sábado, 17 de novembro de 2018


17 DE NOVEMBRO DE 2018

CHRISTIAN DUNKER

MAL-ESTAR OU ESTAR?


Costumo dizer que o contrário do mal-estar não é o bem-estar, mas o estar. Conseguir manter-se em situações sem se evadir, negar ou exagerar um determinado estado de coisas e existências me parece um critério mais seguro para a clínica do que a promessa do mais geral bem-estar biopsicossocial, tal como preconiza a Organização Mundial de Saúde e a maior parte das estratégias interessadas em aumentar ou intensificar nossa qualidade de vida.

Bem-estar facilmente evolui para temas como felicidade, satisfação e conforto, que impulsionam nossa atitude avaliacionista em relação a nossas vidas e sua equivalência incontornável com a vida dos outros. Desta forma, a obsessão com o bem-estar nos leva à intolerância com aquilo que é incurável, paradoxal ou incoerente em nossas próprias vidas. Quando não conseguimos aceitar e bem delimitar o mal-estar, sofremos muito mais do que o necessário. Ao final, terminamos em uma atitude ressentida e vulnerável para diversos sintomas, simplesmente porque a vida nos havia prometido mais do que nos entregou.

Isso frequentemente se expressa em uma atitude de inversão cíclica entre a onipotência que atribuímos aos outros, ao mundo e aos demais "zeladores de nossa felicidade", como os políticos, e uma alternância disso em impotência conformista. Soluções drásticas, moldadas sobre repúdios generalizados e indeterminados aparecem, por exemplo, naquele que, diante de uma demissão, afirma para si que seu lugar não é o Brasil, mas algum outro paraíso terreno, ou então, diante de um obstáculo amoroso, desiste de se ligar aos outros.

Uma pesquisa importante sobre eficácia e eficiência das psicoterapias parece subsidiar essa ideia. Seu autor afirma que, durante muito tempo, focamos a análise de resultados das psicoterapias na remoção de sintomas e, a partir disso, comparamos estratégias, usando grupos de controle ou por meio do contraste com placebo. Para surpresa geral, algumas pesquisas têm mostrado que as psicoterapias assim chamadas psicodinâmicas apresentam melhores resultados do que as psicoterapias cognitivo-comportamentais ou do que o uso isolado de antidepressivos, mas que a persistência e a força de seus efeitos podem estar associadas a benefícios não redutíveis à remissão de sintomas.

As psicoterapias psicodinâmicas, que, para efeitos metodológicos, incluem as diversas formas de psicanálise, habilitariam as pessoas a melhor exercer seus talentos, apreciar ativamente as mudanças, sustentar amores significativos com intimidade, pertencer a comunidades, dedicar-se a cuidar dos outros, desenvolver amizade, empatia e humor, extrair sentido de experiências penosas, expressar-se melhor, aproveitar mais o sexo, escutar e respeitar pontos de vista diferentes, adquirir mais responsabilidade e perseguir metas de longo prazo.

Não posso deixar de perceber que essa longa, e de certa forma problemática, lista de atitudes benfazejas não se refere a coisas que queremos tirar de nossas vidas, mas a acréscimos que enfatizam nosso modo de estar com o outro e conosco mesmo. "Estar", para o bem e para o mal, para o pior e o melhor, é a alternativa imediata e real à nossa atitude reativa, higienista ou dietética, que consiste em acreditar que chegaremos ao bem-estar apenas extirpando a causa do mal para fora de nossas vidas.

Christian Dunker escreve a cada 15 dias neste espaço. Na próxima semana, leia a coluna de Paulo Gleich.

CHRISTIAN DUNKER


17 DE NOVEMBRO DE 2018
J.J. CAMARGO

TÃO DIFERENTE E TÃO IGUAL

a incredulidade meio debochada de 20 anos atrás em relação à china foi substituída pela admiração

Quem já circulou pelo mundo dirá que, na China, tudo é diferente. Transformada em república socialista em 1949, cumpria à risca a recomendação da equiparação social do comunismo, em que não faz sentido alguém se queixar de qualquer coisa porque, nivelados na miséria, todos têm as mesmas queixas. Acorrentada na burocracia oligofrênica do Estado e arrastando mais de 1 bilhão de sobreviventes, a China chegou aos anos 1980 com 53% de miseráveis. E, então, alguém cansou do fogão à lenha e acendeu o gás.

Vinte anos depois, o índice de pobreza tinha baixado para 8%, e o gigante despertara, não apenas para causar admiração, mas para assumir protagonismo: maior exportador do mundo, terceiro maior importador, maior exército, segundo maior orçamento militar. Ninguém mais duvida: na próxima década, a China vai se tornar a maior economia do planeta e ninguém se dirá surpreso, porque toda a incredulidade meio debochada de 20 anos atrás foi substituída por incontida admiração.

Conheci Guangzhou, terceira maior cidade e uma linda metrópole ao sul da China, onde tudo funciona bem e, apesar do tamanho (é maior do que São Paulo), parece uma cidade de banho recém-tomado, com uma arquitetura invejável e a pujança de quem descobriu que quem trabalha muito merece viver melhor. 

