulheres naufragadas em lágrimas, aos escravos do infortúnio condenados à morte precoce. E aos premiados pela loteria biológica, aos desmaquiadores de ilusões, aos inconsoláveis peregrinos da vicissitude.

Feliz Natal aos órfãos do mercado financeiro, pilotos de vôos sem asas e sem chão, fiéis devotos da onipotência do mercado, agora encerrados no impiedoso desabrigo de suas fortunas arruinadas. E também aos lavradores da insensatez espelhada na linguagem transmutada em arte.

Feliz Natal às lagartas temerosas de abandonar casulos, ao desborboletear de insignificâncias cultivadoras de ódios, aos exilados na irracionalidade do despautério consensual. E aos dessedentados na saciedade do infinito, no silêncio inefável, nas paixões condensadas em prestativa amorosidade.

Feliz Natal a quem escapa dos indomáveis pressupostos da lógica consumista, dessufoca-se em celebrações imantadas de deidade, livre do desconforto da troca compulsória de presentes prenhes de ausências. E aos hospedeiros de prenúncios do leque infinito de possibilidades da vida.

Feliz Natal a quem não planta corvos nas janelas da alma, nem embebe o coração de cicuta, e coleciona no espírito aquarelas do arco-íris. E a quem trafega pelas vias interiores e não teme as curvas abissais da oração.

Feliz Natal aos devotos do silêncio recostados em leitos de hortênsias a bordar, com os delicados fios dos sentimentos, alfombras de ternura. E a quem arranca das cordas da dor melódicas esperanças.

Feliz Natal aos que trazem às costas aljavas repletas de relâmpagos, aspiram o perfume da rosa-dos-ventos e carregam no peito a saudade do futuro. Também a quem mergulha todas as manhãs nas fontes da verdade e, no labirinto da vida, identifica a porta que os sentidos não vêem e a razão não alcança.

Feliz Natal aos dançarinos embalados pelos próprios sonhos, ourives sapienciais das artimanhas do desejo. E a quem ignora o alfabeto da vingança e não pisa na armadilha do desamor.

Feliz Natal a quem acorda todas as manhãs a criança adormecida em si e, moleque, sai pelas esquinas a quebrar convenções que só obrigam a quem carece de convicções. E aos artífices da alegria que, no calor da dúvida, dão linha à manivela da fé.

Feliz Natal a quem recolhe cacos de mágoas pelas ruas para atirá-los no lixo do olvido e se guarda no recanto da sobriedade. E a quem se resguarda em câmaras secretas para reaprender a gostar de si e, diante do espelho, descobre-se belo na face do próximo.

Feliz Natal a todos que pulam corda com a linha do horizonte e riem à sobeja dos que apregoam o fim da história. E aos que suprimem a letra erre do verbo armar.
Feliz Natal aos poetas sem poemas, aos músicos sem melodias, aos pintores sem cores, aos escritores sem palavras. E a quem jamais encontrou a pessoa a quem declarar todo o amor que o fecunda em gravidez inefável.

Feliz Natal a quem, no leito de núpcias, promove despudorada liturgia eucarística, transubstancia o corpo em copo, inunda-se do vinho embriagador da perda de si no outro. E a quem corrige o equívoco do poeta e sabe que o amor não é eterno enquanto dura, mas dura enquanto é terno.

Feliz Natal aos que repartem Deus em fatias de pão, bordam toalhas de cumplicidades, secam lágrimas no consolo da fé, criam hipocampos em aquários de mistério.

Feliz Natal a quem se embebeda de chocolate na esbórnia pascal da lucidez crítica e não receia se pronunciar onde a mentira costura bocas e enjaula consciências.

E a quem voa inebriado pelo eco de profundas nostalgias e decifra enigmas sem revelar inconfidências; nu, abraça epifanias sob cachoeiras de magnólias.

Feliz Natal a todos que dão ouvidos à sinfonia cósmica e, nos salões da Via Láctea, bailam com os astros ao ritmo de siderais incertezas. Queira Deus que renasçam com o menino que se aconchega em corações desenhados na forma de presépios.

CARLOS ALBERTO LIBÂNIO CHRISTO , o Frei Betto, 64, frade dominicano e escritor, é autor de "A arte de semear estrelas" (Rocco), entre outros livros. Foi assessor especial da Presidência da República (2003-2004).

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008



24/12/2008 e 25/12/2008
N° 15829 - MARTHA MEDEIROS


Escute o Natal

Cada pessoa se prepara de um jeito para o Natal. Eu costumo cumprir os rituais inevitáveis que a época exige, como montar a árvore, comprar presentes e providenciar um jantar especial para receber a família.

Mas, como neste período minha emoção fica sempre à flor da pele, me condiciono a algo mais íntimo: seleciono uma trilha sonora adequada ao meu estado de espírito.

Quando se pensa em música de Natal, muitos recorrem a Assis Valente: “Amanheceu/ o sino gemeu/ e a gente ficou/ feliz a rezar...”. Feliz? “Já faz tempo que eu pedi/ mas o meu Papai Noel não vem/ com certeza já morreu...” Eu era criança e achava desolador que o Papai Noel só estivesse vivo para alguns. Desde então, passei a fazer meu próprio playlist natalino.

Gosto de intensidade sonora, fui criada a guitarra. Ainda que aprecie gêneros mais tranqüilos e sofisticados, não adianta: o rock e o blues sempre falaram mais alto aqui em casa.

Mas assim que entra a contagem regressiva para o Natal, entro em jejum de qualquer batida mais compassada, tiro de cena todos os Stones e seus discípulos, e abaixo o volume. Juro, sumo até com os Beatles, e sou capaz de cometer assassinatos em série quando escuto “So this is Christmas/ and what have you done....” do John Lennon. Massacrante. Quem ainda agüenta?

Retirada a sonzeira, abro espaço para gêneros que casam perfeitamente com o astral do momento. Jazz tradicional ou jazz moderno: por exemplo, não consigo parar de ouvir Amy Winehouse cantando Love is a Losing Game. Minha Assis Valente deste Natal 2008.

E clássicos. Chopin, Schubert, Mozart.

Coral também é uma pedida. Perdi a conta dos Natais em que ouvi um coral do Harlem chamado Mount Moriah e que enchia a casa com o ritmo gospel.

