sábado, 17 de março de 2012



18 de março de 2012

Martha Medeiros

Inimigos de Classe

Quando vai chegando a data do aniversário de Porto Alegre (26 de março próximo), começam as enquetes: o que há de bom na nossa cidade, o que temos que as outras não têm? Respondo: Luciano Alabarse.

Afora seu mérito como organizador de um dos maiores festivais de teatro do país, o Em Cena, que traz anualmente grandes nomes internacionais para os palcos gaúchos, além de uma seleção caprichada do que de melhor se faz na dramaturgia nacional e local, Luciano é, em essência, um senhor diretor.

E mais uma vez prova isso com seu recente espetáculo, Inimigos de Classe, que esteve em cartaz no Theatro São Pedro e que merece longa temporada. A peça, escrita pelo dramaturgo inglês William Nigel, e que estreou em 1978, traz uma temática que, aparentemente, é rançosa (a delinquência nas escolas), mas que segue atual, basta lermos os jornais.

No caso da peça, Inimigos de classe seis alunos da periferia de uma grande cidade acabaram de expulsar uma professora da sala e aguardam um substituto que tenha peito para enfrentá-los. Enquanto esse professor não chega, resolvem eles próprios dar aula uns para os outros.

É nesses momentos performáticos, quando se transmutam em “mestres”, que revelam sua violência e fragilidade simultâneas, além de dar as pistas para que entendamos que eles não tiveram muitas opções, a não ser se refugiar na marginalidade. O que diferencia essa peça de filmes clássicos como Ao Mestre com Carinho e menos clássicos como Mentes Perigosas é que não há figura do herói, o professor que resgatará a garotada e os conduzirá a um final feliz.

Os seis alunos não possuem essa boia salva-vidas. Eles precisam buscar em si mesmos os recursos para escapar da desesperança. Ninguém vai me conhecer, mínguem vai me conhecer!”, grita em surto, o personagem principal, Ferro, o mais destemido de todos, dando bandeira da dor e do medo que sente em sua solidão existencial. Ele e os demais colegas são frutos de lares desestruturados e problemáticos.

Só atingem um simulacro de segurança quando exacerbam uma virilidade patética e ao mesmo tempo brutal. Claro, ninguém pode conhecer seus gostos, suas carências, seu desespero íntimo: seria a revelação de uma fraqueza e de uma humanidade que eles na permitem eu venha à tona.

Mas que cedo ou tarde virá. Luciano Alabarse é o maestro dessa orquestra. Em quase duas horas de encenação, rege uma coreografia fascinante no palco, que é valorizada pelo cenário, pelo figurino, pela luz e pela espetacular trilha sonora que resgata TomWaits em seu auge. E os seis atores em cena não devem nada a medalhões – entregam o prometido:almas inquietas vivendo nas frestas.

Peças de entretenimento possuem seu espaço e são bem-vindas, mas dramaturgia é outra coisa. É sangue, suor, estupor, desconforto. Dessa matéria, Inimigos de Classe entende tudo.


17 de março de 2012 | N° 17011

NILSON SOUZA

Condenado à fama

Joseph Kony é um bandido da pior espécie. Ele sequestra crianças para utilizar os meninos como soldados e as meninas como escravas sexuais. Líder de uma organização rebelde que opera em Uganda e em outros países africanos, o Exército de Resistência do Senhor, ele está indiciado pelo Tribunal Penal Internacional por 33 crimes de guerra e por outros crimes contra a humanidade.

Uma de suas conhecidas atrocidades, segundo as investigações, é exigir que os jovens aliciados matem os próprios pais como parte do treinamento militar. Pois este homem sanguinário acaba de ser condenado a ficar famoso.

Isso mesmo, seu reinado de crimes parece estar próximo do fim exatamente porque gente da paz, como este escriba que vos atormenta o sábado com um tema tão amargo, resolveu falar nele. Tudo por conta da fórmula mágica encontrada pela organização norte-americana Crianças Invisíveis para levar o criminoso à prisão. Como ele age na África pobre e ninguém olha para o que está acontecendo lá, a ONG resolveu lançar uma campanha para dar visibilidade ao guerrilheiro.

Produziu um vídeo impressionante, que em uma semana já tinha 75 milhões de acessos no YouTube (o viral de maior sucesso da história da internet), e promoveu uma campanha de divulgação tão bem-sucedida, que envolveu personalidades do cinema e da música, além de políticos importantes e do próprio presidente Obama, que chegou a mandar instrutores militares americanos para ajudar o exército de Uganda a pegar o líder rebelde.

O objetivo de transformar o criminoso em celebridade foi plenamente alcançado, mas também está provocando reações contrárias. Vítimas de Kony, que foram mutiladas ou perderam parentes, dizem que a campanha chegou tarde demais, pois o bandido já fugiu do país. Críticos da ONG americana alegam que ela arrecadou muito dinheiro e mandou pouco para os ugandenses.

E há também os adeptos de sempre da teoria da conspiração, que atribuem a iniciativa da organização humanitária a uma suposta intenção dos Estados Unidos de invadir o país africano para ficar com o seu petróleo. Os norte-americanos, pelo seu histórico de conflitos e pela truculência de sua política externa, também estão condenados à desconfiança eterna.

Ainda que possa haver segundas intenções por trás da campanha, a verdade é que ela foi feita com inteligência e certamente ajudará a manter o bandido acuado, até que ele seja efetivamente preso e julgado por seus crimes. E todos nós, ao ler, comentar e escrever sobre o assunto, estamos ajudando a eliminar uma barbárie. Admirável e assustador mundo novo esse da comunicação instantânea!



17 de março de 2012 | N° 17011

CLÁUDIA LAITANO

Comédias do amor

Uma boa história de amor é sempre uma história de antagonismo: dos personagens entre si, dos personagens e suas circunstâncias, do amor vivido com o amor imaginado. Amores improváveis, tempestuosos ou mesmo impossíveis são os únicos que valem a pena ser contados – os outros podem até fazer um certo sucesso na vida real, mas em geral rendem péssima ficção.

Se as histórias de amor são menos sobre o apaixonamento em si, que não comporta tantas variações assim, do que sobre aquilo que se coloca entre os amantes e a felicidade futura, as histórias românticas são tão sedutoras e envolventes quanto são complexos os motivos que tornam esses amores complicados: famílias rivais (Romeu e Julieta), compromissos de honra (Tristão e Isolda) ou mesmo a morte (Dante e Beatriz).

O amor de um herói por sua musa pode não ter mudado tanto assim desde que Ulisses percebeu que as distrações do caminho não eram tão interessantes quanto a sua amada Penélope, mas as circunstâncias de cada época costumam desempenhar um papel decisivo no tipo de obstáculos que se interpõem entre os amantes. Um grande amor é sempre particular e histórico ao mesmo tempo.

Quem analisar a evolução dos enredos das comédias românticas no cinema, do clássico Aconteceu Naquela Noite (1934) às obras completas de Jennifer Aniston, vai descobrir como essas histórias despretensiosas são testemunhos relativamente confiáveis não apenas da moral e dos costumes de uma época, mas também sobre tudo aquilo que ainda está instável e não completamente assimilado pela classe média que vai ao cinema no sábado à noite.

Mulheres saindo de casa para trabalhar, casais de classes sociais diferentes, sexo antes do casamento, tudo isso foi retratado (e exorcizado) nas comédias românticas, até o momento em que as novidades foram devidamente assimiladas e incorporadas (ou não) ao novo código de comportamento vigente.

Houve um tempo em que as comédias românticas tiravam sua graça de diálogos de duplo sentido em que o sexo era não mais do que uma sugestão apimentada. Em Aconteceu Naquela Noite, nada realmente acontece, mas a cena em que Clark Gable e Claudette Colbert dividem um quarto separados apenas por um lençol carrega uma enorme carga de erotismo sugerido.

Nos últimos anos, a ginástica sexual quase explícita tornou-se banal no cinema, enquanto o amor romântico e exclusivo foi sendo empurrado para arena dos desejos quase impossíveis – algo como morar de frente para o Central Park ou receber uma herança de uma tia rica. Nesse mundo em que o amor ficou mais complicado (e raro) do que o sexo, um dos temas recorrentes das comédias românticas tem sido a possibilidade de viver as experiências do amor tradicional sem o correspondente investimento afetivo.

Filmes como Amizade Colorida (Friends with Benefits) e Sexo sem Compromisso (No Strings Attached) falam de parceiros que dividem a cama, mas não as complicações e as DRs. Outros como Coincidências do Amor (The Switch) e Solteiras com Filhos (Friends With Kids) mostram amigos que procriam juntos, evitando o casamento, mas não a experiência de ter filhos.

A comédia romântica tradicional, do tipo casal se encontra e inventa um sonho de futuro, anda cada vez mais próxima da ficção científica – ou do filme de época.

sexta-feira, 16 de março de 2012



O Sarah

O resultado é uma visão ampla das enfermidades, anseios, carências, dores e prazeres do paciente. Domingos Oliveira, que diz ter testemunhado o fim do comunismo, do casamento, da psicanálise e do humanismo, acompanha agora o enterro de mais uma utopia. Ouvi da boca de economistas: o capitalismo fez a passagem.

A competição desenfreada levou a humanidade para a zona de risco até irmos todos à bancarrota. O Estado pagou a conta, como na velha tradição soviética. Não adianta controlar demais, e nem de menos.

Em 1960, o ortopedista Aloysio Campos da Paz deixou a família com larga tradição na medicina do Rio de Janeiro para se aventurar na implantação de Brasília. Seu primeiro emprego foi em um hospital de campanha, atendendo os candangos acidentados do gigantesco parque de obras.

Uma década depois, chamado pelos generais, assumiu o hospital Sarah Kubitschek, um centro de reabilitação motora fundado pela ex-primeira dama. Lúcia Willadino Braga veio com os parentes do Sul e foi aluna de Paz. Nas poucas escolas da capital do futuro, todas públicas, estudavam o filho do ministro e o do porteiro. "Havia um sentido de comunidade. Éramos poucos e todos se conheciam."

A agudeza da estudante de 17 anos levou Paz a dar sinal verde para que Lúcia iniciasse a sua pesquisa de recuperação por meio da arte. "Se um médico não leu 'Moby Dick', como ele pode ser médico?", ela costuma dizer. A parceria dura até hoje.

O Sarah foi fundado em um gabinete. O primeiro hospital modelo foi inaugurado em 1980. Em 1991, com aprovação por voto no Senado e na Câmara, a verba da instituição passou a sair diretamente da União para a conta da sociedade de direito privado, sem fins lucrativos. Com essa independência, a rede foi ampliada.

A cada novo presidente, e foram muitos, o arranjo é questionado. Por que proteger alguns dos interesses partidários que disputam o orçamento ministerial enquanto os outros guerreiam nas emergências do SUS? Uma breve rodada pela internet já denuncia a agressiva divisão de opiniões. A única justificativa para a sobrevida do Sarah é a excelência do seu serviço.

A criadora do "Braga's Method" é uma assalariada, deve ganhar menos do que um profissional da sua altura em um consultório particular, mas conta com uma rede hospitalar de vanguarda que ajudou a criar. Os equipamentos são projetados por eles, e os médicos não têm outro emprego.

No Rio, um passeio pelo complexo arquitetônico verde de João Figueira Lima, o Lelé, atravessa sessões de dança de salão, pintura, piscinas com esteiras submersas e auditório futurista. É um mundo que repete a Brasília da menina Lúcia, onde o engenheiro, o cientista e o peão conviviam próximos, cercados pela audácia estética de Niemeyer.

"O pessoal da limpeza olha no microscópio para entender o porquê da faxina", explica Lúcia.

Ali, a corrupção não devora recursos, não há trocas políticas e nem mercantis. "Se sou patrocinada por uma empresa farmacêutica, terei que usar esse ou aquele medicamento. Na medicina pública, escolhe-se o melhor." Parece delírio, mas não é. A rede atende a 2 milhões de pessoas democrática e gratuitamente, exporta descobertas e presta contas.

Não falo com isenção. A mistura de alto conhecimento científico com prescrições singelas, e igualmente importantes, como um passeio à beira-mar, salvou meu pai do labirinto de fármacos dos especialistas.

O Sarah não opera intestino e nem enfrenta doenças infectocontagiosas. Focado na ortopedia e na neurologia, sua ciência estuda a relação entre o corpo e a mente, a carne e o espírito.

O resultado é uma visão ampla das enfermidades, anseios, carências, dores e prazeres do paciente; palavra que Lúcia detesta.

A história do Sarah se baseia na persistência de um grupo de profissionais capacitados, que encontraram brechas para crescer com audácia em sociedade com o governo. É uma experiência que extrapola o setor de saúde e ensina a respeito de uma possível terceira via entre o totalitarismo de Estado e a voracidade do livre mercado.

O trabalho de Paz e Braga também recupera valores humanos como a ética, a família, a arte e a filosofia. É um hospital modelo para muitas de nossas mazelas.

quarta-feira, 14 de março de 2012



14 de março de 2012 | N° 17008

MARTHA MEDEIROS

Felizes por nada

    Quando me perguntam a que atribuo o fato de minha última coletânea de crônicas estar há 32 semanas na lista dos mais vendidos, não me ocorre outra resposta: só pode ser por causa do título, já que o conteúdo é semelhante às coletâneas anteriores.

No entanto, nenhuma teve uma receptividade tão calorosa quanto Feliz por Nada, um livro que traz textos sobre as triviais situações do cotidiano, e não sobre a “Felicidade” aquela, com maiúscula e traje de gala. Como se explica?

    Surgiu uma pista: foi divulgado, semana passada, o resultado de uma pesquisa que revela que o Brasil é o campeão mundial de felicidade. Mundial! As entrevistas devem ter sido feitas numa época do ano diferente da que estamos, pois quem consegue ser tão feliz prestes a entregar a declaração do imposto de renda?

Pagamos os tubos para o governo, que gentilmente retribui nos dando uma banana. Os que buscam saúde de qualidade, educação de qualidade e segurança de qualidade têm que pagar por fora.

Os pedágios seguem altos. Tudo é caro: roupa, alimento, remédio, transporte. Aeroportos não dão conta do movimento, criminosos são soltos por falta de espaço nas prisões, o trânsito nas grandes cidades está estrangulado, o tráfico de drogas acontece a céu aberto.

Nem precisamos perguntar para onde vão os bilhões que o governo arrecada e que deveriam ser reinvestidos no país. Vão para o mesmo lugar aonde vai nosso voto: para o bolso dos sem-escrúpulos.

    Logo, somos realmente felizes por nada. Se não temos a bravura de nos mobilizarmos, ao menos nos sobra capacidade de extrairmos alegria de todo o resto: desde os gols do Neymar até uma receita nova de panqueca.

Não deixa de ser um estágio existencial avançado – em vez de um povo frustrado por não ter a casa própria, o vestido de grife ou o iPad recém-lançado, as pessoas curtem a floreira embaixo da sua janela, o café da manhã com o namorado, o último capítulo da novela, o primeiro desenho que o filho fez na escola.

A notícia é boa, mas também é ruim: tudo indica que estamos valorizando as pequenas delicadezas que a rotina oferece com fartura, o que explica não nos importarmos tanto por sermos roubados e por vivermos sitiados dentro de edifícios gradeados.

    Faço parte do time que acredita que ficar em casa lendo um livro ou se reunir com amigos para tomar um vinho equivale a uma festa a rigor (na verdade, considero melhor que uma festa a rigor).

Individualmente, a simplicidade é uma forma saudável de levar a vida, é o que defendo. Mas quando uma nação inteira se revela satisfeita com merrecas, sem ter o básico garantido, alto lá. Consagrar o Brasil como campeão mundial de felicidade é passar atestado da nossa alienação e do nosso desinteresse pelo futuro. Seria mais decente nos emburrarmos um pouco.

domingo, 11 de março de 2012


Danuza Leão

Os arrependimentos

Mas o tempo passou, então fico pensando em como seria minha vida se tivesse feito tudo como deveria

Se pudesse voltar no tempo, você faria tudo igual? Eu não.

Me arrependo de tantas coisas que fiz, tantas que deveria ter feito, que, se pudesse reescrever minha vida, mudaria um monte de coisas: as que me fizeram sofrer e também outras, em que fiz outras pessoas sofrerem.

Se eu fosse de chorar, era a hora; mas o tempo passou, não há nada a fazer, então fico pensando em como seria minha vida, hoje, se tivesse feito tudo como deveria. Se tivesse tido uma vida equilibrada, se nunca tivesse pisado na bola -em quantas eu pisei-, se nunca tivesse falado o que não devia, se não tivesse engolido sapos, se tivesse tido a coragem de largar aquele homem logo que ele começou a me fazer sofrer, se tivesse tido mais paciência e ficado com aquele em que comecei a ver só os defeitos e que, pensando hoje, me fazia tão feliz.

E continuo pensando, mas dessa vez, tudo ao contrário. Se hoje, passando minha vida a limpo, tivesse feito tudo como mandam alguns figurinos, estaria muito, mas muito arrependida.

Olho para trás e me divirto com as loucuras que fiz, sendo que algumas me deixaram literalmente de cama, tão grande foram os vexames, tais as vergonhas que senti na manhã seguinte.

O tempo que perdi ouvindo a mesma música -de Chico, claro- esperando um telefonema que nunca veio, e sofrendo. Hoje, quando me lembro, dou risada, mas naquele momento pensei que minha vida estava acabada.

E as confusões que aprontei, marcando dois encontros para a mesma noite, saindo de um bar à 1h da manhã porque tinha marcado com outro, e o primeiro percebeu, e coisas no gênero.

Mas continuo pensando -hoje é o dia. E se não tivesse feito nada disso; como estaria hoje, se minha vida tivesse sido certinha? Se tivesse casado com o terceiro namorado, tivéssemos tido um casal de filhos, ele fosse um bom marido, claro, e eu uma boa esposa, claro também. Que poderíamos estar casados até hoje, sem que eu nunca tivesse olhado -desejado, nem pensar- para um outro homem, e que a vida tivesse sido o que se chama uma vida boa. O que estaria pensando?

Acho que eu estaria morta de arrependimento de não ter feito não uma, mas várias, todas (quase) as loucuras, de não ter chutado o pau da barraca muitas vezes, de não ter desobedecido ao que mandam a família, a tradição e a propriedade.

E no lugar de estar hoje dando risada, estaria chorando por todas as insanidades que deixei de fazer.

danuza.leao@uol.com.br

sábado, 10 de março de 2012



11 de março de 2012 | N° 17005

Martha Medeiros

Fidelidade feminina

Peguei a conversa pela metade, mas não pude deixar de acompanhar até o final. Ninguém resiste a escutar uma mulher confidenciando um segredo a outra.

– Desde quando isso está acontecendo? – Ainda não está acontecendo, mas vai acontecer em breve.

É horrível ter que traí-lo, nunca me imaginei nessa situação. A gente sempre se deu tão bem. Mas sinto que chegou a hora do meu turning point. – Você conheceu outro?

– Uma colega me apresentou. Fiquei fascinada. Tão solto, tão moderno.

– Procura resistir, Marília ! Afinal, você construiu uma relação sólida de.. quanto tempo mesmo? ]

– Dezessete anos, acredita? E nunca olhei para o lado, sempre com ele, fiel como uma labradora.

Hoje é meu melhor amigo. Muito além do que qualquer outra coisa.

– E você vai arriscar perder essa cumplicidade por causa de uma tentação?

– Rê, chega uma hora em que é preciso mudar. Eu vou fazer 50 anos. Olho todos os dias para o espelho e enxergo a mesma cara, a mesma falta de brilho.

Estou envelhecendo sem arriscar nada, sem  experimentar algo diferente, nunca. Me diz a verdade: você acha que ele irá suportar?

– Tá brincando! Você pretende contar a ele??? – Ele vai reparar, né? Lógico.

– Não precisa falar nada, mulher! Se você for discreta, ele não vai descobrir.

– Só se eu trocasse de cidade, Rê. Ele vai ficar sabendo no mesmo dia. Você sabe como as fofocas voam.

- Se você pretende fazer essa besteira mesmo, melhor pensar nas consequências. A não ser que ele seja muito bem resolvido.

- Quem é bem resolvido numa hora dessas? Ele vai querer me matar. Vai me chamar de traíra pra baixo. Vai se sentir um lixo de homem.

- ai Marília. Pra que inventar moda a essa altura do campeonato? Claro que às vezes também fico a fim de experimentar uma novidade, quem não fica? Mas, por outro lado, é tão bom não precisar mentir, não ter que criar desculpas...

Uma amiga minha fez essa bobagem e conseguiu ser perdoada porque garantiu que tinha acontecido uma vez só, e em Nova York! O cara engoliu, mas a relação está estremecida até hoje, nunca mais foi a mesma.

- eu sei, eu ei só que não aguento mais usar o mesmo corte há 17 anos. Estou decidida, Rê. Vou trocar de cabeleireiro. Se me arrepender, assumo as consequências. Não suporto mais ficar refém de uma situação que é cômoda, mas que não me revitaliza.

- Então só posso te desejar boa sorte, amiga. Voou te confessar uma coisa, mas não espalha: eu adoraria trocar minha manicure por outra novinha que recém entrou no salão. Me diz se tem cabimento isso. Já troquei de marido três vezes, e não tenho coragem de deixar a Suely.


10 de março de 2012 | N° 17004

NILSON SOUZA

Jonathan e Platero

Passou esta semana pelo Estado um homem que viaja a pé pelas três Américas, acompanhado de um burro. Poderiam ser personagens de um filme de aventura ou ficção, mas são criaturas reais e do nosso tempo. O humano, o norte-americano Jonathan Dunham, é bioquímico, tem 37 anos e já percorreu mais de 18 mil quilômetros de sua insólita jornada, que deverá acabar no ano que vem, no Chile.

Ele saiu de Oregon, nos Estados Unidos, aprendeu espanhol no México e está na estrada desde 2002. O muar, que o caminhante ganhou de presente durante a temporada mexicana, chama-se Judas – mas poderia chamar-se Platero, célebre criação do poeta espanhol Juan Ramón Jiménez, Prêmio Nobel de Literatura em 1956.

Li Platero y Yo na década de 80, quando frequentava um curso de espanhol. Foi encanto à primeira vista com aquele poema em prosa escrito com extrema sensibilidade, tendo como pano de fundo o diálogo reflexivo entre o homem e seu burro.

É um diálogo em que só o homem fala, mas o seu relato indica que o animal não apenas ouve, como também entende o seu dono e compartilha sentimentos com ele. Claro que tudo sai da imaginação extraordinária de Jiménez. Observem só neste trecho do livro a força narrativa do escritor:

“Olha, Platero; hoje, o canário das crianças amanheceu morto em sua gaiola de prata.

É verdade que o coitado já estava muito velho... O último inverno, bem te lembras, ele passou silencioso, com a cabeça escondida sob as penas. E, ao começar esta primavera, quando o sol transformava em jardim a casa aberta e se abriram as melhores rosas do pátio, ele também quis engalanar a vida nova e cantou: mas sua voz era quebradiça e asmática, como a voz de uma flauta rachada.

O menino maior, que cuidava dele, ao vê-lo hirto no fundo da gaiola, apressou-se em dizer, choroso: ‘Pois não lhe faltou nada; nem comida nem água!’

Não, não lhe faltou nada, Platero. Morreu porque sim – diria Campoamor, outro canário velho...Platero, haverá um paraíso dos pássaros?”

Como o personagem de Jiménez, Jonathan também conversa com seu burrico e reconhece nele um instinto infalível para discernir entre pessoas confiáveis e inconfiáveis.

No seu blog de aventureiro moderno, o americano diz que caminha em busca de um sentido para a vida. Talvez já o tenha encontrado. Como diz outro poeta espanhol, caminante, no hay camino: se hace camino al andar.

RUTH DE AQUINO é colunista de ÉPOCA

Cartão amarelo para os manos

O secretário-geral da Fifa deu um carrinho por trás – mas... vamos mesmo conseguir sediar a Copa?

Nada como um carrinho por trás para criar confusão dentro e fora de campo. A julgar pelo desfecho, a falta aconteceu em boa hora. A jogada desleal foi aplicada pelo francês Jérôme Valcke, secretário-geral da Fifa, conhecido pelo estilo traiçoeiro. Em inglês, ele disse que o Brasil precisaria de “um pontapé no traseiro” se quisesse sediar direito a Copa do Mundo em 2014. Contundido moralmente, o Brasil peitou a Fifa e exigiu a expulsão de Valcke do gramado.

A turma do deixa-disso entrou na área. Valcke chamou o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, de “infantil”, depois amarelou e pediu desculpas à torcida verde-amarela. O Brasil aceitou e resolveu mexer – se não no time, pelo menos na velocidade e na precisão dos passes. Os manos aparentemente se reconciliaram, mas... vamos mesmo cumprir a tempo todas as obras na infraestrutura e fazer uma boa exibição em 2014?

Valcke expressou em linhas tortas o que temos falado na rua, no botequim, na praia, no trabalho: está difícil acreditar. Nem digo mais na Seleção, mas na agilidade (!!!) do Congresso, que vive adiando a votação da Lei Geral da Copa. Está difícil acreditar nos prazos e excelência dos estádios, nos serviços de hotelaria, transporte, aeroportos. Está difícil acreditar na honestidade no Brasil. Ou somos injustos?

Ao rolar e espernear, o Brasil exagerou. Simulou. A falta de Valcke não foi tão grave assim – embora tenha sido mal-educado e inconveniente. Deveria ser parceiro, e não adversário. Sua chinelada verbal pode ter um mérito: virar o jogo a favor da Copa brasileira, ao mexer com os brios de uma equipe burocrática, comandada pelo sonolento Rebelo.

É importante saber exatamente o que Valcke disse. O francês culpou os tradutores. Alegou que queria apenas sugerir ao Brasil: “Acelere o ritmo”. Sua declaração, literal, foi: “Lamento, mas as coisas não estão funcionando no Brasil. A gente espera mais apoio – há essas discussões infindáveis sobre a Lei Geral da Copa. Deveríamos ter recebido esses documentos assinados em 2007 e estamos em 2012. A gente tem de acelerar, dar um chute no traseiro e realizar esta Copa do Mundo, e é isso o que nós faremos”.

O secretário-geral da Fifa deu um carrinho por trás – mas... vamos mesmo conseguir sediar a Copa?

Cinco dias após o chute no bumbum sugerido pelo secretário-geral da Fifa, a comissão especial da Câmara aprovou o projeto de lei da Copa, assegurando a venda de bebida alcoólica nos jogos do Mundial em 2014. O texto ainda precisa ser votado no plenário da Câmara, depois no Senado. Alguém, sóbrio ou bêbado, acha o Congresso brasileiro ágil nas votações que interessam à população e não ao bolso dos congressistas?

Fora o trecho polêmico, o restante da declaração de Valcke me pareceu um alerta bem mais importante. Ele confirmou que não há “plano B” para o país anfitrião da Copa e que o torneio se realizará no Brasil. Mas advertiu que “os torcedores vão sofrer”. Bem, nós temos medo de sofrer também, não?

“Não há hotéis suficientes em todos os Estados. Há, sim, mais que o suficiente em São Paulo e no Rio de Janeiro (ele foi gentil), mas, se pensarmos em Manaus, é preciso mais. Digamos que, em Salvador, a Inglaterra jogue com a Holanda e que haja no estádio 12% de torcedores ingleses e 12% de holandeses. Isso representa cerca de 15 mil torcedores.

A cidade é bonita, mas é preciso melhorar o transporte para o estádio e a organização.” Não é verdade? Nosso Ronaldo, do Comitê Organizador Local da Copa, concordou com Valcke: “Ainda tem muita coisa atrasada”.

Como a decisão brasileira foi espalhar os jogos pelo país e não concentrá-los numa região, ao contrário do desejo inicial da Fifa, isso significa, disse Valcke, que, “se um torcedor quiser seguir seu time, terá de voar 8.000 quilômetros”. A Fifa apoiou a decisão, mas “é preciso assegurar que torcedores e jornalistas possam acompanhar sua seleção nacional”. Alguém discorda? Eu não. Na verdade, eu me preocupo muito, e não só com isso.

Eu me preocupo também com o “Grande Irmão”, o Mano, e sua capacidade de treinar uma Seleção que faça jus a nossa tradição e a nossos craques. Na semana passada, vimos o show do Messi. Também vimos o show do Neymar, 20 aninhos de muito talento, em busca de um técnico seguro e competente que saiba armar e inspirar um time campeão. Porque não podemos depender apenas de rompantes individuais de genialidade.

Como carioca, cresci indo ao Maracanã com meus pais aos domingos. É um descalabro imaginar que a Seleção possa nem chegar a jogar no estádio mais mítico do mundo na Copa de 2014 – caso não dispute a final. Vamos chutar, não no traseiro da Fifa, mas no gol, com brilho e decisão. Estamos na torcida. Temos futebol para isso. Acelera, Brasil.

quinta-feira, 8 de março de 2012


Edson Marques

Mulheres

Não me bastam os cinco sentidos para perceber-lhes toda a beleza. Não me bastam os cinco sentidos para viver com totalidade o mistério profundo que elas trazem consigo. Eu tenho é que tocá-las, cheirá-las, acariciá-las, penetrar-lhes o sorriso, sentir o seu perfume, beijar-lhes o céu da boca, ouvir suas histórias, transformá-las em deusas. Tenho que dar-lhes o amor que o meu corpo conduz e sustenta-me a alma.

O belo amor natural por todas as coisas do mundo. Como espelho de paixões em labareda, tenho que sentir nos seus olhos um raro brilho diamante.

Eu as respeito e as venero, com a graça de um cisne que dança num lago tranqüilo e a ousadia de um touro selvagem recém-despertado. Não lhes faço perguntas, não as pressiono por nada, não lhes tiro a liberdade, não quero mudá-las jamais. Sempre imagino o que estejam sonhando, e pulo de cabeça no sonho delas. Cavalgo o vento para visitar-lhes as razões, as emoções e as loucuras.

Como um deus escandaloso e surpreso por sua própria criatura, entro no coração de cada uma delas, deliciosamente, como se entrasse numa pulsante catedral. Mergulho na essência dos seus desejos e cada vez me espanto mais com tanta fantasia. Os cinco sentidos, por não serem precisos, ainda não bastam, e preciso mais do que isso para compreendê-las.

Toda mulher é silenciosa por dentro. A existência pura se manifesta em cada detalhe. Assim na terra como no céu, amar as mulheres é uma experiência religiosa. E eu as amo, fina substância, como deve amar quem ama de verdade — incondicionalmente.

Sem ciúmes. Eu amo as morenas, as loiras, as baixinhas, as altas, as lindas, as quase feias. Amo as virtuosas, as magras, as gordinhas, as diabólicas, as tímidas, e até as mentirosas. As iluminadas, as pecadoras, e as santíssimas.

Amo as virgens, as pobres, as ricas, as loucas, as muito vivas, as inocentes. As bronzeadas pelo sol, e as branquinhas. As inteligentes, e as nem tanto. Desde que sensíveis, eu amo as jovens, as velhas, as solteiras, as casadas, as separadas. As bem-amadas, e as abandonadas. As livres, e as indecisas. E se me dessem o poder, o tempo e, principalmente, a chance, eu a todas elas daria, todos os dias, um orgasmo cósmico, poético e sublime.

Apanharia flores silvestres, tomaria sol com todas elas. Andaríamos descalços na areia, contemplaríamos crepúsculos cor de abóbora, jantaríamos à luz de velas, dançaríamos, tomaríamos vinho branco, olharíamos as estrelas.

E eu lhes faria poesias de amor. Puro como um anjo, amaria cada uma delas eternamente — uma por vez. Com delicadeza, com doçura, com profundidade, com inocência. Entusiasmado, como se cada uma fosse a única. Como se no mundo inteiro não houvesse mais nada, nem ninguém.

Todas as noites, passaria cremes e encantos no seu corpo. Falaria sobre fábulas, contaria histórias românticas, as veria dormir. Ouvindo Beethoven, velaria por um tempo o sono delas, e de madrugada, antes do sol raiar, antes do primeiro pássaro cantar, as cobriria com o resto de luar que ainda houvesse, e sairia em silêncio. Como um felino lógico, sensual e saciado, deslizaria pelo cetim azul-celeste dos lençóis, saltaria por sobre todas as metáforas — e sorrindo iria embora.

Enfim, se por acaso fosse Deus, eu com certeza não mais ficaria cuidando do universo e dessas outras coisinhas banais. Não ficaria controlando o destino das pessoas, o tempo, os compromissos, a pressa, o caminho dos planetas, a economia, o cotidiano, o infinito, os genes, a Internet, a gravidade, a geografia... Não!

Eu somente iria amar as mulheres, como elas merecem. E como nunca foram amadas.
Só isso, definitivamente. Nada mais, nada mais!

Edson Marques


08 de março de 2012 | N° 17002

EDITORIAIS ZH

LUTA PELA IGUALDADE

O aspecto mais importante a considerar neste 8 de Março, quando é celebrado mais um Dia Internacional da Mulher, é que a luta por avanços sob o ponto de vista social, sexual, político e econômico deixa cada vez mais de ser apenas delas no mundo ocidental. A cada dia, um número crescente de homens vem superando barreiras impostas por uma cultura machista e alinhando-se à causa dos direitos iguais.

Ainda assim, a própria relevância atribuída à data e o fato de continuar havendo uma necessidade constante de mais e mais leis com o objetivo de assegurar direitos femininos, que, mesmo assim, não se confirmam na prática, mostram não haver motivos só para comemorações, mas também para a continuidade da busca de outras conquistas e de seu aperfeiçoamento.

Agora mesmo, em plena segunda década do século 21, a Comissão de Direitos Humanos do Senado avalizou projeto que, se transformado em lei, vai consagrar no papel a igualdade salarial entre os gêneros no exercício de idêntica função.

De certa forma, esse sonho, até hoje não concretizado, já movia algumas das precursoras da causa feminina ainda no século 19, primeiro pelo direito a voto, depois por causas múltiplas de interesse individual ou coletivo: o acesso à escola e a serviços públicos de saúde, a disputa pelo mercado de trabalho em condições mais equânimes, o ingresso nas Forças Armadas, a liberdade para disporem de seu corpo, a necessidade de deixarem de ser vistas de forma estigmatizada pela imposição de padrões conservadores.

Muitas destas bandeiras já perderam o sentido há algum tempo, mas outras ainda persistem de forma inadmissível. Uma das mais recentes conquistas nesse âmbito em anos recentes, a chamada Lei Maria da Penha reduziu significativamente a impunidade nos casos de agressões de parceiros contra as mulheres.

Mesmo com toda a estrutura de apoio montada a partir dela, porém, não foi capaz de pôr fim a esse tipo de abuso. A prostituição infantil, mais comum nos casos de meninas, o aliciamento de mulheres e o trabalho escravo são outras deformações que persistem.

De alguma forma, esse legado acaba se equivalendo às atrocidades impostas ao sexo feminino em um elevado número de países, por razões religiosas ou culturais. Nos últimos dias, por exemplo, universitárias têm ocupado banheiros masculinos em grandes cidades da China reivindicando a construção de locais públicos para as mulheres.

Mesmo no mundo ocidental, onde há um número cada vez maior de representantes do sexo feminino chegando até mesmo à presidência da República, o número de mulheres em postos-chave na política e nas corporações segue insignificante. No mundo ocidental e no oriental, há muito mais padrões de ordem física impostos às mulheres do que aos homens.

A causa feminina, portanto, acumula ganhos, ainda que num ritmo lento, mas, enquanto um dia especificamente dedicado à mulher continuar com a importância de hoje, será sinal de que nem todos os avanços possíveis foram assegurados.


MULHER MODERNA

Hoje a mulher ocupa um espaço moderno com outra postura.

Sua fragilidade e sensibilidade é vista, não como uma pessoa vulnerável ao sofrimento, mas como uma maneira de seduzir seu parceiro com sua sensualidade e feminilidade à flor da pele, pois ela tem a consciência de que é preciso ser amante, mulher e amiga, por ser uma mulher mais realista, racional, inteligente, consciente dos seus desejos, determinada, independente, com maior liberdade de pensamento e ação, não aquela robo que a sociedade idealizou, em ser educada para apenas procriar e simplesmente do lar.

A mulher tem muitos sonhos e sonha muito alto. Seu voo pode ser até arriscado, mas tem endereço certo: o sucesso profissional, pessoal , material, ser independente e dirigir seu próprio destino, pois ela não tem mais medo de errar, ser mal interpretada, de entrar na dança com passos firmes e fortes para ser uma vitoriosa, por seu valores próprios e sem desejar a cabeça de ninguém na bandeja para alcançar seus objetivos.

Sabe agir com força – mas com bondade- inteligência, conhecimento, preparo científico, cultural e principalmente emocional, pois ela é autêntica, sabe que decidir pelo coração e não pela razão, não quer dizer que é balanceada pelo sentimentalismo, mas porque são os elos de respeito e confiança no outro que faz decolar o trabalho em equipe.

Hoje você mulher tem o poder de decisão sem precisar de ninguém para lhe ensinar suas escolhas, porque sabe reagir de cabeça erguida qualquer situação que vivencia e gerencia com dignidade, porque possui sabedoria e sabe que o sexo não é um fator determinante para tomadas de atitudes, apesar de ser emoção dos pés à cabeça, a leveza de sua alma é a fortaleza da sua personalidade. Simples assim.
PARABÉNS MULHER!

Júlio Bozza.

quarta-feira, 7 de março de 2012



07 de março de 2012 | N° 17001

MARTHA MEDEIROS

Mãe de gato, pai de cachorro

    Há dois anos, adotei um gato de rua. Batizamos de Nero e hoje ele faz parte da família. De três em três meses, levamos o Nero pra revisão, o que significa, basicamente, tomar banho e cortar as unhas. Todos os funcionários da clínica já o conhecem. Da última vez, liguei para marcar hora pra ele e me anunciei.

    – Aqui é a Martha, mãe do Nero.

    Mãe do Nero? Sou mãe da Julia e da Laura, não sou mãe do Nero. Antes, me anunciava como dona do Nero. Mas não soava bem. Há uma certa arrogância em se proclamar dona de um ser vivo. Muitos compram um mascote como compram um relógio ou um liquidificador, e somos proprietários daquilo que adquirimos, mas eu não adquiri o Nero. Então troquei o “dona” por “mãe” e me senti patética, porém mais à vontade. Se mãe é quem cria, sou mãe.

    Meu Deus, o que estou dizendo.

    Sempre considerei exageradas as relações que algumas pessoas têm com seus bichos. Sei do amor que se sente por eles e a triste dor da perda quando eles morrem, mas nunca compactuei com uma certa histeria politicamente correta que faz com que se considere bicho mais importante que gente, a ponto de pessoas se mobilizarem contra a matança de tubarões e não mexerem um dedo por uma criança de rua.

O.k., as pessoas podem escolher as causas pelas quais querem lutar, e é importante que todas as boas causas arrebanhem defensores, mas preferir bicho me parece um subterfúgio emocional.

    Há quem alegue que as pessoas têm consciência de si mesmas, raciocinam, por isso podem se defender, enquanto que os animais não podem se defender contra os ataques humanos. Ora, muitos humanos também não conseguem se defender de ataques humanos.

    E há os que dizem que um animal é mais comovedor porque sempre tem caráter, enquanto que encontramos pelas ruas seres execráveis. Não discordo totalmente, mas é uma comparação meio maluca. Claro que os bichos de estimação são bons. Só o que eles precisam fazer é comer e dormir, e a gente ainda oferece casa, conforto e carinho. Eles não conhecem política, sistema financeiro, pensão alimentícia, guerra, narcotráfico. Estão imunes às lutas de poder e seus efeitos colaterais antiéticos.

    Bicho dá menos trabalho e costuma cumprir o que muita gente não cumpre: ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. E salva inúmeros solitários da depressão absoluta. Daí a nos intitularmos mãe e pai deles, é um exagero.

    Não sou mãe do Nero. Nem sua dona, que gato não tem dono, nasce e morre independente, dono de si mesmo. Eu apenas o alimento, o protejo, o acaricio, brinco com ele, às vezes me subordino a ele, fico meio boba com sua beleza, me preocupo com seu bem-estar e o chamo de bebê muito antes da Christiane Torloni massificar o termo.

    – Sim, mãe do Nero, a própria.

terça-feira, 6 de março de 2012



06 de março de 2012 | N° 17000

CLÁUDIO MORENO

Homens e mulheres (14)

30 – Infinitas respostas – Por que seria esta uma discussão interminável? A meu ver, Samuel Butler, escritor inglês do séc. 19, erudito, tradutor de Homero, foi quem melhor definiu a questão. Segundo ele, quem procura analogias e semelhanças entre o homem e a mulher termina encontrando tantas, e tão significativas, que as diferenças parecem poucas e desimportantes.

Por outro lado, quem sai à busca de diferenças, facilmente consegue demonstrar que essas duas metades do gênero humano pouco ou quase nada têm em comum. Voltamos ao velho dilema do copo com água pela metade – para uns, está meio cheio; para outros, meio vazio.

31 – Uma paixão tardia – No fim da vida, com mais de 70 anos, Goethe se apaixona pela jovem Ulrike von Levetzow, filha de uma velha amiga. Decidido a viver a seu lado, submete-se aos rituais de praxe e pede formalmente sua mão. A mãe recusa o pedido, e Goethe, ferido na alma, escreve sua famosa Trilogia da Paixão (oportunamente traduzido pela L&PM, na série Pocket).

Ulrike, que tinha 18 anos na época, nunca chegou a casar, e viveu até os 95, famosa por ter sido a involuntária musa que inspirou a maravilhosa Elegia de Marienbad. Sempre que lhe perguntavam sobre seu relacionamento com o grande poeta, ela se limitava a responder, com ar pensativo: “Não foi por falta de amor”.

32 – Chumbo quente – Condenado pela lei mas tolerado pelo costume, o duelo foi, durante muito tempo, a maneira extrema de acertar as questões ditas “de honra”. Diante de padrinhos e testemunhas, dois cavalheiros trocavam tiros ou espadeiradas até que o primeiro sangue derramado colocasse um ponto final na disputa – e não foram poucos os que perderam a vida pelos mais insignificantes motivos.

Embora fosse um mau hábito exclusivamente masculino, algumas damas também foram à luta: em 1718, a Marquesa de Nesle, despeitada com o assédio da Viscondessa de Polignac sobre seu amante, o Duque de R..., escreveu à rival uma carta duríssima, ordenando que se afastasse imediatamente de seu querido.

Concluía: “Se depois de tudo isso, madame, minhas razões não a convencerem, eu a espero amanhã, às 10h da manhã, no Bois de Bouglone – e escolho as pistolas”. A outra, que também era atrevida, aceitou o desafio.

No dia seguinte, lá estavam as duas, acompanhadas de seus respectivos padrinhos – no caso, madrinhas, como convinha. Carregadas as pistolas, tomaram 25 passos de distância e fizeram fogo. A Marquesa de Nesle atirou primeiro, e a pressa a fez errar; Madame de Polignac, com mais calma, feriu a oponente de raspão, no ombro, ensanguentando-lhe o alvo corpete que vestia. As testemunhas deram o duelo por findo, mas as duas mulheres, contrariamente ao que manda a tradição, recusaram qualquer gesto de reconciliação – o que ninguém estranhou, aliás


06 de março de 2012 | N° 17000

DAVID COIMBRA

Mil-folhas e uvas japonesas

Quando eu era guri nós comíamos uma fruta chamada uva japonesa. Não se tratava de uva de verdade, era outra coisa, uma maçaroca com forma aproximada de cacho de uvas, mas que não tinha nada a ver com uva. A gente mastigava aquilo, sentia o gosto meio doce do caldo e depois cuspia o bagaço, ficando com um travo de terra na boca. Não se podia dizer que fosse saboroso, mas era exótico comer algo do Japão, até porque suspeito que naquele tempo não havia restaurante japonês em Porto Alegre.

Nunca mais vi uva japonesa. Será que ainda existe? Será que era mesmo japonesa?

O que existe agora é quiuí. Ou kiwi, tanto faz. Que, parece, vem da China. Quer dizer: quase do Japão. Meu filho come kiwi com muita naturalidade, nasceu vendo kiwis e mastigando-os sem pensar no assunto, mas eu não. Eu sempre encaro kiwis com estranheza, olho para um e reflito:

– De onde veio isso?

Como é que as coisas surgem e desaparecem da nossa vida? Um dia eu deixei de ver uvas japonesas e comecei a ver kiwis. E nem notei.

Digamos uma mulher que tenha se tornado gorda. Era magra, ficou gorda. São duas condições diferentes. Ou seja: ela MUDOU de condição. Houve um momento em que isso aconteceu, um instante mágico de transformação. A partir daquele exato minuto, ela passou a ser vista como uma gorda. É fascinante. Gostaria de ter testemunhado esse momento único. Ali, diante dos meus olhos, ela daria uma dentada no mil-folhas e, blop, viraria gorda. Poderia escrever em seu diário ou propalar para o mundo, no futuro:

– No dia 6 de março de 2012, às 10h da manhã, quando os glicídios daquele mil-folhas se espalharam pelo meu ser, tornei-me a gorda que hoje sou.

Se o exemplo não lhe comove, porque, afinal, nem todos ficam gordos, pense, então, na velhice. Todos ficam velhos. Ou, pelo menos, todos os que têm sorte. Se tudo der certo, um dia você será um velho. Será um dia especial, um dia único.

Antes desse dia, você não era um velho. Talvez não fosse jovem, mas velho não era. Era um adulto, na plenitude do seu vigor. Agora, tornou-se velho. Não seria formidável poder ver essa transformação? Identificá-la? Você acorda, levanta-se da cama, olha-se no espelho e conclui:

– Hoje, virei um velho.

A partir daí, entraria em fila especial no banco e não pagaria mais passagem de ônibus.

Sensacional.

Mas não é o que acontece. As mudanças se dão sem que percebamos. Uvas japonesas desaparecem das nossas vidas e kiwis surgem em seu lugar, jovens se transformam em velhos e magras em gordas, e não nos damos conta do momento em que isso ocorreu.

Salvo em retrospectiva. Hoje sabemos que o mundo mudou com a tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453 e sabemos que o mundo mudou com a queda das Torres Gêmeas em 2001. Sabemos, também, quando o futebol brasileiro deixou de ser o mais belo do planeta.

Foi na Copa de 2002.

Ali, na prática, encerrava-se o ciclo dos maiores jogadores do Brasil desta geração: Romário, Rivaldo, Ronaldo e Ronaldinho, os quatro erres. Romário já havia sido banido, os outros três se adaptaram a um esquema pragmático, de resultados, sem muito espaço para alegorias. Era para vencer, ponto. Ali houve um rompimento.

De alguma forma, os jogadores não jogavam mais para se divertir; jogavam porque participavam de um grande negócio. Eram empresários, rodeados de interesses. O futebol brasileiro foi deixando de ser espontâneo e divertido para atender à exigência de vencer. Foi ali, exatamente ali, em 2002, que o futebol brasileiro envelheceu. E saber disso agora talvez não seja tarde demais.

domingo, 4 de março de 2012



Prosa, Poesia e Tradução

ANA KEHL DE MORAES

Amo. Desordenadamente; amo sem horizonte, amo delírio.
Delinquente.

A mente tamborila vaga.
Vaga enquanto sente.

Emaranhada,
em um nó solto,
fluente.

Mas só
em um mundo
de anseio,
sem rumo,
cheio de nada,
cheio,
é que eu sei
onde é meu sul, onde é o poente.

GATO ESCALDADO
Gato escaldado
atrás do que
desconhece.
Gato atrás da vontade.
Sem temer água fria,
só fareja
novidade
oculta e rica.
Mas não sei se isto
explica
morar sob
a tempestade.

ALEGRIA
Espaçosa,
não cabe numa pessoa só.

Você é lindo.
Eu sou complicada.
Você é simples,
eu sou linda.
De tanto desentender já me entendi:
e não sei dizer mais nada.

SOBRE OS POEMAS Na série de trechos de livros que a "Ilustríssima" adianta em primeira mão, quatro poe-mas de Ana Kehl de Moraes que fazem parte de "Não Falo" (58 págs., R$ 25), sua primeira coletânea de poesia, que a editora 7Letras lança neste mês.


Danuza Leão


As famílias


Pensei no que seria de minha vida se meu pai não tivesse decidido ir tentar a vida na cidade grande
 

Hoje é domingo, e penso: e se não existissem os jornais? E se não existisse televisão, nem internet, nem cinema, nem telefone? Nem rádio?


Fico imaginando como era a vida dos nossos avós, que não tinham nada disso. Então, faziam o quê? Conversavam, talvez, mas os assuntos deviam ser poucos. Sobre o vizinho, que tinha saído mais cedo do que de costume, sobre a cozinheira, que não acertava o ponto do bolo, sobre o filho, que não tinha trazido o boletim para assinar.


A vida era diferente; havia tempo para as famílias, um resfriado era um grande assunto, e como os interesses dos homens e das mulheres não eram iguais, os casais não se falavam nem nos aniversários, nem na casa, nem na cama. Mas as mentes trabalhavam, mesmo que ninguém compreendesse muito bem o que estava pensando -até porque não se usava pensar.
 

Minha família por parte de mãe era grande, e meu avô, italiano; no total, eram 12 filhos vivos, nove mulheres e três homens (sete haviam morrido). Outro dia, revendo "Amarcord", lembrei de um tio, Hugo, que era igual a um dos personagens do filme de Fellini.
 

Hugo nunca estudou nem trabalhou nem conversou com ninguém; passava os dias jogando sinuca no bar, acordava tarde, chegava depois que todos já haviam jantado, e o melhor pedaço de frango era sempre guardado para ele, que era servido pela mãe. As irmãs morriam de medo dele, que se soubesse que alguma havia sido vista conversando com um rapaz, levava uma surra.
 

Surra mesmo, e minha avó -de quem nunca ouvi a voz-, já viúva, não dizia nada. Ele nunca namorou, nunca se casou e, puxando pela memória, não me parece que fosse gay. Aliás, em Cachoeiro do Itapemirim, onde moravam, só existia um gay na cidade, que se chamava Nacife. E também uma louca, a Rainha das Flores, sempre de chapéu, exageradamente pintada, com rouge cor de rosa nas faces e muito pó de arroz, que andava pela rua falando e cantando sozinha -puro Fellini.
 

O que se passava na cabeça de Hugo? E na cabeça de minhas tias, que precisavam se casar -era a única saída-, que apanhavam, mas não se revoltavam, e namoravam escondido?
 

Uma delas era diferente; por acaso, a mais velha de todas. Ela nasceu em 1900, ficou noiva de um caixeiro viajante que um dia sumiu e foi ser professora primária. Para lecionar -que palavra antiga- no grupo escolar, ia todos os dias, a cavalo, ensinar as crianças a ler.
 

O tempo passou, minha avó morreu, ela foi morar com uma das irmãs, já casada e com filhos. Ajudava em tudo o que fosse preciso, sem jamais reclamar de nada, sem um tostão de seu.
 

Quando tinha 90 anos, conseguiu realizar seu sonho: foi aposentada e passou a receber uma pensão que não era nada, mas para quem nunca teve um centavo, era muito. Ela se sentiu, de repente, rica.
 

Mas por que estou falando dessas coisas? Acho que porque acordei, lembrei desse tempo, sei lá por que, e me veio uma angústia só de pensar que podia não encontrar o jornal na porta; pensei também em Cachoeiro, e no que seria de minha vida se meu pai não tivesse decidido sair de Vitória para tentar a vida na cidade grande, o Rio de Janeiro, capital da República.
 

E o que teria sido de mim, se não tivesse tido um pai como o meu.


danuza.leao@uol.com.br