Quando perguntei a um cirurgião chinês o quanto a dificuldade do idioma atrapalhava nas relações com o resto do mundo, ele debochou: "Isso está melhorando desde que descobrimos que, mais fácil do que dominarmos o inglês, era enriquecermos, porque, a partir daí, o mundo iria começar a estudar mandarim". Depois, ficou sério outra vez: "Há 10 anos, meus filhos devoravam o inglês, dia e noite, para conseguirem acesso às universidades americanas. Agora, no colégio onde um dos meus netos estuda, em Michigan, o mandarim é obrigatório!".

O certo é que a corrente migratória está se invertendo. Há 10 anos, ninguém pensaria em trazer para um simpósio na China os maiores cirurgiões do planeta. Hoje, quem não foi convidado ficou roendo as unhas. Circulando por lá, o que impressiona mais do que a exuberância da cidade é a atitude do povo. Sempre sorridente e solícito, o chinês contrasta com aquela cara indecifrável do Mao que, meio à Mona Lisa, ilustra todas as cédulas do yuan. 

O chinês do povo, esse quer ser simpático e fica mortificado se não consegue atender a um pedido qualquer, porque não entendeu o que era. Pedi uma informação na rua a um bando de jovens, e a minha pergunta causou um alvoroço pela falta de solução, até que um deles, com ar de absoluta superioridade, de celular em punho, pediu que eu repetisse a frase. Quando o aplicativo traduziu para o mandarim o que eu tinha dito, houve uma ovação: agora, sim, a ajuda era possível, e isso, tudo o que importava.

Num dia ensolarado, caminhando com meu amigo cirurgião, chegamos a um pequeno parque, onde um grupo de jovens recolhia as folhas que ficavam ondulando antes de pousar no gramado muito verde. Como nenhum deles tinha idade nem roupas de gari, perguntei quem eram os voluntários. "Este parque está rodeado de escolas, eu estudei ali, e cada dia da semana um dos colégios tem a responsabilidade de manter o parque limpo". O orgulho sorridente daquela garotada prenunciava adultos do bem. Mais adiante, deitada no gramado, na sombra de uma árvore, uma menina de uns cinco anos tirara a sandália, e uma senhorinha, muito encurvada, massageava-lhe o pé direito.

De repente, no meio de tantas diferenças, eu tinha encontrado uma figura universal inconfundível: uma avó!

J.J. CAMARGO

17 DE NOVEMBRO DE 2018
DAVID COIMBRA

Na gôndola dos melões


Eu a vi quando entrava no Trader Joe?s. O Trader Joe?s é um supermercado daqui. Gosto de ir lá. Eles são ótimos para escolher as músicas que tocam no sistema de som. Você fica empurrando carrinho por entre as gôndolas e ouvindo um rock?n?roll suave, um blues, um jazz. Às vezes, sabe o que eles põem para rodar? Bossa Nova. Morando nos Estados Unidos e viajando por outros países, constatei que a Bossa Nova é o estilo musical mais importante da história brasileira. Não há ouvido estrangeiro que não se deixe embevecer por alguma obra-prima de Tom Jobim ou João Gilberto.

Mas, como dizia, ela estava entrando no Trader Joe?s, e logo chamou minha atenção. Porque vestia um short sumário, leve, desses de corrida. Muitas mulheres usam shorts mínimos aqui, isso é algo bem natural, só que, nesse dia, fazia muito frio. A primeira neve da temporada até já ocorreu: foi em 15 de novembro, uma neve chata, misturada com chuva, o pior tipo de neve que há.

E a moça usava aquele calçãozinho. Era oriental. Japonesa, talvez. Ou coreana. As orientais gostam de mostrar as pernas e, admita-se, elas têm mesmo belas pernas, torneadas, às vezes longas, sempre lisas como a inocência e tenras como Kobe Beef. Mas, naquele dia, com a temperatura perto do zero, era preciso coragem para expor as pernas.

Era uma moça bonita, de lábios carnudos, como às vezes são os das japonesas, e pele rosada. Caminhava ao lado de um americano. Tinha de ser americano - ele era alto, loiro, quase gordo e de pescoço vermelho, característica dos habitantes do meio-oeste dos Estados Unidos. Ele olhava para ela com carinho, quase que com veneração. Eles seguiram exatamente para onde eu ia: a seção das frutas. Pararam diante dos melões. Então, ela colheu gentilmente um melão da pilha e mostrou para ele. E ele enrubesceu. Por Deus: ele enrubesceu. Aquele pescoço vermelho ficou ainda mais vermelho, perto do bordô, e o rubor escalou-lhe o queixo e as faces e lhe fez reluzir a testa e pôs as orelhas em fogo.

Por que será que ele ficou encabulado quando ela lhe mostrou um melão?

Aí ele murmurou: - Melão? E ela repetiu, rouca: - Melão? 