E música lounge, que me transporta para a beira de uma praia paradisíaca.

E música popular brasileira cantada quase em silêncio, com ternura, sem agressividade, letras amorosas, leves, confortantes.

Eu falei em silêncio?

O barulho das folhas ao vento e os passarinhos que acordam sempre mais cedo que nós, isso ainda dá para se ouvir na cidade (quando o pessoal não está buzinando – por que se buzina tanto nos dias que antecedem o Natal?).

Mas pra quem tem a sorte de estar em algum lugar menos concreto, benditas sejam as ondas do mar quebrando na areia, o barulho de alguma cachoeira escondida no meio do mato, o espocar imaginário de cada estrela que vai surgindo no céu – trilha sonora do Natal.

Hoje, o que eu desejo para todos, além de receberem um abraço que não seja protocolar como tantos que se recebem durante o ano, é que a gente escute o Natal.

Que o som dessa noite apazigüe a alma, que sinos toquem dentro de nós, que ninguém levante a voz, que tudo seja suave e que o silêncio transmita todos os votos vindos de longe, daqueles que não puderam estar juntos.

Ivete Sangalo? Melhor deixar pro Réveillon.

Para todos aqueles que vem até aqui todos os dias, um Feliz Natal e que o Papai Noel seja generoso com cada um - Entrelacos


24/12/2008 e 25/12/2008
N° 15829 - MARTHA MEDEIROS


Escute o Natal

Cada pessoa se prepara de um jeito para o Natal. Eu costumo cumprir os rituais inevitáveis que a época exige, como montar a árvore, comprar presentes e providenciar um jantar especial para receber a família.

Mas, como neste período minha emoção fica sempre à flor da pele, me condiciono a algo mais íntimo: seleciono uma trilha sonora adequada ao meu estado de espírito.

Quando se pensa em música de Natal, muitos recorrem a Assis Valente: “Amanheceu/ o sino gemeu/ e a gente ficou/ feliz a rezar...”. Feliz? “Já faz tempo que eu pedi/ mas o meu Papai Noel não vem/ com certeza já morreu...” Eu era criança e achava desolador que o Papai Noel só estivesse vivo para alguns. Desde então, passei a fazer meu próprio playlist natalino.

Gosto de intensidade sonora, fui criada a guitarra. Ainda que aprecie gêneros mais tranqüilos e sofisticados, não adianta: o rock e o blues sempre falaram mais alto aqui em casa.

Mas assim que entra a contagem regressiva para o Natal, entro em jejum de qualquer batida mais compassada, tiro de cena todos os Stones e seus discípulos, e abaixo o volume. Juro, sumo até com os Beatles, e sou capaz de cometer assassinatos em série quando escuto “So this is Christmas/ and what have you done....” do John Lennon. Massacrante. Quem ainda agüenta?

Retirada a sonzeira, abro espaço para gêneros que casam perfeitamente com o astral do momento. Jazz tradicional ou jazz moderno: por exemplo, não consigo parar de ouvir Amy Winehouse cantando Love is a Losing Game. Minha Assis Valente deste Natal 2008.

E clássicos. Chopin, Schubert, Mozart.

Coral também é uma pedida. Perdi a conta dos Natais em que ouvi um coral do Harlem chamado Mount Moriah e que enchia a casa com o ritmo gospel.

E música lounge, que me transporta para a beira de uma praia paradisíaca.

E música popular brasileira cantada quase em silêncio, com ternura, sem agressividade, letras amorosas, leves, confortantes.

Eu falei em silêncio?

O barulho das folhas ao vento e os passarinhos que acordam sempre mais cedo que nós, isso ainda dá para se ouvir na cidade (quando o pessoal não está buzinando – por que se buzina tanto nos dias que antecedem o Natal?).

Mas pra quem tem a sorte de estar em algum lugar menos concreto, benditas sejam as ondas do mar quebrando na areia, o barulho de alguma cachoeira escondida no meio do mato, o espocar imaginário de cada estrela que vai surgindo no céu – trilha sonora do Natal.

Hoje, o que eu desejo para todos, além de receberem um abraço que não seja protocolar como tantos que se recebem durante o ano, é que a gente escute o Natal.

Que o som dessa noite apazigüe a alma, que sinos toquem dentro de nós, que ninguém levante a voz, que tudo seja suave e que o silêncio transmita todos os votos vindos de longe, daqueles que não puderam estar juntos.

Ivete Sangalo? Melhor deixar pro Réveillon.

Para todos aqueles que vem até aqui todos os dias, um Feliz Natal e que o Papai Noel seja generoso com cada um - Entrelacos


24/12/2008 e 25/12/2008
N° 15829 - MARTHA MEDEIROS


Escute o Natal

Cada pessoa se prepara de um jeito para o Natal. Eu costumo cumprir os rituais inevitáveis que a época exige, como montar a árvore, comprar presentes e providenciar um jantar especial para receber a família.

Mas, como neste período minha emoção fica sempre à flor da pele, me condiciono a algo mais íntimo: seleciono uma trilha sonora adequada ao meu estado de espírito.

Quando se pensa em música de Natal, muitos recorrem a Assis Valente: “Amanheceu/ o sino gemeu/ e a gente ficou/ feliz a rezar...”. Feliz? “Já faz tempo que eu pedi/ mas o meu Papai Noel não vem/ com certeza já morreu...” Eu era criança e achava desolador que o Papai Noel só estivesse vivo para alguns. Desde então, passei a fazer meu próprio playlist natalino.

Gosto de intensidade sonora, fui criada a guitarra. Ainda que aprecie gêneros mais tranqüilos e sofisticados, não adianta: o rock e o blues sempre falaram mais alto aqui em casa.

Mas assim que entra a contagem regressiva para o Natal, entro em jejum de qualquer batida mais compassada, tiro de cena todos os Stones e seus discípulos, e abaixo o volume. Juro, sumo até com os Beatles, e sou capaz de cometer assassinatos em série quando escuto “So this is Christmas/ and what have you done....” do John Lennon. Massacrante. Quem ainda agüenta?

Retirada a sonzeira, abro espaço para gêneros que casam perfeitamente com o astral do momento. Jazz tradicional ou jazz moderno: por exemplo, não consigo parar de ouvir Amy Winehouse cantando Love is a Losing Game. Minha Assis Valente deste Natal 2008.

