quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013



27 de fevereiro de 2013 | N° 17356
MARTHA MEDEIROS

Infiltrações

“Aqui tudo parece que é ainda construção, e já é ruína”.

Conversava com um amigo sobre o vexame que foi a abertura daquele buraco no conduto Álvares Chaves na semana passada, durante um dos temporais mais enérgicos ocorridos em Porto Alegre, e nos veio à lembrança essa parte da letra da música Fora da Ordem, do Caetano Veloso.

Não é o caso de tratar desse assunto isoladamente (por mais absurdo que seja o fato de um investimento tão alto numa obra de drenagem resistir apenas quatro anos), mas de analisarmos o contexto todo: vivemos num país maquiado, em que se as coisas “parecerem” benfeitas, já está ótimo.

A Arena também serviria como exemplo de uma obra entregue às pressas para cumprir calendário, mesmo sem condições básicas de uso. Mas também não pode ser visto como um caso isolado. Há outras tantas em andamento, todas com prazo máximo de 15 meses para serem concluídas (até o início da Copa), e me pergunto: o corre-corre não comprometerá o bom acabamento de viadutos, pontes, prédios e estradas?

Com a intenção de viabilizar orçamentos, não se estará sacrificando a qualidade do material empregado? Os funcionários em atividade estão bem preparados ou fazem um serviço matado, a toque de caixa? Dá pra confiar na espinha dorsal do Brasil?

Há que se ter cuidado com infiltrações. De todos os tipos, aliás. Com a infiltração de inconsequentes em meio a uma torcida, capazes de disparar um artefato com poder destrutivo em direção a outras pessoas, sem levar em conta que o gesto poderá ferir gravemente alguém ou até mesmo matar – como matou o garoto boliviano de 14 anos.

Com a infiltração de médicos e enfermeiros sem ética dentro de hospitais, que desligam aparelhos que mantêm vivos os pacientes, a fim de “desentulhar a UTI”. Com a infiltração de políticos desonestos nas entranhas do poder, que mesmo acusados por crimes diversos assumem cargos de presidência de instituições.

Por fora, bela viola. O Brasil hoje é visto como um país moderno e estável. É uma aposta mundial considerada certeira, um candidato VIP a juntar-se às superpotências. Mas como andará o esqueleto desse país que se declara tão sólido? Na verdade, o Brasil é um jovem com osteoporose precoce, um país descalcificado, que fica em pé à custa de aparências, comprometido com sua imagem pública, mas que segue com uma infraestrutura em frangalhos.

Aqui pouco se investe seriamente em educação, em treinamento de pessoal, em qualificação de mão de obra, em fiscalização, em responsabilidade social, tudo o que alicerça de fato uma nação. Nossa mentalidade “espertinha” faz com que não gastemos muito dinheiro com o que fica oculto, com o que não dá para exibir. O resultado? Por dentro, pão bolorento.

sábado, 23 de fevereiro de 2013



24 de fevereiro de 2013 | N° 17353
MARTHA MEDEIROS

Afinados

Uma vez, em uma conversa entre amigos, alguém comentou que jamais conseguiria casar com quem ouvisse Celine Dion. Casar? Eu não conseguiria pegar uma carona com alguém que ouvisse Celine Dion, retruquei, exagerando. E foi nesse tom de brincadeira que continuamos falando sobre nossos eu nunca poderia me relacionar com alguém que....

Puro blábláblá, pois, na hora em que a paixão se apresenta, nossos gostos se adaptam rapidinho, e a gente se pega dançando forró quando queria mesmo era estar num show do Pearl Jam. Ainda assim, essa questão de ter afinidade musical não é absolutamente tola. Gostar de gêneros musicais diferentes não impede um relacionamento, mas, quando há compatibilidade, dois amantes evoluem e transformam-se em dois cúmplices.

Tudo porque a música não é uma forma de ocupar o silêncio, simplesmente. Ela provoca uma experiência física e sensorial. Ela vai buscar você onde você se esconde. E compartilhar isso com quem amamos é roçar no sublime.

Se aquilo que gosto de ouvir estimula as mesmas sensações em quem convive comigo, cria-se um diálogo sem palavras, à prova de mal-entendidos. A música invade e captura o que há de melhor em nós, nossa essência primeira, a que não foi corrompida por racionalizações. E essa sensibilidade refinada, ao ser despertada simultaneamente em um homem e em uma mulher (ou numa plateia inteira, no caso de um espetáculo) gera uma comunhão tão rara quanto mágica.

Muitos filmes já demonstraram como a música pode ser um fator de aproximação entre casais. Para citar dois que concorrem ao Oscar neste domingo, no belíssimo Amor, os protagonistas idosos não eram apaixonados apenas um pelo outro, mas igualmente por música erudita, o que reforçava o laço.

Em O Lado Bom da Vida, duas vítimas de perturbações psíquicas encontram uma forma de serenizar sua ansiedade descontrolada através da dança, fazendo com que seus corpos obedeçam a um ritmo, e sua alma também. A música facilita que identifiquemos um “igual”, ou alguém razoavelmente parecido conosco. E ajuda a fazer esse encontro perdurar.

Não que tenha sido descoberta a fórmula do sucesso das relações – elas se desfazem, mesmo quando há gostos afins.

Mas, entre os momentos que ficarão na lembrança, estarão aqueles em que ambos sabiam com certeza o que o outro estava sentindo quando conectados pela música, uma música que, às vezes, nem estava sendo tocada, mas escutada por dentro, como na hora exata do parto do filho, em que se ouve internamente uma orquestra, ou na hora da decolagem de um voo, quando se ouve internamente uma ópera, ou durante o primeiro beijo, quando se ouve internamente... sinos? Humm, eu escolheria uma trilha sonora menos óbvia, mais inspiradora.

Coisa mais triste quando, ao recordar um amor, a gente tenta lembrar: qual era a nossa música? E não havia.


23 de fevereiro de 2013 | N° 17352
NILSON SOUZA

Sala dos adjetivos

O homem da feira ecológica que frequento aos sábados, que sabe do meu ofício por ouvir falar, me pergunta como é uma redação de jornal. Primeiro apelo para o humor autodepreciativo:

– Sabe um hospício?

Logo percebo que ele não acha graça e também me dou conta de que não estou sendo politicamente correto. Então, vou para a comparação.

– É como esta feira. Temos as nossas bancas que chamamos de editorias, todas interligadas para que o cliente saia satisfeito com o seu cesto de notícias fresquinhas e de qualidade.

E explico que repórteres, fotógrafos, redatores, revisores, editores e diagramadores trabalham em grupos direcionados para áreas específicas, embora todos sejam movidos pelo mesmo combustível do jornalismo. Conto que temos editorias de Política, Economia, Esporte, Geral, Mundo, Variedades, Cultura, Opinião, Fotografia, Arte, Diagramação e outros núcleos voltados para cadernos e seções especiais. Como o homem não parece estar distinguindo banana de berinjela, tento traduzir.

A editoria de Política é uma espécie de garimpo da verdade – uma incessante e laboriosa busca de quase inexistentes pedras preciosas em meio ao cascalho da disputa pelo poder. A Economia lida com cifras e negócios, explica, por exemplo, por que os preços da feira variam de sábado para sábado, pois seu principal foco são as pessoas por trás dos números.

O Esporte, como bem definiu um veterano da minha profissão, é a editoria da paixão – onde se processa a alquimia diária de transformar o fanatismo em objetividade. A Geral, já diz o nome, é como aqueles armazéns antigos de secos e molhados – tem de tudo, faz tudo, e o freguês sai sempre satisfeito. Mundo, vasto mundo, vai do asteroide ao Papa – e se ele se chamasse Raimundo seria uma rima, jamais uma solução para os dilemas da religião. Arte, cinema, literatura – tudo que alimenta o espírito e encanta a alma é tratado pelo pessoal do Segundo Caderno e suas sucursais, sempre com requinte e elegância.

E chegamos ao meu chão, que é a editoria de Opinião. Ocupamos, eu e meus colegas de juntar letrinhas, a sala dos adjetivos – um depósito de munições gramaticais que podem ser utilizadas para criticar, elogiar, reivindicar, defender e acusar. Quanta responsabilidade!

Meus colegas da Fotografia capturam imagens que valem por milhões de palavras, produzem e editam vídeos que são verdadeiros curtas-metragens do cotidiano. Na Arte, estão os artistas, ilustradores, chargistas e produtores de infográficos, que facilitam o entendimento de qualquer complexidade. Os diagramadores botam ordem na casa, juntam as peças do quebra-cabeça e dão um formato harmônico e compreensível ao cesto de frutas, verduras e hortaliças do jornal impresso ou virtual.

Em meio a tudo isso, ainda há espaço para as sempre oportunas mensagens dos leitores, para os engenhosos artigos dos colaboradores, para a infalível previsão do tempo, para o saboroso almanaque do passado, para divertidos quadrinhos, para os inteligentes colunistas e até mesmo para as generosas biografias dos que já não mais as poderão ler.

A Redação, senhor feirante, é como o seu universo de barracas interligadas – com diligentes trabalhadores oferecendo fatos recém-colhidos para o atencioso público.

Os adjetivos, como pode ver, são a oferta do dia.

FLÁVIA YURI OSHIMA

Não estresse: você tem mais tempo do que pensa

Um novo livro ensina a usá-lo bem – sem estresse nem ansiedade

Se seu dia está curto demais para tantas tarefas, há uma solução simples, embora de aplicação difícil: mude-se para Vênus. Lá, o dia dura 243 vezes a duração do dia na Terra – é o tempo que o planeta demora para dar a volta sobre seu próprio eixo. Imagine só.

Daria para trabalhar, pegar um cineminha, encontrar os amigos, cuidar do cachorro, levar os filhos à escola, tirar uma soneca depois do almoço, ler um livro, assistir à sessão da tarde na TV... Deve ser por isso que nunca se viu um venusiano reclamar de estresse.

Diante das 5.832 horas do dia de Vênus, é compreensível que os terráqueos se queixem tanto de seus dias de 24 horas. Segundo a escritora americana Laura Vanderkam, porém, reclamamos de barriga cheia. Seu livro 168 hours. You have more time than you think (168 horas. Você tem mais tempo do que pensa), ainda não lançado no Brasil, tornou-se best-seller defendendo duas teses incomuns em obras sobre organização do tempo. A primeira é que somos bem menos ocupados do que imaginamos. A segunda é que a melhor maneira de aproveitar bem o tempo é não se preocupar tanto assim com ele.
>>A doença da pressa

Nossa vida é tão corrida que livros sobre como administrar o tempo se tornaram um gênero à parte nos últimos anos (leia a lista abaixo). Em geral, eles partem de uma premissa: o dia é curto para tantas tarefas. A melhor maneira de lidar com isso, segundo eles, é preenchê-lo como os hotéis ocupam suas vagas na alta temporada.

De forma rigorosa, cumprindo todas as tarefas de trabalho sem procrastinar e planejando o tempo restante para aproveitar cada segundo com a família, ou aprendendo um hobby, ou praticando esportes. O resultado desse planejamento rigoroso é, muitas vezes, mais estresse – pois mesmo as atividades prazerosas descritas acima acabam se transformando numa lista de tarefas.

Laura Vanderkam vai contra essa corrente tarefeira. Ela começa por verificar, de forma empírica, que a premissa segundo a qual temos pouco tempo não é verdadeira. Para isso, ela recorre a dois tipos de pesquisa. A primeira é feita pelo governo americano. Há 40 anos ele faz um estudo chamado Pesquisa sobre Uso do Tempo (Atus, na sigla em inglês). 

A outra fonte são universidades que fazem o mesmo tipo de levantamento. Em geral, os métodos são parecidos. Milhares de participantes mantêm um diário do que fazem a cada hora – como o sistema de cobrança de horas de advogados. É comum os relatórios chegarem com registros que, somados, formam um dia de 28 ou 29 horas. A conclusão é simples: achamos que gastamos mais horas do que realmente gastamos nas atividades do dia a dia.

Como tocar seu plano B sem descuidar da atividade principal

Essa conclusão é reforçada quando a cotejamos com outras estatísticas. Elas não estão disponíveis para o Brasil, mas nosso comportamento não está tão distante do americano. Nos Estados Unidos, o sono continua durando em média oito horas por noite, como há 40 anos. Mesmo mães de crianças com idade abaixo de 6 anos dormem entre 8h6min e 8h31min.

O Centro de Políticas para Trabalho e Vida dos Estados Unidos diz que apenas 1% da população tem trabalhos de carga extrema – como são chamados os empregos que demandam mais de 60 horas de trabalho por semana.

Em média, o americano que tem filhos, mesmo reclamando de sobrecarga, trabalha tanto quanto o personagem da série dos anos 1940 Papai sabe tudo (aquele que chegava cedo em casa, jogava o chapéu no mancebo e dizia: “Querida, cheguei!”) – entre 35 e 43 horas por semana. Dados da Universidade de Maryland, que faz o mesmo levantamento há 20 anos, mostram que aqueles que dizem trabalhar entre 60 e 69 horas por semana trabalham, na verdade, cerca de 53 horas. Quem diz ficar entre 70 e 80 horas na labuta raramente chega ao teto das 60 horas.

Dado que temos mais tempo do que pensamos, como aproveitá-lo melhor? Como fugir da armadilha da lista de tarefas que transforma os momentos de lazer em obrigação? A resposta de Laura Vanderkam está no título de seu livro: 168 horas. O número é o produto das 24 horas do dia pelos sete dias da semana.

Este é seu ovo de Colombo: Laura sugere que planejemos a semana, não o dia. Em vez de uma lista rígida de afazeres cronometrados, teremos um elenco de prioridades que podem ser espalhados, maleavelmente, ao longo de sete dias. Numa lista rígida de tarefas, ficamos frustrados quando não conseguimos realizar uma. Num cronograma flexível, temos os seis dias restantes da semana para acomodar o que ainda não foi feito. Dito assim parece simples. Na prática, montar uma estratégia de bom uso do tempo exige reflexão, coragem e autoconhecimento.


quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013




20 de fevereiro de 2013 | N° 17349 
MARTHA MEDEIROS

Fim de férias

Passei duas semanas à beira-mar, caminhando, pedalando, rindo com os amigos e mergulhada em boas leituras. Aproveitei o descanso para me extasiar com Os Enamoramentos, de Javier Marias, para conhecer a ironia cativante de David Foster Wallace em seu Ficando Longe do Fato de já Estar meio que Longe de Tudo e voltei a consultar o filósofo Cioran, cuja amargura não deixa de ter um lado divertido.