Aquilo era perturbador. Mas não podia ficar observando-os mais, seria indelicado. Fui em frente com minhas compras, avancei por entre os corredores, ouvindo aquelas meninas do Bangles cantando:

"Six o?clock already

I was just in the middle of a dream


I was kissin? Valentino

By a crystal blue Italian stream".

Fui colocando as coisas no carrinho meio distraidamente, o casal não me saía da cabeça. O que eles fariam com aquele melão? O que já tinham feito? O que poderia ser cometido com um inocente melão?

Lembrei que, no Japão, melões são caríssimos, porque eles têm de importá-los. Há alguns anos, um único melão custava 30 dólares para os japoneses. Não sei se continua tão caro.

Os japoneses têm o paladar refinado. E, em questões de sexo, são ousados. Li um livro, uma vez, sobre o Japão: Favela High Tech, do jornalista Marco Lacerda, que lá viveu. Ele contava coisas que os japoneses faziam, por exemplo, com pepinos. Mas em nenhum momento citou o melão.

Fiquei imaginando loucuras com melões. Nos anos 1970, foi lançada uma pornochanchada brasileira em que o ator Cláudio Cavalcanti fazia amor com uma melancia. Esta cena se tornou célebre, todos os guris da época comentavam a respeito. Mas eram apenas ele e a melancia. Como um casal poderia empregar um melão nas lides do amor? Esse que era o mistério.

À essa altura, rodava pela prateleira dos sucrilhos. Não aguentava mais de curiosidade. Resolvi voltar. Não teria a desfaçatez de inquirir o casal, mas compraria um maldito melão e, em casa, estudaria o assunto. Dobrei a esquina, passei pelos rolos de papel higiênico, pelas latas de massa de tomate, pelos sacos de arroz e cheguei, enfim, às frutas. Eles ainda estavam lá, o americano rubicundo e a japonesa de pernas de fora. Estavam em frente a outro vegetal. Aproximei-me devagar. Queria ver o que faziam. Ela tinha um robusto buquê de couve-flor nas mãos. Ele olhava, sorrindo. Ela sorria também. Ele disse:

- Couve-flor? Ela repetiu: - Couve-flor? E ele enrubesceu outra vez.

Balancei a cabeça e suspirei fundo. Porque havia entendido: o melão não era especial. Nem a couve-flor. Como não seria o brócolis. É que eles estavam apaixonados. Estavam encantados um com o outro. E tudo, tudo, até os hortifrutigranjeiros, é maravilhoso quando se está amando.

DAVID COIMBRA


17 DE NOVEMBRO DE 2018
MÁRIO CORSO

Machismo também mata machistas

Feridas podem externar uma doença interna maior. O assassinato recente do jogador de futebol Daniel Correa Freitas, em Curitiba, mostra como o subterrâneo da violência do país vem a furo facilmente. Estamos diante daquelas histórias em que ninguém tem razão e todos são culpados, sugados à tragédia pela própria estreiteza mental e moral.

Tudo começa na festa de aniversário de 18 anos de Allana Brittes. Finda a farra, o grupo estica a noite na casa da aniversariante para seguir festejando. Certa hora, vencidas pela exaustão, mãe e filha se recolhem para seus dormitórios enquanto os outros seguem o baile.

Em certo momento, Daniel se afasta do grupo. Manda uma mensagem de áudio para um amigo na qual diz que há uma coroa e uma novinha dormindo. Pergunta ao amigo o que fazer. Depois entra no quarto da dona da casa, tira uma selfie com a mulher adormecida e manda para um grupo de WhatsApp dizendo que transou com ela. O resto da história é confuso.

O que é certo é que o marido, Edison Brittes Júnior, de alguma forma, flagra a situação e bate em Daniel. Outros convivas ajudam no espancamento. Desacordado, é posto num porta-malas. Terminam de matá-lo e castrá-lo num matagal, enquanto outros limpam a cena do crime.

A patuscada combinada entre os agressores de que o jogador saíra com vida da casa se desfez. Quase todos estão presos contando diferentes versões da festa macabra.

A desmedida astronômica da punição imposta ao jogador não pode anular o fato disparador. Daniel se aproveitou de uma ocasião fortuita para bancar o macho. Isso é mais do que uma brincadeira de mau gosto. Na minha leiga opinião, consideraria crime. A circulação de uma foto íntima na internet tem consequências imprevisíveis.

Quando você precisa mostrar para seus amigos que está pegando alguém, algo está errado. Já não é a experiência amorosa e sexual que conta, mas posar para o grupo. Daniel quis ganhar pontos na sua carreira como homem. Morreu porque cruzou com um psicopata, mas também porque afirmar sua virilidade estava acima de tudo. Foi vítima indireta de seu próprio machismo.

O dono da casa já tinha outras questões com a Justiça, as outras pessoas não. São jovens comuns, arrastados para o crime por acaso. Estavam na hora errada no lugar errado. Mas o clima de violência que vivemos nos insensibiliza e torna normal o que é absurdo. Por isso tantos não conseguiram parar uma agressão covarde e agora são cúmplices de um crime que normalmente não permitiriam.