E clássicos. Chopin, Schubert, Mozart.

Coral também é uma pedida. Perdi a conta dos Natais em que ouvi um coral do Harlem chamado Mount Moriah e que enchia a casa com o ritmo gospel.

E música lounge, que me transporta para a beira de uma praia paradisíaca.

E música popular brasileira cantada quase em silêncio, com ternura, sem agressividade, letras amorosas, leves, confortantes.

Eu falei em silêncio?

O barulho das folhas ao vento e os passarinhos que acordam sempre mais cedo que nós, isso ainda dá para se ouvir na cidade (quando o pessoal não está buzinando – por que se buzina tanto nos dias que antecedem o Natal?).

Mas pra quem tem a sorte de estar em algum lugar menos concreto, benditas sejam as ondas do mar quebrando na areia, o barulho de alguma cachoeira escondida no meio do mato, o espocar imaginário de cada estrela que vai surgindo no céu – trilha sonora do Natal.

Hoje, o que eu desejo para todos, além de receberem um abraço que não seja protocolar como tantos que se recebem durante o ano, é que a gente escute o Natal.

Que o som dessa noite apazigüe a alma, que sinos toquem dentro de nós, que ninguém levante a voz, que tudo seja suave e que o silêncio transmita todos os votos vindos de longe, daqueles que não puderam estar juntos.

Ivete Sangalo? Melhor deixar pro Réveillon.

Para todos aqueles que vem até aqui todos os dias, um Feliz Natal e que o Papai Noel seja generoso com cada um - Entrelacos

terça-feira, 23 de dezembro de 2008


Jaime Cimenti

História de Natal

O sol abrasador esturricava a tarde no pampa. Vento, nenhum. Até os quero-queros estavam parados debaixo das folhas imóveis da grande figueira do capão. No rancho de pau-a-pique da coxilha, Juliano, nove anos, o mais moço dos seis irmãos, sozinho, olhava para o pequeno pinheiro enfeitado apenas pelas barbas-de-pau.

Em volta estava o minúsculo presépio desbotado: São José, Virgem Maria, Jesus, a vaca, o cavalo, a galinha, duas ovelhinhas e um pedaço de espelho rodeado de terra, imitando um laguinho vazio. Os três reis magos estavam próximos, um atrás do outro, em posição de chegada.

Tudo no canto da salinha. Na noite anterior, Juliano ouviu o pai e a mãe combinarem que dariam apenas frango assado, batatas e sagu naquela noite de véspera de Natal e que no dia vinte e cinco poderiam caminhar até o povoado para assistir à missa, caminhar em volta da pracinha e, quem sabe, tomar picolés de gelo.

Amigos, parentes, dinheiro para presentes ou algum passeio permaneceriam distantes, tal como nos anos anteriores. Depois de pensar por um bom tempo, Juliano pegou o cofre em forma de porquinho que estava debaixo da cama e, com um gesto calmo, mas firme, quebrou-o.

Recolheu as moedinhas e as três notas e caminhou até o bolicho do seu Marcílio. Eram quatro da tarde, ainda daria tempo. Pediu para falar com o bolicheiro, longe da mulher dele, do filho e dos homens que bebiam na mesinha da frente. Mostrou para o comerciante as economias e disse que pretendia dar presentes de Natal para os irmãos e os pais.

O homem contou o dinheiro, disse que, pelo valor, poderia dar pirulitos, balas, algumas rapaduras, uma cuia, um pacote de mate e um vidro de mel. Na verdade, o dinheiro não dava para tanto, mas a atitude do piá tinha comovido "seu" Marcílio e ele resolvera fazer uma caridade natalina, sem dizer nada a Juliano.

De noite, depois do frango, das batatas e do sagu, Juliano entregou os presentes. Ganhou alguns abraços, beijos e agradecimentos, alguns meio rápidos. Recebeu alguns olhares estranhos e desconfiados, mas não se preocupou.

Depois de rezar, adormeceu pensando, meio triste, mas sem amargura, que tinha feito sua pequena parte, que teria muitos natais, presentes e pessoas pela frente, que o bom Deus não lhe iria lhe faltar.

Ótima terça-feira - Aproveite o dia.

domingo, 21 de dezembro de 2008



21 de dezembro de 2008
N° 15826- MARTHA MEDEIROS


Calma, rapaz

Depois de eu já ter escrito vários textos sobre Natal, uns recomendando frear o impulso consumista, outros lembrando de como os gestos são mais significativos que os presentes, outro ainda homenageando a Mamãe Noel (bem mais pró-ativa nessa época do ano que o Papai), e textos ainda lembrando que há crianças que nunca tiveram colchão, lápis de cor, iogurte ou sapato, chego a outro fim de ano esgotada: o que mais dizer a essa altura do campeonato?

Eis que me chega em mãos um livrinho com textos de Drummond – ele mesmo – editado pela Record e chamado Receita de Ano Novo, onde encontro umas frases necessárias e bem mais brilhantes do que qualquer uma que eu possa inventar nessa época de tão pouca novidade.

Então, caros, essa crônica de hoje será feita a quatro mãos com a honrosa parceria de Carlos Drummond de Andrade, que na página 89 do tal livrinho destaca um certo João Brandão, personagem que significa um João qualquer, qualquer um. Ele nos conta:

“Cheguei ao ponto construtivo destas considerações. João Brandão, que às vezes é modelo de sabedoria relativa (a absoluta consiste em deixar a fantasia agir), contou-me que todo ano recebe um cartão nesses termos: “CALMA, RAPAZ”.

“E quem é que te manda este cartão?” perguntei-lhe. “Eu mesmo. Entro na fila, compro o selo, boto na caixa. Porque se eu não fizer isso, ninguém o fará por mim. Ao receber a mensagem, considero-a mandada por amigo vigilante e discreto, e faço fé na recomendação, que eu não saberia me impor, diante do espelho”. Pausa e continuação: “Tem me ajudado muito.

Você já reparou que ninguém recomenda calma a ninguém, na época de desejar coisas? Deseja-se prosperidade, paz, amor, isso e aquilo (´tudo de bom pra você´), mas todos se esquecem de desejar calma para saborear esse tudo de bom, se por milagre ele acontecer, e principalmente o nada de bom, que às vezes acontece em lugar dele. Como você está vendo, não chega a ser um voto que eu dirijo a mim próprio, pelo correio. É uma vacina”.

Se você pudesse mandar um cartão pra si mesmo (e pode), o que escreveria nele, que vacina aplicaria a si próprio? Pense em qualquer frase, seja um lugar comum ou incomum, algo profundo ou raso, inventada por você ou pelo acaso.

“Troque a tristeza pelo alívio”

“Não queira nada dos outros que já não seja seu”

“Pare de lutar tanto pela manutenção do tédio”

“Viver é existir sem medo”

“Espante-se consigo próprio”

“Melhor ter uma vida imperfeita que imitar a vida perfeita dos outros”

O que mais? Pesquise, vá atrás do que você andou sublinhando por aí, lembre de algo que lhe comoveu ou que lhe fez rir muito, procure nos livros de poesia, de filosofia – ou nos livros de sacanagem, por que não?

Nesse Natal, mande um cartão endereçado a você mesmo. Em poucas palavras, coloque ali a vacina que vai salvá-lo em 2009. Seja seu próprio João Brandão.

Feliz reencontro com o que você deseja.

Aproveite o dia - Um excelente domingo.

sábado, 13 de dezembro de 2008



14 de dezembro de 2008
N° 15819 - MARTHA MEDEIROS


A volta triunfal das samambaias

Hoje ninguém mais quer sair da casa dos pais. Adolescentes se tornam adultos, ganham um ótimo salário e seguem entrincheirados no doce lar em que foram criados, desfrutando das vantagens de se ter comida, roupa lavada e liberdade para ir e vir. No meu tempo não era assim.

Aos 16 anos já estávamos sonhando em ter nosso cantinho, aos 18 já estávamos trabalhando, aos 20 já estávamos alugando um apê minúsculo com algum colega de faculdade. Bom, estou generalizando, cada um teve uma saída a seu modo.

A minha aconteceu por volta dos 23 anos, quando só então consegui bancar minhas despesas. Fui morar sozinha num apartamento de um dormitório e mal podia conter minha satisfação: finalmente, teria minha própria samambaia.

Naquela época, ter uma samambaia era tão essencial quanto ter um fogão ou um chuveiro. A samambaia era o toque de natureza de qualquer casa ou apartamento, não importava a classe social. Todos tinham ao menos uma, bem verdinha, pendurada no teto ou em cima de um móvel (mas pendurada no teto era mais legal, tinha mais caimento).

Aos poucos, as samambaias foram sendo transferidas para a área de serviço, cedendo lugar na sala para outras plantas. E, passado um tempo, nem na área de serviço foram toleradas. Saíram de moda. Ter uma samambaia passou a ser cafona.

Quem determina o que é moda ou não é? Na indústria têxtil, ouvi dizer que funciona mais ou menos assim: um pigmento ou um tecido sofre retração de mercado e há uma mobilização para que, na próxima estação, ele seja anunciado como “tendência”, acelerando a demanda.

Claro que os estilistas também fazem sua parte, decretando em seus desfiles o que é chique e o que é ultrapassado – e como não há inúmeras idéias para o ato corriqueiro de se vestir, o que é novo envelhece, depois o velho se recicla e volta a ser novo. E cá estamos nós usando as mesmas coisas, sempre.

Mas será que isso funciona com plantas também? Pasmem, descobri que sim. Abri uma revista e li com esses olhos que a terra um dia há de usar como adubo: “A volta triunfal das samambaias!”.

Achei que era algum filme trash, ao estilo O Ataque dos Tomates Assassinos, mas não, era mesmo o anúncio bombástico de que a samambaia voltou com tudo.

Pegou carona no revival dos anos 70, que já se insinua forte na moda e no décor. Passou a ser o must do paisagismo atual. Cafona? Cafona sou eu e você, santa. Quem não tem uma, pode começar a arrancar os cabelos.

Um excelente domingo e um ótimo inicio de semana para você.

Texto integral - Diogo Mainardi

Protógenes, o carcereiro de Dantas

Protógenes Queiroz se candidatou à vaga de carcereiro de Daniel Dantas. Meus cumprimentos. Ele está certo. A cadeia é um bom lugar para ambos. Tanto faz se dentro ou fora das grades.

Só tenho uma dúvida: quem permanecerá com a chave da cadeia enquanto Protógenes Queiroz estiver viajando pelo mundo, com todas as despesas pagas pela CBF? Porque Protógenes Queiroz, algumas semanas atrás, visitou Rússia, Suiça e Inglaterra, como um parasita no intestino do ponta-direita do ABC de Natal, agregado à comitiva da CBF.

A mesma CBF, por sinal, que foi investigada por ele em 2005, no caso da "Máfia do Apito", denunciado por VEJA. Me pergunto singelamente: será que, em 2011, Protógenes Queiroz estará viajando pelo mundo com todas as despesas pagas pelo Opportunity?

Daniel Dantas está acabado. Ele merece. Mas para quem, como eu, acompanhou suas artimanhas desde o estouro do mensalão, o resultado do inquérito a seu respeito, pelo menos até agora, é escandalosamente frustrante. Daniel Dantas não se tornou Daniel Dantas por ter corrompido um policial ou por ter reciclado dinheiro sujo.

Isso um monte de gente faz. Daniel Dantas é Daniel Dantas apenas por causa de sua promiscuidade com a política. Primeiro, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Depois, durante o governo de Lula, quando o PT se dividiu ao meio, entre a sua turma e a turma da Telecom Italia, uma em guerra com a outra, uma cobrando mais caro do que a outra.

Onde foi parar a política no inquérito sobre Daniel Dantas? Protógenes Queiroz, apesar de seu primarismo debilitante, apesar de sua palermice gangrenosa, apesar de sua falsidade caluniadora, apesar de sua desonestidade rudimentar, era acumpliciado com uns tipinhos perturbados que tinham interesse em mandar recados oblíquos para o governo.

Nesse ponto, seu relatório era melhor do que o dos policiais que foram postos em seu lugar.