No último dia de praia, antes de retornar a Porto Alegre, li por coincidência o seguinte trecho em um dos seus livros: “Se um governo decretasse em pleno verão que as férias fossem prolongadas indefinidamente e que, sob pena de morte, ninguém deveria abandonar o paraíso em que se encontra, se produziriam suicídios em massa e massacres sem precedentes”.

Fechei o livro e olhei para o mar azul à minha frente, com veleiros brancos a navegar suavemente, parecendo propaganda de cartão de crédito, e pensei em como eu reagiria se alguém decretasse: agora será esse idílio para sempre, baby. Acho que desataria a chorar. O paraíso não tem a mínima graça se não for confrontado com o inferno.

Às vezes, me pego sonhando com uma casinha num balneário pouco movimentado, onde eu pudesse passar o ano inteiro nadando, escrevendo, lendo, comendo peixe e demais alimentos saudáveis, e tudo me parece encantador, ou então imagino uma casinha na serra, cercada de verde por todos os lados, o clima frio, lareira, vinho tinto, eu igualmente afastada da baderna urbana, fazendo minhas caminhadas contemplativas, e também me parece um espetáculo de bem viver, até que alugo uma dessas casinhas por 15 dias e acho tudo de fato sensacional, mas, lá pelas tantas, percebo um formigamento na alma: até do trânsito da Nilo Peçanha começo a sentir falta.

Onde me sinto verdadeiramente em casa? Não é no meu idealismo, e sim na concretização das minhas atividades profissionais e pessoais. Me sinto em casa em aeroportos, conhecendo gente nova, aceitando trabalhos que produzem um glupt na garganta (misto de medo e excitação), fazendo malabarismo para dar conta das tarefas programadas, acordando a cada manhã sem saber direito o que o dia me trará.

E, apesar de toda a carga adrenalínica, finalizo essa odisseia jogada no sofá ouvindo música, com a satisfação de ter cumprido o que pretendia e de ainda ter sobrado tempo para o nada (sempre reservo um tempo para coisa nenhuma). “Lar” é onde cabem todos os eus que me habitam, não só o eu preguiçoso e indolente, mas também tudo o que precede a ele.

Talvez mais adiante eu invista num segundo endereço em outra cidade e alterne minhas permanências – um pouco lá, um pouco cá –, mas, por ora, não pretendo me acomodar a um calendário composto só de domingos, evitando o confronto com as angústias, as dúvidas, os desafios. Férias só se justificam por serem provisórias, são fantásticas porque terminam, é essa consciência do finito que faz com que valorizemos cada segundo vivido.

Que bom estar de volta à imprevisibilidade dos dias.

sábado, 16 de fevereiro de 2013



17 de fevereiro de 2013 | N° 17346
MARTHA MEDEIROS

Sempre gostei de ver resgatadas algumas palavras antigas

Vocabulário vintage

Eu havia combinado de buscar minha filha na casa de uma amiga por volta das 18h. Pouco antes desse horário, ela me ligou toda excitada dizendo que haviam resolvido assistir a um DVD e que alguém havia providenciado marshmallow com morangos e todas as outras gurias iriam ficar até mais tarde, então, mãe, mamãezinha, deixa eu ficar mais um pouco!!!

Respondi: “Tudo bem, me liga quando esse frege terminar”.

Silêncio abissal do outro lado da linha. Minha filha recuperou seu tom de voz normal e respondeu um seco: “Tá, eu ligo”. Parecia que tinha recebido a notícia da morte de um parente.

Assim que desliguei, não contive o riso. Frege! Minha filha deve ter ficado em estado de choque. Que língua mamãe estaria falando?

Na mesma hora, lembrei de uma passagem do ótimo Eles Foram para Petrópolis, livro que publica uma troca de correspondência virtual entre os jornalistas Ivan Lessa e Mario Sergio Conti. São textos eletrizantes, inventivos, inteligentes, que nos fazem matar a saudade de Paulo Francis, de quem os dois sempre foram amigos, aliás.

Em certa passagem do livro, eles salientam ser “imprescindível tirar uma palavrinha lá da cozinha, dar uma limpada, um bom brilho e depois tacar na cristaleira da sala de jantar para as visitas admirarem”. E concluem: “Uma gíria e um bordão podem e devem pedir o boné e se mandar. Uma palavra, não.”

Concordo e dou fé (também tirando da cozinha uma expressão empoeirada). Sempre gostei de ver resgatadas algumas palavras antigas que, em vez de denunciarem a decrepitude de quem as escreve, acabam por dar ao texto um ar vintage, que, como se sabe, é ultramoderno.

Em vez de dizer que fulana ficou estressada, não é muito mais divertido dizer que ela teve um faniquito? Temos medo de bandidos, mas simpatizamos com os pilantras. E quem é aquela dando em cima do seu marido? Uma boa de uma bisca. Vá lá salvá-lo antes que a sirigaita o leve no bico.Antigamente as expressões eram mais leves, e leveza hoje é uma qualidade revolucionária.

Esgotado o tempo regulamentar, busquei minha filha na casa da amiga e vi que seu cotovelo estava esfolado. “O que aconteceu?”, perguntei quando ela entrou no carro. “Nada demais, mãe, levei um boléu”. Não era caso pra achar graça, mas achei.

* Coluna publicada originalmente em 15 de agosto de 2010. A colunista Martha Medeiros está em férias.


A hora de dizer não

"Chega um momento na nossa vida em que devemos renunciar”, disse na semana passada o sociólogo e filósofo francês Edgar Morin, com vigor e lucidez aos 91 anos. Renunciar a uma ou mais coisas que pareciam essenciais antes. Renunciar a um cargo, a uma paixão, um desamor, uma obsessão, uma disputa, uma vaidade, ao sol a pino, à carne vermelha no jantar, seja lá o que for. Saber dizer não com serenidade pode ser um ato revolucionário e de liberdade individual.

Pelo ineditismo e pela surpresa, a renúncia do papa Bento XVI foi dissecada no mundo inteiro em plena festa profana, o Carnaval. Cada um viu o que quis. Vemos aquilo em que cremos. Católicos fervorosos se sentiram perdidos ao perceber, enfim, que o papa não é santo. Não é mesmo, nunca foi. Agnósticos e cristãos com um mínimo de perspectiva histórica sabem que a batina não sacraliza ninguém. Amém.

O papa não tem influência na minha vida particular, embora eu tenha sido batizada e feito primeira comunhão nas igrejas de Copacabana. Na infância, era obrigada a ir à missa todo domingo. Havia um anjo de gesso sobre minha cama. Ele me dava um certo medo.

Tinha aulas de catecismo numa escola laica. Via, na confissão, uma enorme teatralidade. Às vezes inventava pecados para testar a reação daquele desconhecido que parecia dormir, de perfil. Não entendia a lógica do número de ave-marias e padre-nossos, como castigo ou promessa de salvação eterna.

Bem mais tarde, o papa passou a me interessar apenas como chefe de um Estado implacável e multimilionário que se aliou a demônios palpáveis e históricos. Um Estado com poder transnacional sobre governos, política, ciência e sobre a vida das pessoas comuns. Na semana passada, o papa passou a me interessar como alguém de carne e osso. Por mais sinais de cansaço e desilusão que tivesse dado, era difícil crer que logo um Ratzinger apelidado de “papa panzer” e “rottweiler de Deus” decidisse apear da cruz e humanizar-se.

Ratzinger é um homem com um marca-passo. Não queria deteriorar ao vivo como seu antecessor. Considerava a saúde da carne um imperativo para exercer direito o poder do espírito. Sentia-se impotente diante do enfraquecimento da Igreja Católica.

Ficava irritado com as fofocas nos corredores do Vaticano. Inseguro diante dos escândalos de pedofilia de padres e cardeais. Culpado pelos escândalos de corrupção interna, vazados por seu mordomo. Traído por sua equipe de confiança. Magoado com sua imagem de autoritário e conservador no Twitter.
A renúncia do papa Bento XVI é um ato revolucionário – e inspirador – de liberdade individual

Ele nem pediu para sair. Não negociou com seus pares ou súditos. Disse: “Fui”. Decidiu “em plena liberdade” – como se alguém pudesse ser plenamente livre. Dizer que renunciou “pelo bem da Igreja” é conversa para cardeal dormir. Uma tentativa póstuma de se fazer de soldado humilde de Jesus. Um homem diz “não” pelo seu próprio bem. Bento XVI era um papa relutante e acidental, sem carisma. Virou astro pela negação.

O que se seguiu foram os obituários em vida. Como os papas costumam morrer em exercício, são poupados de assistir a seu funeral. Pelo menos de corpo presente. Bento XVI assiste de camarote à enorme confusão provocada por seu gesto libertário ou covarde. Se existem outros vazamentos de escândalos na fila, melhor estar na casa de verão em Castelgandolfo, meia hora ao sul de Roma, meditando, orando e escrevendo.

É um palácio sobre uma colina, com vista para um lago, na verdade a boca de um vulcão adormecido. Simbólico, diante de toda a lava derramada nos últimos anos envolvendo a Igreja Católica. Quem ficará na boca de um vulcão ativo será outro papa, mais jovem, mais saudável, menos rígido e mais antenado com as redes sociais. Não é assim a vida fora do Vaticano?

O “basta” de Bento XVI me lembrou o filme premonitório de Nanni Moretti, Habemus papam, do ano passado. É uma comédia de costumes inofensiva. Eleito pelo conclave dos cardeais, o novo sumo pontífice – protagonizado por Michel Piccoli – entra em pânico. Apavorado com o que o espera no comando da Igreja, recusa-se a ser identificado na sacada para os fiéis.

Um psiquiatra ateu (Nanni Moretti) é chamado ao Vaticano. Na cena mais hilária do filme, os cardeais dizem ao psiquiatra que ele só não poderá discutir assuntos como “fé, desejos, sonhos, sexo, infância e mãe”. É uma paródia de como a Igreja Católica se despregou da realidade.

A partir daí, o novo papa, descrente de si mesmo, de sua fé e da Igreja, foge do cerco e perde-se pelas ruas de Roma. Frágil, vulnerável, ele fica maravilhado com o anonimato, as pessoas e sua vida normal, seus tropeços e alegrias. Vê, de fora, como seu rebanho o enxerga. Renuncia a ser pastor. E assume a si mesmo.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013



05 de fevereiro de 2013 | N° 17334
FABRÍCIO CARPINEJAR

Não desistam de viver

A vontade é de abandonar o trabalho, não acordar mais, definhar abraçado ao travesseiro, encolher-se no canto e não erguer nem mais o braço para atender a porta e pedir ajuda.

Nada tem mais sentido, e ordem. A vontade é de não ter mais vontade. Os filhos morreram, os irmãos morreram, os colegas morreram. Eu entendo.

Entendo que vocês levantarão, sobressaltados, às duas horas de todas as madrugadas de suas existências, que haverá sempre uma sirene abrindo as ruas do sangue, que será insuportável raciocinar diante de um alarme dos bombeiros ou de ambulância lá fora.

Entendo que a casa está vazia, como a cidade está vazia, como o corpo está vazio. Mas não podemos chorar a morte dos familiares se não valorizarmos nossa vida.

Entendo que não será mais a vida idealizada, não será mais a vida planejada, não será mais a vida que merecíamos.

Mas ainda que seja uma vida desesperada, uma vida atormentada, uma vida traumatizada, ainda é a nossa vida. Ainda é a vida que ficou. Ainda a vida que temos que cuidar.

Ainda é a vida que temos que salvar. Afinal, nossa vida era tudo o que a gente pretendia assegurar para eles que se foram na boate Kiss.

Gostaríamos que os duzentos e trinta e sete jovens estivessem com a gente, então não podemos nos jogar fora. Não podemos esnobar a chance de estar aqui.

Continuar a viver é preservá-los. Continuar a viver é sabedoria. Continuar a viver é fé. Continuar a viver é humildade.

Continuar a viver é respeito: é não ser mais vítima do que as vítimas, por mais que doa doer o dia inteiro.

É imperioso cortar o cordão umbilical da Rua dos Andradas, abolir as hipóteses: se eu tivesse proibido meu filho de sair, se eu tivesse viajado com a família, se eu tivesse telefonado antes, se eu tivesse sido mais rigoroso...

O “se” não devolve o que perdemos, nem diminui o sofrimento. A culpa não deve abafar a justiça, o medo não deve sufocar a esperança.

Não há como controlar o destino. A tragédia não aconteceu porque vocês falharam. Vocês, familiares, não teriam como evitá-la. O que sobra é amar a si para explicar o que é amor, para explicar o que é saudade.

O que nos resta é a responsabilidade de lembrá-los com garra. De lavar as escadarias das igrejas com flores. De ir adiante para que esse incêndio criminoso nunca mais se repita em nenhum lugar do mundo deste Brasil.

Que nossos filhos de Santa Maria jamais morram para a História.


05 de fevereiro de 2013 | N° 17334
ARTIGOS - Guilherme Socias Villela*

O silêncio dos soldados

É notório que os poderes do Estado brasileiro, em toda a sua existência, têm revelado notáveis conflitos políticos. Ocorre que suas instituições tradicionais têm mostrado incapacidade de superar crises políticas nacionais – inclusive, e principalmente, nas crises germinadas em ideologias que geram devaneios ou paixões e emoções – indissociáveis da condição humana.

Nos cerca de 70 anos da monarquia brasileira, esses conflitos políticos foram, de alguma forma, amenizados por certo poder moderador – exercido pela autoridade moral do seu último imperador. Todavia, no período republicano brasileiro, é reconhecido que esse poder moderador, nas crises políticas nacionais, tem sido exercido pelas Forças Armadas – convocadas nos momentos, anteriores ou posteriores, ao que poderiam ser denominados “sistólicos” da vida política brasileira.

Golpe. Contragolpe. Revolução. Dê-se-lhe o nome que se queira dar ao movimento político, econômico, psicossocial e militar brasileiro de 1964 – ocorrido num mundo em que predominava a Guerra Fria. Rigorosamente, do ponto de vista histórico, esse movimento ainda está para ser interpretado.

(Historiadores franceses clássicos recomendavam que não se fizesse história depois da era napoleônica – segundo eles, para que não se perdesse a “perspectiva histórica”. A propósito, ultimamente, no Rio Grande do Sul, quase dois séculos depois, a própria história da Revolução Farroupilha vem sendo revisada.)

Uma das consequências do movimento de 1964 ainda hoje pode ser observada: o prestígio das Forças Armadas nacionais está danificado. É como se a nação houvesse olvidado sua participação na independência brasileira; na Guerra do Prata; na Guerra do Paraguai; na atuação da Força Expedicionária Brasileira na II Guerra Mundial; no desempenho militar da Marinha de Guerra – a mais antiga das armas nacionais; além da defesa aeroespacial do território nacional – exercida pela Força Aérea Brasileira.

E, não menos importante, a participação das Forças Armadas nos programas de saúde e educação realizados nos mais recônditos e desprovidos lugares do território nacional; na sua presença em missões de paz em alguns países latino-americanos; e, ainda, na construção de obras de infraestrutura do país – especialmente rodovias, pontes e ferrovias.

(Recentemente, na reforma do aeroporto de Guarulhos, Cumbica, feita pelo Exército Nacional, as obras foram entregues antes do prazo estipulado no projeto, além de serem devolvidos R$ 150 milhões ao Tesouro Nacional – o que, em matéria de obras públicas, é algo incomum!)

Hoje, infelizmente, a sociedade brasileira assiste, emudecida, à corrupção, aos escândalos, às distorções de conduta, aos subornos, à falsidade e à falta de compostura política – e tudo que faz sentir os primeiros “perfumes” da gradativa putrefação de uma sociedade doente.

A propósito, é indispensável lembrar que o militar brasileiro, ao revés – no poder ou fora dele –, sempre tem conduta exemplar. Sua formação, da escola à caserna, está norteada para a devoção à pátria; para a integridade e para a honestidade pessoais; para a ética; para a hierarquia; para a ordem; e por valores éticos orientadores do seu comportamento moral, pelo resto da vida – motivo pelo qual, hoje, não tendo sido convocado, pode ser entendido o seu silêncio.

*ECONOMISTA, EX-PROFESSOR UNIVERSITÁRIO


05 de fevereiro de 2013 | N° 17334
CLÁUDIO MORENO

Em doses mínimas

São poucos os que recordam o nome de Mitrídates, mas todos nós conhecemos pessoas que tragicamente com ele se parecem. Este personagem passou para a História não por ser o rei do Ponto Euxino, antiga colônia que os gregos fundaram no Mar Negro, terra do famoso filósofo Diógenes, mas por um estranho e sinistro comportamento que resolveu adotar ao longo de toda a sua vida.

Mitrídates ainda era um menino quando descobriu que sua mãe e outros membros da família pretendiam eliminá-lo com um veneno discreto, fazendo com que sua morte parecesse natural. Vendo que seria extremamente difícil defender-se de um inimigo que morava sob o mesmo teto e com o qual compartilhava o alimento de cada dia, decidiu que precisava se tornar imune a qualquer espécie de substância nociva.

Passou então a estudar com afinco todos os antídotos conhecidos, testando sua eficácia em prisioneiros condenados à morte. Depois de muitas tentativas, chegou finalmente a uma fórmula única, composta de mais de 50 ingredientes, incluindo o sangue dos patos que viviam no Ponto, cujo alimento principal eram plantas que matariam qualquer homem que as ingerisse.

Para sentir-se ainda mais protegido, engolia diariamente, depois da dose habitual deste remédio, pequenas quantidades de veneno para fortalecer o organismo contra uma possível armadilha dos assassinos. Não se sabe se chegaram a ocorrer tentativas, mas o certo é que ele viu os inimigos morrerem um a um, mantendo-se no trono até o dia em que, já perto dos 70, seu reino foi conquistado pelos romanos comandados por Pompeu.

Embora vencido, não poderia submeter-se às terríveis humilhações que Roma infligia aos prisioneiros reais; por isso, antes que os soldados chegassem para prendê-lo, dividiu com a mulher e as filhas o veneno que trazia guardado no pomo da espada. Elas morreram em seguida, mas ele estava tão habituado à substância que ficou apenas atordoado. Então, sem forças para enterrar a espada no peito, teve de implorar que um soldado de sua guarda o matasse.

Por causa disso, Mitrídates virou palavra, o que é, por si só, uma garantia de sua imortalidade: em todas as línguas do Ocidente, mitridatizar significa aumentar a tolerância a um veneno pela ingestão contínua de pequenas doses, um verbo feito sob medida para explicar o absurdo fatalismo com que aceitamos – no trabalho, na relação amorosa, no convívio com os demais – abusos e agressões contra tudo o que o ser humano tem de mais vital e importante.

Sem revolta ou indignação, passamos a tolerar tudo aquilo que antes nos fazia mal, engolindo o veneno, gota por gota, até chegar à dose letal.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013



28 de janeiro de 2013 | N° 17326
FABRÍCIO CARPINEJAR

A maior tragédia de nossas vidas

Morri em Santa Maria ontem. Quem não morreu? Morri na Rua dos Andradas, 1.925. Numa ladeira encrespada de fumaça.

A fumaça nunca foi tão negra no Rio Grande do Sul. Nunca uma nuvem foi tão nefasta.

Nem as tempestades mais mórbidas e elétricas desejam sua companhia. Seguirá sozinha, avulsa, página arrancada de um mapa.

A fumaça corrompeu o céu para sempre. O azul é cinza, anoitecemos em 27 de janeiro de 2013.

As chamas se acalmaram às 5h30min, mas a morte nunca mais será controlada.

Morri porque tenho uma filha adolescente que demora a voltar para casa.

Morri porque já entrei em uma boate pensando como sairia dali em caso de incêndio.

Morri porque prefiro ficar perto do palco para ouvir melhor a banda.

Morri porque já confundi a porta de banheiro com a de emergência.

Morri porque jamais o fogo pede desculpas quando passa.

Morri porque já fui de algum jeito todos que morreram.

Morri sufocado de excesso de morte; como acordar de novo?

O prédio não aterrissou da manhã, como um avião desgovernado na pista.

A saída era uma só, e o medo vinha de todos os lados.

Os adolescentes não vão acordar na hora do almoço. Não vão se lembrar de nada. Ou entender como se distanciaram de repente do futuro.

Mais de duzentos jovens sem o último beijo da mãe, do pai, dos irmãos.

Os telefones ainda tocam no peito das vítimas estendidas no Ginásio Municipal.

As famílias ainda procuram suas crianças. As crianças universitárias estão eternamente no silencioso.

Ninguém tem coragem de atender e avisar o que aconteceu.

As palavras perderam o sentido. 

sábado, 26 de janeiro de 2013



27 de janeiro de 2013 | N° 17325
MARTHA MEDEIROS

Matéria-prima de biografias

Uma amiga possui um casamento duradouro, filhos ótimos, uma penca de parentes ao redor, um trabalho satisfatório, o melhor dos mundos. Reconhece que tem uma vida bacana, mas volta e meia diz, brincando: Se eu escrevesse minha biografia, não daria mais do que três páginas. Ela sente falta de imprevistos, novidades, abalos. Se duvidar, sente falta até de sofrimentos.

Analisando sob esse prisma, a recém lançada biografia de Diane Keaton não deverá se tornar um best seller, já que não há fartura de romances clandestinos, envolvimento com drogas, traumas e psicopatias. Ao contrário: o que prevalece é sua declaração de amor à família. É isso que torna o livro tão especial, humano e diferente de outras histórias de celebridades.

Diane Keaton certamente não é uma mulher como as outras. Namorou Woody Allen, Warren Beatty e Al Pacino e ganhou um Oscar por sua atuação em Annie Hall. Essas experiências seriam suficientes para deixar qualquer leitor salivando diante da oportunidade de ouvir os detalhes a respeito. Ela até comenta sobre isso tudo, e sobre o início da carreira, seus ídolos, seu jeito peculiar de se vestir, mas são pinceladas sem profundidade, que ficam em terceiro plano diante do que realmente importa e comove no livro: sua relação com a mãe.

Diane transforma a desconhecida Dorothy Keaton Hall em coautora de sua biografia. Publica trechos dos seus diários, narra os anos em que esta enfrentou o mal de Alzheimer, as particularidades do casamento dela com seu pai e como foi a criação dos quatro filhos do casal – Diane e seus três irmãos. Talvez o leitor se pergunte: mas o que me interessa essa tal de Dorothy?

Sem Dorothy, não haveria o que veio depois.

Claro que é um privilégio ter acesso aos bilhetes escritos por Woody Allen e aos bastidores da filmagem de O Poderoso Chefão, pra citar outro filme da extensa carreira da atriz, mas não é um livro de fofocas, e sim o retrato de uma vida que, apesar do entorno glamouroso, nunca deixou de ser prosaica. Não exalta os tapetes vermelhos, os namorados famosos ou ter o nome piscando na fachada de um cinema, e sim os laços afetivos. É de uma singeleza inesperada.

Diane Keaton, apostando no que lhe é íntimo, inverteu o que se espera de uma biografia. Através de um relato nada modorrento, e sim ágil, divertido e tocante, colocou sob os holofotes aquilo que passou de comum a incomum: a valorização da nossa formação dentro de casa, a influência do afeto na construção de um futuro, a beleza dos pequenos episódios que acontecem diante dos olhos da família, nossa primeira plateia.

Numa época em que todos andam viciados em existir publicamente, transformando suas vidinhas triviais num reality show, uma estrela de Hollywood vem recolocar as coisas em seus devidos lugares: o superficial pra lá, o essencial pra cá.

Claro que uma hipotética biografia daquela minha amiga do início do texto nunca atrairia a atenção de ninguém, ao contrário da de Diane Keaton, mas o que ela teria para contar – e o que todos teriam para contar, se o mundo estivesse a fim de ouvir - é que ter uma vida interessante depende apenas do olhar amoroso que lançamos sobre nossa própria história. 

RUTH DE AQUINO

Pra lá de Marrakech

Não tenho a menor noção do que aconteceu no Brasil na semana passada. Nem em qualquer outro país. Não sei quantos morreram na Argélia. Estou sem conexão de internet numa casa no campo, a 30 quilômetros de Marrakech. Um paraíso com pomar, horta, galinhas, coelhos, patos e alta gastronomia que pertence a uma amiga francesa.

Ouvi dizer que nevou muito na Europa. Um amigo diplomata em Rabat me disse no celular que o Instituto Lula em São Paulo tinha sido invadido por famílias sem terra. E que a Ivete Sangalo ganharia um cachê de R$ 650 mil para inaugurar um hospital no Ceará...! Mas a ligação caiu e meu aparelho marroquino pré-pago estava quase sem crédito. Pensei: quero ou não saber mais?

Eu não queria saber mais. Isso já deve ter acontecido com você.

Para os viciados em interconexão – e o Brasil é o segundo do mundo no Facebook –, esse isolamento pode parecer uma tortura. O plano original não era retiro cibernético, espiritual ou mental. A semana em Marrakech, “La ville rouge”, ou a cidade vermelha – referência às cores de terra batida das construções –, seria uma fuga temporária do frio e da escuridão de Paris. Uma volta rápida a essa monarquia que cruzei de carro por um mês em 1980, de Tanger a Agadir. Uma monarquia constitucional com 98% de islâmicos.

Eu saíra da França em busca de um intervalo de luz, chá de menta e temperos exóticos. E de tempo para ler romances. Mantendo os sentidos aguçados, sempre encontraremos mais do que buscamos.

Uma doença colateral do mundo digital é a dispersão. A ansiedade de se informar e se comunicar toma o lugar de prazeres arquivados. Tenho a sensação de que nos colocamos na quarentena e nos esquecemos ali, no porão de nossos computadores. Até o hábito de conversar olhando no olho tornou-se secundário. Com o olho viciado na tela, tudo passa rápido demais e é esquecido no minuto seguinte.
Descobri que não havia internet. Meu iPhone não tinha sinal. Não senti pânico. Ao contrário

Antes de partir, comprei num sebo inglês na Rive Gauche dois livros de Paul Bowles, The sheltering sky (O céu que nos protege, adaptado para o cinema sob a direção de Bertolucci e filmado no deserto) e The spider’s house (A casa da aranha), ambientado na cidade imperial de Fez. Não conheço melhor companhia de viagem do que livros escritos por quem viveu ali. 

É a imersão dentro da imersão. Bowles nasceu em Nova York, mas viveu 50 anos em Tanger, esse porto marroquino que olha para a Espanha. Ele descreve o deserto como um lugar em que somos obrigados a olhar para cima, na ausência de uma vegetação generosa.

“Este é o lugar que queria te mostrar! Aqui o céu é tão estranho, é quase sólido, como se nos protegesse do que há lá em cima. E o que há lá em cima? Nada, não há nada, somente a noite…”

As temperaturas de janeiro no Marrocos confundem nosso corpo: no mesmo dia, de 4 graus a 22 graus. Eu dirigia um carro alugado e infelizmente sem buzina. Tinha driblado na estrada os pastores de ovelhas, as mulheres com roupas brilhantes bérberes – os povos das montanhas do Norte da África – e o enxame de motos, bicicletas e carroças dirigidas por homens com capuzes e túnicas até os pés, as djellabas.

Cheguei a um riad no campo alaranjado pelo pôr do sol. Riad é o nome das casas tradicionais marroquinas dotadas de jardins e pátios interiores com fontes, plantas, mesas e cerâmicas decorativas. Ao longe, as montanhas nevadas do Alto Atlas. Um empregado da casa cantava sua prece, agachado junto à entrada.

Na noite fria e estrelada, tomei na sala, em sofá rente ao chão, um chá de menta temperado com absinto e sálvia. O melhor da minha vida. Como o álcool é interditado aos muçulmanos, o chá de menta é apelidado no país de “uísque marroquino”.

Descobri que não havia internet. Meu iPhone não tinha sinal. Não senti pânico. Ao contrário. Preferi nem ver televisão. Não entrei em cibercafé na cidade.

Marrakech foi fundada em 1070. É loucamente colorida e borbulhante. Continuamos a nos perder nas medinas muradas e nos souks, os mercados. A praça mais central é a Djemaa el Fna, com os encantadores de serpentes cansadas e as insistentes tatuadoras de hena. Prefiro a pequena Place des Épices (Praça das Especiarias), mais autêntica e acolhedora. Um banho árabe de vapor num hamman com massagem de argila, sabão mineral e óleo de argan nos impregna com aromas de outra civilização.

Mas há coisas irritantes. O assédio exagerado de vendedores e guias. A mania de pedir duas ou três vezes o preço de tudo – seja um tomate ou um tapete. Cansa negociar. Turistas se sentem traídos pela gentileza aparente de marroquinos que cobram dirhams por simples informações. O absurdo atual em Marrakech é a profusão de motos nas ruelas, quase atropelando todo mundo e deixando um rastro de poluição irrespirável. Tinha de ser proibido.

Hora de voltar para o riad no campo e não saber de nada.


26 de janeiro de 2013 | N° 17324
NILSON SOUZA

Campanha

A menina dos meus olhos me comunica, entusiasmada, que aproveitou a semana de férias na praia para sair da sua rotina incessante de teclagens e postagens.

– Já li o primeiro livro do ano! – avisa, com a informação adicional de que elaborou uma lista de leituras para cumprir nos próximos meses.

Aplaudo, evidentemente, mas recebo a promessa com ceticismo. A tentação da telinha luminosa é mais forte do que o desejo de agradar a este tio pré-digital, apegado ao velho hábito dos textos impressos. Outro dia, por brincadeira, lancei uma campanha entre os jovens da família:

– Menos Face e mais Book.

Todos acharam graça, não apenas do jogo de palavras, mas também da minha ingenuidade. Qual é a graça de passar horas (ou minutos, que seja) folheando páginas de um livro quando se pode estar com os amigos na rede virtual, trocando mensagens, fazendo comentários espirituosos, postando fotos, imagens, vídeos? Sinceramente, não dá para competir.

Só que a epidemia tecnológica já começa a ficar preocupante. Outro dia, procurei o serviço especializado de uma pequena fábrica, e a proprietária me disse que o trabalho só ficaria pronto em duas semanas. Perguntei a razão da demora, e ela me respondeu de forma enigmática:

– Computador!

– Como assim? – quis saber. Então ela me contou que os funcionários, todos jovens, estavam se atrasando ou faltando ao trabalho porque passavam noites e madrugadas nas redes sociais. Mesmo durante o expediente, alguns se refugiam no banheiro para consultar celulares e trocar mensagens com amigos e namoradas.

– E olha que são bons funcionários, capacitados, e eu pago bem porque dominam o trabalho – esclareceu.

Assustador, não? Às vezes, tenho a impressão de que estamos nos tornando improdutivos por conta da facilidade de comunicação pelos meios virtuais. Nos escritórios, nas repartições públicas e, pelo que descobri agora, mesmo nas fábricas, o tempo e a atenção dispensados pelas pessoas para navegar pela web superam em muito o esforço empregado para produzir.

Não sou um ludita, longe de mim. Também uso a tecnologia e reconheço os progressos que ela traz, assim como as possibilidades que oferece. Ela acabou com as distâncias e aproximou as pessoas, ainda que tenha gerado deformações como reuniões profissionais e familiares em que cada participante fica isolado dos demais, consultando sua janelinha para o mundo.

O que realmente me preocupa é a percepção de que muitas pessoas, os jovens especialmente, consomem horas e horas com jogos e com atividades de interesse apenas momentâneo, sem proveito para suas formações e para seu futuro. São habilidosos, fazem maravilhas com os seus equipamentos, divertem-se, mas parecem dóceis prisioneiros desse mundo virtual. Saberão sair dele quando a vida real os chamar?

Uma vez perguntei a um sábio se era verdade que jogar xadrez desenvolvia a inteligência. Ele me respondeu:

– Sim. Mas apenas para jogar xadrez.

Se a menina cumprir metade do seu programa de leituras até o final do ano, minha campanha familiar terá sido um sucesso.

domingo, 20 de janeiro de 2013


DANUZA LEÃO

As classes sociais

A conta de uma das mesas resolveria o problema de fim de mês daquele garçom; o que se passa na cabeça dele?

Aí você sai para jantar com amigos e vai a um restaurante bem chique. O maître, que de paletó preto e calça listada parece até um noivo, é cheio de gentilezas; faz maneirismos, propõe pratos interessantíssimos e ainda diz que o chef pode fazer qualquer coisa que você invente, só para te dar prazer.

Por outro lado, os garçons não deixam seu copo ficar vazio um só instante, e ficam de olho para ver se o pão acabou, se o guardanapo caiu no chão, tudo para seu conforto e felicidade.

Aí, uma noite você volta ao mesmo restaurante e, como o clima está bom, a bebida descendo bem e todos alegres, a noite vai passando, as outras mesas vão indo embora, menos a sua, que vai ficando, ficando, até ser a única que sobrou.

Lá pelas tantas os funcionários começam a ir embora; um dos maîtres, daqueles tão elegantes, sai vestindo uma camisa de algodão feia e de má qualidade, com uma capanga debaixo do braço. Aos poucos vão saindo os garçons; a maioria usa camiseta com uma estampa, algumas do seu time do coração, todos loucos para chegar em casa e poder descansar. Aí então você tem uma súbita percepção da realidade, pensa que passou a noite num teatro, e mais: fazendo parte do espetáculo.

Aqueles funcionários tão educados e de tão boas maneiras são pessoas que passam parte da vida representando, e depois de lidar com as comidas e bebidas mais caras, quando terminam o trabalho vão esperar o ônibus para voltar para casa, uma casa modesta onde alguém está esperando: a mãe, uma namorada, ou mulher e filhos já dormindo, já que não puderam sair mais cedo porque seu grupo ficou dando risada e dizendo bobagem.

É curioso que esses garçons, que te tratam tão bem, não se despedem quando estão indo embora. Na hora da volta à realidade, quando o espetáculo termina -já na vida real, portanto-, garçons não falam com clientes. Já pensou encontrar na praia, que é o lugar mais democrático que existe, aquele que é tão solícito e simpático, vocês dois de calção? Vão sorrir um para o outro da mesma maneira? Provavelmente não vão nem se reconhecer.

Você bebe seu penúltimo drinque pensando nessas loucuras da vida. A conta de uma das mesas resolveria o problema de fim de mês daquele garçom; o que se passa na cabeça dele? Será que fica feliz porque tem gente consumindo, o que é a segurança do seu emprego, ou enquanto serve e é gentil pensa no preço do vinho italiano e tem vontade de quebrar a garrafa -cheia- na cabeça do cliente que já pediu mais uma?

Não necessariamente para matar, só para fazer aquele estrago, e exatamente na cabeça daquele que dá as maiores gorjetas. E alguém tem o direito de dar uma gorjeta, alta ou baixa, só porque quer? Porque pode? É muita humilhação.

Mas não faz nada; dentro de sua relativa ignorância -ou sabedoria-, sabe que pegaria vários anos de cadeia se fizesse o que está com vontade de fazer, e sabe também que ninguém entenderia. Afinal, sempre foi considerado um funcionário exemplar.

Ela vê tudo isso como se fosse um filme; toma mais um drinque, o último, dá várias risadas, as últimas, e vai para casa pensando se não seria mais feliz se não pensasse em tanta bobagem.

Tanta bobagem?

sábado, 19 de janeiro de 2013


Martha Medeiros

Frustração

A história resumida: uma amiga estava há dois meses saindo com um homem bacana. Ele, perdulário em declarações de amor, a convidou para ir a Paris. Ulalá. Ela vibrou. Dez dias antes do embarque, ele mandou um e-mail dizendo que havia voltado para a ex-mulher.Sacanagem, pensamos. Mas sacanagem talvez seja um diagnóstico simplista.

Ele estava tentando dar um novo rumo à sua vida, porém não contava com o assédio da ex-esposa, seu verdadeiro grande amor. Fez sua opção, e quem morreu um pouco foi minha amiga. Alguém sempre paga o pato. O assunto de hoje é uma velha conhecida de todos nós: a frustração. Jogue a primeira pedra quem já não caiu do cavalo (foi frustrado) ou roeu a
corda (frustrou alguém). Somos todos experts em sonhos desfeitos.

Existe coisa pior na vida, claro que existe, mas considero a frustração uma das sensações mais indigestas. O emprego é seu! Chegando ao escritório para entregar seus documentos, descobre que o posto já foi preenchido. Você quase passou no vestibular! Por uma vaga, umazinha só, ficou de fora do listão. A bolsa para estudar na Inglaterra saiu!

Pena que o governo decretou um depósito compulsório de última hora e você não tem como pagá-lo. A garota que você está a fim chamou para a festa! Chegando lá, encontra a bisca agarrada no seu melhor amigo.  Me veio à cabeça mais uns 456 exemplos de frustrações, algumas baseadas em experiências pessoais. Mas você tem sua própria lista para recordar, não serei tão cruel. O fato é: durma-se com esse embrulho no estômago.

É sabido que uma das regras de bem educar uma criança é ensiná-la a lidar com frustrações. Seu bebê amado não será alto o suficiente para ser um campeão de basquete, nem sua lindinha terá as melenas loiras necessárias para ser a princesa do teatrinho da escola. Ou você mente e desvirtua a situação para aplacar a dor dos seus rebentos, ou permite que eles enfrentem essa dolorosa seleção natural e explica: não é isso que mede a importância de alguém.

Papai e mamãe te amam de qualquer jeito. Grande prêmio de consolação, pensam os baixotes.Porém, baixotes, é isso mesmo. “Papai e mamãe te amam” é tudo o que vocês precisam saber para se lixar para as coisas que não dão certo. E acreditem: um bilhão de coisas não darão certo, dos cinco aos 105 anos.

Só tendo sido suficientemente amado e protegido dentro do lar para entender que o que não deu certo é uma contingência da vida e que, dependendo do nosso grau de autoconfiança, poderá causar apenas cinco dias de mau humor em vez de uma dor existencial infinita.

Acredite: os cinco dias de frustração não farão mal nenhum a seu crescimento, pelo contrário, será parte fundamental dele. A dor existencial é que nos engessa e paralisa para sempre.  Lido razoavelmente bem com frustrações.
Sofro os cinco dias protocolares, e depois retiro delas alguma lição que me torne mais aderente a decepções futuras – ambiciono chegar ao dia em que a frustração não doerá nem mais cinco minutos. Conseguirei?

Na verdade, não pretendo colecionar frustrações para quebrar meu recorde de resistência. Se pudesse, não sofreria mais nenhuma. Mas isso equivaleria a não estar mais disposta a viver. Então, que venham as danadas. Uma de cada vez, que sou forte, mas não sou duas.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013



16 de janeiro de 2013 | N° 17314
MARTHA MEDEIROS

Um segundo de distração

Peguei um táxi rumo ao aeroporto e antes mesmo de percorrer cem metros percebi que o motorista estava com sua atenção voltada para qualquer outro lugar, menos para o que acontecia diante do volante, já que enviou uma mensagem pelo celular em meio ao trânsito.

Resolvida sua emergência, recolocou o aparelho no bolso da camisa e, quando achei que iríamos tranquilos até o nosso destino, ele começou a procurar algo no porta-luvas, primeiro só através do tato, mirando em frente enquanto dirigia, até que resolveu dar uma espiada lá dentro. Foi quando se deu o estrondo. Nossa, que susto. Metade do carro estava em cima da calçada. Por sorte, não havia um poste e tampouco algum pedestre caminhando por ali.

Ele subiu o cordão e estourou os dois pneus do lado direito, o dianteiro e o traseiro. Mal havia começado seu turno de trabalho e o dia, para ele, já estava perdido. Saí do veículo, pedi para retirar minha mala, e ele, avexado com a situação, providenciou outro táxi para me levar ao aeroporto – mas cobrou a corrida até ali, e paguei, porque me deu pena daquele mané, mesmo ele tendo feito tanta gente correr risco sem necessidade. O que ele procurava de tão importante naquele porta-luvas que não poderia esperar um sinal fechar? Mané.

Ao dirigir, estamos constantemente sendo atraídos por coisas diversas: a bolsa que caiu do banco durante uma travada, a troca da faixa de música, o cabelo que está sobre os olhos e o retrovisor ajuda a ajeitar, o cartaz de promoção em frente ao supermercado, o isqueiro perdido no porta-luvas – ah, o porta-luvas. Tudo convida a um segundo fatal de distração.

Eu faço muito disso também. Não há quem consiga guiar vidrado, rígido, sem piscar nem virar o pescoço um segundinho. Digo mais: eu nem deveria dar carona para pessoas que vejo pouco e que exigem atualização da conversa durante o trajeto, pois isso também me tira a concentração.

E não me aponte o dedo, somos muitos: outro dia fui levada a passear por uma amiga que não via há anos, tínhamos milhões de assuntos pendentes e, enquanto conversávamos, ela cometeu um bom número de barbeiragens. Ao chegarmos a sua casa, assumiu: “Sou boa pilota só quando estou sozinha”. Nem precisava explicar. Almas gêmeas.

Se você também está se reconhecendo, anote: somos todos manés. Podemos causar acidentes sérios, podemos matar e morrer só porque demos uma espiada para checar se havia luz na janela do apartamento de um amigo e não percebemos que o motorista da frente freou de repente. Bum.

Estando com o carro em movimento, nada de celular, nada de passar batom, nada de juntar o que caiu no chão, nada de espiar a vizinhança, nada de procurar bobagens no porta-luvas, nada de conferir vitrines com o olho espichado, nada de paquerar quem está caminhando na calçada. Dois pneus furados são uma chatice, mas o taxista deveria comemorar o saldo daquela sua distração, e eu também. Basta um segundo, e o “em frente” pode deixar de existir.