quarta-feira, 31 de março de 2010



31 de março de 2010 | N° 16291
MARTHA MEDEIROS



Patrulha às avessas

Estou escrevendo esta crônica sem saber se Dourado foi o vencedor do Big Brother, mas, tendo sido ou não, ele agitou cabeças durante sua temporada na casa. A acusação contra o “homem de lata” é que ele era homofóbico, ou seja, um cara com aversão a homossexuais. Eu sou capaz de jurar que ele tem bons amigos gays, a não ser que seja um alienígena: quem não convive com gays?

O que Dourado talvez tenha demonstrado é que não se sente muito à vontade com gays que não sejam da sua turma, e acabou sendo grosseiro em diversas ocasiões. Ser grosseiro é o fim, mas não é crime.

Crime é não empregar homossexuais, é impedi-los de entrar num local público, é agredi-los moral e fisicamente, é fazer com eles o que não se deve fazer com nenhum cidadão: discriminar e atentar contra a integridade.

Uma sociedade sempre será capenga se não praticar a igualdade de tratamento. Ninguém é melhor ou pior do que os outros, não importa raça, credo, opção sexual. No entanto, a luta pelos mesmos direitos às vezes se torna tão cegamente apaixonada que volta a desequilibrar a balança, só que para o lado oposto.

Assim sendo, muitos acabam julgando que os pobres são pessoas melhores que os ricos, que os negros são melhores que os brancos, que as mulheres são melhores que os homens, que os homossexuais são melhores que os héteros, num juízo de valor que tenta defender os “perseguidos” pela sociedade, mas que se vale do mesmo maniqueísmo e injustiça.

Um cara grosseiro não é pior do que os doces de coco. É mais grosseiro, apenas isso. E cabe a quem não gosta de grosseria evitá-lo ou suportá-lo em detrimento das qualidades que essa mesma pessoa venha a ter.

Condenar quem não se dedica a causas politicamente corretas é patrulhamento igual. Imunizar as tribos pretensamente “do bem” acaba virando um estímulo à vitimização e, por consequência, à infantilização da sociedade.

Uma criatura pode não gostar de bichos e ser muito mais educada, honesta e de bom caráter do que aquela que adotou 50 gatos e cachorros de rua. Um gay pode ser um sujeito mais preconceituoso do que um hétero.

Uma mulher pode não merecer nenhuma das homenagens que lhe prestam no seu “dia internacional”. Um sujeito pobre pode ser ardiloso e um milionário pode ser muito decente. Uma sociedade que se deixa reger por estereótipos é, no mínimo, preguiçosa.

terça-feira, 30 de março de 2010



30 de março de 2010 | N° 16290
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Vocação da esperança

“Perdeu o emprego. E o pior, o médico falou que precisa tratar a tal pontada no peito.”

Ouvi essa frase quando caminhava por um dos pontos mais turbulentos de Porto Alegre, uma compacta junção de pedintes, crianças jogadas à própria sorte, tipos sombrios com ares de reis do pedaço.

Havia atingido então uma das travessas do Centro. Foi quando escutei o seguinte comentário:

“Aí nos despejaram. O barraco não era grande coisa, mas esta noite a gente se abrigou adivinha onde? Debaixo de umas folhas de papelão.”

Eu chegava agora ao coração da cidade. Bem ali me chegou uma crua declaração:

“Em que lugar dorme o bebê? Dorme com os cachorros. Acho que os cachorros passam um calor pra ele, o pobre quase nem chora nas ventanias da madrugada.

Nada do que conto sucedeu em Luanda, Kampala, Concepción, Porto Príncipe. Ocorreu na capital que desfruta de um dos mais altos níveis de qualidade de vida do país.

Não faz muito li que, segundo pesquisa da ONU, o Brasil, apesar de ferido por disparidades sociais, ocupa o décimo lugar do planeta no quesito da felicidade coletiva. Sempre desconfiei de rankings. Não acredito nem nos que nos situam entre as sociedades mais atrasadas do universo nem nos que nos atribuem qualidades e méritos completamente invisíveis a olho nu.

No lugar em que trabalho tem um engraxate que dribla os seguranças, atropela os regulamentos burocráticos e vai conquistando nutrida clientela. Lustro meus sapatos com ele. Não é ainda um virtuose no mister, faltam-lhe tintas e tons, mas nunca uma alegria simples e contagiante.

É um emérito piadista, defende a gloriosa camiseta do Inter com bravura e garra, mesmo após eventuais tropeços não esconde que seu sonho é ser prefeito, desembargador, diplomata, pouco importando ocasionais colisões formais entre tão díspares ofícios.

“O doutor Getúlio não foi tudo isso?” – pergunta, como quem brande um argumento irrespondível.

Não conheço essas particularidades da biografia do doutor Getúlio. Mas não descreio dos planos do engraxate Agenor. Pois, como atesta a ONU, somos, apesar dos pesares, um dos 10 povos mais felizes da Terra.

Vai ver que nossa comum vocação é mesmo a da esperança.

Lindo dia para você. Aproveite a terça-feira

sábado, 27 de março de 2010



28 de março de 2010 | N° 16288
MARTHA MEDEIROS


Porto Alegre

Uma cidade rejuvenesce com o passar do tempo e sobrevive a seus habitantes, o que já a torna superior

Um comercial do Zaffari de dois anos atrás dizia que a melhor vista de Porto Alegre é a da janelinha do avião, quando estamos voltando pra casa. Eu, que tenho viajado mais do que gostaria, digo: a melhor vista de Porto Alegre é mesmo a da janelinha do avião, quando estamos voltando pra casa.

Porque uma cidade é isso: uma casa. Quem nasceu no interior considera que a melhor vista da sua cidade é a placa que diz ainda na estrada: “Seja bem-vindo a...” (preencha com o nome da sua terra natal).

Não dou a menor bola para quantos anos Porto Alegre fez sexta-feira porque não muda nada: 100, 200, 300, é tudo a mesma coisa, não há fim previsto. Para uma pessoa é diferente, um ano a mais é um ano a menos, mas uma cidade rejuvenece com o passar do tempo, e sobreviverá aos seus habitantes, o que já a torna superior. Sempre estará em larga vantagem, mesmo comemorando 1.000 anos. Quais são as rugas de uma metrópole?

Por mais que as coisas ruins se intensifiquem (poluição, violência, trânsito), toda cidade que é nossa fica automaticamente imunizada pela familiaridade.

Conhecer suas ruas, seus horários de pico, suas tribos, seu clima, tudo isso nos dá uma sensação apaziguadora, e é isso que Porto Alegre tem de bom: ela cumpre com os portoalegrenses o que o Rio cumpre com os cariocas e São Paulo cumpre com os paulistas: não há desapontamento. A cidade piora e a gente segue amando-a do mesmo jeito.

É um amor comodista, amor de casamento, amor de chinelo usado, de lado certo no colchão, de sempre a mesma xícara no café da manhã: estando tudo igual, é o que basta. Quando abre um restaurante novo, é como um sábado. Abre um novo museu, é como um feriado. Mas a cidade é o entorno disso tudo, é o que lhe é imutável, o seu astral.

Não gosto de discursos, de hinos, e muito menos de celebrar o inanimado. Porto Alegre é um conjunto de bairros que possuem várias ruas com inúmeros prédios: tudo muito concreto.

E também árvores brotando do calçamento, bom número de praças e parques, o charme de alguns morros e um lago/estuário/rio – cada um chama o Guaíba como prefere. Uma cidade. Uma capital. Um lugar. Dá para se comover com isso?

Comoção não é a palavra que me ocorre. Mas cidade é casa. Endereço fixo. Como nossa cama, como nosso travesseiro, não há hotel cinco estrelas que substitua.

Nossa cidade é o que há de mais parecido com um útero. Porto Alegre, pra mim, poderia ser celebrada junto com o Dia das Mães. E mãe pode ser boa, ruim, exigente, negligente, sufocante, distante, o que for – não há como lhe ser indiferente.

Não compactuo com a música que diz que “Porto Alegre é demais”, sei que há lugares bem melhores do mundo, mas é onde fui gerada e criada, e isso não tem concorrência. Não é apenas onde estou. É onde sou.


Ideologia na cartilha

Agora obrigatórias no ensino médio brasileiro, as aulas de sociologia e filosofia abusam de conceitos rasos e tom panfletário. Matemática que é bom...

Marcelo Bortoloti- Fotos


À caça de bons mestres

O colégio paulistano São Domingos e o estadual Pedro Álvares Cabral (no detalhe), no Rio: um desafio em comum

Os 8 milhões de estudantes brasileiros matriculados no ensino médio passaram a receber neste ano aulas de sociologia e filosofia - disciplinas que, por lei, se tornaram obrigatórias em escolas públicas e particulares. Com base nas diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Educação, cada estado fez o seu currículo, no qual a maioria dos colégios privados também se espelha em algum grau.

A leitura atenta desse material traz à luz um festival de conceitos simplificados e de velhos chavões de esquerda que, os especialistas concordam, estão longe de se prestar ao essencial numa sala de aula: expandir o horizonte dos alunos. Não faltam exemplos de obscurantismo. Para se ter uma ideia, no Acre uma das metas do currículo de sociologia é ensinar os estudantes a produzir regimentos internos para sindicatos de trabalhadores - verdadeiro absurdo.

Um dos explícitos objetivos das aulas em Goiás, por sua vez, é incrustar no aluno a ideia de que "a constante diminuição de cargos em empresas do mundo capitalista é um fator estrutural do sistema econômico" (visão pedestre que desconsidera o fato de que esse mesmo regime resultou em mais e melhores empregos no curso da história).

Sem dar às questões a complexidade que elas merecem, as aulas abrangem de tudo: no Espírito Santo, por exemplo, a filosofia abarca da culinária capixaba aos ritmos indígenas. Conclui o sociólogo Simon Schwartzman: "Tratadas com superficialidade e viés ideológico, essas disciplinas só tendem a estreitar, no lugar de ampliar, a visão de mundo".

O viés presente nas aulas de sociologia e filosofia tem suas raízes fincadas nas faculdades de ciências sociais - de onde saíram, ou a que ainda pertencem, os professores responsáveis pela confecção dos atuais currículos.

Desde a década de 70, quando se firmaram como trincheiras de combate à ditadura militar nas universidades, tais cursos se ancoram no ideário marxista, à revelia da própria implosão do comunismo no mundo - e estão cada vez mais distantes do rigor e da complexidade do pensamento do alemão Karl Marx (1818-1883).

Diz a doutora em ciências sociais Eunice Durham, da Universidade de São Paulo: "Boa parte dessas faculdades propaga apenas panfletos pseudomarxistas repletos de clichês e generalizações, sem se dar sequer ao trabalho de consultar o original".

Isso se reflete agora, e de forma acentuada, nos currículos escolares de sociologia e filosofia, criticados até mesmo por quem participou da feitura deles. À frente da equipe que compôs os do Rio de Janeiro, a educadora Teresa Pontual, subsecretária estadual de Educação, chega a reconhecer: "Se criássemos diretrizes distantes demais da realidade dos professores, eles simplesmente não as aplicariam na sala de aula - fomos apenas realistas".

Sob a influência francesa, a sociologia e a filosofia começaram a ganhar espaço no ensino médio brasileiro no fim do século XIX, até se tornarem obrigatórias, ainda que com pequenas interrupções, entre 1925 e 1971.

Seu retorno definitivo ao currículo, sacramentado por uma lei aprovada no Congresso dois anos atrás para entrar em vigor justamente agora, era um pleito antigo dos sindicatos dos profissionais dessas áreas. Em 2001, projeto de lei com o mesmo propósito havia passado pelo Congresso, só que acabou vetado pelo então presidente (e sociólogo) Fernando Henrique Cardoso.

À época, um parecer do MEC afirmava que os gastos para os estados seriam altos demais e que não havia no país professores em número suficiente para atender à nova demanda. Desta vez, o próprio ministro Fernando Haddad, filósofo de formação, empenhou-se para aprovar o texto. Daqui para a frente, de acordo com um levantamento do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, serão recrutados mais 20 000 professores no país inteiro.

Trata-se de algo temerário, segundo alerta o sociólogo Bolívar Lamounier: "Não há tanta gente qualificada para desempenhar tal função no Brasil". A experiência recente das próprias escolas já sinaliza isso. "Está sendo duríssimo achar professores dessas áreas que sejam desprovidos da visão ideológica", conta Sílvio Barini, diretor do São Domingos, colégio particular de São Paulo.

Ao obrigar as escolas a ensinar sociologia e filosofia a todos os alunos, o Brasil se junta à maioria dos países da América Latina - e se distancia dos mais avançados em sala de aula, que oferecem essas disciplinas apenas como eletivas. Deixá-las de fora da grade fixa é uma decisão que se baseia no que a experiência já provou.

Resume o economista Claudio de Moura Castro, articulista de VEJA e especialista em educação: "Os países mais desenvolvidos já entenderam há muito tempo que é absolutamente irreal esperar que todos os estudantes de ensino médio alcancem a complexidade mínima dos temas da sociologia ou da filosofia - ainda mais num país em que os alunos acumulam tantas deficiências básicas, como o Brasil".

Em outros países da América Latina, esse tipo de iniciativa também costuma resvalar em aulas contaminadas pela ideologia de esquerda, preponderante nas escolas. Não será desse jeito que o Brasil dará o necessário passo rumo à excelência.

Lya Luft

Medo do medo

"Querendo ser politicamente corretos, estamos cometendo um triste engano, deformando histórias e até cantigas que fazem parte do nosso imaginário mais básico"

Tenho observado alguns esforços psicopedagógicos no sentido de tornar nossas crianças politicamente corretas - postura que muitas vezes nos transforma em seres tediosos, sem graça nem fervor. Contos de fadas, por exemplo, alimento da minha alma de criança, raiz de quase toda a minha obra adulta, sobretudo romances e contos, foram originalmente - dizem estudiosos -narrativas populares, orais, de povos muito antigos.

Assim eles representavam e tentavam controlar seus medos e dúvidas, carentes das quase excessivas informações científicas de que hoje dispomos. Nascimento e morte, sexo, sol e lua, raios e trovões, o brotar das colheitas lhes pareciam misteriosos, portanto fascinantes.

Muito mais recentemente, escritores como Andersen e os irmãos Grimm adaptaram tais relatos ao mundo infantil e criaram suas maravilhosas histórias, que unem, como a vida real, o belo e o sinistro. Uma sereia quer pernas para namorar seu príncipe na praia, mas o sacrifício é terrível, a cada passo de suas novas pernas, dores inimagináveis a dilaceram.

Uma princesa, sua família, séquito e criados do castelo dormem um sono profundo, maldição de uma fada má, e só serão libertados pelo príncipe salvador - que, é claro, sempre aparece. Branca de Neve, Rapunzel e dezenas de outros personagens alimentaram nossa fantasia e continuam a alimentar a das crianças que têm sorte, cujos pais e escolas lhes proporcionam contato cotidiano com esses livros.

Porém, faz algum tempo, há um movimento para reformular tais relatos, tirando-lhes sua essência, isto é, o misterioso e até o assustador. Lobos seriam bobalhões e vovozinhas umas pândegas, só existiriam fadas boas, e as bruxas, ah, essas passam a ser velhotas azaradas.

Até cantigas de roda seculares tendem a ser distorcidas, pois atirar um pau num gato é uma crueldade, como se fosse preciso explicar isso para as crianças saberem que animais a gente ama e cuida - se é assim que se faz em casa.

Vejo em tudo isso um engano e um atraso. Impedindo nossas crianças do natural contato com essas antiquíssimas histórias, que retratam as possibilidades boas e negativas do mundo, nós as deixamos despreparadas para a vida, cujos perigos entram hoje em seus quartos, rondam escolas e clubes, esperam na esquina com um revólver na mão de um drogado, ou de um psicopata lúcido e frio, sem falar nos insidiosos pedófilos na internet.

Estamos emburrecendo nossas crianças e jovens, mesmo querendo seu bem? E, afinal, o que será o seu bem? Ignorar o que existe de sombrio e mau, caminhar feito João e Maria alegrinhos, não abandonados pelos pais, mas procurando borboletas no mato?

Receio que a gente esteja cometendo um triste engano, deformando histórias e até cantigas que fazem parte do nosso imaginário mais básico com arquétipos humanos essenciais.

Em compensação, adolescentes e crianças procuram o encanto do misterioso lendo sobre vampiros, bruxos e avatares, vendo seus filmes e pesquisando na internet. Por que isso? - me perguntou recentemente um pai.

Porque, neste momento de altíssima tecnologia, a alma humana busca a expectativa, o segredo e o susto. Precisa conhecer o mal para se acautelar e se proteger, o belo e o bom para crescer com esperança.

Mas nós, pedagogos e pais, nem sempre seguros e informados, começamos a querer alisar excessivamente a estrada para eles, não lhes ensinando que o mal existe, assim como o bem, que o belo nos atrai, assim como o monstruoso, e que é preciso desenvolver discernimento (gosto dessa palavra), isto é, a capacidade de entender e distinguir o melhor do pior, a fim de fazer com mais clareza e segurança as inevitáveis escolhas.

Mas se, porque isso nos tranquiliza, tratamos as crianças como imbecis, e queremos nosso adolescente infantilizado por um longo tempo, exigindo-o cada vez menos em casa, na escola e nas universidades - embora deixando que se sexualize de forma precoce e criminosa -, vai ser difícil que tenham informação, capacidade de julgar e escolher, que seriam nosso maior e melhor legado para elas.

Lya Luft é escritora


Toyota suspenderá produção na França e no Reino Unido

Maior montadora do mundo vai parar por alguns dias operações nos dois países para se reorganizar na Europa; vendas devem cair em 2010

AP Photo/Eugene Hoshiko, File

Operário da Toyta com uma das peças que causou o recall

A montadora japonesa Toyota suspenderá temporariamente a produção de suas fábricas na França e no Reino Unido, a partir do final de março, por causa da demanda mais fraca por seus veículos na região depois de uma série de recalls mundiais. A interrupção da produção coincide com ajustes de produção planejados em duas fábricas da Toyota nos EUA por até duas semanas em março e abril, a fim de evitar que os níveis de estoque aumentem.

Entre os dias 6 a 9 de abril, a produção na fábrica da França será paralisada, e é possível uma nova interrupção da produção no fim mês. As operações serão interrompidas no Reino Unido por um total de oito dias, a partir da próxima segunda-feira (29) até quinta-feira (1º), e entre os dias 6 e 9 de abril.

A interrupção no Reino Unido ocorre em um momento no qual a empresa renova sua linha de produção para começar a fabricar uma versão híbrida do hatchback Auris ainda este ano, e também acontece antes de uma planejada paralisação em uma de suas duas linhas de produção do Reino Unido prevista para agosto.

O executivo-chefe da divisão europeia da Toyota, Tadashi Arashima, afirmou no início do mês que a montadora prevê uma queda de suas vendas na Europa este ano, diante da recessão, do fim do programa do governo federal americano "Dinheiro por Sucata" e das consequências sobre a demanda do recall de seus veículos.

Em 2009, a montadora vendeu 730.831 veículos na Europa, queda de 4,7% em comparação com o ano anterior. A participação de mercado da Toyota foi de 5%. A Toyota afirmou que pretende finalizar os detalhes da primeira grande reorganização das suas instalações de produção até ao verão, para evitar uma queda abrupta na rentabilidade. A Toyota é a maior montadora do mundo em volume de vendas.

quarta-feira, 24 de março de 2010



24 de março de 2010 | N° 16284
MARTHA MEDEIROS


Viajandões

Violência urbana nunca foi novidade. Aumentou, mas sempre existiu. Porém, até ela já teve dias mais românticos. Podemos quase sentir saudade de uma época em que os crimes eram protagonizados por uma turma que queria apenas enriquecer sem trabalhar, e para isso invadiam sua casa, levavam seu carro ou afanavam sua bolsa, mas sempre tendo a delicadeza de avisar antes: “Mãos ao alto, isto é um assalto”.

Eles sabiam o que estavam fazendo. E uma vez com o objeto do desejo em mãos, iam embora apressados assim que ouviam as sirenes da polícia, não sem antes fazer uma mesura de despedida. Quase posso ver George Clooney no papel.

Hoje os meliantes chegam agressivamente comunicando “Perdeu! Perdeu!”, a polícia não aparece e ninguém sabe direito o está fazendo: se antes éramos surpreendidos por um pessoal que, a seu modo, tentava evitar confusões desnecessárias, hoje nos atacam completamente chapados, alucinados e sem a menor condição de distinguir um assalto de um assassinato. Não se pode mais escolher entre a vida ou a bolsa: eles levam ambas.

A recomendação sempre foi a de não reagir. Eles têm uma arma, você não. Obedeça. Porém, até um tempo atrás, contávamos com um mínimo de discernimento a nosso favor.

Quem te assaltava sabia que estava cometendo um crime, sabia que deveria agir rápido e fazer o menor estrago possível, sem chamar atenção. Havia esperança de eles serem minimamente lúcidos e fazerem um serviço limpo.

Hoje, o cara que te ataca pensa que é Jesus Cristo. Tem delírio de todos os tipos. Se você ousar piscar os olhos, ele poderá interpretar como um sinal feito para o carro da frente. Se você estiver de camiseta verde, isso pode ser considerado uma provocação, já que a grama também é verde, você por acaso o está mandando pastar? Em sua infinita doideira, nós é que somos a ameaça.

Não bastasse estarmos sem segurança nas ruas e à mercê de marginais que têm a maior facilidade para conseguir uma arma de fogo, ainda temos que lidar com essa outra arma invisível e ainda mais letal: o descontrole de seus atos.

Se antes torcíamos para nunca sermos assaltados, atualmente torcemos para que, quando chegar a nossa vez, o criminoso esteja de cara, sóbrio, no seu juízo perfeito, totalmente capacitado para levar o que é nosso sem entrar em surto.

É mais uma inversão de comportamento que a violência provoca. Antes, morrer de causa natural era morrer de velhice. Hoje, natural é morrer de latrocínio. Cidadãos que trabalham e pagam impostos vivem em prisão domiciliar, atrás de grades.

Você atende ao telefone e alguém tenta lhe extorquir dinheiro através de um trote. Você não tem segurança para ir ao supermercado. Não tem segurança ao sair de uma igreja. Não tem segurança dentro da escola.

E agora essa: ainda temos que torcer para que o agressor, ao nos atacar, não tenha medo de nós.

Uma linda quarta-feira para você. aproveite o dia

sábado, 20 de março de 2010



21 de março de 2010 | N° 16281
MARTHA MEDEIROS

A arte de escutar

Semana passada esteve em cartaz no Theatro São Pedro uma peça que não trazia nenhum ator global e tampouco uma produção espetaculosa trazia texto e ideia. A personagem principal da peça era a que menos falava. Era uma espécie de escutadora. Alguém a encontrava numa fila de banco e a escolhia para fazer confissões.

Outra pessoa a encontrava num vagão de metrô e contava sua história de vida. Outra ainda a encontrava no vestiário da academia e fazia dela sua confidente sem nem ao menos saber seu nome.

Simplesmente eles olhavam para ela e se sentiam confiantes para falar sobre si, para abrir o que de mais íntimo guardavam dentro. E falavam. Falavam. Falavam. Sem serem interrompidos.

Ela, a que escuta, é uma protagonista que nos revela a importância de ser coadjuvante.

Vem a calhar essa reflexão numa época em que todos sonham com o papel principal, onde todos sentem necessidade de externar sua opinião, publicar seus pensamentos, conquistar seguidores para suas gracinhas. Todos falam, hoje. Ninguém mais escuta.

Eu nunca sonhei em ser cronista, aconteceu. E acabei me tornando vaidosa do meu trabalho, feliz por ter um espaço para me manifestar e provocar reações, sejam concordantes ou discordantes. É uma maneira de existir além da redoma familiar, além do círculo de amigos.

As palavras de uma folha de jornal ou da tela do computador ganham voz e viajam pelo Estado, pelo país e até pelo mundo, sem que ninguém interrompa a “fala” de quem escreve. Não foram poucas as vezes em que pensei: diacho, o que pode interessar o que eu penso para gente que nem me conhece? Por que não é Beltrano ou Sicrana que está aqui dividindo suas reflexões com os leitores, em vez de mim?

Sorte. Oportunidade. Mas é provável que Beltrano e Sicrana não sejam anônimos. Eles não escrevem aqui, mas certamente têm blog, Twitter, site próprio. Eles deram um jeito de se fazer ouvir. Quase todo mundo dá.

O lugar mais cobiçado do momento não é o sofá da sala, o jardim da casa ou a mesa da cozinha: é o palco. Qualquer palco onde alguém possa justificar sua existência, receber a sua deixa, ter seu momento de brilhar. E quem está sentado na plateia? Espie por trás da cortina: a plateia está praticamente vazia.

Quase não há mais diálogo, aquela modalidade em que um fala e o outro escuta até o fim, e aí é a vez do outro falar e de o outro escutar, e essa troca de ideias construir uma conversa pausada e estabelecer um laço.

E muito menos alguém hoje se contenta com a coadjuvância e apenas escuta, sem opinar, apenas escuta com generosidade e entrega, simplesmente escuta para que o outro se sinta respeitado em seu desabafo, escuta por afeto.

“Meu ouvido não é penico”, defendem-se os que não sabem praticar o silêncio tão necessário para fazer contato. Só queremos ouvir nossa própria voz.

Saí do Theatro São Pedro satisfeita com o que vi e com o que ouvi, e ligeiramente envergonhada.

Claudio de Moura Castro

O berço da ciência

"O futuro cientista necessita de um ambiente intelectualmente estimulante, para que se revele sua vocação e vingue sua carreira"

O Ministério da Ciência e Tecnologia publicou um folheto com os 38 cientistas brasileiros mais destacados de todos os tempos. Tomemos as suas minibiografias como peças de um quebra-cabeça. Qual a figura que emerge? Os critérios de inclusão não foram explicitados, mas é imperativo morrer para entrar na lista.

Alguns poucos, como José Bonifácio, são do início do Império. Apesar de pescar cientistas em um intervalo de quatro séculos, a lista inclui 22 nomes (58%) cuja carreira profissional ultrapassa o ano de 1950. Ou seja, o último meio século convive com mais da metade dos grandes cientistas. Isso mostra a juventude da nossa ciência. Ademais, o número dos vivos já é bem maior que o total dos mortos.

Dos 38, nove nasceram no Rio de Janeiro. Portanto, vem de apenas um estado quase um quarto do total. Apenas cinco vêm de São Paulo, o estado hoje responsável por quase a metade das publicações científicas. Pernambuco produz cinco, a Bahia e Minas Gerais, três cada um.

Ou seja, 63% nasceram nos estados "velhos" do país (RJ, SP, BA, MG e PE). Era lá que estavam as universidades e a vida intelectual. Aí está a geografia da ciência mostrando como riqueza e boas universidades induzem o aparecimento de cientistas ilustres.

Surpreende a ausência dos estados do Sul, cujo único cientista era alemão. Ou seja, estados que hoje lideram em qualidade de vida e veem desabrochar suas indústrias de base tecnológica não foram capazes de produzir um só cientista ilustre.

A maior cobertura de educação básica não bastou. Seria a falta de boas universidades para nutrir os seus melhores talentos? Em contraste, os estados do Nordeste foram pujantes berços de cientistas, embora tenham recuado economicamente.

Ou seja, o processo de produzir cientistas é muito inercial. Parece que o futuro cientista necessita de um ambiente intelectualmente estimulante, para que se revele sua vocação e vingue sua carreira. De fato, dois terços nasceram em estados então mais prósperos e com maior ebulição intelectual.

Quanto ao local em que os cientistas fizeram a sua carreira, fica patente a predominância absoluta do Rio de Janeiro, com 24 cientistas radicados e mais dois que lá passaram boa parte de sua vida profissional.

Ou seja, foi no Rio que 68% dos pesquisadores produziram a sua ciência, pois lá estava a vida científica, atraindo as melhores cabeças e dando a elas condições de trabalho. Pesaram a influência da corte e, mais adiante, a sobrevida de sua densidade cultural e educativa.

Importou menos o local onde os cientistas nasceram. Modestamente, São Paulo abrigou quatro cientistas e mais três cuja carreira passa por lá, o que contrasta com a atual hegemonia científica do estado.

Minas Gerais e Pernambuco abrigaram um cientista cada um. Ou seja, a sua vida intelectual permitiu produzir oito cientistas, mas foi pequena para criar-lhes condições de trabalho. Nos outros 23 estados, apenas três cientistas desabrocharam.

Em suma, se as diferenças de educação e cultura já determinavam ferozmente o aparecimento de talentos científicos, as condições dos laboratórios e as tradições de produção científica se revelaram ainda mais excludentes para o trabalho de alto nível.

Como é delicado e exigente nutrir talentos científicos e oferecer-lhes condições de trabalho produtivo! A formação de cientistas promissores requer instituições e valores muito favoráveis. A ciência é um frágil castelo de cartas. No Brasil de antanho, só meia dúzia de estados produziu talentos científicos.

E só o Rio de Janeiro foi capaz de criar as condições em que os talentos frutificassem e a pesquisa séria fosse desenvolvida. A singela lista do ministério, por permitir uma olhada no passado da nossa ciência, ilumina aspectos de que muitas vezes não nos damos conta. Vejamos:

• A ciência brasileira é muito recente.

• Os cientistas ilustres vieram de estados onde havia vida cultural e universidades.

• Mas, para produzir ciência, as condições são ainda mais excludentes (praticamente, só havia no Rio de Janeiro). Não produziram cientistas estados que hoje são prósperos, mas eram atrasados.

Ou seja, leva tempo, e as condições devem ser muito favoráveis para promover ciência. Nada disso é especulação diletante, pois, sem uma ciência robusta, nosso desenvolvimento morre na praia.

Claudio de Moura Castro é economista - Aproveite o dia o primeiro deste ontono de 2010 - Umótimo fim de semana


A classe média e seus papéis

A elevação do padrão de vida nos países emergentes, como China, Brasil e Índia, engrossa a camada da população disposta a gastar com bens não essenciais e a defender valores democráticos

Duda Teixeira - Aijaz Rahi/AP


NOVAS AMBIÇÕES

Universitários em Mysore, na Índia: a educação é um dos investimentos preferidos da classe média. Outro é consumir.

O destino da classe média nos próximos anos é cumprir duas missões. A primeira, econômica, consiste em pôr o seu poder de compra a serviço da recuperação do crescimento do PIB mundial, prejudicado pela pior crise financeira desde a década de 30. A segunda missão é pressionar por transformações políticas em países onde a democracia e o respeito às leis ainda são valores exóticos.

O requisito demográfico para que esses dois papéis possam ser desempenhados está praticamente garantido: segundo estudo recente da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne os países ricos, a população de classe média está aumentando rapidamente e pode mais do que dobrar nos próximos vinte anos, chegando a 4,9 bilhões de habitantes.

Todos os novos membros da camada social intermediária do mundo viverão em países emergentes - principalmente nos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China). Em termos proporcionais, a classe média em 2030 representará, pela primeira vez, mais da metade dos habitantes do mundo. No Brasil, isso já é verdade desde o ano passado.

Há diversas maneiras de definir quem faz parte desse estrato populacional. A OCDE considera uma renda familiar de 10 a 100 dólares por dia. Por esse critério, a classe média brasileira é mais rica do que a chinesa, por exemplo. Outra forma de classificação é a capacidade de gastar um terço da renda em qualquer coisa que não seja comida e moradia. Essa é, justamente, a característica que faz a classe média ser tão especial do ponto de vista político e econômico.

Ben Curtis/AP - ARMA DIGITAL


Manifestações no Irã, em 2009: celular e computador a serviço da democracia

Ao deixar para trás a pobreza - o que significa parar de se preocupar apenas com a sobrevivência diária -, o cidadão passa a pensar no futuro e a desejar melhorias constantes em seu padrão de vida. Isso o leva, quase sempre, a valorizar políticas que lhe permitam progredir, como aquelas que reforçam o direito de propriedade, a segurança jurídica e as liberdades individuais.

Eis aí a razão para a afinidade da classe média com os valores democráticos. "Como essa parcela da população tem uma renda razoável, é muito mais difícil para um político populista comprar o seu apoio com medidas assistencialistas", disse a VEJA o economista indiano Abhijit Banerjee, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos.

O fortalecimento da classe média, contudo, não é condição suficiente para derrubar ditaduras, como bem demonstra o caso da China, onde três em cada quatro integrantes do Partido Comunista pertencem a essa camada. "São raros os exemplos históricos como esse, em que a classe média apoia sistemas totalitários.

Conforme se torna mais numerosa, ela costuma ficar mais liberal e empreendedora, o que é bom para a democracia", diz o sociólogo Bolívar Lamounier, autor do livro A Classe Média Brasileira (Editora Campus/Elsevier).

Por trás de todo movimento popular que reivindica mudanças políticas de cunho democrático, quase sempre está a classe média. A mobilização de massa que, antes e depois das eleições presidenciais iranianas do ano passado, varreu as ruas de Teerã pedindo o fim do regime radical liderado pelo presidente Mahmoud Ahmadinejad, por exemplo, era basicamente formada por ativistas de classe média.

Eles usavam seus celulares - o principal símbolo de consumo da nova classe C dos países emergentes - para organizar os protestos e difundir fotos da repressão policial. Um estudo do instituto americano Pew Research Center comparou a maneira de pensar das camadas baixas e médias em treze países. Conclusão: os membros da classe média são mais propensos a exi-gir eleições limpas e multipartidárias e a defender a liberdade de imprensa do que os pobres.

Marcio Fernandes/AE - CONSUMO EM ALTA


Loja em São Paulo: metade da população brasileira já é classe média

As mesmas características que dão relevância política à classe média também definem o seu papel econômico. A preocupação pessoal com o futuro e a ambição social refletem-se, por exemplo, no investimento na educação dos filhos e em gastos com academia de ginástica, turismo e ingressos de cinema. A entrada no mercado de consumo dos ex-pobres tem impacto direto no crescimento da economia.

Estima-se que, para cada aumento de 10 pontos porcentuais na parcela de classe média de um país, o PIB anual suba meio ponto. Isso explica, em parte, por que os economistas americanos e europeus apostam tanto nos mercados emergentes como motor do crescimento global nas próximas décadas. Aturdidos pela crise financeira, os países ricos ainda têm alguns fantasmas dessa fase ruim para exorcizar.

O PIB global, após desempenho negativo em 2009, deve crescer cerca de 3% neste ano, abaixo dos 5% registrados em 2006 e 2007. A estimativa para a Índia, a China e o Brasil, no entanto, é de crescimento médio de 6% em 2010. A participação da nova classe consumidora nessas cifras é evidente. Em dez anos, os gastos dos cidadãos de classe média dos países asiáticos (sem contar o Japão) serão superiores aos de seus equivalentes americanos e europeus.

O mercado doméstico da China já compra hoje mais carros e a Índia tem mais gente conectada à internet que os Estados Unidos. Um estudo publicado neste ano pela consultoria americana Accenture, que entrevistou 16.000 pessoas em oito países, concluiu que mais da metade dos cidadãos de classe média nos países emergentes pretende comprar um smartphone, contra 20% nos países ricos.

"A avidez no consumo de eletrônicos deve-se ao fato de que a maioria dos moradores dos países em desenvolvimento nunca teve acesso a esse tipo de produto. Na Europa e nos Estados Unidos, com uma classe média estável, as pessoas preferem adiar uma compra quando percebem que a situação econômica não é tão boa", diz Olavo Cunha, sócio do Boston Consulting Group, em São Paulo.

O mundo vive agora a terceira onda da classe média. A primeira ocorreu no século XIX, na Europa, quando uma camada social formada por pequenos comerciantes e funcionários públicos começou a preencher o abismo que separava ricos de pobres.

A segunda onda se deu após a II Guerra Mundial nos países que, grosso modo, hoje compõem o clube das nações ricas. O melhor exemplo é o dos baby boomers, que urbanizaram os subúrbios americanos com casas dotadas de carro na garagem, eletrodomésticos e, mais recentemente, computador.

A onda atual ocorre nos países emergentes, cujo desenvolvimento econômico inicialmente estava baseado na exportação de produtos baratos e, agora, passa a se beneficiar também do crescente mercado interno. É a classe média no cumprimento de sua missão.


RUTH DE AQUINO

Os pegadores e as vagabundas

Jovens mulheres têm três vezes mais parceiros sexuais do que tinham suas avós na mesma idade, segundo uma pesquisa com 3 mil moças de até 24 anos na Inglaterra.

A pesquisa revelou que elas já tinham feito sexo com, em média, 5,65 homens. Uma em cada dez entrevistadas disse ter ido para a cama com mais de dez parceiros. Assim que os dados foram divulgados no blog Sexpedia, da jornalista Fernanda Colavitti, em epoca.com.br, uma espécie de ódio machista se abateu contra aquelas que muitos chamavam de “vagabundas”.

Os comentários raivosos refletem a reação sincera de muitos homens ao encontrar uma mulher livre para exercer seu desejo. No Ocidente, até os anos 70 a virgindade era o tabu. Era vergonhoso para um homem casar com defloradas. O hímen era exibido como troféu. Felizmente, esse tempo passou.

Agora, é como se os machistas usassem a quantidade de parceiros para rotular uma mulher como “direita” ou “fácil”. “Posso ser machista e antiquado, mas mulher que teve mais de cinco parceiros não merece respeito”, diz o comentário do internauta Juliano ao post no Sexpedia.

“Não sou preconceituoso, mas me incomodaria casar com uma mulher que muita gente já provou”, afirma Ricardo. “Saudades de quando havia uma distinção entre mulheres corretas e vagabundas”, diz Evandro. “Não quero pegar resto dos outros”, escreve Renato.

É sintomático como essa atitude muda completamente quando entra em jogo o número de parceiras sexuais do homem. Aí, o “garanhão” de antigamente hoje se chama “pegador”. Bom de cama, contribui como macho para a reprodução da espécie, faz pose de experiente e conquista um indisfarçável respeito de seus pares masculinos. Mas a mulher que transa com muitos é logo tachada de “vagabunda”.

Qual seria o número mágico de parceiros sexuais que transforma uma jovem normal em promíscua aos olhos machistas? Três, cinco, dez, 20? “O número não importa tanto”, diz o psicanalista Francisco Daudt. “O que mais apavora um homem nessa hora é o fantasma de, sem saber, criar um filho que não seja dele.”

Os homens mais agressivos com as mulheres livres sentem dificuldade de lidar com a ideia de que elas têm desejo sexual próprio. “É como se a virilidade deles fosse transferida para elas”, afirma o psicanalista Contardo Calligaris. São homens capazes de agredir uma mulher por estar de saia curta. A vida sexual deles costuma ser frustrante, limitada e triste.

O antigo “garanhão” virou “pegador”. Mas mulher com vários parceiros é tachada de “vagabunda”. É ridículo

“Quando eles chamam a mulher de rodada, como um carro de terceira mão, isso não tem a ver com o uso de seu corpo, mas com o medo que ela desperta”, diz Calligaris. “O rapaz pensa: ela sabe fazer sexo melhor que eu. Meu desempenho será comparado ao de outros, mais experientes.

” De acordo com a sexóloga Carmita Abdo, “vagabunda é aquela mulher que você quer, mas não te quer”. Aquela que transou com vários não estaria interessada em estabilidade. “Será que eu vou dar conta?”, pensa ele. Como se pudesse controlar a futura dor de uma rejeição ou troca.

Ninguém está sugerindo que é mais feliz quem faz sexo com muita gente, seja homem ou mulher. Mas as moças têm o direito de, caso queiram, experimentar o sexo com responsabilidade e sem culpa. Às vezes, elas próprias mentem.

Em epoca.com.br, Luiza fez o seguinte comentário: “Tive de 20 a 25 parceiros e tenho 27 anos. Como sei que a maioria dos homens é machista, sempre digo que tive dois parceiros, o ex e o atual! Muitos homens são bobos. Outros não colocam o número de parceiros como fator determinante do caráter de uma mulher. Esses merecem respeito”.

Os machistas são exceção? Ou a maioria dos adolescentes e adultos de hoje pensa como eles? “Nos últimos anos, os adolescentes se tornaram muito mais caretas”, diz Calligaris. “Essa história de beijar dez ou 20 numa balada parecia ser uma continuação da liberação sexual.

Nada disso. É superfície.” Para que insistir em saber quantos parceiros alguém teve no passado? Como diz Daudt, “se soubéssemos em detalhe a vida sexual que cada um leva, e as fantasias de cada um, ninguém ficaria com ninguém”.


20 de março de 2010 | N° 16280
NILSON SOUZA


Estações

Quando a gente vê, já é outono – no ano e na vida. Para quem plantou seus sonhos de verão em terra fértil, adubou-os com amor e regou-os com o suor do trabalho digno, é tempo de colher realizações.

Para quem agiu como a cigarra da fábula, resta torcer pela ressurreição breve das folhas mortas, que na verdade nunca morrem porque se transformam no tapete colorido das calçadas, dos parques e dos jardins.

Mas a natureza cobra o seu preço pela obra de arte sempre repetida e nunca igual: de agora em diante, os dias ficarão mais curtos e as noites mais frias. E nós? Mudamos com as estações ou permanecemos os mesmos?

Pela minha percepção de observador de solstícios e equinócios, mudamos todos os dias. Hoje já não somos os mesmos de ontem e nem mais vivemos como nossos pais – contrariando a inesquecível Elis, que faria 65 anos por estes dias se não tivesse embarcado num rabo de foguete aos 36. Virou estrela.

E as estrelas também mudam de lugar, diz uma outra canção cantada pelo rei. Tudo muda, tudo se transforma e de forma cada vez mais alucinante. O trem-bala da existência humana mal diminui a velocidade nas estações, pois temos pressa e ansiedade para chegar ao nosso destino, que sequer sabemos qual será.

Quo vadis, caro leitor e cara leitora? Aonde vamos todos nesta corrida maluca, que sequer nos permite parar para observar a magia da troca de estações? Vi outro dia uma borboleta visitando flores que nasceram entre as pedras do pátio da minha casa.

Só então percebi que as flores vicejavam, geradas por ventos invisíveis que lá depositaram sementes vindas não sei de onde. Aquela borboleta me mostrava, com o seu modo espalhafatoso de voar, que um milagre ocorrera diante dos meus olhos sem que eu percebesse. Só então parei para observar aquele pequeno espetáculo da natureza, produzido com exclusividade para mim.

Esse outono que desembarca hoje no nosso hemisfério também é exclusivo, pois nenhum dia é igual ao outro.

Deveríamos saudá-lo com reverência, dar-lhe boas-vindas e desejar que não se deixe contaminar pela nossa urgência de seguir adiante. Só assim ele nos trará os frutos maduros da esperança e nos brindará com o néctar da vida, que é a percepção do encanto e da sabedoria das estações.

Espero que o outono também nos torne todos mais tolerantes, inclusive com má prosa de um cronista sensível ao movimento do sol.

quarta-feira, 17 de março de 2010



17 de março de 2010 | N° 16277
MARTHA MEDEIROS


Guns N’ Roses atiram o pau no gato

Achei que a discussão em torno da mudança das letras de cantigas infantis estivesse encerrada, mas, segundo matéria de ZH, algumas escolas seguem insistindo nessa bobagem, ensinando seus alunos a cantarem “Não atirei o pau no ga-tô-tô”, como se isso fosse fazer diferença nas estatísticas sobre violência.

Hoje crianças bem criadas gostam de funk, hip hop e rock’n’roll. As letras são umas porcarias, mas ajudam a extravasar, a divertir e servem como catarse para uma rebeldia que elas naturalmente trazem dentro, e que soltam nas pistas de dança e nas plateias dos shows.

Quando eram menores ainda, ouviam canções sobre cravos que brigavam com rosas e sobre um amor que era pouco e se acabou, e quando anoitecia, fechavam os olhinhos e dormiam feito anjos.

Simplesmente porque não prestavam atenção nessas letras, e sim no que diziam seus pais. Se a música tinha uma melodia agradável, bastava. O que estava sendo cantado podia ser qualquer coisa. Como, aliás, era.

Isso me faz lembrar da minha música predileta do Guns N’ Roses, I Used to Love Her, que não entrou no setlist do show de ontem (me corrijam se eu estiver enganada, não estava lá). Gosto da música não só pelo seu ritmo dançante, mas porque a letra é de um humor negro compatível com o politicamente incorreto que sempre norteou o velho rock. Hoje está tudo muito emo, o rock aderiu à dor de cotovelo e parece música sertaneja tocada em guitarra, baixo e bateria.

O Guns ainda mantém aquela certa “sujeira” que caracteriza o gênero, sem falar que Axl Rose tem o atrevimento de cantar coisas como “I used to love her/ But I had to kill her”. A letra conta a história de um cara que não aguentava mais a mulher, só lhe restou matá-la. Ela o deixava louco, que outra solução? A letra conclui: estamos mais felizes desse jeito.

Quem não tem, às vezes, vontade de esganar o marido, estrangular a esposa? Sorriam, seus pensamentos secretos não estão sendo filmados. No máximo, viram músicas, viram filmes, viram quadros e viram piada.

No entanto, este tem sido dos crimes mais recorrentes e hediondos: homens seguem matando suas ex-esposas e ex-namoradas na vida real, porque elas tiveram a audácia de se separarem deles. “Se não for minha, não será de mais ninguém.” Bang!

Será que são as letras de música que formam assassinos? Eu apostaria numa educação bruta ou inexistente, na falta de aprendizado para lidar com frustrações e rejeições, na patética valorização do machismo (aliado ao mais alto grau de ignorância), e, por que não especular, apostaria também na burrice de alguns em não saber aproveitar as purgações que as manifestações artísticas proporcionam e que ajudam a desenvolver o humor, que é o único salva-vidas quando nosso mundo cai.

Logo, deixe que atirem o pau no gato. Eu passei a vida escutando isso e nunca atirei nem uma casca de amendoim num gato. Por que nunca fiz isso? Porque nunca vi meus pais fazendo. E neles eu prestava atenção.

Uma linda quarta-feira pra você. aproveite o Dia Internacional do sofá. Namore muito

terça-feira, 16 de março de 2010



16 de março de 2010 | N° 16276
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Cenário desigual

Assisti ontem a um duplo ato de tortura. Ante a circunstância indiferente, uma mulher puxava um carro de lixo, que devia ter três vezes o seu peso. Ao seu lado corria uma menina de uns quatro anos, tentando acompanhá-la.

Caía no mundo um calor de trinta e poucos graus, mas ninguém se importava com elas. Eram como uma parte indispensável da paisagem, ainda que marcada de crueldade. A menina chorava e a mulher lhe dirigia umas palavras entrecortadas de cansaço.

Por que chorava a menina?

Chorava porque seus pés descalços tocavam no asfalto quente. Chorava porque estava exausta e tinha fome. Chorava porque sua mãe, bem ali ao seu lado, não lhe dava uma atenção senão distante.

E por que sua mãe se mostrava distante?

Talvez porque não tivesse mais força para carregar o peso que seus pobres músculos suportavam. Talvez, tanto quanto a menina, tivesse fome e sede. Talvez porque a assombravam outras preocupações ancoradas em casa.

A mim, transeunte da cena, dentro de um táxi, o que mais impressionava era a indiferença geral. Era uma insensibilidade refinada, como se não houvesse nem mãe nem filha prisioneiras de seu suplício. Pedestres distraídos, um policial, carros de fino trato revelavam-se alheios ao espetáculo de impiedade.

E por que ocorria esse espetáculo?

Ocorria porque este é um país desigual e cenas como a que descrevi fazem parte do nosso cotidiano. A escravidão não foi ainda abolida e há uma classe eternamente prisioneira de sua desesperança.

Não é difícil identificá-la. Mora em ruas e praças, pontes e viadutos. Vive em frágeis barracos sitiados de miséria, desamor, promiscuidade, órfãos de água, luz, esgotos, cuidados de saúde, paz, segurança, transportes, pródigos em violência, drogas, desarmonia, fome, doença.

Mas se alguém me perguntasse o que aprofunda tamanho abismo, o que torna mãe e filha reféns sem culpa da própria fragilidade, eu não hesitaria em apontar a grande chaga que alarga a exclusão e a injustiça. Em pleno ano de 2010, um em cada 10 brasileiros jamais frequentou uma escola.

Uma gostosa tereça-feira para você. Aproveite o dia

sábado, 13 de março de 2010



14 de março de 2010 | N° 16274
MARTHA MEDEIROS


Virei gente por causa de um bicho

Para uma classe específica de leitores, antes de adotar um gato, eu era uma gélida colunista sem alma

Serei fanática por algo? Por alguém? Adoro os filmes do Woody Allen, mas compreendo quem não goste, o que me exclui da tribo dos xiitas. Considero que passar a vida sem ter um filho é abrir mão de viver uma experiência intensa, mas quem nunca teve pode ser feliz da mesma forma, ou mais.

E quase não aceito que alguém não goste de vinho, mas há quem prefira cerveja, e há os abstêmios, e todos convivem bem, então está tudo em paz. Concluo que não sou fanática por coisa alguma.

Nada me decepciona de forma irreversível ou me encanta de forma abobalhada, não mudo de opinião sobre as pessoas por causa de seus gostos ou hábitos, não sou defensora inconteste nem de mim mesma.

Posto isso, me declaro estarrecida diante dos absolutamente obcecados por bichos. Escrevi dia desses que havia adotado um gatinho e que estava muito satisfeita com ele, logo eu que nunca tinha pensado em ter gato, nem cachorro, nem jaguatirica, agora tenho um gato, e isso é tudo, tenho um gato, a vida segue.

Não, a vida não segue.

Diante da minha revelação, recebi alguns e-mails me cumprimentando pela aquisição, ok, e algumas pessoas me deram conselhos de como cuidar bem dele, ok, e alguns outros me mandaram fotos e vídeos de seus próprios bichanos, ok. Gentilezas muito bem-vindas.

Mas para uma classe específica de leitores, uma profunda mudança aconteceu. Segundo eles, houve um divisor de águas na minha vida: eu era uma antes do gato, e agora sou esta, depois do gato. Sendo que esta é a que conta. Antes eu não vivi. Antes eu era uma gélida colunista sem alma. Antes eu tinha apenas uma família e uma profissão, ou seja, nada. Agora sim, virei gente.

Pareço estar brincando? Estou e não estou. Estou porque tento descrever meu assombro com alguma graça, mas também não estou, porque meu assombro não é fictício, ele é real.

Havia muitas pessoas que desconfiavam da minha integridade por ainda não ser dona de um mascote, que não confiavam em mim por eu não ter um animalzinho de estimação, e que agora se declaram aliviadas por descobrir, finalmente, que sou um ser humano.

Você, que não tem gato, nem hamster, nem iguana, nem passarinho, nem peixe, nem tartaruga, você, meu caro, está morto e não sabe.

Se Fernandinho Beira Mar espalhar que adotou três cachorros órfãos e dois gatos, sendo um siamês cego e um persa com três patas, haverá piquete em frente à penitenciária exigindo sua libertação.

Se o Arruda pedir permissão para que seu porquinho-da-índia vá visitá-lo, será reeleito. Se Mahmoud Ahmadinejad discursar a favor das chinchilas, é capaz de conseguir convencer a humanidade de que não houve o Holocausto.

Descobri que quem gosta de bicho merece abrandamento de pena, não importa a folha corrida de seus crimes, e quem adota um, ou vários, está imunizado daqui até a eternidade. Já quem gosta apenas de gente terá que continuar se explicando.


O barraco armado pelo Imperador

Palavrões, tapas e até carros depredados são alguns dos ingredientes da briga de Adriano com a noiva - episódio que expõe, outra vez, o drama do jogador com o álcool

Ronaldo Soares - Marcelo Régua/AE

Uma relação turbulenta

Adriano e a noiva, Joana, reatados depois do arranca-rabo na favela: família desaprova



Com uma biografia turbulenta, pontuada pelo consumo excessivo de álcool, crises de depressão e até a deserção da Inter de Milão, em 2009, com o contrato ainda em vigor, o atacante Adriano, hoje no Flamengo, envolveu-se, na semana passada, em novo escândalo - desta vez, com cenas de ciúme, alguma violência e muita baixaria.

O episódio foi precipitado pela fúria de sua noiva, a ex-garota-propaganda e atual personal trainer Joana Machado, 29 anos, que, ao flagrar Adriano em meio a uma balada funk repleta de mulheres e regada a álcool, pôs-se a estapear o jogador, até ser repelida por ele com um empurrão.

Ainda descontrolada, a moça muniu-se de uma pedra solta na calçada, com a qual provocou estragos na lataria de um Hilux e de um BMW, respectivamente dos jogadores Dênis Marques e Álvaro, do Flamengo, que ali estavam em companhia de Adriano.

Tudo se passou na favela Vila Cruzeiro, na Zona Norte do Rio de Janeiro, onde Adriano nasceu e que continua a frequentar.

Por lá, mantém amizade de infância com o chefe do tráfico, Paulo Rogério de Souza, mais conhecido como Mica, que também participava da farra e, no auge da confusão, esbravejou: "Mulher não tem de ir atrás de homem na birosca". Por ordem do próprio Adriano, Joana acabou expulsa da favela pelos traficantes.

O jogador, que permaneceu na festa, chegou a dizer: "Se ela resistir, amarra numa árvore, até se acalmar".
Fabio Motta/AE

A frase infeliz

O goleiro Bruno, que presenciou a briga, saiu em socorro de Adriano: "Quem nunca saiu na mão com a mulher?"

O episódio não apenas expôs a relação intempestiva de Adriano com a noiva - com quem, entre idas e vindas, está há dois anos - como trouxe à tona questões que sempre rondam sua trajetória. Uma delas diz respeito à flagrante instabilidade emocional do jogador.

Resume o médico Marco Aurélio Cunha, superintendente do São Paulo, que teve forte convívio com Adriano em sua passagem pelo clube, em 2008: "Ele alterna os períodos de euforia com os de arrependimento pelos excessos e os de depressão".

Por trás dos constantes altos e baixos, pesa um histórico de consumo abusivo de álcool, hábito que se intensificou depois da morte de seu pai, em 2004, seguida da separação da mulher, Daniele Carvalho, mãe de seus dois filhos.

Àquela época, Adriano chegou a revelar à imprensa italiana: "Bebo para conseguir dormir". Em entrevista a VEJA, a mãe do jogador, Rosilda Ribeiro, expressou sua preocupação: "Para meu filho, a bebida é uma fuga.

Se não está feliz, acaba extrapolando". Na semana passada, o assunto voltou à cena, já que, no dia do arranca-rabo, Adriano bebeu à vontade.

"O problema dele com álcool é notório", disse, sem rodeios, o vice-presidente de futebol do Flamengo, Marcos Braz. Na primeira vez em que falou sobre o episódio na favela, na última sexta, Adriano reagiu: "Se eu bebesse tanto como dizem, não conseguiria nem jogar".

Lya Luft

Quando a natureza mata

"A natureza não mata apenas com enchentes, deslizamentos, terremotos e tsunamis. Mata também pelas mãos do homem, o que é bem mais preocupante"

Menina do interior, tive a natureza como presença enorme em torno da casa e por toda a pequena cidade: paisagem, abrigo, fascinação, surpresa, escola de permanência e também de transitoriedade.

Mantive um laço estreito com esse universo, e quando posso durmo de janelas e cortinas abertas, para sentir a respiração do mundo. Porém, cedo também aprendi que a mãe natureza pode ser cruel. Granizo perfurando folhas e arrasando a horta, geada castigando flores, raios matando gente. De longe, ouvia falar em terremoto, quando o vasto mundo ainda era distante.

Agora que o mundo ficou minúsculo, porque o Haiti arrasado, o Chile destruído e a Europa nevada estão ao alcance do meu dedo no computador ou no controle da televisão, a velha mãe se manifesta em estertores que podem ser apenas normais (o clima da Terra sempre mudou, às vezes radicalmente, antes de virmos povoar este planeta), mas também podem ser rosnados de protesto, "ei, o que estão fazendo comigo essas pequenas cracas que se instalaram sobre minha pele?".
Ilustração Atômica Studio

Mas a natureza não mata apenas com enchentes, deslizamentos, terremotos e tsunamis. Mata pela mão dos humanos, o que pode parecer um fato em escala menor, mas é bem mais preocupante.

Homens, mulheres e meninos-bomba quase diariamente se explodem levando consigo dezenas de vidas inocentes: pais de família, mães ou crianças, mulheres fazendo a feira, jovens indo para a escola. Bandidos incendeiam um ônibus com passageiros dentro: dois morrem logo, outros vários curtem em hospitais o grave sofrimento dos queimados.

Não tinham nada a ver com a bandidagem, estavam apenas indo para o trabalho, ou vindo dele. Assaltantes explodem bancos em cidades do interior antes tranquilas. Criminosos sequestram casais ou famílias inteiras e os submetem aos maiores vexames e terror. Como está virando costume, a gente agradece por escapar com vida.

Duas mães deixam num barraco imundo cinco crianças, algumas com menos de 6 anos. Sem comida, sem força, sem presença, sem a menor higiene. O policial que as encontra leva duas menorzinhas para casa, onde sua mulher lhes dá banho e comida. As crianças, de tão fracas, mal conseguem se alimentar. O homem chora: tem três filhos pequenos, e há algum tempo perdeu uma filhinha. A maldade humana agride até esse homem que com ela deve ter frequente contato.

A natureza, da qual fazemos parte, mata com muito mais crueldade através de nós do que através do clima ou de movimentos da terra, e de maneira bem mais assustadora: pois nós pensamos enquanto prejudicamos o nosso semelhante.

Temos a intenção de atormentar, torturar, matar, mesmo que em vários casos seja uma consciência em delírio – estamos tão drogados que achamos graça de tudo. Mas somos responsáveis por nos termos drogado.

De modo que, como me dizia um amigo, o ser humano não tem jeito, não. Ou: esse é o nosso jeito, a nossa parte na natureza. De um lado, os cuidadores, que vão de pais e mães até médicos e enfermeiras; do outro lado, os destruidores, que são os bandidos, mas também (que tristeza) eventualmente pais e parentes.

E contra eles, tanto ou mais do que contra a natureza não humana, somos impotentes. O que faz a criança diante do abandono materno? Em relação ao pai, tio ou irmão estuprador?

O que fazem passageiros de um ônibus, pacíficos e cansados, diante do terror imposto por bandidos? Nada. Migalhas humanas soterradas por maldade e frieza, como num terremoto ou tsunami somos soterrados pela lama, pelos destroços, pelas águas.

Resta filosofar um pouco: de que vale a vida, quanto vale a minha, e como a usamos, se é que pensamos nisso? Pensar pode ser meio chato, e ainda por cima traz alguma inquietação.

A natureza poderosa, encantadora e cruel também somos nós: que a gente não fique do lado dos animais assassinos, como a orca, que depois de matar três pessoas continua, como foi anunciado, "fazendo parte do time", no parque americano.

Antes de usar um adesivo "salve as baleias", eu quero um adesivo "salve as pessoas, que são parte da natureza".

Lya Luft é escritora


Eike, o homem dos US$ 27,5 bilhões

A vida, os negócios e os conselhos do primeiro brasileiro a entrar na lista dos dez mais ricos do mundo
José Fucs. Com Marcos Coronato, Nelito Fernandes e Thiago Cid
Ernani D´Almeida


No início de 2008, o empresário Eike Batista afirmou que seu maior sonho era se tornar o homem mais rico do mundo, dentro de cinco anos.

Quase ninguém o levou a sério.

Ele era rico, muito rico, conhecido por sua capacidade extraordinária de multiplicar o patrimônio.

Mas estava longe dos ícones do capitalismo dos dias de hoje: o megainvestidor americano Warren Buffett, o criador do império da Microsoft, Bill Gates, o magnata mexicano das telecomunicações, Carlos Slim, entre outros.

Dois anos depois, seu projeto já não parece galhofa.

Eike foi o bilionário que mais ganhou dinheiro no ano passado – sua fortuna aumentou em US$ 19,5 bilhões, segundo a revista americana Forbes, que anualmente publica a lista dos mais ricos do mundo.



O MAIS RICO



Eike Batista em sua casa, no Jardim Botânico, Rio de Janeiro.

Ele expandiu suas atividades para novos setores, foi à Bolsa e tornou-se o maior bilionário do país



13 de março de 2010 | N° 16273,
NILSON SOUZA


Notas azuis

Vem aí uma mudança significativa no sistema educacional do país, com o fim da reprovação nos primeiros três anos do Ensino Fundamental. Não chega a ser novidade, algumas secretarias estaduais e municipais já adotam há décadas a chamada progressão continuada como estratégia para reduzir a evasão e a repetência.

O debate em torno desse assunto quase sempre se transforma em Gre-Nal, com críticos e defensores apaixonados de ambos os lados. Não me meto nessa discussão, até mesmo por falta de conhecimento. Mas me comovo com a ideia que está por trás desta mudança: proteger a autoestima das crianças dos danos de uma reprovação formal.

Uma nota vermelha, quando o indivíduo ainda não está preparado para os tropeços da vida, pode se transformar em rótulo infamante e irrecuperável. Muitas vezes funciona como profecia autorrealizadora negativa – o sinal de que aquela criança está destinada a fracassar. E a própria criança acaba acreditando nisso.

O aluno que é levado a acreditar em sua capacidade de conseguir boas notas tende a estudar mais e a alcançar mesmo os melhores resultados. Já aquele que é rotulado de incapaz perde o estímulo para se esforçar. Evidentemente, existem as exceções.

Lembro-me de ter editado neste jornal o artigo do psicólogo espanhol Emílio Ruiz, especializado em síndrome de Down, sobre os “disbicicléticos”. Ele relata o caso de um menino que não sabia andar de bicicleta como as outras crianças de sua idade. Foi chamado um especialista que examinou o garoto, fez vários testes e concluiu que ele tinha uma dificuldade natural para se equilibrar sobre duas rodas.

Estava feito o diagnóstico: ele era um disbiciclético e o problema estava resolvido. Ninguém se preocupou em saber se ele tinha recebido estímulo dos pais para aprender a andar de bike, se havia espaço na sua residência para isso, se alguma vez ganhara uma bicicleta de presente, ou se os próprios pais, prevendo que o menino teria esta dificuldade, jamais lhe ofereceram a oportunidade de bicicletar.

Ruiz faz uma analogia com os portadores da síndrome de Down, que muitas vezes são diagnosticados como incapazes e, por isso, sentenciados à incapacidade.

Na escola, como na vida, também pode acontecer algo parecido. Por isso, pais, professores, treinadores, tios, avós e adultos em geral devem investir no sucesso das crianças e não na impossibilidade.

Se acreditarmos que elas podem ser bem-sucedidas, elas certamente serão. Mas não basta adiar a nota vermelha por três anos. É preciso aproveitar este período para estimulá-las e ensiná-las a conquistar suas próprias notas azuis.

quarta-feira, 10 de março de 2010



10 de março de 2010 | N° 16270
MARTHA MEDEIROS


Fiéis e inteligentes

As mulheres acabam de ganhar um belo argumento contra os don juans: segundo uma pesquisa divulgada recentemente, homens fiéis são mais inteligentes que os infiéis.

Dito assim, parece conversa pra boi dormir, mas há uma informação importante por trás desse resultado. Satoshi Kanazawa, especialista em psicologia evolutiva da London Schools of Economics, descobriu que há uma mudança de mentalidade em curso, e essa é a grande notícia.

Todos sabem a força da cultura herdada. De geração em geração, homens lidam com sexo de uma maneira menos romântica que as mulheres. Realizam suas fantasias e desejos à revelia de seu estado civil, amparados pela teoria ancestral de que nasceram para espalhar o maior número de sementinhas e assim garantir a permanência da espécie.

Com um álibi bom desses, a infidelidade masculina acabou sendo considerada apenas uma travessura, e, se a traição magoava as parceiras fixas, azar das parceiras fixas. Perde-se um ônibus, logo vem outro, não é o que dizem?

O que o sr. Kanazawa revelou ao mundo é que os homens começaram a perceber que esse rodízio pode ter um alto custo emocional. O sexo clandestino é muito divertido e o risco de ser descoberto pode deixá-lo ainda mais saboroso, mas se for realmente descoberto, surpresa: já não haverá uma Amélia para perdoar.

Antigamente, as mulheres faziam olho branco não só porque “homem é assim mesmo”, mas porque a sociedade não recebia de braços abertos as desquitadas, e, além de sozinhas, elas teriam que viver de pensão e reduzir seu padrão de consumo, sem falar no trauma causado aos filhos. Uma derrocada familiar que era facilmente evitada: bastava fingir que nada estava acontecendo.

Hoje, independentes financeiramente, com a sociedade as reverenciando e conhecedoras de truques para não envelhecer jamais, as mulheres já não têm por que ficar aturando desaforo. Se a linha de ônibus deles é frequente, a nossa também, basta fazer um sinal. Mas não é a variedade que costuma nos dar uma bela história de vida pra contar.

Afora as imutáveis diferenças hormonais que determinam o comportamento sexual de machos e fêmeas, o aspecto cultural pode realmente estar passando por uma evolução.

Os homens mais inteligentes (cuja pesquisa inclui também os ateus e os politicamente liberais, mas nisso ninguém se ateve) são aqueles que estão atentos às transformações sociais e que se deram conta de que mais vale ter uma mulher incrível ao lado do que uma coleção de biscates, e resolveram reduzir a farta distribuição de sementinhas.

Sendo homens seguros, não precisam copiar o padrão machista de seus pais e avós. Captaram, com mais rapidez que os neurologicamente desfavorecidos, que o risco de perder a mulher amada é grande e que a fidelidade pode ser um bom investimento a longo prazo. Como é que ficaram tão espertos?

Precisaram ficar. Suas mães e avós, também muito inteligentes, pavimentaram essa mudança antes deles.

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