Se os arapongas engajados por ele tivessem dedicado mais tempo à compra da Brasil Telecom pela Oi, e menos tempo descarregando material pornográfico da internet, como os arquivos "Boqueteira" e "Jussara", conforme o que a PF encontrou nos computadores da Abin, certamente teríamos mais notícias sobre os esquemas bilionários envolvendo Daniel Dantas e o poder público.

Mas duvido que Protógenes Queiroz quisesse encontrar mais notícias sobre o envolvimento de Daniel Dantas com o poder público. O que ele realmente queria era mais simples do que isso: ter a chave da cadeia, para poder decidir quem ficava do lado de dentro e quem ficava do lado de fora, de acordo com suas necessidades mais urgentes.

Quanto ao parasita no intestino do ponta-direita do ABC de Natal, recomendo um tratamento à base de Quinacrina.

Claudio de Moura Castro

Aprovar quem não aprendeu?

"O medo da repetência leva o aluno de classe média a estudar, para evitar os castigos. Nas famílias mais modestas não há medo nem pressão para que
os filhos estudem"

Para chamar atenção sobre pesquisas irrelevantes, um bando de gaiatos de Harvard criou o prêmio Ignobel (um brasileiro já foi agraciado, por estudar o impacto dos tatus na arqueologia).

De fato, esse é um problema clássico da academia. Como às vezes aparecem descobertas de valor na enxurrada de idéias que parecem bobas, todos se acham no direito de defender as suas. Diante disso, é reconfortante encontrar pesquisas colimando assuntos palpitantes e com resultados precisos e definitivos.

Esse é o caso da tese de Luciana Luz, orientada pelo professor Rios Neto (UFMG), que examinou um problema fundamental: no fim do ano, o que fazer com um aluno que não aprendeu o suficiente? Dar bomba, para que repita o ano? Ou deixá-lo passar?

O uso de dados longitudinais permitiu grande precisão na análise. A autora tratou os números com cuidado e sofisticação estatística. O cuidado aumenta a confiança nos resultados. Mas a sofisticação impossibilita que se faça aqui uma explicação acessível da análise estatística.

Contudo, a interpretação das conclusões é clara. A tese permite comparar um aluno que repetiu o ano por não saber a matéria com outro que foi aprovado em condições similares.

Os números mostram com meridiana precisão: um ano depois, os repetentes aprenderam menos do que alunos aprovados sem saber o bastante. Tudo o que se diga sobre o assunto não pode ignorar o significado desses dados, que, aliás, corroboram o que foi encontrado pelo professor Naércio Menezes e por pesquisadores de outros países.

Ao que parece, para os repetentes, é a mesma chatice do ano anterior, somada à frustração e à auto-estima chamuscada. Andemos mais além da tese. Não reprovando, a nação economiza recursos, pois, com a repetência, o estado paga a conta duas vezes.

E, como sabemos por meio de muitos estudos, os repetentes correm muito mais risco de uma evasão futura. Logo, ganha-se de três lados. Como a "pedagogia da reprovação" não funciona, a "promoção automática" é um mal menor.

Ilustração Atômica Studio

A história não acaba aqui. A angústia de decidir se devemos aprovar quem não sabe torna-se assunto secundário, diante da constatação de que o aluno não aprendeu. Esse é o drama mais brutal do ensino brasileiro. Por isso, a discussão está fora de foco. Precisamos fazer com que os alunos aprendam.

De resto, não faltam idéias nos países onde a educação dá certo. Por exemplo, na Finlândia – e mesmo no Uruguai – há professores cuja tarefa é dar uma atenção especial aos mais fracos.

Por que se digladiam todos contra a "promoção automática", quando a verdadeira chaga é o fraco aprendizado? De fato, há uma razão. Grosso modo, três quartos da população brasileira é definida como de "classe baixa".

Dada essa enorme participação, o que é verdade para seus membros é verdade para o Brasil como um todo. Mas há os 20% de classe média e alta. Para esses pimpolhos, a situação é diferente. Famílias de classe baixa são fatalistas, assistem passivamente à reprovação dos seus filhos.

Se não aprenderam a lição, é porque "sua cabeça não dá". Já na classe média a regra é outra. Levou bomba? Antes zunia a vara de marmelo, depois veio o confisco da bola, da bicicleta ou do i-Phone. Santo remédio!

Reina a "pedagogia do medo da repetência". Essa é a arma dos pais para que o filho se mantenha por longo tempo colado à cadeira e com os olhos no livro. Cá entre nós, eu estudava por medo da bomba. É também a ameaça da bomba que permite aos professores forçar os alunos a estudar. Sem ela, sentem-se impotentes. Portanto, estamos diante de um dilema.

O medo da repetência leva a minoria de classe média a estudar, para evitar os castigos. Pode não ser a pedagogia ideal, mas ruim não é. Já nas famílias mais modestas não há medo nem pressão para que os filhos estudem.

O que há são as bombas caindo do céu e criando repetência abundante e disfuncional. Pouquíssimos países no mundo têm níveis tão altos de repetência como o nosso. Ao contrário de outros dilemas, esse tem solução clara, ainda que difícil. Basta melhorar a qualidade da educação para todos.

Claudio de Moura Castro é economista - claudio&moura&castro@cmcastro.com.br


A arte de envelhecer

As novas descobertas que ajudam a abrandar os sinais da passagem do tempo e garantir uma velhice cheia de vida
Irene Ruberti

EM PAZ COM O ESPELHO

Adriana, de 58 anos, com as filhas gêmeas Bianca (à esq.) e Chiara, de 24.

"O importante é viver bem todas as fases da vida", diz a mãeA paisagista Adriana Giuliano Miniguini, de 58 anos, é daquelas mulheres maduras que, sem esforço, atraem olhares.

Na juventude, a beleza da italiana criada no Brasil era tamanha que as pessoas paravam para observá-la. Adriana continua feliz com sua aparência. Tem rugas, mas nunca quis aplicar Botox ou se submeter a grandes tratamentos estéticos. “As rugas são o sinal de uma nova fase na minha vida.

O importante é viver bem todas elas”, diz. A forma como encara o envelhecimento é tão positiva e sábia que infl uencia as três fi lhas, Bianca, Chiara (gêmeas de 24 anos) e Natália, de 34. “Queremos seguir os passos de nossa mãe. Há pessoas que fazem mil tratamentos, mas não são felizes. Nunca se sentem realmente bonitas”, diz Natália.

Além da genética, que parece favorecer as mulheres da família Giuliano Miniguini, elas se beneficiam de bons hábitos adquiridos na infância. A alimentação sempre foi saudável, com frutas, verduras, legumes e carnes magras.

Todas fi zeram balé, como a mãe. As quatro freqüentam academias, para manter o corpo em forma. Cuidam da pele, com limpeza, hidratação e filtro solar, diariamente. Não têm o menor interesse em disfarçar os anos vividos, uma das maiores obsessões contemporâneas.

Artistas sofrem essa pressão contra o envelhecimento com freqüência. Recentemente, uma maquiadora perguntou ao ator Stepan Nercessian, de 54 anos, por que não fazia uma plástica para tirar as bolsas sob os olhos. “Não quero matar o velho que vou ser”, disse ele. “Quero me olhar no espelho com 70 anos e ver como realmente sou.” Essa reação é uma exceção.

Para camuflar a idade, homens e mulheres se entregam aos mais variados tratamentos estéticos sem medir esforços e conseqüências. Alguns exageram no Botox e ficam com a expressão paralisada.

Submetem-se a sucessivas cirurgias plásticas e ganham um aspecto de boneco de cera. Quase sempre, o excesso de intervenções provoca mais estranhamento que admiração (Clique aqui e confira a opinião de internautas sobre o visual de celebridades).

Apesar dos avanços da medicina, a descoberta da pílula da juventude continua sendo um sonho distante

Um dos motivos que tornam a velhice um fantasma é o medo das restrições impostas pelo envelhecimento. O corpo começa a dar sinais de cansaço. A pele perde o viço. O cérebro murcha. Aos 50 anos, o encéfalo pesa em média 1,3 quilo. Quinze anos depois, costuma ter 200 gramas a menos. O sistema nervoso fica mais lento. A massa muscular diminui. A gordura aumenta.

Apesar dos avanços da medicina, que têm contribuído para o aumento da expectativa de vida, a ciência está muito longe de descobrir uma pílula da juventude. Mas existe uma receita para envelhecer com mais qualidade de vida. Ela consiste em cinco simples recomendações:

comer menos
movimentar-se mais
usar e abusar do cérebro
realizar atividades em grupo
nutrir alguma forma de espiritualidade


13 de dezembro de 2008
N° 15818 - NILSON SOUZA


Medida provisória

No uso das atribuições que me confere o princípio universal da liberdade de criação e a paciência dos meus leitores, adoto a seguinte Medida Provisória, sem força de lei, mas com o desejo de que seja compreendida:

Art. 1º – A nova ortografia da Língua Portuguesa, que entra em vigor a partir de 2009, deverá suprimir do vocabulário nacional a palavra “crise”, que tem sido utilizada em nosso país como pretexto para o imobilismo, para a insensibilidade, para a especulação, para a ganância desenfreada e para safadezas de toda ordem.

§ 1º – Em caso de necessidade, poderão ser utilizados como sinônimos da palavra suprimida os termos “desequilíbrio”, “transição” ou, em situações extremadas, “distúrbio”.

§ 2º – Fica terminantemente vetada a palavra “desarranjo”, por sua conotação gastrointestinal, inclusive em pronunciamentos de autoridades de alto escalão ou baixo calão.

Art. 2º – Restrinja-se o uso do prefixo “in”, especialmente diante das palavras segurança, decência, diferença, sensatez, competência, compreensão e tolerância.

Art. 3º – Estimule-se a difusão em todo o território nacional de palavras ameaçadas de extinção pelo desuso, tais como “honestidade”, “solidariedade”, “gentileza”, “simpatia”, “compaixão” e “fraternidade”.

Art. 4º – Fica mantido o trema numa única palavra do nosso vocabulário, para que ela volte a ser pronunciada com ênfase e orgulho por todos os brasileiros: “tranqüilidade”.

Art. 5º – Cumpra-se a supressão do acento diferencial nas palavras ditas homófonas, como determina o Acordo Ortográfico, mas abra-se exceção para pára, quando a forma verbal tiver que ser usada para conter a violência, o desrespeito, a chatice, a covardia e qualquer tipo de abuso contra crianças.

§ único – Neste último caso, o acento diferencial deve ser colocado sobre todos os “as” e seguido de outras expressões devidamente acentuadas: crítica enérgica, denúncia à polícia e punição implacável.

Art. 6º – Inclua-se no alfabeto as letras K, W e Y, mas evite-se, sempre que possível, a escrita de palavras como show, download e megabyte, que dificultam a compreensão, expressam arrogância e um certo desprezo à língua pátria.

Art. 7º – Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação e perde o efeito no mesmo dia, com exceção dos artigos e parágrafos que tocarem o coração dos leitores.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008



10 de dezembro de 2008
N° 15815 - MARTHA MEDEIROS


O mesmo mar, o mesmo sol

A cotação do dólar mantém-se alta, contrariando os prognósticos levemente otimistas dos mercados globais. Até ontem, ele seguia a R$ 2,50 (hoje não sei), e alguns economistas acreditam que ele se estabilizará em R$ 2,80, o que pode ser uma boa notícia para quem lida com exportação, mas é péssima para quem está de malas feitas para sair de férias. Ir para o Exterior ficou, para muitos, proibitivo.

O jeito é entrar numa livraria, comprar o 100 Praias que Valem a Viagem, novo guia do turista profissional Ricardo Freire, e botar o pé na estrada por aqui mesmo.

O livro disseca a costa brasileira desde o Pará até o Rio Grande do Sul. Curiosidade: Ricardo já havia publicado, anos atrás, um guia de praias brasileiras onde ignorou solenemente nosso Estado, e vocês podem imaginar a gritaria dos leitores, ainda mais que o moço é gaúcho. Diplomaticamente, desta vez ele deu uma colher de chá para a Praia dos Molhes, em Torres.

Mas, pra quem está disposto a subir centenas de quilômetros litoral acima, o que não falta é dica de paraísos, com todos os toques sobre hospedagem, alimentação, passeios, melhores ondas e demais informações de primeira necessidade.

Ricardo classificou cada praia com um ícone bem-humorado: em vez de estrelas, a cotação foi feita com havaianas. As praias consideradas imperdíveis ganharam três chinelinhos – e, entre estas praias que atingiram a cotação máxima, estão três de Santa Catarina: Mole, Ilha do Campeche (ambas em Florianópolis) e Praia do Rosa.

Quem conhece bem o litoral catarinense sabe que há inúmeros outros recantos incríveis, mas será que é pra lá que a gente vai neste verão?

Estamos sendo muito solidários com nossos vizinhos. Caminhões saem daqui lotados de donativos e, a prosseguir neste ritmo, não faltarão alimentos, remédios, roupas ou colchões para aqueles que ficaram desabrigados.

No entanto, Santa Catarina não é apenas o Vale do Itajaí. Uma das maiores riquezas do Estado é o turismo, que está sofrendo uma outra espécie de avalanche:

a de cancelamentos de reservas feitas para o Ano-Novo, assim como para as temporadas de janeiro e fevereiro. Isso está acontecendo em praias ao sul de Florianópolis, como Garopaba, Ferrugem, Ibiraquera, Guarda do Embaú, Imbituba, Laguna, onde as enchentes não provocaram alteração na paisagem nem risco aos imóveis. As estradas que tiveram bloqueios já foram liberadas. A vida continua inalterada.

Eu não estou lá para ver com meus próprios olhos, mas creio que vale a pena se informar melhor antes de evitar cruzar o Mampituba.

Claro que os prefeitos das nossas praias ficarão muito satisfeitos em acolher todos os gaúchos por aqui, mas quem tem o hábito de passar as férias em Santa Catarina não deve interromper seus planos sem antes buscar notícias mais realistas.

Também é um ato de solidariedade colaborar para que hoteleiros e comerciantes catarinenses mantenham seus negócios e o emprego de seus funcionários.

Apenas isso: informar-se. Uma atitude que também vale três chinelinhos.

Ainda que com chuva, aproveite o dia

sábado, 6 de dezembro de 2008



07 de dezembro de 2008
N° 15812 - MARTHA MEDEIROS


A mulher independente

Estava autografando meu livro na Feira quando uma senhora alta, elegante, já bem madura, chegou sorridente pra mim e disse: Te acho uma mulher fenomenal.

Eu, toda sorrisos, tomei o livro que ela tinha em mãos e me preparei para escrever uma dedicatória bem carinhosa. Ela então complementou: Mas eu não queria ser casada contigo tu és muito independente!.

Concluí a dedicatória, agradeci a gentil presença dela, enquanto que meu coração começou a bater de forma mais lenta. “O que estou sentindo?”, perguntei a mim mesma, em silêncio. Tristeza, respondi a mim mesma, em silêncio, enquanto a próxima pessoa da fila se aproximava.

Em que eu seria mais independente do que qualquer outra mulher? Quase todas as que conheço trabalham, ganham seu próprio sustento, defendem suas opiniões e votam em seus próprios candidatos. Algumas não gostam de ir ao cinema sozinha, já eu não me importo. Poucas moraram sozinhas antes de casar, eu morei. Quase nenhuma, que eu lembre, viajou sozinha, eu já. E nisso consta toda minha independência, o que não me parece suficiente para assustar ninguém.

Fico imaginando que essa tal “mulher independente”, aos olhos dos outros, pareça ser uma pessoa que nunca precise de ninguém, que nunca peça apoio, que jamais chore, que não tenha dúvidas, que não valorize um cafuné. Enfim, um bloco de cimento.

Quando eu comecei a ter idade pra sonhar com independência, passei a ler afoitamente os livros de Marina Colasanti – foram eles que me ensinaram a importância de abrir mão de tutelas e a se colocar na vida com uma postura própria, autônoma, mas nem por isso menos amorosa e sensível.

Independência nada mais é do que ter poder de escolha. Conceder-se a liberdade de ir e vir, atendendo suas necessidades e vontades próprias, mas sem dispensar a magia de se viver um grande amor. Independência não é sinônimo de solidão. É sinônimo de honestidade: estou onde quero, com quem quero, porque quero.

Sobre a questão da independência afugentar os homens, Marina Colasanti brincava: “Se isso for verdade, então ficarão longe de nós os competitivos, os que sonham com mulheres submissas, os que não são muito seguros de si. Que ótima triagem”.

Infelizmente, a ameaça que aquela senhora acredita que as independentes representam não é um pensamento arcaico: no aqui e agora ainda há quem acredite que ser um bibelô (ou fazer-se de) tem lá suas vantagens. Eu não vejo quais.

Acredito que a independência feminina é estimulante, alegre, desafiadora, vital, enfim, uma qualidade que promove movimentação e avanço à sociedade como um todo e aos familiares e amigos em particular.

“Eu preciso de você” talvez seja uma frase que os homens estejam escutando pouco de nós, e isso talvez lhes esteja fazendo falta. Por outro lado, nunca o “eu amo você” foi pronunciado com tanta verdade.

Um ótimo domingo especialmente para você.

Diogo Mainardi

Cof, cof, cof...

"Tenho expectorado continuamente desde setembro, quando meu menorzinho me passou uma tosse. Posso não entender nada de recessão, mas me considero um especialista em matéria de expectoração"

Benjamin Steinbruch, dono da CSN, publicou na Folha de S.Paulo um artigo intitulado "Expectadores da recessão". Assim mesmo: "expectadores" com "xis". Tenho expectorado continuamente desde setembro, quando meu menorzinho me passou uma tosse. Posso não entender nada de recessão, mas me considero um especialista em matéria de expectoração.

Por isso, o artigo de Benjamin Steinbruch me fez refletir profundamente. Dá para expectorar uma recessão? Interpretei da seguinte maneira: cada pneumococo é um keynesiano em potencial, com seus estratagemas para contaminar os organismos do estado e sufocar as vias respiratórias da economia. É isso?

Se entendi direito, Benjamin Steinbruch pertence ao partido dos pneumococos keynesianos. Cito um trecho de seu artigo: "Até a semana passada, pacotes para estimular investimentos e consumo num total de 3 trilhões de dólares já haviam sido anunciados por diferentes governos.

No Brasil, o caminho é o mesmo. Uma vez que não temos por aqui nenhum problema de solidez no sistema financeiro, a tarefa é direcionar recursos a empreendedores públicos ou privados que efetivamente tenham coragem e competência para gastá-los de forma produtiva".

Cof, cof, cof. Considerando todos os recursos que, nos últimos anos, o BNDES direcionou à CSN, como os 900 milhões de reais para a Nova Transnordestina ou os 300 milhões de reais para o Porto de Sepetiba, Benjamin Steinbruch só pode ser um desses corajosos e competentes empreendedores privados que, segundo ele próprio, teriam de ser contemplados com ainda mais dinheiro público.

Pergunte ao senador petista Aloizio Mercadante o que ele pensa sobre o assunto. Aposto que ele concorda.

Achei que os keynesianos fossem mais obsoletos do que as escarradeiras dos tuberculosos, para continuar com a analogia pulmonar. Mas me enganei. Eles voltaram.

E em sua forma mais agressiva: a dos keynesianos em causa própria, como o presidente da GM, nos Estados Unidos, ou o presidente da CSN, no Brasil. Benjamin Steinbruch, o Hans Castorp da siderurgia nacional, internado em seu sanatório de verbas do BNDES – sim,

Thomas Mann, A Montanha Mágica –, conclui seu artigo recomendando que os recursos públicos "sejam realmente gastos e não fiquem debaixo dos colchões de apavorados expectadores da recessão".

Como eu sou apenas um espectador comum – um espectador com "esse" –, aconselho o governo a fazer o contrário: é melhor ficar sentado na platéia, de mãos dadas com a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e assistir aos desdobramentos do espetáculo, deixando o dinheiro prudentemente debaixo do colchão.

E se um keynesiano em causa própria expectorar em sua orelha, na poltrona de trás, afaste-o imediatamente: ele é contagioso.

Lya Luft

Do horror brota a grandeza

"Na hora da tragédia, a solidariedade – que só floresce na dor – vem com força. Em algum lugar, alguém, um desconhecido que jamais iremos ver, abre os braços e diz: irmão. Essa era a palavra que, só ela, poderia nos salvar. E foi pronunciada"

Uma quadrilha de dez a quinze terroristas, meninada em torno de 20 anos, toma de assalto a lendária Bombaim, na Índia, hoje Mumbai, e sai matando a torto e a direito. Simples assim.

Com armas pesadas e moderníssimas, o bando mata sorrindo, segundo testemunhas. Entra em lugares apinhados e famosos, também na cozinha de um hotel de muitas estrelas. Um grupo de jovens chefs com animação e capricho prepara jantares para hóspedes e outros clientes.

Os meninos terroristas entram, sorriem e fuzilam todo o grupo. Saem pelo imenso hotel matando, e, depois de algumas horas (foram dias inteiros!!!), há lugares onde o assoalho é escorregadio de tanto sangue.

Até hoje não sei se tudo ficou esclarecido, pois as notícias eram vagas e confusas, e a matança dos inocentes, vasta e desordenada para quem recebia as notícias, parece que foi muito bem preparada:

havia meses a gangue assassina treinava, preparava, sondava terreno, ia se instalando nos próprios hotéis escolhidos, levando armamentos e preparando salas de comando com sofisticados recursos.

Enquanto isso, ali junto, pais de família, crianças, mulheres grávidas, simples empregados e altos funcionários, da modesta faxineira ao mais bem-posto milionário, viviam sua vidinha ou vidona, sem imaginar que sua morte espreitava com um belo sorriso num rosto de garotão.

A vida tem dessas coisas, não temos lá grande controle sobre ela, corremos muitas vezes como animais confusos para o matadouro.

Ilustração Atômica Studio

Há mais tragédias na lista do momento, como aqui ao lado, na bela, ensolarada, mágica Santa Catarina, onde meus filhos quando meninos iam surfar e eu mesma já experimentei momentos de beleza e serenidade, de pura alegria.

Agora, nesse suposto paraíso, o tsunami – relatava uma jovem vitimada pelo horror – não era água e espuma, mas lama, barro, pedras enormes, arrastando casas, árvores, corpos de gente e de bichos. Pessoas foram enterradas no quintal ou na hortinha, pois nada mais sobrava, nem um metro de terra firme.

Alguns desaparecidos jamais serão achados. Povoados não poderão ser reconstruídos, pois o terreno simplesmente sumiu. Famílias para sempre destroçadas, para todo o sempre, sem sentido, sem aviso, sem entender nada. Não há o que dizer.

Mas não é apenas isso a nossa vida: é também a revelação da grandeza humana, uma onda incessante de generosidade e compaixão.

Pessoas simples de Santa Catarina doam o essencial; acolhem em sua casa vizinhos ou desconhecidos que tudo perderam e, em boa parte, jamais vão recuperar. Gente modesta do país inteiro se mobiliza e as estradas (muitas nem existem mais) seriam insuficientes para esse tráfego de humanidade.

Empregadas domésticas dão um de seus três pares de sapatos usados; crianças dão dois de seus cinco brinquedos; famílias doam um colchão e dormem apertadas; gente manda uma lata de leite em pó e bota mais água na caneca de seus filhos.

Isso tem de valer mais do que todo o frio horror da natureza, descontrolada em parte pela nossa irresponsabilidade, ganância e despreparo, e pela fatalidade que nos ronda.

Tem de valer mais do que a perversão dos terroristas que mataram sorrindo, mais até do que a desgraça de milhares de pessoas que nada tinham a ver com isso, aqui e no outro lado do mundo: o rabino idealista com sua mulher, os garçons e camareiras, os casais em lua-de-mel, os velhos em sua primeira viagem juntos, os empresários ocupados e os funcionários esforçados, os agricultores e professoras, os namorados, as grávidas, os bebezinhos.

Na hora da tragédia, aqui e lá, a solidariedade – que só floresce na dor – vem com força. Estamos na sombra, estamos no abismo, doentes, sofridos, perdidos, órfãos e enlutados, sem ter nem para onde voltar – mas, em algum lugar, alguém, um desconhecido que jamais iremos ver, ou o vizinho próximo, no fim desse horrendo túnel, abre os braços e diz: irmão.

Essa era a palavra que, só ela, poderia nos salvar. E foi pronunciada.

Lya Luft é escritora