A virilidade insegura e violenta não cessa de cobrar seu preço em vidas. Eduque seu filho homem para que ele seja intolerante com ambas as ciladas: tanto a de forçar as mulheres a submissão e maus-tratos quanto a de terem que dedicar - e arriscar - sua vida a construir uma imagem de troglodita.

MÁRIO CORSO

17 DE NOVEMBRO DE 2018

ÚLTIMO FIM DE SEMANA

DIA DE DEBATER O FEMINISMO

PROGRAMAÇÃO ESPECIAL de sábado na Feira do Livro encerra série de atividades do evento sobre as lutas pelos direitos das mulheres
Ao longo da Feira deste ano, a programação trouxe nomes importantes para debater questões relativas aos Direitos Humanos, como feminismo e diversidade. Esse eixo termina neste sábado com uma série de atividades sobre feminismo, representatividade, presença da mulher no mercado editorial e empreendedorismo.

Um dos principais destaques do dia é a presença da escritora norueguesa Marta Breen. Coautora, com a ilustradora Jenny Jordahl, do álbum em quadrinhos Mulheres na Luta, ela estará no Auditório Barbosa Lessa do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo às 18h para debater, com mediação de Joanna Burigo, as diferentes perspectivas da arte como ferramenta de ativismo político no Brasil e na Noruega.

Com previsão de lançamento para o ano que vem no Brasil, Mulheres na Luta conta a história de 150 anos das causas internacionais do feminismo, das sufragistas a iniciativas contemporâneas pela igualdade salarial.

- Infelizmente, o livro é mais relevante ainda do que eu desejaria. Quando se trata de direitos das mulheres internacionalmente, muitas coisas parecem ir na direção errada. Por exemplo, vemos que o direito ao aborto está sob pressão em um grande número de países. É assustador ver como os líderes patriarcais assumem o poder de país após país. Isso está acontecendo tanto na Rússia, Polônia, Hungria, Filipinas, Turquia, Estados Unidos quanto no Brasil - diz a autora.

A programação inclui ainda a presença da editora e tradutora francesa Paula Anacaona, em um debate com Fernanda Bastos às 18h30min, no Clube do Comércio, sobre o papel da mulher negra nas sociedades do Brasil e da França (leia entrevista com a autora na revista Donna encartada nesta edição).

SÁBADO COM AUTÓGRAFOS DE COLETÂNEAS FEMININAS

A programação feminina no sábado também se estende às sessões de autógrafos. Às 15h30min, as professoras Ana Rieger Schmitt, Gisele Dalva Secco, Inara Zanuzzi e Katarina Peixoto autografam Vozes Femininas na Filosofia na Praça dos Autógrafos, enquanto às 17h30min, no Memorial do Rio Grande do Sul, Ionara Rech, Letícia Hoppe e Maiara Monteiro lançam um livro de empreendedorismo voltado às mulheres.

Os números oficiais da Câmara Rio-Grandense do Livro para esta Feira apontam motivos para otimismo, registrando um número de exemplares vendidos 9% maior do que o verificado durante o ano passado. O clima entre os livreiros na Praça, contudo, tem sido de dúvida. As avaliações entre os estandes dos expositores têm sido de um evento com altos e baixos, termômetro da recente crise econômica.

- Na prática, a situação está bem semelhante à do ano passado. Quem veio, compra. Mas dá para ver que quem está comprando tem um limite bem claro. R$ 30, R$ 20, por aí - comenta Guilherme Dullius, da Beco dos Livros.

A crise do funcionalismo estadual, com o parcelamento dos salários, está sendo sentida, já que saem dessa camada muitos dos frequentadores e clientes assíduos da Feira, mas é uma situação que também remete à Feira de 2017.

- No ano passado acho que a situação era até pior, porque havia uma incerteza geral. Como o pessoal agora está recebendo parcelado há muito tempo, já se reorganizou e alguns voltaram - diz Vitor Zandomeneghi, da Banca dos Livros.

Ele aponta que um fator que continua atraindo clientes é a diversidade de títulos em exposição (ele até abdicou dos principais best-sellers este ano). Algo que a livreira Fátima Rhoden, que trabalha com a distribuidora AJR, confirma.

- A banca mais variada tem se saído melhor - comenta

Wirá Alencar, 15 anos, lança seu primeiro livro, Archipélago Arthrópoda, sábado às 15h30min. Wirá fez sua primeira experiência no mundo das letras quando tinha sete anos.Inspirado pelo livro Insetos de Guerra, de Diego Borella, e por aulas de biologia Wirá concebeu Archipélago Arthrópoda, protagonizado por um tatuzinho de jardim chamado Terrestre, que deixa seu vilarejo e segue por uma aventura com formigas, cupins e centopeias em outras ilhas do arquipélago. O livro, afirma Wirá, é apenas o primeiro de uma série planejada.

Autora de Contos Transantropológicos e Libertê: Poesia, Filosofia e Transantropolgia, a escritora Atena Beauvoir vai debater o existencialismo francês e a invisibilidade da literatura trans brasileira, domingo, às 16h30min, na Biblioteca do Clube do Comércio (Rua dos Andradas, 1.085). Ela diz:

- Sempre existiu representatividade, enquanto protagonismo. A diferença é que os maiores centros e focos de literatura, por muito tempo, serviram a uma unidade existencial: homem, branco, hétero, cisgênero e burguês.

CARLOS ANDRÉ MOREIRA

17 DE NOVEMBRO DE 2018
OPINIÃO DA RBS

A DEFINIÇÃO PARA O ITAMARATY


Espera-se que, uma vez instalado na cadeira de Rio Branco, o futuro ministro retome a tradição de pragmatismo do país nas relações exteriores

Depois da definição de um time de craques incontestáveis para o seu primeiro escalão, o presidente eleito Jair Bolsonaro provocou polêmica com a escolha do novo chanceler, Ernesto Araújo. É certo que a política externa de governos petistas cometeu atropelos, para não dizer absurdos, em série. Entre eles, estão a promoção de ditaduras como as da Venezuela e de Cuba e a proximidade de ditadores como o líbio Muamar Kadafi e Mahmoud Ahmadinejad, do Irã. 

A diplomacia brasileira, porém, é reconhecidamente profissional. Mesmo com esses surtos da esquerda instalada no Planalto, o Brasil conseguiu grandes avanços na reversão de sua imagem externa como nação destruidora de florestas e exterminadora de índios. A imagem do país não é apenas um conforto ético e moral: por ela trafegam acordos comerciais cruciais para a economia, em particular para o agronegócio.

Ao escolher um militante antiglobalização, o presidente eleito cometeu seu segundo grande equívoco quando se trata da crucial imagem do país. O primeiro deles foi o ataque a veículos e jornalistas e o anúncio de que usará verbas publicitárias do governo para punir vozes dissidentes. É salutar que o presidente eleito tenha recuado na saída do quase unânime Acordo de Paris e na pretendida junção dos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente. Os mais prejudicados seriam agricultores e pecuaristas brasileiros, que enfrentariam o risco de boicotes e ainda mais restrições em acordos comerciais.

A política em relação à China não pode ser considerada ainda nem erro, nem acerto. Foram tantas idas e vindas, que não se sabe qual será o curso em relação ao gigante asiático. O fato é que a China é hoje o principal parceiro comercial e um alinhamento automático com os Estados Unidos não garante qualquer privilégio adicional ao Brasil na relação com o gigante do Norte.

Que a política externa deveria ser desideologizada, em nome da paz, do bem-estar e do desenvolvimento dos brasileiros, não há dúvida. Mas, com sua escolha para o Itamaraty, o presidente eleito corre o risco de ter marchado na direção de um crescente isolamento externo. É exatamente o oposto do que prometia fazer em campanha, como já demonstram as ondas de críticas e de preocupação com o novo chefe da diplomacia brasileira.

Espera-se que, uma vez instalado na cadeira de Rio Branco, o futuro ministro retome a tradição de pragmatismo do país nas relações exteriores. O indicado precisa ter a devida percepção da dimensão de seu cargo e do que ele significa para 208 milhões de brasileiros e, como decorrência, para o mundo.

sábado, 10 de novembro de 2018



10 DE NOVEMBRO DE 2018

LYA LUFT

Não quero saber

Nas escolas onde estudei, muitas vezes, dizem que fui uma aluna exemplar. Não é verdade. Fui boa em português, escrevia direitinho, porque desde sempre li feito maluca e, lendo, aprende-se a escrever. Era péssima em exatas, matemática e outros me derrubavam fácil, muitas vezes fui aprovada, como dizia minha mãe, "com as calças na mão", ou - conforme ela também afirmou para um grupo de jornalistas - eu era "aluna nota vírgula", porque, se precisava de um seis, os professores, segundo ela por pena, me davam seis vírgula um ou dois. Fofocas maternas, feitas com algum humor, mas realmente não fui boa aluna.

Primeiro, queria estar em casa, lendo na cama ou no terraço ou ainda no gramado, porque queria entender o mundo e, por alguma razão, acreditei até já ser mãe de família que as respostas deviam estar nos livros. Além disso, era inquieta, facilmente me entediava, tinha frouxos de riso por bobagens, adorava uma conversinha e não uma só vez empurrei devagar até a beira da minha mesa o estojo de lápis, canetas e borrachas até ele cair no chão, espalhando conteúdo e levando alguns colegas a se botarem de quatro para juntar tudo, diante dos olhos furiosos do mestre.

Levei muitos castigos, como ficar no corredor ou, se era grave, ir à sala do diretor, um senhor digno e calmo que me olhava por cima dos óculos e me fuzilava dizendo que eu envergonhava meu pai. Seguidamente, e por qualquer coisa, eu me sentia ré, e guardo resquícios disso... Mas de algumas coisas vale chegar à minha idade: a gente se aceita melhor, e com mais bom humor. Sobre isso, como disse numa entrevista a atriz que mais curti e curto também como pessoa, Katharine Hepburn: "Velhice? Ora, vai tudo muito bem!". E acrescentou com aquela sua risadinha rouca: "Só não peça detalhes".

De modo que escrevo sobre artes na primeiríssima idade e sobre aborrecimentos nesta, a terceira ou quarta: vi que as respostas não estão todas nos livros. Que temos de descobrir algumas, através de experiência, reflexão, contemplação e curiosidade.

Que nada, a meu ver, explica por que andamos tão raivosos, tão impacientes, acusando tão facilmente os outros, que às vezes mal conhecemos, e matando gente como não fazem os bichos - como nesses quase triviais tiroteios nos Estados Unidos: mais 12 jovens universitários mortos e outros muitos feridos, porque alguém, aparentemente com problemas mentais, resolveu fuzilar gente. Seria crime "de ódio" como dizem? Seria, o que não parece, terrorismo? Seria apenas por doença mental não tratada, um ex-fuzileiro perturbado, desorientado e solto por aí? Não sei. Não sei se quero saber.

E se não fosse, desde sempre, viciada em notícias, iria resumir minha televisão aos seriados criminais, à National Geographic e a alguns ótimos programas de arte até no Brasil, o que muito me conforta. E alguma vez aqui e ali pego entrevistas excelentes com pessoas que valeria a pena conhecer. Escritores, pintores, bailarinos, cientistas, políticos, ou simplesmente pessoas. Refugiados. Policiais. Professores. Médicos que atuam nas regiões mais miseráveis do mundo. Heróis que não se exibem nem se queixam.

Quanto ao resto, há coisas que é melhor nem saber.

LYA LUFT


10 DE NOVEMBRO DE 2018

CLAUDIA TAJES

Queridos professores

Tem alguma coisa muito estranha neste mundo. Os professores, que ontem mesmo eram solução, agora são tratados como problema. Como foi que aconteceu isso?

Problema, diga-se, é ser professor no nosso país. A pessoa passa anos estudando, graduação, mestrado, doutorado. Paga cursos de atualização, participa de seminários. Lê, pesquisa, compra livro, come livro, tudo para ganhar um salário irrisório que não cobre nem o que foi investido na carreira, nem o custo da própria vida. O professor de escola pública ainda vai receber parcelado. É possível ensinar se não for por amor?

Professor é aquela lembrança que não desaparece nunca. Dona Sílvia foi a minha primeira, a do jardim de infância, no tempo distante em que não se chamava professora de tia, mas de dona. Dona Dídia, dona Terezinha, dona Aracy, dona Márcia, dona Alba, de algumas esqueci o nome, mas ainda consigo lembrar das aulas. No colégio de freiras do primário, a Irmã Urbana contou que, antes de entrar para a ordem, tinha o nome de Francisca. Na época, me pareceu inexplicável alguém deixar de ser Francisca para virar Urbana. Continua parecendo.

Não morri de amores por todos os meus professores, claro que não. Os mal-humorados, os irritados, os impacientes, os azedos, pessoas nubladas existem em qualquer profissão. Sabe-se lá que dificuldades enfrentavam fora do colégio, mas a impressão era a de que odiavam aquilo que estavam fazendo - e, na carona, odiavam os alunos. Na sétima série, o padre que ensinava ciências passou a maior parte do ano discorrendo sobre o aparelho reprodutor masculino, enquanto breves foram as noções sobre o coração, ossos, estômago, pulmões. Alguns professores não conseguiam controlar a turma. Bolinhas de papel atiradas, cadeiras atiradas, grosserias atiradas. Os alunos desrespeitosos sempre escolhiam como vítimas preferenciais as professoras jovens. Não se falava nisso, mas o que mais era se não o machismo dando as caras lá no início da vida da gente?

Alguns professores viravam folclore. O que sempre ia para as aulas vestido com um safári, aquele conjunto de calça e casaco de mangas curtas que deixava o sujeito com pinta de explorador da savana africana. Aquela que nunca ria e ensinava matemática como ninguém. A que ia às festinhas dos alunos e era amada por todos. A que sempre começava a aula de literatura lendo um poema - e ninguém prestava atenção, aproveitando aqueles minutos para ir ao banheiro ou encerrar uma conversa. Será que, mesmo assim, ela seguiu começando as aulas com poesia?

Talvez a gente só perceba mesmo a importância dos professores quando vira adulto. Na faculdade, a relação entre quem ensina e quem aprende fica muito mais próxima. O professor passa a ser um amigo com mais conhecimento - e mais juízo. O conteúdo das aulas, enfim, faz sentido do lado de fora. Quando o meu filho foi para o colégio, vi nas professoras dele tudo o que as minhas passaram, uma eterna mistura de superação e frustração. Lutar, dia após dia, pela atenção de 20, 30 alunos - com todas as suas diferenças. Por que eu tenho que aprender a topografia do Piauí? De que me serve a geometria? Por que diabos a gente estuda os poríferos? Se nem sempre a matéria é interessante, o professor sempre precisa ser. E a maioria é.

Então, de repente, esse papo de filmar os professores em sala de aula para ver se não estão espalhando ideias erradas nas aulas de história. Se não estão incutindo pensamentos equivocados nas aulas de filosofia. Se não estão contrabandeando ideologias entre um Manuel Bandeira e um Carlos Drummond de Andrade. Fora as duas professoras que foram agredidas covardemente dentro da escola enquanto trabalhavam. Ora, minha gente, vamos respeitar os profissionais a quem entregamos os nossos filhos. Que estudaram muito para estar ali e que, se não desistem, é porque sabem que o mundo vai ficar muito, mas muito pior sem eles.

Eu diria mais. Sem os professores, nós todos estamos perdidos.

Livro de professora querida: a Jane Tutikian lança Ele Sabe neste sábado, dia 10, às 17h30min, no Pavilhão de Autógrafos da Feira do Livro. E o Festival do Cinema Acessível exibe Frozen durante a Feira, nos dias 10 e 14, às 15h, no Cine Santander Cultural, com libras, audiodescrição e legenda descritiva. Para todos mesmo.

CLAUDIA TAJES

10 DE NOVEMBRO DE 2018
MARTHA MEDEIROS

Ler por quê?


Meses atrás lancei Quem Diria que Viver Ia Dar Nisso e participei de alguns eventos literários e, nessas ocasiões, sempre sou questionada a respeito da importância da literatura. A resposta não é exatamente uma novidade: ler é importante porque nos ensina a escrever melhor, abre horizontes, nos diverte, nos emociona, nos coloca em contato com vivências nunca experimentadas, e isto ajuda a minimizar preconceitos, a desenvolver a tolerância e a perceber as minúcias da nossa existência. Não me parece pouca coisa.

Todo mundo concorda com a explicação, acha bonito, mas, no fundo, não leva muito a sério. Então, vou tentar exemplificar como a coisa funciona na prática. Anos atrás, recebi um e-mail de um rapaz que não entendia como eu poderia ter gostado de Linha de Passe (direção de Walter Salles e Daniella Thomas, 2008) e O Banheiro do Papa (direção de César Charlone e Enrique Fernandez, 2007), filmes que, segundo ele, não possuem nenhum atrativo: os atores são desconhecidos, os cenários são miseráveis, o figurino é relaxado, enfim, dois filmes pobres. Lembro que ele citou Joãozinho Trinta e sua máxima: "Quem gosta de miséria é intelectual". Perguntava a razão de tantos cineastas latino-americanos, mesmo quando têm grana ("Walter Salles é filho de banqueiro, pô!") não fazerem filmes bonitos e agradáveis como O Diabo Veste Prada, Uma Linda Mulher e outros.

O garoto é burro? Seria simplismo defini-lo assim. O problema é que ele não tem perspectiva. Aprendeu que riqueza é ter dinheiro e pobreza é não ter, e deste ponto ele não avança. Apesar de os blockbusters citados serem filmes realmente bonitos e agradáveis, Linha de Passe e O Banheiro do Papa são infinitamente mais ricos. Ele não compreende isso porque possui um conceito de riqueza e pobreza muito literal. Ele daria o Oscar de figurino para O Diabo Veste Prada baseado nas grifes que Meryl Streep vestiu, sem entender que um figurinista faz um trabalho muito mais conceitual quando coloca um surrado calção Adidas no personagem que interpreta um moleque de subúrbio. 

Da mesma forma, já ouvi alguém dizer que não acreditava que se pudesse gostar mais de Paris, Texas do que de um filme do James Bond. Sua visão de beleza restringe-se aos locais onde circula o espião: a Riviera Francesa, castelos, cassinos. Milhares de pessoas concordam, pois possuem esse único critério de beleza, o do cartão-postal. Precisam encher seus olhos com o luxo, já que têm dificuldade de se comover com a solidão, com o silêncio, com a sutileza, com o mistério. Rechaçam o cenário desértico do filme de Wim Wenders sem identificar o deserto interior que todos nós trazemos dentro. Eles também têm sutilezas e mistérios dentro de si, só que, sem literatura, fica mais difícil reconhecê-los.

Ler não impede que gostemos da pura diversão, mas nos capacita para ir muito além. Por essas e outras, viva a cultura, viva a Feira do Livro.

MARTHA MEDEIROS

10 DE NOVEMBRO DE 2018
CARPINEJAR

Maria, Nayr e Marília

Como você percebe que a sua vida deu certo, que tem caráter?

Pelas amizades. Pela longevidade dos laços. Pois se mantém os amigos por perto, apesar das mudanças e provações ao longo dos anos, é que realmente respeita as diferenças e cuida de seus afetos. Não transformou a solidão em egoísmo, não foi engolido pela vingança e pelo ressentimento, não acabou mordido pela vaidade, não sucumbiu à inveja, aceitou que colegas fizessem as suas escolhas e permaneceu ao lado nas consequências.

A lealdade é sinônimo de gratidão. Honrou o amigo com sucesso do mesmo jeito que honrou o amigo com as suas crises e seus tombos. Honrou o amigo triste do mesmo jeito que honrou o amigo alegre. Honrou o amigo que perdeu as suas raízes do mesmo jeito que honrou o amigo com a vastidão dos galhos genealógicos. Aceitar é agradecer e perdoar, simultaneamente. Não ser igual, mas ser justo.

Minha mãe, por exemplo, patrona da Feira do Livro de Porto Alegre, preserva duas amigas de sua infância de Guaporé (RS). Maria, com Nayr e Marília, formam um trio inseparável de professoras. Já atravessaram uma cumplicidade de mais de 70 anos. Sete décadas se falando e se ajudando.

Nayr e Marília são viúvas, a mãe é divorciada, todas se ampararam em diferentes fases do amor, não se distanciaram por nada, madrinhas das bênçãos e colo perpétuo das dores.

Quando eu as vejo juntas, rindo e se abraçando, senhoras do destino, eu tenho a convicção de que continuam três meninas brincando com as pedras da posteridade, dentro do faz de conta das palavras. Elas formam o milagre do entendimento, a força absurda das confidências. Sabem de cor o que cada uma é capaz de sonhar. Dividiram um internato, mudaram-se do Interior para a Capital, passaram, lado a lado, pelas festas de debutante, altar, batismos de crias e netos. As três viram o mar, pela primeira vez, em Copacabana, no Rio de Janeiro, de mãos dadas, pulando corda com as ondas. O oceano é tão infinito quanto os seus gritos de alegria.

Maria, Nayr e Marília nunca vão envelhecer uma para a outra. Porque jamais deixaram o tempo ficar entre elas.

CARPINEJAR


10 DE NOVEMBRO DE 2018
PIANGERS

O que chamam de família

Minha irmã descobriu um câncer de mama há exatamente um ano. Acompanhamos de perto todo o tratamento, as quimioterapias, o enjoo, a queda de cabelo. A imunidade baixa nos apavorou, às vezes, reações alérgicas nos assustaram. Tratamento hormonal e algumas sessões de radioterapia, fechamos um ano com o tumor sumido. Bye, bye tumor. O cabelo da minha irmã vai voltar a crescer, você não. Como diz minha irmã, "vamos sambar na cara do câncer!". Ela fala isso mas eu não gosto que ela fale essas coisas, porque obviamente tenho medo do câncer, um dia, voltar. Mas ela fala essas coisas com surpreendente positividade, e acho que isso foi fundamental para o sucesso do tratamento.

Pra todos nós, foi um ano nervoso, de muitas lições. Aprendemos a estar mais juntos, a valorizar mais a vida. Todo mundo resolveu fazer uma bateria de exames, coisa que a gente não fazia há anos. Aprendemos a admirar o tempo juntos. Nos falamos mais, declaramos mais nosso amor uns pelos outros. Essas coisas, no momento de dor, se tornaram mais fortes. O que aprendemos durante o sofrimento fica pra sempre. Minha irmã, esses dias, disse uma frase muito bonita: "Tudo o que o câncer trouxe de ruim vai passar. Mas tudo o que ele trouxe de bom, vai ficar".

Contudo, ninguém sofreu mais do que minha mãe. O coração de uma mãe que sente a possibilidade de perder um filho não se recupera fácil. Ainda hoje, minha mãe chora ao falar da descoberta do tumor. Já faz um ano, mas ela repete: "Eu queria que tivesse sido comigo. Não me conformo". Uma mãe não aceita que nada de ruim aconteça aos filhos. Deseja a própria morte, nunca a dos seus. Uma mãe não se conforma com a ingratidão do acaso. "Que fosse em mim", ela diz.

Mal sabe ela que nós sentimos o mesmo. Sei que vai acontecer um dia, mas não poderia perder minha mãe. Sofreríamos todos muito mais. Preferimos que seja conosco. Nos unimos, nos tratamos, superamos. Mas perder nossa rocha, nosso norte, seria muito grave. O amor de família é uma força irracional. São essas cordas imaginárias que nos mantêm unidos, conectados mesmo a distância, esbarrando nas imprevisibilidades da vida. Celebrando nossas risadas e lágrimas em conferências por vídeo. Brindando com um vinho barato, cada um na sua cidade, a dádiva que é estar vivo. Pensando sempre uns nos outros. Pensando sempre uns nos outros. É o que chamam de família.

PIANGERS

10 DE NOVEMBRO DE 2018
PAULO GERMANO

BOLSONARO E A MAIORIDADE PENAL 

Em sua primeira entrevista como futuro ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro se mostrou favorávelà redução da maioridade penal para crimes como estupro e homicídio. É uma bandeira antiga de Jair Bolsonaro, que deve levar essa ideia adiante já no início do seu governo. O problema maior, a meu ver, não será a proposta em si, mas o tipo de discussão que ela vai suscitar.

Porque a ladainha é sempre a mesma: os "de direita" são a favor, os "de esquerda" são contra. Vira uma guerra de dogmas, não um debate de ideias. