sábado, 28 de fevereiro de 2009



01 de março de 2009
N° 15894 - MARTHA MEDEIROS


Querer entrar

O filme O Curioso Caso de Benjamim Button é bem elaborado e tem algumas cenas para constar do rol das inesquecíveis, mas é uma história tão surreal que merecia uma direção mais amalucada e divertida, a exemplo do espírito do conto de Scott Fitzgerald que lhe deu origem. E Brad Pitt poderia ter se esforçado mais, dá a impressão de que entregou o papel nas mãos do maquiador e do computador.

Ou seja, me pareceu um bom filme, mas não me tocou. A verdade é que continuo preferindo histórias dolorosamente reais e enxutas, a exemplo de Foi Apenas um Sonho, o meu candidato ao Oscar, se ao Oscar ele tivesse concorrido.

Belo casal mora numa bela casa com um belo jardim e belos filhos. O marido está adaptado à rotina, mas a mulher arrasta correntes. Sente-se uma estrangeira dentro da própria vida. Queria ser alguém especial, e não apenas mais uma como as outras, com um destino facilmente presumível: repetir os dias.

Em determinado momento do filme, um diálogo rápido e cortante resume seu estado de espírito. Ao se abrir com o vizinho a respeito desse seu vazio inquietante, ele se mostra compreensivo: “Eu entendo. Você queria sair dessa, não?”. Ela responde: “Eu queria entrar!”.

É o toque de mestre do diretor Sam Mendes, que mais uma vez acerta a mão ao tratar sobre o desespero de se deixar engolir pelo caminho mais fácil: viver a vida de todo mundo.

Kate Winslet, excelente no papel da dona-de-casa entediada que sonha em ser atriz e morar na França, inverte o lugar-comum com essa sua resposta inesperada. Vivendo um cotidiano aparentemente perfeito, ela não está dentro do jogo - está fora. Não está enquadrada - está vivendo à margem. Sua intuição diz que a vida acontece no imprevisto, na mudança, no movimento, nos mergulhos culturais, na troca de ideias, estando em trânsito, e não estacionada.

Ela está presa do lado de fora. Não precisa sair, já foi “saída” pelo comodismo, já está expulsa do seu paraíso imaginário, lá onde ela não seria mais uma, ao menos não a seus próprios olhos.

Pode dar a impressão que ela é a antenada do casal, e ele (Leonardo DiCaprio, extraordinário, colocando Brad Pitt no bolso) é o careta, o conformado, mas não é bem assim. A questão não se trata de quem sonha mais alto. A questão é: você está dentro?

Não interessa se a porta que você escolheu abrir te leva pra uma casa no meio do mato, para a movida madrilenha, para um ashram na Índia, para um farol numa ilha desabitada ou para uma cobertura em Nova York – são apenas cenários, enquanto que o dilema a ser resolvido em nossas vidas está no roteiro: você está satisfeito com a condução do seu personagem?

Se avaliar sua própria história até aqui, dá pra dizer que era esse o filme que você sonhava participar? Sente-se confortável no seu papel, seja ele qual for?

Então está dentro.

sábado, 14 de fevereiro de 2009



15 de fevereiro de 2009
N° 15880 - Cláudia Laitano


Compartilhe, mas não exagere

Tive uma colega de faculdade que adorava ficar de pés descalços durante as aulas. Chegava, instalava uma cadeira vazia na sua frente, descalçava as sandálias (o espetáculo era sazonal) e acomodava os pés sobre o assento, apontando os dedões para o infinito celeste.

Alguns rapazes, vocês sabem, são tarados por pés femininos. Não lembro se os da minha colega eram especialmente bonitos ou não – nem imagino que tipo de energia erótica eles mobilizavam na ala masculina. Mas, diga-se em favor da moça, não era por exibicionismo que ela liberava os calcanhares para a contemplação pública.

Havia, isto sim, uma espécie de manifesto silencioso pela liberdade de expressão, um discurso em defesa da informalidade e contra todo o tipo de convenções sociais – inclusive as do ambiente teoricamente formal de uma universidade. Bem-vindos ao século 21.

Entre os flagrantes de intimidade exposta (e imposta) publicamente, poucos me incomodam tanto quanto a exibição de um pé descalço fora do contexto apropriado – praia, piscina, congressos de podófilos, show da Maria Bethânia...

É uma bronca pessoal, com motivações inconscientes que eu nem me atrevo a investigar, mas talvez tenha lá sua razão de ser - mesmo levando-se em conta que os limites entre a liberdade individual e a falta de noção nem sempre são tão rígidos quanto a distância entre as duas tiras de uma havaiana.

Há pessoas de aparência perfeitamente sensata que apreciam compartilhar com amigos e colegas de trabalho momentos de higiene pessoal que, em princípio, deveriam ficar restritos ao ambiente doméstico: cortam e limpam as unhas, espalitam os dentes, expremem os próprios cravos e os alheios (ninguém nunca está seguro...).

Mais higiênicos, mas não menos expansivos, são os compartilhadores compulsivos de dramas pessoais. Você senta no táxi e antes de dobrar a primeira esquina o motorista já contou que foi traído pela mulher, que ela nem foi visitá-lo quando a mãe morreu, que a danada não presta mas ele ainda é louco por ela...

Você vai buscar um suco no bar e ouve tudo o que nunca quis saber sobre a disfunção erétil do marido da sua colega.

E o pior é que muitas vezes o destino da inconfidência nem mesmo são os seus ouvidos. Tudo não passa de um incidente acústico, um papo de amigas falando com o controle de voz distraidamente ajustado no volume máximo.

(Se as orelhas passam boa parte do tempo ocupadas com celulares e fones de ouvido, fala-se cada vez mais alto e, consequentemente, para mais pessoas em volta. Bem-vindos ao século 21.)

O seriado Friends (1994 – 2004) cunhou um bordão insuperável para designar esse excesso de compartilhamento de informações, às vezes cabeludas, não solicitadas: “Share not skare” (em uma tradução muito livre, algo como “compartilhe, mas não exagere”).

Mas como saber se o que para nós é natural e faz parte do nosso direito à liberdade de expressão não está ferindo o direito da outra pessoa de não ver os nossos pés, não ouvir nossos problemas, não acompanhar a exterminação dos nossos cravos?

Não há fórmula infalível para lidar com esse tipo de dilema existencial. Mas, em caso de dúvida, sempre é bom dar uma checada no ambiente antes de invadir o espaço alheio com os nossos dedões em riste.


15 de fevereiro de 2009
N° 15880 - MOACYR SCLIAR


O sexo e seus prefixos

É parte da condição humana, sempre variável e imprevisível: assim como um imã atrai limalhas de ferro, a palavra “sexual” atrai prefixos.

Não estamos falando só dos clássicos exemplos, homossexual, heterossexual, bissexual. Não, trata-se das expressões que surgem (e desaparecem) constantemente.

Nos últimos anos tivemos pelo menos quatro exemplos. O primeiro foi metrossexual, termo introduzido pelo jornalista britânico Mark Simpson e formado pela junção das palavras metropolitano e heterossexual.

Designava (o verbo já está no passado) um homem heterossexual urbano excessivamente preocupado com a aparência, com cosméticos e roupas de grife. O exemplo constantemente citado era o do jogador de futebol David Beckham, que passava os dias em lojas, ou na manicure ou no cabeleireiro. Depois que o New York Times comprou a ideia, e depois que Dolce & Gabbana, Giorgio Armani, Prada e Versace começaram a produzir para os metrossexuais, eles ficaram consagrados. Não por muito tempo, claro.

Moda é coisa fugaz. Surgiu então o “übersexual”, descrito pelos gurus publicitários Ira Matathia, Marian Salzman e Ann O’Reilly, no livro The Future of Men (O Futuro dos Homens). Homens que usam cremes, depilam-se e fazem as unhas não estão com nada, proclamavam os autores; os modelos passavam a ser Bono Vox, George Clooney, Bill Clinton, Arnold Schwarzenegger: o homem na sua imagem clássica, tradicional, que o colocaria numa posição “über”, tanto na sociedade como na cama.

Mas este modelo também não vingou, e o vácuo foi preenchido pelos gastrossexuais, definidos pelo instituto britânico Future Foundation (a Inglaterra é uma tradicional incubadora desses tipos) como “homens bem resolvidos que têm como hobby fazer pratos elaborados”.

Uma pesquisa feita pelo mesmo instituto, com cerca de mil homens no Reino Unido, mostrou que 48% dos entrevistados dizem que cozinhar os torna mais atraentes para as mulheres, por serem aparentemente menos machistas e preconceituosos, mais domésticos e afetivos.

Àquela altura já estava claro que os prefixos tinham invadido definitivamente o território do sexo. Surgiu um cartoon chamado Sexual Prefixes, e homens começaram a identificar-se como “sexual, no prefixes attached”, sexual sem prefixos. Mas a tendência era irresistível. Agora, surge o neossexual. O termo emergiu de uma pesquisa realizada pela Unilever, fabricante dos desodorantes em parceria com o Instituto Datosclaros.

O neossexual é um homem que se apega à masculinidade tradicional mas sem renunciar à sensibilidade (o clássico “endurecer sem perder a ternura” de Che Guevara; o endurecer, no caso do neossexual, tendo duplo sentido). As mulheres querem dividir a cama, e não produtos de beleza, com seus homens.

Ou seja: voltamos ao ponto de partida. Porque o neossexual é na verdade o páliosexual, é o homem à moda antiga; ele é pré-Kama Sutra, adepto fervoroso do papai-mamãe.

Isso tudo mostra, afinal, que os prefixos têm muito pouca importância numa relação autenticamente vivida. O que interessa não é o pré, é o fixo, aquilo que persiste através do tempo.

E o que persiste através do tempo são os valores humanos, masculinos ou femininos: a compreensão, a tolerância, a autenticidade. O resto é detalhe. O resto é (mas por favor, não entendam mal esta expressão) penduricalho.Del et acipit, sim do Del

Expedito Filho

ANTECIPAÇÃO DE CAMPANHA

Com agenda de candidata, a ministra Dilma Rousseff deflagra a corrida presidencial com mais de um ano de antecedência e alimenta o debate sobre o uso da máquina pública

SANTINHOS O encontro de prefeitos teve até quiosque para quem quisesse levar de recordação uma fotomontagem ao lado de Lula e da ministra Dilma



Como hipótese, a candidatura presidencial da ministra Dilma Rousseff é debatida nos meios políticos há mais de um ano. Como realidade, ela se apresentou definitivamente às ruas na semana passada, primeiro durante o Encontro Nacional com Novos Prefeitos, na terça-feira, em Brasília – um evento administrativo que foi organizado à moda de um comício eleitoral –, depois na festa de aniversário dos 29 anos do PT.

Saudada como candidata, aos gritos de "olê, olê, olá, Dilma, Dilma", mantra antes dedicado apenas a Lula, a ministra tirou fotos, abraçou os petistas e disse que vai montar uma agenda para se aproximar mais da população e dos partidos aliados do governo. No dia seguinte, Dilma jantou no Palácio da Alvorada com Lula e quatro pesos-pesados da economia.

Discutiu a crise econômica e falou sobre a sucessão presidencial. Não pediu apoio explícito, mas começou a construir as pontes com potenciais financiadores de campanha.

Na quinta-feira, Dilma foi com Lula visitar as obras de uma ferrovia em Pernambuco. No estado onde o presidente é quase unanimidade, Dilma ensaiou o que mais fará nos próximos dois anos: o contato direto com o eleitorado. Não existe outra definição para isso a não ser campanha.

"Dilma pegou gosto pela coisa. No início, aceitou a candidatura como uma missão da qual não podia fugir. Agora, está à vontade, empolgada. Botou na cabeça que quer ser a primeira mulher a chegar à Presidência", avalia um ministro com gabinete no Palácio do Planalto. Em outras palavras, a campanha foi deflagrada quase dois anos antes das eleições e quinze meses antes do que permite a lei.

Dilma tem sido cada vez menos ministra e cada vez mais candidata. As reuniões com assessores vão dando lugar aos encontros com futuros membros de sua equipe de campanha.

O principal deles será Fernando Pimentel, ex-prefeito de Belo Horizonte, que terá uma equipe de petistas para assessorá-lo, a maioria deles prefeitos que deixaram o cargo no começo do ano. Haverá pelo menos um responsável por região do país encarregado da coordenação e da arrecadação de verbas.

Os nomes já foram escolhidos. Além da montagem da equipe política, Dilma tem se dedicado à própria preparação da campanha. Recentemente, contratou uma empresa de comunicação que vai treiná-la para contatos com a imprensa.

A ministra também já tem em sua assessoria dois escritórios de advocacia de Brasília especializados em direito eleitoral para se precaver de possíveis acusações de abuso da máquina nas viagens de inaugurações do PAC, como a que foi protocolada pelo DEM no TCU na semana passada. O DEM e o PSDB também pretendem acionar a Justiça Eleitoral.

O problema do governo em antecipar uma disputa eleitoral em tanto tempo é que, a partir de agora, tudo será observado com uma lente de campanha. Lula quer usar sua enorme popularidade para promover Dilma Rousseff.

Ao fazer isso, contamina debates que perdem força em meio a disputas eleitorais. No encontro com os prefeitos, por exemplo, o presidente anunciou a decisão de renegociar as dívidas das prefeituras com o INSS – uma espécie de Refis da Previdência.

A medida, festejada pelos prefeitos na presença de Dilma Rousseff, foi interpretada como um agrado que o governo fez de olho em 2010. A mudança permite às prefeituras uma folga maior no caixa neste momento em que a crise mundial começa a afetar até mesmo a rotina pacata de pequenos municípios brasileiros.

"Teoricamente, a medida é boa, mas o governo deveria carimbar esses recursos para investimentos em obras de infraestrutura. Sem isso, os prefeitos podem dar ao dinheiro destinações que apenas aumentem as despesas", diz o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas.

O presidente Lula ficou irritado com a conotação política que se deu ao chamado "pacote de bondades" para as prefeituras. Não deveria. É um efeito colateral perfeitamente justificável diante da campanha eleitoral que foi colocada na rua pelo próprio governo.

Claudio de Moura Castro

Vamos de mal a pior?

"Como disse lorde Rees de Ludlow, ‘para a maior parte das pessoas, na maior parte das nações, nunca houve um momento melhor para viver’"

Alguns só conseguem enxergar o lado feio do mundo. E, como só notícias ruins dão manchete, deleitam-se em ver confirmados seus piores enredos. Mas, no que se pode medir ou contar, a história é outra. O mundo hoje está pior? Vamos compará-lo com o de um século atrás. Jamais houve tanta liberdade e o crescimento das democracias foi extraordinário.

Entre elas já não há guerras. Nos conflitos recentes, pelo menos um lado é ditatorial. Na última década, reduziram-se em 40% as guerras. Houve também dramática redução das mortes violentas, que, no passado, ceifavam 25% da população masculina. Hoje são só 2%. Nas praças públicas, o povo via os acusados de heresia, bruxaria e magia negra serem assados em fogueiras.

A razão e a ciência ajudaram a lançar luzes nessas áreas. Além disso, a ciência hoje é capaz de captar, entender e resolver boa parte dos problemas materiais que afligem a humanidade – incluindo os desastres do meio ambiente.

Ilustração Atômica Studio

Antes da Revolução Industrial, um operário só possuía a roupa do corpo. Sua maior riqueza eram os pregos de sua casa. Há menos de dois séculos, um europeu trabalhava sessenta horas por semana, dos 10 anos de idade até a sua morte, por volta dos 50 anos. Educação, cultura e lazer chegaram também aos pobres.

Acabou-se a fome causada por calamidades naturais, como a que matou metade da população da Irlanda, no século XIX. Luís XIV não tinha a variedade nem a qualidade do cardápio de um reles membro da classe média de hoje. O povo francês consumia 2 000 calorias por dia. Hoje, nos países pobres, consomem-se 2.700.

Haverá algum país que estava pior que o Brasil em 1900 e hoje lhe passous à frente? Não encontrei nenhum. A maioria dos países latino-americanos, incluindo o Peru, era bem mais rica do que o Brasil. A renda per capita da Argentina foi cinco vezes maior (hoje é quase igual). Em 1950, o Brasil era como a Bolívia de hoje. Em 1958, Cuba era o segundo país mais rico da América Latina. Desde então, não fez senão retroceder.

E a Coreia? Na década de 50, vítima de uma medonha guerra fratricida, até os pauzinhos de comer passaram a ser de metal, pois não havia mais árvores. Mas a Coreia é uma civilização milenar, com sólida tradição de ciência e educação. Portanto, é uma comparação discutível. O Brasil avançou, do último século para cá?

Quem duvida do atraso do Brasil no passado que leia as tenebrosas narrativas dos muitos visitantes que por aqui viajaram. O século XX transformou espetacularmente o país. Entre 1870 e 1987 o PIB brasileiro cresceu 157 vezes, o japonês 87 e o americano 53. Brasil, campeão do mundo!

Por volta de 1900, a esperança de vida era inferior a 30 anos. Hoje já ultrapassou 70. A desnutrição grave é residual e acabaram-se as fomes catastróficas. Quase todos têm hoje acesso a serviços médicos (não tão bons, mas antes não havia nada). Nos confortos materiais, houve avanços espetaculares. Mais de 90% têm água encanada, eletricidade, televisão, geladeira e dezenas de outros confortos.

Meus colegas do primário iam descalços para a escola. Como entendeu Schumpeter, foram os pobres que mais ganharam qualidade de vida com o crescimento. Em 1900, 95% das crianças (entre 7 e 14 anos) não frequentavam escolas. Hoje, apenas 2% ficam de fora. E, contrariando as fantasias saudosistas, os poucos que iam encontravam uma escola medíocre.

Hoje, continua medíocre, mas é para todos e há ilhas de excelência. Crescendo junto com a educação, nossa democracia nunca esteve tão robusta. Nem tudo são rosas. Há áreas em que somos péssimos, como a distribuição de renda. Em matéria de segurança, há oscilações. Contudo, as mortes violentas encolheram muito.

Em corrupção, faltam dados confiáveis. Mas, em praticamente tudo o que podemos contar ou medir, pior não estamos. Essa é a tese do ensaio. Como disse lorde Rees de Ludlow, "para a maior parte das pessoas, na maior parte das nações, nunca houve um momento melhor para viver".

Os pessimistas que fiquem com seus resmungos, pois os avanços em praticamente todas as direções estão bem medidos. Os fatos não lhes dão razão (e, segundo o Gallup, nossa juventude é campeã mundial de otimismo). Porém, não podemos festejar a situação presente, pois para o progresso futuro precisamos ser obstinadamente inconformistas.

Claudio de Moura Castro é economista


Homens mais inteligentes produzem espermatozoides melhores

Um estudo recente concluiu que o gene que leva inteligência ao homem também pode ser responsável pela sua boa capacidade reprodutora
REDAÇÃO ÉPOCA

Homens inteligentes produzem mais espermatozóides e de maior performance na hora de alcançar o óvuloAs mulheres costumam preferir homens mais inteligentes porque eles normalmente são pessoas de sucesso e, por causa disso, dão a elas uma vida mais confortável. Mas, existe ainda outra razão: seu esperma é melhor.

Pesquisadores da King's College de Londres e das Universidades de Delaware e do Novo México compararam resultados de testes de inteligência aplicados a 425 vietnamitas, de 31 a 44 anos, com amostras de seu esperma, analisando se os espermatozoides nadavam normalmente e tinham outras capacidades comuns a eles.

Os resultados mostraram que, quanto mais inteligente o homem, mais espermatozoides ele produz e melhor a capacidade dos gametas de chegar ao destino – o óvulo feminino. A idade do indivíduo curiosamente não alterou essa relação, bem como se ele fumava, bebia ou era obeso.

Tirando o fato de que homens inteligentes geralmente são mais saudáveis, estudos anteriores já mostraram que eles também têm menos risco de sofrer de doenças cardíacas e mal de Alzheimer.

Os cientistas supunham que os mais espertos tendem a escolher trabalhos menos estressantes e que permitem maior qualidade de vida. Mas as novas descobertas revelaram que hábitos negativos têm pouco efeito sobre a qualidade do esperma.

Por isso, especulam se a inteligência é passada junto com um pacote de atributos. Um gene pode influenciar várias características físicas, e aquele que determina a inteligência pode, de alguma maneira, melhorar a qualidade do esperma – e, quem sabe, outras características.

Isso explicaria, por exemplo, por que a inteligência pode ser tão sexy. “Isso pode ser um indicador de que a pessoa tem uma série de bons genes e características”, disse Geoffrey Miller, da Universidade do Novo México.

sábado, 7 de fevereiro de 2009



QUANTO CUSTA O DINHEIRO

Bancos sobem os juros às alturas e dizem que precisam se defender da crise, mas o governo considera os aumentos injustificáveis e promete usar as suas armas para combater os abusos

Benedito Sverberi - Ed Ferreira/AE



A indústria brasileira simplesmente parou no fim de 2008. Segundo o IBGE, a produção das fábricas amargou uma queda de 12,4% em dezembro, a maior retração desde que a pesquisa começou a ser feita, em 1991.

Chegou ao fim, dessa maneira, um período de três anos seguidos de aumento na atividade das empresas. Nesse cenário, as estimativas mais recentes dão conta de que o país crescerá menos de 2% neste ano.

O coração da freada está no encarecimento do crédito interno, contaminado pelo aprofundamento da crise financeira internacional. Os juros subiram, os prazos encurtaram e os bancos passaram a exigir mais garantias para conceder novos empréstimos.

Para reverter a falta de recursos, o Banco Central reduziu a taxa básica de juros (a Selic) e tem implementado uma série de medidas na tentativa de destravar as linhas de financiamento. Ainda assim, no entanto, as empresas continuam a encontrar dificuldades para se financiar, e, apesar da ação do BC, os juros subiram. Os bancos agora estão sob o bombardeio pesado do governo, que estuda novas maneiras de forçar uma redução do custo do dinheiro.

Os números são evidentes: a taxa média de juros cobrados pelos bancos subiu de 37% para 43% no último ano. Constantemente criticado por aqueles que defendem uma queda irresponsável da Selic, o presidente do BC, Henrique Meirelles, desta vez passou a bola: afirmou que a culpa pela alta nos juros deveria ser buscada nos bancos, que subiram excessivamente seus spreads.

Na linguagem das finanças, recheada por termos em inglês, spread (pronuncia-se spréd) representa a diferença entre os juros que os bancos pagam para captar dinheiro no mercado (em geral, próximos da Selic) e as taxas que eles efetivamente cobram de seus clientes. Se o banco, por exemplo, toma dinheiro emprestado a 13% ao ano e o repassa cobrando 43%, o spread é de 30% (veja o quadro).

Essa sobretaxa é cobrada pelas instituições financeiras para cobrir seus custos e também para auferir seus lucros, mas nela estão embutidas ainda a tributação e a inadimplência. Colocados contra a parede, os bancos argumentam que tiveram de subir suas margens de segurança por causa, principalmente, do aumento do risco de enfrentar uma onda de calotes. Já o governo considera a alta exagerada e inadmissível.

Alberto César Araújo/Folha Imagem



A CRISE CHEGOU

Fábrica de televisores em Manaus: 10 000 empregos perdidos na Zona Franca

A discussão em torno do assunto esquentou ainda mais depois que o BC decidiu divulgar, em seu site, as taxas cobradas em cada um dos bancos. Ficaram em maus lençóis a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil.

A ideia do governo é utilizar as instituições públicas para aumentar a competição e incentivar a queda dos juros bancários. Mas, segundo a pesquisa do BC, a Caixa e o BB possuem, na maioria de suas linhas, taxas tão elevadas quanto aquelas cobradas pelo setor privado.

Nas últimas duas semanas, os presidentes da Caixa e do Banco do Brasil têm sido chamados com frequência para participar de reuniões no Planalto, onde são cobrados duramente pela elevação de suas taxas. A Caixa, um banco 100% estatal e sem acionistas privados, já acatou a orientação do governo e anunciou uma redução dos juros.

O Banco do Brasil, que possui cerca de 22% de suas ações negociadas na bolsa de valores, também cedeu, mas resiste em ser usado como instrumento político. A direção do BB argumenta que, diante do agravamento da retração econômica, não pode correr riscos em demasia ao preço de penalizar seus investidores. "Não podemos comprometer nossa rentabilidade", afirmou um executivo do banco.

As instituições privadas, por sua vez, dizem que precisam proteger o seu capital diante da ampliação das incertezas na economia. O economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Rubens Sardenberg, lembrou que o spread bancário vinha em trajetória de queda, por uma conjunção auspiciosa de fatores, entre eles o acesso a capital barato e abundante no exterior e a estabilidade macroeconômica interna.

Mas, depois da bancarrota do banco americano Lehman Brothers, em setembro do ano passado, o dinheiro externo sumiu, o ambiente se deteriorou e as instituições brasileiras optaram por uma posição defensiva, jogando os spreads nas alturas – e tornando os financiamentos bem mais caros. Afirma Sardenberg: "Essa reação ocorre porque um banco não trabalha apenas com o presente.

Ele tem de olhar o futuro, e, ao avaliar o noticiário, vê-se que existe uma possibilidade não desprezível de que a economia vá piorar. É natural que as instituições assumam uma atitude de maior prudência". Ou, como já disse o próprio presidente Lula, é melhor que o país tenha bancos rentáveis do que quebrados.

A discussão recente em torno do aumento dos spreads, no entanto, ignora uma questão de fundo: ainda antes da crise, o Brasil seguia como dono de juros bancários exorbitantes mesmo para um país em desenvolvimento.

O dinheiro, aqui, custa caro. Um levantamento do Banco Mundial, relativo a 2007, dava conta de que a taxa anual na linha de empréstimo pessoal no país, então de 44%, era uma das maiores do mundo, atrás apenas de países como o Zimbábue e o Haiti.

Na comparação com alguns pares latino-americanos, a diferença chega a ser constrangedora: no Chile, as taxas eram de 9% e, no México, de 8%. De acordo com os especialistas, para que o Brasil caminhe na direção de ter juros bancários normais, precisará criar as condições para diminuir a taxa básica de juros (sobretudo aprofundando o equilíbrio nas contas públicas) e também para reduzir os spreads.

Um bom começo, no sentido de reduzir os juros na ponta do tomador, seria fazer com que os bons pagadores deixem de pagar pela imprevidência dos caloteiros.

Por isso, na avaliação do presidente da firma de análise de crédito Serasa Experian, Francisco Valim, seria necessário implantar no país, quanto antes, o chamado "cadastro positivo" – sistema de compartilhamento de informações bancárias entre as instituições, para que elas conheçam o histórico financeiro das pessoas e das empresas.

Segundo Valim, esse cadastro reduziria a inadimplência e incentivaria a competição entre os bancos para atrair os bons clientes. "Isso acabaria com a socialização da inadimplência. Hoje, todos são considerados inadimplentes a priori. Todos pagam caro, em vez de só o mau pagador", afirma Valim.

Uma outra discrepância brasileira, quando o assunto são juros bancários, está na pesada carga tributária que incide sobre os financiamentos, algo sem paralelo entre as principais economias do mundo. Reduzir os impostos teria um efeito instantâneo na redução do custo do dinheiro. Mas isso, claro, significaria perder arrecadação, algo de que o governo não quer nem ouvir falar.

O economista Márcio Nakane, coordenador técnico da Tendências Consultoria e estudioso do assunto, chama atenção para outro avanço necessário: a redução dos subsídios nas linhas do crédito direcionado, como a que beneficia o setor rural.

"O problema não é haver crédito direcionado, mas, sim, o fato de as taxas serem fixadas pelo governo. Em geral, são alíquotas baixas para linhas de risco elevado", afirma Nakane.

A lógica aqui é a seguinte: como os bancos perdem dinheiro naquelas linhas em que os juros são tabelados, precisam cobrar mais caro nas outras modalidades de crédito. Quem não goza das benesses de ter acesso a dinheiro subsidiado (ou seja, a maioria absoluta das pessoas e das empresas) acaba pagando caro pelo benefício de poucos.


Como administramos crises?

"Houve um tempo em que Davos era algo solene e definitivo. Agora, os grandes saem de lá dizendo-se confusos. E nós, como ficamos?"

"A crise" é desculpa para muita loucura, nossa e dos que chamamos líderes. Como administramos crises? Crises se administram ou se sofrem... ou simplesmente se desenrolam e nós rolamos feito marisco solto no mar?

O que fazer com as crises pessoais e financeiras? As da vida pessoal podem ser mortais, mas quase sempre encontramos um caminho, no que depende de nós. As econômicas regionais, nacionais ou, pior, mundiais, como a atual, nos são alheias.

A parte mínima que cabe a cada um é apertar o cinto e rezar (ou torcer) para que os responsáveis não façam besteira demais.

Ilustração Atômica Studio

Houve um tempo em que Davos era algo solene e definitivo. Agora, os grandes saem de lá dizendo-se confusos. E nós, como ficamos?

Líderes perplexos e nós, mortais comuns, feito formiguinhas no campo de batalha dos grandes, nós que vivemos de salário e pagamos a conta com impostos, ficamos encolhidos diante da onda de desastres nascidos da trágica irresponsabilidade na economia mundial, que não dependeu de nós.

A mim dão tristeza os desempregados. Publicam-se todo dia números mascarados, sabemos que são muito maiores e mais dramáticos do que aparecem.

Um operário de uns 40 anos, casado, cinco filhos, relata que no café-da-manhã recebeu uma cartinha: demitido. "O que vou fazer agora?", indagou com lágrimas nos olhos.

Na Europa e nos Estados Unidos, e também no Japão e na China, os números são espantosos, e todos indagam: "E agora, e agora?".

O seguro-desemprego não é grande coisa nem é permanente. A crise, se tirarmos a cínica máscara do otimismo, que aliás está caindo por quase toda parte, deverá durar vários anos. Depois dela, o que virá?

Quanto tempo até levarmos uma vida menos aflitiva? Ou os despossuídos, antigos e novos, ficarão comendo, como já se faz no Brasil há tantas décadas, farinha com água e, com sorte, um pouco de sal?

Um fantasma intrometido espia sobre meu ombro: "Pô, que artigo mais negativo! Os escritores devem dar esperança aos leitores". Não. Os escritores falam por todos os que não têm acesso nem voz. Por que tratar os leitores como idiotas?

O que escutamos sobre a crise é tão contraditório que daria para encher muitos consultórios e clínicas de psiquiatria: "Gastem tranquilamente, comprem, isso aí não é nada. Não gastem, tomem cuidado, o apocalipse está chegando. Os governos estão controlando gastos. Os governos estão aumentando gastos. Os governos estão abrindo milhares de vagas; os governos não têm dinheiro para pesquisa, cultura, educação.

Os governos sabem tudo, os governos não sabem nada". E nós, jogados de mão em mão ou de conselho em conselho, de uma explicação a outra, em quem devemos acreditar? Talvez no próprio bolso.

Ou no vizinho demitido. No outro vizinho, desempregado, na vizinha de despensa vazia. Nos assaltos que aumentam, nos pedintes que se multiplicam, e se o mundo inteiro, unido, não tomar providências eles serão multidões, e nós estaremos entre eles.

Dificilmente haverá união entre os países: queremos pisar uns nos outros, se possível nos matamos mutuamente. A crise, que já é um tsunami, vai nos transformar a pau em gente mais racional, mais sensata. Mais humildes os poderosos, mais confortados os despossuídos, porque nos aproximaremos na aflição. Será?

A primeira vez em que hospedei uma amiga da Europa, ela se espantou ao almoçar em minha casa, classe mediazinha: "Dois bifes para cada filho? Bifes desse tamanho? Todo mundo podendo repetir?".

Só faltou vasculhar nosso lixo, para dizer que na então poderosa Europa muita gente comeria dali. Impressionada, nunca me esqueci. Não pedi para meus filhos adolescentes roerem perna de mesa, mas fui ainda mais severa quanto ao desperdício. Desde sempre, se podia lhes dar três pares de tênis, dava-lhes dois.

Três pares de jeans, dava dois. Fiquei mais cautelosa, talvez assustada com a insegurança que, tantos e tantos anos depois, bateria à nossa porta. Que os deuses da riqueza e da miséria, da fome e da abundância, da ganância e da decência façam seus congressos celestiais e nos deem uma mãozinha por aqui.

Lya Luft é escritora


Sarney e Temer retomam cargos que mais parecem vitalícios




HISTÓRIA VELHA

Acima, o presidente da Câmara, Michel Temer (à esq.), e o presidente do Senado, José Sarney (à dir.), na semana passada, na cerimônia de abertura do ano legislativo, na frente do Congresso. Abaixo, Sarney com Antônio Carlos Magalhães, durante seu mandato anterior como presidente do Senado. Sarney e Temer ocupam a presidência das casas pela terceira vez

Na semana passada, o Congresso Nacional fez o país andar para trás em tamanha velocidade que, em poucos dias, conseguiu transformar um castelo inspirado na arquitetura das monarquias absolutistas do século XVIII no símbolo mais recente da atrasada política de Brasília. Localizado na Zona da Mata mineira, ele é propriedade do deputado Edmar Moreira (DEM-MG).

Edmar enriqueceu com empresas privadas de segurança e fez carreira no Congresso com a oferta de proteção a políticos sob investigação. Seu Castelo Monalisa é um retrato em aço, concreto e 36 banheiras de hidromassagem das mazelas que envergonham um país que, desde a Constituição de 1988, tenta e não consegue modernizar seus costumes políticos.

Com 36 suítes, adega para 8 mil garrafas, piscinas com cascata e diversos elevadores, o castelo está à venda por R$ 25 milhões. Seu valor foi reduzido para R$ 3 milhões na declaração do membro da família que se apresenta como proprietário formal do imóvel.

Por causa de calotes trabalhistas e acusações de apropriação indébita de recursos destinados ao INSS, Edmar é alvo de uma ação que poderá determinar o bloqueio de seus bens.

Na semana em que José Sarney (PMDB-AP) e Michel Temer (PMDB-SP) tornaram-se ambos, respectivamente, presidente do Senado Federal e da Câmara dos Deputados pela terceira vez, Edmar foi eleito corregedor da Câmara como um candidato avulso, sem o patrocínio de seu partido, o DEM.

A escolha de seu nome para a função de xerife da Câmara parece estranha por causa de seu currículo, mas é fácil explicar – pelas piores razões possíveis. Há quatro anos, quando explodiu o escândalo do mensalão, Edmar foi um militante ativo da impunidade e trabalhou pela inocência de todos os envolvidos.

Recebeu a recompensa agora. Foi apoiado pelas bancadas de partidos governistas, em especial a do PT, num processo silencioso e que deveria ter-se encerrado de forma quase clandestina, para evitar dissabores.

Depois que as torres pontiagudas do Monalisa se transformaram em assunto nacional, o DEM passou a cobrar a renúncia de Edmar à Corregedoria. Pode ser uma providência útil, seria bom que fosse bem sucedida, mas ela vem com um pouco de atraso.

A primeira reportagem sobre o castelo de Edmar foi publicada em 1992. De lá para cá, passaram-se 17 anos, ou quatro mandatos parlamentares, sem que ninguém tivesse a curiosidade de investigar um pouco aquela arquitetura estranha.

Com seu aspecto de obra fora do tempo e tantas atrações exóticas, o Monalisa combina perfeitamente com aquilo que se viu em Brasília na semana passada. As eleições para o comando do Poder Legislativo trouxeram de volta dois personagens do século passado. Michel Temer (PMDB-SP) já presidira a Câmara entre 1997 e 2000, por dois mandatos consecutivos.

O ex-presidente José Sarney chefiou o Senado pela primeira vez em 1995 e voltou ao cargo em 2003. Nas duas ocasiões, fingiu encerrar uma longeva carreira política.

Na caminhada para o atraso, deputados e senadores usaram outra vez as ferramentas que fazem do Legislativo a mais desprestigiada instituição republicana, segundo todas as pesquisas de opinião: a troca de favores mesquinhos, a negociação de interesses escusos e as armas da traição, sempre de costas para a opinião pública.

Além de Edmar e seu castelo, a abertura dos trabalhos de 2009 mostrou a musculatura de dois ex-presidentes do Senado, Renan Calheiros e Jader Barbalho, ambos forçados a renunciar ao cargo para escapar de processos de cassação. Renan e Jader foram os artífices e principais conselheiros de Sarney na campanha.

Eles aconselharam-no a disputar o cargo, como forma de se proteger contra adversários da política e problemas com a Justiça. No pior momento de uma carreira política de quase 60 anos, Sarney entrou no jogo.

Ele espalhou em Brasília ser vítima de perseguição do ministro da Justiça, Tarso Genro. O PMDB pediu a demissão de Tarso, mas Lula não se comoveu. A presidência do Senado se transformou numa boia para um político em apuros, como foi anteriormente para Jader e Renan.

Com base em sua própria experiência, Jader e Renan desenvolveram a teoria do “barril de lama”, uma estratégia de sobrevivência política baseada na compra de cúmplices. Ela é simples, para quem tiver estômago para entender.

Um colega de Jader e Renan na cúpula do PMDB descreve o método assim: “Quando o sujeito está atolado de denúncias e não consegue sair, o negócio é trazer cada vez mais gente para dentro do barril.

Aí, ele fica mais seguro porque, se a coisa explodir, todo mundo vai sair enlameado”. Ao final da campanha em que Sarney derrotou o candidato do PT, senador Tião Viana (AC), por 49 votos a 32, a lama no barril não parava de crescer. Eis alguns dos episódios:

Na eleição do Senado, o apoio do DEM a Sarney foi negociado em novembro e custou uma vaga no Tribunal de Contas da União (TCU) para o ex-ministro e ex-senador José Jorge. Sob o comando de Renan, a bancada do PMDB traiu o candidato do partido, Leomar Quintanilha (TO). Pelo menos sete senadores do partido votaram em José Jorge. O DEM pagou com 14 votos para a eleição de Sarney.

Para garantir o voto do senador José Maranhão (PMDB-PB), Renan prometeu a ele que vai apressar – só ele sabe de que maneira – o processo de cassação do governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima (PSDB), no Tribunal Superior Eleitoral. Maranhão ameaçava votar contra Sarney porque não foi contemplado com um cargo na mesa diretora do Senado, posição que dá privilégios. Ele aceitou a oferta. Se Cunha Lima for cassado, Maranhão herdará o governo da Paraíba.

Três senadores do PR – César Borges (BA), Magno Malta (ES) e João Ribeiro (TO) – votaram em Sarney. Em troca, o diretor-geral do Senado, Agaciel Maia, providenciará carros novos para substituir os Fiat Marea ano 2000 que eles usam.

Para conseguir os sete votos do PTB, Sarney e Renan prometeram entregar o comando da Comissão de Relações Exteriores ao senador Fernando Collor de Mello (AL). Cassado por corrupção, Collor receberá solenemente todos os chefes de Estado e de governo estrangeiros que visitarem o Brasil.

Ele chegou ao Planalto, em 1989, acusando Sarney de ter sido o mais corrupto de todos os presidentes.


07 de fevereiro de 2009
N° 15872 - NILSON SOUZA


Viagem com rumo

Recebo da professora Esther Grossi mais um folder do seu Geempa, ONG que se dedica a formar alfabetizadores capazes de alcançar 100% de sucesso no ensino da leitura e da escrita, mesmo com turmas de classes populares. Parece milagre, neste país de iletrados.

E não deixa de ser: o milagre da boa formação profissional, o milagre da aquisição do conhecimento, o milagre do uso de teorias comprovadamente eficientes. Acima de tudo, o milagre do esforço e da humildade de professores que concordam em rever seus conceitos para se tornarem mais aptos.

Tem um barco na capa do impresso promocional, um desenho do artista ensandecido Artur Bispo do Rosário – ele mesmo um exemplo da principal tese do Geempa de que “todos podem aprender”.

Mas é o Grande Veleiro que serve de inspiração para a imagem gerada pela cabeça colorida de Esther quando compara: “A única possibilidade de um barco a vela mover-se é a presença do vento, assim como a única possibilidade de a escola ensinar a todos é uma ação docente eficaz”.

Parece um trabalho de Sísifo, empurrar ladeira acima décadas de equívocos de um ensino dissociado da realidade, que foi se tornando cada vez mais distante do interesse das crianças. Mas tenho sido testemunha do empenho dos pupilos da professora Esther na busca de estratégias que realmente proporcionem às crianças o direito de aprender.

É comovente ler o resultado desta ação educadora ousada, em textos-hipótese como este: “Era uma vez um colegio lindo como uma flor que tinha uma professora chamada Eliza ela incinava a ler e escrever...”.

O barco do aprendizado precisa enfrentar correntezas para que os tripulantes aprendam a construir o próprio conhecimento, para que descubram a melhor rota, para que saibam aproveitar o vento favorável.

Não é a professora Eliza quem “incina” a ler e escrever, como imagina o pequeno escriba. Ela só facilita as descobertas por parte de quem tem potencial para aprender.

E todos têm algum potencial. No momento em que se pretende qualificar a educação no Estado, a experiência do Geempa merece ser considerada. No mínimo, para que os professores que realmente amam a profissão possam receber de seus alunos compensações como esta frase final de um texto estreante: “Um bejo e um abaso!”.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009



UM POUCO DE NEPOTISMO

Ser professor é uma aventura. Ser aluno é outra aventura. A maior injustiça que eu vi, quando criança ou adolescente, era alguém repetir todas as matérias de um ano por ter sido reprovado em uma disciplina.

A incompetência administrativa do sistema era repassada para o estudante. Nunca vi na mídia uma crítica a esse procedimento estúpido e cruel.

Pensei nisso lendo um livro que me emocionou a ponto de me fazer lembrar de velhas histórias dos tempos de colégio. 'Vara de Marmelo' (Editora Renascença) é a história verdadeira de uma professora, mãe e mulher em busca do seu lugar no mundo. Gaúcha, numa escola de uma grande cidade do interior de São Paulo, ela viveu algumas situações exemplares.

Como não se arrepiar diante deste diálogo em sala de aula:
'Continuei a falar de mim e quando comentei que tinha filhos da idade deles uma menina falou aos gritos:
– Então você é mãe? Ah, então você é puta!

Sem pensar, devido ao susto que levei, respondi como quem está sendo atacada:
– Não, eu não sou. Por que a pergunta? A sua mãe é?
– Claro que é. Toda mãe é...
– Mas você sabe o que é uma prostituta?

– Claro, tia, quem não sabe? É trabalhá no ponto: a mãe se arruma e sai pra catá dinheiro, porque tem uns home de carrão que dão dinheiro pra elas...

– E você sabe por que eles dão dinheiro?
Ela não teve tempo de responder, pois a turma inteira começou a gritar:
– Tem que trepá, pô! Que burra essa tia!'

Quantos pontos, num programa de metas, deve somar um professor capaz de administrar uma situação dessas e ainda encontrar forças para continuar apaixonado pela sua profissão?

Será por isso que se inventou o mito do magistério como missão ou sacerdócio? Professores enfrentam problemas desse tipo, ou piores, em todos os andares da sociedade. Numa universidade, por exemplo, pululam os dramas pessoais de toda ordem.

Quem acha que professor trabalha pouco, ensina mal e vive reclamando de barriga cheia por excesso de ideologia, não tem a menor ideia do que diz ou está atolado numa ideologia. Quem lê 'Vara de Marmelo', de qualquer maneira, fica atônito: como tratar do mesmo modo universos tão diferentes?

Como não sair correndo quando um aluno desabafa nestes termos: 'Minha mãe não podia ter feito isso comigo só hoje me contou que to de niversario e o pior é que fica lá deitada no sol, por que tem programa de noite. Ela disse que niversario é bobage, que não tem grana pra isso. To com vontade de mata ela.

Vi numa casa uma festa no final os muleque estoravam as bexiga na maior zuera'. Aposto que os gênios da mídia se preocupariam, antes de tudo, com os erros de ortografia dessa mensagem desesperada.

Concluiriam que os alunos não estão aprendendo, que os professores não estão ensinando e que nossas crianças não estão sendo preparadas para o mercado. É incrível como a mídia vive separada do mundo real, fechada numa redoma de vidro, autista e soberba!

A autora de 'Vara de Marmelo' é pedagoga, arteterapeuta, escritora, integrante da Academia Santanense de Letras, pós-graduada em Arteterapia e em Tecnologia da Informação Aplicada a Educação e graduada em Teologia pela Igreja Episcopal Anglicana do Brasil.

Em resumo, continua buscando aprimoramento pessoal, profissional e espiritual. Seu livro me tocou de tal maneira pela autenticidade que decidi pisotear um princípio e cometer nepotismo. Vera Machado é minha irmã.

juremir@correiodopovo.com.br

sábado, 31 de janeiro de 2009



01 de fevereiro de 2009 | N° 15866
MARTHA MEDEIROS


O papel higiênico da empregada

Quando a gente é criança, acha que todo mundo é legal, que todo mundo é da paz, e de repente começa a crescer e vai descobrindo que não é bem assim.

Eu lembro que, ainda menina, foi um choque descobrir que as pessoas mentiam, enganavam, eram agressivas. Porque aquelas pessoas não eram bandidas: eram colegas de aula, gente conhecida. Eu ficava confusa.

Fulana era generosa com os amigos e, ao mesmo tempo, extremamente estúpida com a própria mãe. Beltrana ia à missa todo domingo e nos outros dias remexia na mochila dos colegas para roubar material escolar.

Sicrana era sua melhor amiga na terça-feira e na quarta não olhava pra sua cara. Eu chegava em casa, pedia explicações pra família e recebia como resposta: bem-vinda ao mundo.

Eu queria o impossível: olhar para uma pessoa e saber o que poderia esperar dela. Seria uma pessoa do bem? Do mal? Viria a me decepcionar? Todas as pessoas decepcionam, todas cometem erros, mas eu queria encontrar alguma espécie de comportamento que me desse uma pista segura sobre com quem eu estava lidando.

Até que certo dia fui na casa de uma colega. De repente, precisei ir ao banheiro. Só havia um no apartamento, e ocupado. Eu estava apertada. Apertadíssima. Minha amiga sugeriu que eu usasse o banheiro da empregada, topei na hora.

E lá descobri que o papel higiênico da empregada era diferente do papel usado pelos outros membros da família. Era mais áspero. Parecia uma lixa. Muito mais barato.

Era um costume, e talvez seja até hoje: comprar um tipo de papel higiênico para a família e outro, de pior qualidade, para o banheiro de serviço. Eis ali a pista que eu inocentemente buscava para descobrir a índole das pessoas.

Hoje, adulta, sei que descobrir a índole de alguém é um processo muito mais complexo, mas ainda me surpreendo que algumas pessoas façam certas diferenciações.

O relacionamento entre empregados e patrões ainda é uma maneira de se perceber como certos preconceitos seguem bem firmes. Não é por economia que se compra papel higiênico mais barato pra empregada, por mais que seja este o argumento usado por quem o faz.

É para segmentar as castas. É para manter a hierarquia. É pela manutenção do poder.

As pessoas querem tanto acabar com as injustiças sociais, e às vezes não conseguem mudar pequenas regras dentro da sua própria casa. Cada um de nós tem um potencial revolucionário, que pode se manifestar através de pequenos gestos.

Comprar o mesmo papel higiênico para todos, quem diria, também é uma maneira de lutar por um mundo melhor.

A colunista Martha Medeiros está de férias. Esta crônica foi publicada originalmente em 30 de novembro de 2003


O FÓRUM SOCIAL DE DAVOS


O espírito do velho Karl Marx deveria ter ido a Belém cantar para Che Guevara junto com Chávez, mas preferiu a Suíça, onde o capitalismo foi mais atacado
Montagem sobre foto Virginia Mayo/AP e Alfredo Dagli Orti/Corbis/Latinstock

UM ESPECTRO Marx aparece nesta montagem pairando sobre debatedores em Davos, onde o "modelo" e o "sistema" foram os vilões



Diz a lenda que uma vez por ano Karl Marx recebe autorização para abandonar sua tumba no cemitério de Highgate, em Londres, onde ele desde 1883 descansa – se é que comunista descansa –, para participar do Fórum Social. Neste ano seu destino natural seria Belém, no estado brasileiro do Pará. Ele até chegou a dar as caras, mas por ali não encontrou nada muito parecido com o que esperava das classes trabalhadoras.

Viu alguns índios e seus líderes invocando entidades incorpóreas que regeriam a vida em um continente chamado Abya Yala, como é politicamente correto se referir na língua indígena kuna ao que conhecemos como América Latina. Pensou em ficar um pouco mais quando o presidente brasileiro Lula chegou ao microfone. Finalmente, alguém mais sério. "Deus escreve certo por linhas tortas, porque o deus mercado quebrou", decretou Lula.

Foi a gota d’água para o velho Karl. Lula também estava mais para fenomenologia do espírito do que para o materialismo histórico. Pegou as malas mas, antes de voltar a Highgate, decidiu ver o que seus tradicionais detratores, os altos dirigentes das democracias capitalistas ocidentais, líderes de empresas e seus agregados nas artes e na academia, estavam discutindo na suíça Davos, na versão 2009 do Fórum Econômico Mundial, sob a temática geral "Dando forma ao mundo pós-crise".

Ali, sim, tinha gente articulada, brandindo dados e pondo a culpa da crise econômica no "sistema capitalista". A socialização das falhas que levaram à atual crise financeira mundial – uma das mais, se não a mais, severas e complexas da história contemporânea – foi a tônica em Davos.

Ninguém pode ser apontado como culpado. Nem George W. Bush nem Alan Greenspan, o mago do banco central americano que se transformou em bruxo ao reconhecer, candidamente, que ficou "chocado" ao descobrir que os bancos estavam emprestando fortunas a quem assumidamente não podia nem pretendia pagar. Nada de nomes. O culpado é o sistema. Um espectro ronda a Europa e o mundo.

Trabalhadores do mundo, unam-se. Tudo que vocês têm a perder é o crédito. Mas, se ele secou para todos, empresas, governos e os próprios bancos, qual é o grande problema? Resumiu Bill Gates, o terceiro homem mais rico do mundo, mais uma vez estrela em Davos: "Acho que nunca acharemos um culpado, um vilão para quem possamos apontar e dizer: Aha... ele fez toda a lambança".

Harry Truman, o 33º presidente dos Estados Unidos, dizia que para um estadista não existem novidades, "mas capítulos da história dos grandes homens que ele não leu". Pois o que mais faltou em Davos foram justamente coragem e lucidez para dar nome aos bois, dizer quem errou, por que errou e como evitar que esse mesmo tipo de gente volte a ter poder de decisão. De modo geral, os conferencistas e panelistas adotaram a visão tão cara aos marxistas de ver as falhas incontornáveis sistêmicas do "modelo" e do "mercado".

Teria sido bem mais interessante se cada participante, para obter inscrição em Davos, fosse obrigado a escrever um ensaio sobre "O que EU fiz de errado que ajudou a nos colocar nessa encrenca". Antes de voltar para casa, seria uma boa ideia cobrar deles também um depoimento de despedida com o tema "O que EU farei para que a crise seja menos cruel do que se anuncia e não mais se repita".

Como o EU sumiu de Davos, a visão sistêmica e coletivista do determinismo histórico marxista se instalou, mesmo que pouca gente tenha se dado conta disso.

Alguém poderia ter tido a lucidez de lembrar duas coisas que adiantariam muito os debates. Primeiro, a crise atual não foi prevista por Marx.

Nem em sonho ele poderia ter imaginado o estágio de desenvolvimento e complexidade que os mecanismos de crédito atingiriam nestes primeiros anos do século XXI. Marx achava que o capitalismo encontraria seu fim ao cabo de cada vez mais fortes crises recessivas clássicas – aquelas ocasionadas por excesso de produção e falta de demanda, com a crescente insatisfação dos proletários produzindo a energia revolucionária para que se passasse de forma violenta ao comunismo.

Nenhuma dessas condições está presente na atual crise. O que se observa é o estouro de uma bolha financeira que atingiu em primeiro lugar os ricos e a classe média investidora, com a evaporação de 10 trilhões de dólares em riqueza das famílias só nos Estados Unidos.

Segundo, as contradições e injustiças que embalaram politicamente as teorias de Karl Marx na Europa da segunda metade do século XIX e por quase todo o século XX praticamente não existem mais nos países avançados e foram minoradas em quase todo o mundo.

O capitalismo deu condições extraordinárias de habitação, saúde, conforto e aposentadoria a milhões de habitantes de países onde se instalou. Só nos anos que antecederam a crise atual, tirou da miséria centenas de milhões de famílias no Brasil, China e Índia.

É esse progresso que está sendo colocado em risco pela corrente de destruição de riqueza deflagrada pela crise financeira. Foram necessários grandes homens e grandes mulheres para chegar até esse estágio de progresso.

É de indivíduos formidáveis, e não de críticas ao "sistema capitalista" emanadas do cemitério de Highgate, que virá a solução para impedir que a crise destrua tudo o que se conquistou e para avançar ainda mais.

Monica Weinberg - mweinberg@abril.com.br

Mude, mas leve tudo com você

A palavra portabilidade ingressou no vocabulário das empresas para definir algo de grande valia para as pessoas: menos burocracia na troca de operadora de celular, banco e plano de saúde.

A simplificação de tais processos significa, na prática, que quando alguém decide mudar de companhia telefônica pode carregar consigo o número do celular. Ou que um funcionário consegue transferir seu salário de um banco a outro sem que isso lhe consuma muito trabalho.

Daí a ideia da portabilidade. Em abril, passa a valer no Brasil uma lei que pode facilitar a troca de plano de saúde. Seu principal efeito será dispensar a carência, que pode chegar a dois anos.

Com as restrições para usufruir do benefício, a nova lei se aplicará a 13% dos brasileiros, segundo cálculos de especialistas. A seguir, eles chamam atenção para possíveis obstáculos nas três situações às quais se aplica o novo jargão e dão sugestões de como, afinal, fazer o melhor uso da portabilidade.

Situação: TROCA DE OPERADORA DE CELULAR OU DE
TELEFONIA FIXA - Ilustrações Stefan

O que diz a lei: quem já possui um número de telefone – fixo ou celular – tem direito a permanecer com ele quando muda de operadora. Não é possível levar a linha referente a um aparelho fixo para um móvel nem manter o número no caso de mudança de DDD

Quem se beneficia: moradores de 85% dos municípios em 22 estados. Rio de Janeiro, Pernambuco e Distrito Federal, além da cidade de São Paulo, ainda estão de fora. As empresas têm até março para estender a todos o serviço

O que fazer: é preciso preencher um formulário e apresentar RG e CPF. No caso da telefonia móvel, o processo requer uma visita à loja da operadora para a qual se pretende migrar. As empresas de telefonia fixa aceitam a documentação via e-mail ou fax. Além do número, pode-se manter o aparelho antigo – mas será necessário comprar um chip da nova operadora

Quanto tempo leva o processo: até cinco dias úteis, como determina a lei. Mesmo assim, há eventuais atrasos
O que pode ser um problema...

• Deixar contas pendentes com a antiga empresa. O primeiro erro é achar que a dívida passará à nova operadora. Outro é considerar que ela será cancelada

Dica: antes de mudar de operadora, checar se há alguma fatura atrasada ou multa a pagar
• Ligações de telefones fixos não chegarem ao celular depois da mudança de empresa. Isso ocorre por uma falha técnica na base de dados da antiga operadora

Dica: testar o celular para saber se ele está recebendo tais ligações. Do contrário, o melhor a fazer é acionar as duas operadoras em questão

Montagem sobre foto de Xando Pereira



"CADÊ AS MINHAS LIGAÇÕES?"

Em dezembro, o estudante baiano Raphael Teixeira, 25 anos, trocou de operadora de telefonia fixa e conseguiu, "com facilidade", manter o número que usava havia cinco anos. O processo levou apenas quatro dias. Mas restou um problema: o aparelho não recebe ligações de alguns fixos. "Já acionei a antiga empresa e a atual. Estou à espera de uma solução"

Situação: TRANSFERÊNCIA DO DINHEIRO DA CONTA-SALÁRIO
PARA OUTRO BANCO

O que diz a lei: o salário depositado pela empresa em determinado banco pode ser transferido automaticamente, a pedido do funcionário, para qualquer outra instituição financeira. Uma das exigências é que ele seja um dos titulares da conta para a qual irá o dinheiro. Outra é que se transfiram 100% do salário. Só dá para movimentar a conta-salário por meio do cartão magnético

Quem se beneficia: funcionários de empresas privadas. Em 2012, a lei se estenderá aos servidores públicos

O que fazer: é preciso entregar ao gerente do banco em que se recebe o salário uma carta com o pedido de transferência para outra instituição financeira. Se não houver imprevistos, o depósito seguinte já aparecerá na nova conta. Um detalhe: a migração pode demorar até doze horas

Quanto tempo leva o processo: até cinco dias úteis - O que pode ser um problema...

• O prazo vencer, mas o salário não estar na conta combinada com o gerente

Dica: fazer uma cópia da carta com o pedido de transferência. É a única garantia de que não será preciso recomeçar do zero. Outra medida prudente é iniciar o processo com antecedência de pelo menos dez dias do pagamento. Mesmo com algum atraso, haverá tempo suficiente para que a mudança se realize

• Como os bancos não cobram taxas pela conta-salário, o cliente passará a pagar tarifas das quais estava isento

Dica: como a conta-salário se presta ao único fim de receber o pagamento mensal, a transferência é inevitável para quem quer usar outros serviços do banco, como, por exemplo, aplicar o dinheiro. Nesse caso, vale a pena pesquisar o valor das diversas taxas cobradas. Elas variam até 80% de um banco para outro

Situação: MUDANÇA DE PLANO DE SAÚDE

O que diz a lei: a partir de abril, quando ela entra em vigor, será permitida a migração entre empresas dispensando a carência. O novo plano, no entanto, deverá ter valor equivalente ao do antigo ou menor

Quem se beneficia: 13% da população. São todos os que possuem planos individuais ou familiares feitos depois de 1999, quando passou a valer uma lei que permite a comparação entre o serviço oferecido por diferentes empresas. Outro pré-requisito é ter completado pelo menos dois anos no plano anterior

O que fazer: apresentar uma carta pedindo a mudança à empresa para a qual se deseja migrar. A maioria exigirá também comprovantes de pagamento do antigo plano e algum documento que ateste o tempo de permanência nele. A transferência só poderá se realizar entre o primeiro dia do mês de aniversário do velho plano e o último dia útil do mês seguinte

Quanto tempo leva o processo: para obter uma resposta do novo plano – seja ela positiva ou não –, até vinte dias úteis, como prevê a lei. Mas ele só começará a valer dez dias úteis depois. Enquanto isso, a pessoa estará ligada ao antigo plano
O que pode ser um problema...

• Passados os vinte dias previstos, a empresa não dar resposta sobre o pedido de transferência

Dica: protocolar no correio a carta enviada à operadora, para saber quando ela foi recebida. Isso pode ser útil na hora de cobrar a empresa – ou num eventual processo contra ela. A multa nesse caso pode chegar a 50 000 reais e é aplicada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, onde as reclamações devem ser registradas

• Perceber que o novo plano de saúde é pior que o anterior. Como a carência só é dispensada quando os planos são de valor semelhante, há sempre o risco de pagar o mesmo por menos serviços

Dica: antes de decidir pela troca, comparar os planos em detalhes, para saber se a mudança será realmente vantajosa


O que desperta o desejo sexual feminino

Novos estudos sobre revelam um abismo entre o que as mulheres sentem e o que dizem sentir
Ivan Martins e Francine Lima. Com reportagem de Laura Lopes - Rick Gomez



Ida Bauer aparece nos textos de Sigmund Freud, o pai da psicanálise, sob o nome fictício de Dora. É uma moça bonita, de 15 anos, perturbada por tosses nervosas e incapacidade ocasional de falar.

Chegou ao divã do médico vienense queixando-se de duas coisas: assédio sexual de um amigo da família e indisposição do pai em protegê-la. Freud aceitou os fatos, mas desenvolveu uma interpretação própria sobre eles. O nervosismo e as doenças se explicavam porque a moça se sentia sexualmente atraída pelo molestador, mas reprimia a sensação prazerosa e a transformava, histericamente, em incômodo físico.

Como Ida se recusou a aceitar essa versão sobre seus sentimentos, largou o tratamento. Peter Kramer, biógrafo de Freud, diz que os sintomas só diminuíram quando ela enfrentou o pai e o molestador, tempos depois. Freud estava errado; ela, certa. Anos mais tarde, refletindo sobre a experiência, Freud escreveu uma passagem famosa: “A grande questão que nunca foi respondida, e que eu ainda não fui capaz de responder, apesar de 30 anos de pesquisa sobre a alma feminina, é: o que querem as mulheres?”.

Meredith Chivers, uma jovem pesquisadora da Universidade Queen, no Canadá, acredita que pode finalmente responder à pergunta. Sem os preconceitos e a ortodoxia de Freud, e com recursos experimentais que ele não tinha, reuniu 47 mulheres e 44 homens em laboratório e aplicou o mesmo teste a todos eles: viram oito filmes curtos sobre sexo, com temas variados, enquanto seus órgãos genitais eram monitorados por sensores capazes de medir a ereção masculina e a lubrificação feminina.

Ao mesmo tempo, Meredith pediu que indicassem, num sensor eletrônico, quanto estavam excitados com cada cena projetada. Essa era a parte subjetiva do teste.

Os resultados foram sensacionais. Meredith descobriu, primeiro, que as mulheres, sejam elas hétero ou homossexuais, se estimulam com uma gama muito variada de cenas. Homem e mulher transando, mulheres transando, homens transando, quase tudo foi capaz de produzir excitação física nas mulheres.

Até cenas de coito entre bonobos (os parentes menores e mais dóceis dos chimpanzés) causaram alterações genitais nas voluntárias, embora tenham deixado os homens indiferentes. Qualquer que seja a sua orientação sexual, eles parecem ser mais focados em suas preferências.

Homossexuais se excitam predominantemente com cenas de sexo entre homens ou com cenas de masturbação masculina. Heterossexuais se interessam por sexo entre mulheres, sexo entre homens e mulheres e atividades que envolvam o corpo feminino, mesmo as não-sexuais. O estudo sugere que as mulheres são mais flexíveis em sua capacidade de se interessar. Seu universo sexual é mais rico.

A outra surpresa da pesquisa de Meredith, talvez sua descoberta mais importante, foi a constatação de que existe uma distância entre o que as mulheres manifestam fisicamente e o que elas declaram sentir.

As cenas de sexo entre mulheres, por exemplo, foram as que causaram maior excitação física entre as mulheres heterossexuais – mas aparecem em segundo na lista de respostas sobre as imagens mais excitantes. Ocorre o mesmo com sexo entre dois homens.

Os sensores vaginais mostram ser esse o terceiro tipo de cena que mais excita as mulheres, mas ele aparece na quinta posição nas declarações. O fenômeno de divergência entre corpo e mente não poupa os macacos. Meredith diz que o relato subjetivo das mulheres sobre os bonobos não é coerente com a excitação física que elas demonstram.

“O que eu descobri foi que as mulheres ficaram fisicamente excitadas (com os macacos), mas não declararam se sentir dessa forma”, ela disse em entrevista a ÉPOCA. Os homens demonstram um grau de coerência mais elevado entre as medidas objetivas e subjetivas.

Eles declaram gostar daquilo que fisicamente os comove, embora também se confundam com escolhas, por assim dizer, difíceis. No instrumento em que registram suas preferências, os homens heterossexuais marcaram as cenas de masturbação femininas como as mais excitantes, vencendo por pouco o sexo entre duas mulheres.

Mas os sensores genitais mostraram coisa diferente: a vitória pertence claramente às cenas de sexo entre mulheres. A conclusão é que também entre os homens há uma diferença entre excitação mental e excitação física, mas ela parece ser muito menor do que entre as mulheres.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009



28 de janeiro de 2009
N° 15862 - MARTHA MEDEIROS


Juventude

Estive no Rio semana passada. Rio de Janeiro + chuva = cinema. Lá fui eu pra Casa de Cultura Laura Alvim, numa sala com apenas 37 poltronas, assistir ao mais novo filme do Domingos Oliveira, que eu considero o nosso Woody Allen tupiniquim, sem nenhum demérito ao termo tupiniquim.

O filme chama-se Juventude, o que é uma ironia, pois trata-se da história de três velhos amigos – todos perto dos 70 anos – que se isolam na casa de um deles para jantar e realizar um inventário da própria vida: o que fizeram de certo, o que fizeram de errado, o que valeu, o que não valeu, e o que ainda pode ser feito com o resto de futuro que há.

Parece trivial, mas é raro encontrar um roteiro que discuta a passagem do tempo sob a ótica masculina, sem mulheres no recinto. Além disso, os atores são de primeira: além do próprio Domingos, há o talento de Paulo José e do diretor de teatro Aderbal Freire Filho, ótimo em sua estreia na telona e mais charmoso que muito gurizote por aí.

A piada que ajudou a divulgar o filme no país surge logo no início (“existem três idades: a juventude, a maturidade e o ‘você está ótimo’”). Os três já entraram na fase do “você está ótimo”, o que não os livra de estarem ferrados.

Um deles vive um drama familiar e precisa de uma bolada de dinheiro, o outro está na dúvida se mantém um casamento secular ou se foge pra Veneza com um antigo amor que reapareceu, e o outro está casado com uma menina de 21 anos, mas não consegue tirar da cabeça a mulher da sua vida.

O filme é inteligente, melancólico e divertidíssimo, por conta principalmente das tiradas de Domingos Oliveira, que certamente contribuiu com muitos cacos durante a filmagem. São três seres humanos fazendo um compacto dos seus melhores e piores momentos, dando sabor às cafajestadas inerentes à raça e ao mesmo tempo demonstrando uma sensibilidade e uma propensão ao afeto que nem sempre os homens expõem.

Pensei: são três caras cultos, vividos, com um humor refinado. Como seria o encontro de três cascas-grossas? A tendência é imaginar que daria em baixaria, mas talvez não: todos os homens se apaixonam, sentem saudade, temem a morte, contam vantagem, são bons amigos.

Três cascas-grossas poderiam fazer piadas mais toscas, ter um vocabulário mais limitado, mas é provável que, diante da velhice, também se revelassem ternos, até mais ternos do que nós, mulheres, que quando nos reunimos discutimos a passagem do tempo mais pelo ponto de vista estético do que emocional, e não raro nos queixamos dos antigos amores em vez de homenageá-los.

Homens bacanas mantêm sua juventude rindo deles próprios e preservando um olhar adocicado em direção às mulheres que lhes fizeram felizes. São grandes meninos.

Estou saindo de férias, mas, antes que você dê por minha ausência, já estarei aqui de novo. Até breve.

Aproveite o dia - Uma ótima quarta-feira para você

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009



26 de janeiro de 2009
N° 15860 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA

Noites da infância

Em Cachoeira da minha primeira infância, as noites eram povoadas de súbitos ruídos. Eu ia cedo para o berço, mas o sono não me acompanhava. Ficava no quarto, sintonizado com os sons de minha circunstância.

Primeiro eram meus pais e seus amigos, que se reuniam no grande living da casa da Rua Sete, conversando sobre as notícias do dia, filmes, discos, livros, pequenos escândalos municipais. Mas chegava a hora em que as vozes iam se aquietando, as pessoas se despedindo e tomando seus rumos. Eram rumos de paz, porque Cachoeira desconhecia mortes, assaltos, sequestros e outros sinais de civilização que hoje a cercam, como sitiam Porto Alegre e cada cidade pequena ou média deste Rio Grande.

Mas certas épocas eu ouvia tiros. Eram foguetes – eu não tardava a reconhecer. Havia novenas na Igreja Matriz, corais de cem vozes culminavam com salvas noturnas, com fogos de artifício que transfiguravam de cores os sonhos recém-adormecidos.

E tinha o lamento dos trens. Um grito lancinante varava a escuridão e invadia de pesadelos o vestíbulo do sono. Era o apito do noturno que se aproximava da estação e escalava na gare antes de seguir viagem em direção a Santa Maria. E que preenchia de sustos cada milímetro da vigília da inconsciência.

Subia então pelas venezianas cerradas uma luz dourada. Era rápida e levemente fantasmagórica, como se fosse o avesso do reverso de si mesma. Era o farol de neblina do carro do Louco percorrendo territórios espectrais, quem sabe à procura de fogos-fátuos antes de se desfazer na vertigem da treva.

Assim eram as noites de Cachoeira da minha infância. Isso quando não tocava o sino da torre esquerda, anunciando uma morte inesperada, um desaparecimento, uma tocata e fuga. Ou simplesmente um pacto de amor que adormecia nas dobras da penumbra.

sábado, 24 de janeiro de 2009



25 de janeiro de 2009
N° 15859 - MARTHA MEDEIROS


Batalha entre duas generosidades

Quando vejo reportagens femininas que buscam desvendar o que as mulheres levam na bolsa, sempre me surpreende a falta de um objeto de uso fundamental. Está lá o batom, o celular, o iPod, mas e um livro?

Nem pensar? O mercado editorial já assimilou a potencialidade dos pockets books e, até onde sei, eles vendem bem. Como não venderiam? São pequenos, baratos e oferecem títulos de primeira. Eu sempre carrego um dentro da bolsa, porque nunca se sabe quando terei que encarar uma fila ou uma sala de espera.

O último livro que andou partilhando a intimidade da minha bolsa foi A Felicidade Conjugal, de Tolstoi. Com essa obra, o russo, além de exterminar de vez a discussão boba sobre diferenças entre literatura feminina e masculina (a gente jura que é uma mulher escrevendo), consegue revelar de forma brilhante (e ao mesmo tempo, perturbadora) o segredo que mantém tantos casais unidos: homens se sacrificam, mulheres se sacrificam, e fica mais tempo junto o casal que tiver o maior potencial de generosidade.

Parece, mas não é uma notícia alentadora. É literariamente bonito, daria uma boa novela das seis, mas, de minha parte, meu sonho não é um homem que sacrifique seus desejos em detrimento dos meus, e vice-e-versa.

O que Tolstoi define elegantemente como uma “uma batalha entre duas generosidades”, nós, os mundanos, chamamos de “concessões”. Essa palavra mais sugere uma batalha jurídica do que de generosidade, mas é tudo a mesma coisa.

Óbvio que temos que conceder. O tempo inteiro, desde que nascemos. A começar pelo âmbito familiar, ainda que nesse ringue as regras sejam criadas coletivamente.

Mas quando casamos com o senhor fulano de tal, ou com a dona sicrana da silva, que vieram sabe-se lá de onde e amparados por quais fundamentos, a concessão vira o calcanhar de Aquiles do contrato. Ele adora dançar, você odeia música alta. Ela adora natureza, você não suporta passarinho. Mas se amam, olha que situação. Quem cede quanto?

A felicidade conjugal só sobrevive quando os dois dão sua cota de sacrifício da forma menos dolorida possível. Ninguém morre se tiver que dançar um pouquinho ou se tiver que passar um final de semana no sítio, isso é cláusula previamente acertada e nem comporta a rigidez da palavra “sacrifício”.

Mas e se você tiver que enfrentar uns “nunca mais” pela frente? E se os seus sonhos de juventude tiverem que ser enterrados? E se o seu trabalho ficar comprometido? E se sua vida virar um palco e você tiver que assumir um personagem 24 horas por dia?

E se sentir saudades de alguém que você já não é mais? Não pense que isso é dramatismo. É mais comum do que se imagina. Tem pessoas que renunciam a si mesmas e só percebem isso quando não há mais retorno possível.

Generosidade, mesmo, é você permitir e incentivar que o amor da sua vida seja exatamente como ele é, e ele retribuir na mesma moeda, sem querer mudar você nem um naquinho assim.

Mas esse romance ainda está para ser escrito.

Adriana Dias Lopes - Octavio Bastos/Norock.com.br

Sonho interrompido

Vítima de uma infecção urinária que evoluiu para uma septicemia, modelo de 20 anos tem as mãos e os pés amputados e corre risco de vida em hospital capixaba

Luta pela vida

Desde o último dia 3, a modelo Mariana Bridi resiste a um quadro grave de infecção generalizada

A história da modelo capixaba Mariana Bridi, de 20 anos, é estarrecedora. Alegre, sorriso cativante, 1,75 metro de altura e 57 quilos, a garota tinha o mais prosaico dos sonhos. Queria se formar jornalista e casar com o namorado, o consultor de vendas Thiago Simões, de 29 anos. Para custear os estudos e ajudar no sustento da família, desde os 14 anos Mariana trabalhava como modelo.

Participou de concursos de beleza mundo afora, mas nenhum lhe dava mais orgulho do que o Face of the Universe, realizado em 2007, na África do Sul. Para ela, ter sido eleita "o quarto rosto mais bonito do mundo" era um sonho.

Hoje, Mariana está internada na UTI de um hospital público de Serra, na Grande Vitória, Espírito Santo. Em coma induzido, ela respira com a ajuda de aparelhos.

Vítima de uma infecção bacteriana rara e violentíssima, teve os pés e as mãos amputados. O caso de Mariana chocou o Brasil e o mundo. O site da rede americana de notícias CNN estampava na sexta-feira passada, em sua primeira página: "Médicos amputam mãos e pés de modelo brasileira". Até o fim da semana, o estado de saúde de Mariana era considerado gravíssimo.

O martírio da jovem começou no dia 30 dezembro. Com dor na região lombar, ela foi diagnosticada com cólica renal e medicada com analgésicos. Mariana e Thiago comemoraram o réveillon com amigos na Praia da Costa. Na volta para casa, ela reclamou com o namorado que as dores haviam retornado.

No dia seguinte, com febre, foi hospitalizada. Desde então, sua saúde deteriora a cada dia. Na última quarta-feira, por causa de uma hemorragia, os médicos foram obrigados a extrair quase todo o estômago da garota. "Mariana foi vítima de uma sucessão de azares", diz o infectologista Artur Timerman.

A hipótese mais aceita é que a cólica renal tenha deflagrado uma infecção urinária que, por sua vez, teria evoluído para uma infecção generalizada – septicemia, no jargão médico. Isso ocorre em apenas 5% dos casos. O quadro infeccioso foi provocado pela bactéria Pseudomonas aeruginosa – o que também é raro acontecer.

Confinada nos intestinos, essa bactéria participa da síntese de vitaminas. Se a infecção urinária não é tratada rapidamente, em até 48 horas, a Pseudomonas aeruginosa prolifera rapidamente e pode cair na corrente sanguínea. Uma vez no sangue, ela costuma ser devastadora.

Em poucas horas pode levar à sepse, comprometendo o funcionamento de todos os órgãos. Como mecanismo de defesa, o organismo reduz o fluxo de sangue para os vasos periféricos, de modo a garantir a oxigenação de órgãos nobres, como o cérebro e o coração. Nesse processo, os pés e as mãos de Mariana necrosaram-se – o que exigiu as amputações.

Ao mesmo tempo, o sistema imunológico libera uma série de substâncias para destruir a bactéria. Extremamente tóxicas, elas acabam por lesionar os tecidos – o que levou à remoção de parte do estômago de Mariana.

Lya Luft

A mulher e o poder

"Com o poder acontece o mesmo que ocorre com o tempo: ou o transformamos em nosso bicho de estimação ou ele nos devora"

Escrever sobre homens e poder seria de um óbvio ululante. O poder transforma, e nem sempre para melhor. É preciso saber lidar com ele, para que não nos deforme. A pergunta sobre como as mulheres exercem cargos de mando tem várias respostas, e eu já fiz o teste: desde "estão maravilhosas", "estão poderosas", até "andam muito loucas, mandonas demais".

Mulheres são gente: seres humanos, complexos e desvalidos como todos. A vida é que andou se complicando muito desde que mulheres (tão poucas, ainda!) começaram a assumir algum poder.

A velocidade com que as mudanças sociais acontecem hoje é perturbadora e, embora nossos avós também dissessem "Nossa! Como este ano passou rápido!", hoje nossa vida se transforma em mera correria se a gente não cuidar. Tudo é agora, tudo é imediato, e tudo é aqui e rapidinho. Gaza e Washington acontecem no nosso café-da-manhã.

Ilustração Atômica Studio

Com o poder acontece o mesmo que ocorre com o tempo: ou o transformamos em nosso bicho de estimação ou ele nos devora. O bicho de estimação a gente aceita, brinca com ele, gosta dele, adapta-se a ele em certas coisas, nem o ignora nem o bota fora.

Mas, se o maltratamos, se o detestamos, ele cresce, vira uma fera e nos come. Já que mulheres no poder são quase uma novidade, é sobre isso que me interessa refletir aqui. Não faz tanto tempo que começamos a assumir funções de ministra, prefeita, governadora, cientista, motorista de táxi e ônibus, reitora, e tantas outras. Não fôramos preparadas para enfrentar esse amigo/inimigo, o poder.

Sendo pioneiras, e sem modelos a seguir, a quem deveríamos recorrer, em quem nos inspirar à frente do país, do ministério, dos empregados da estância, dos colegas lidando com grandes máquinas agrícolas ou à frente de sindicatos? Restava-nos a imagem dos homens.

Algumas pensaram em igualar-se a eles, com jeitos e trejeitos de capataz furioso ou comandante carrancudo, isto é, virando a caricatura de homens poderosos. Pior que eles, por estarem inseguras, sendo prepotentes. Outras tentaram disfarçar esse poder com exageros de sedução: muitas foram educadas para agradar, não para mandar, e o espectro da mulher sozinha existe.

De um homem sozinho, dizem que está "aproveitando a vida", mas da mulher sozinha eventualmente se comenta: "Coitada, ninguém a quis". E não adianta reclamar: essa ainda é uma realidade burra, um preconceito idiota, mas não falecido. Com todo esse dilema, corre-se em busca de um "jeito feminino de exercer o poder". Isso existe? Tem de ser buscado? E o que será, afinal: um jeito delicado, doce ou cor-de-rosa?

Que os deuses nos livrem disso. Talvez seja apenas um jeito humano, pois é o que todos somos: cheios de fragilidade e força, de qualidades e defeitos, todos em última análise com medo de não ser atendidos. Um professor iniciante tinha tanto pavor de não ser respeitado pelos alunos que abusava de punições, notas baixas, gritos e até socos na mesa, que provocavam, estes sim, riso nos adolescentes.

O mais positivo pode ser as mulheres, sobre as quais aqui especialmente escrevo, tentarem ser naturais. Nem ir ao posto de comando vestidas de freira ou militar, cheias de convencionalismos, ar gélido e voz de metal, nem sedutoras por medo de perder a feminilidade (seja lá o que pensam que isso é).

Ser apenas uma pessoa a quem o poder foi dado pela sorte, pelo destino, pelo mérito (o melhor de todos), por algum concurso, enfim, pelos caminhos da profissão, e tentar fazer isso da melhor forma possível.

Para exercer o poder não é preciso nem beleza nem feiura, nem coisa alguma além de preparo e capacidade, humanidade, ética, honradez, informação, entendimento do outro, respeito pelo outro para que ele também nos respeite. Para homens e mulheres o comando é difícil, é solitário.

E, acreditem, exige cuidado: porque, se pode ajudar, pode também contaminar. Nada melhor do que agir com simplicidade, lucidez e alguma bem-humorada autocrítica, em qualquer posto e em qualquer circunstância desta nossa vida.

Lya Luft é escritora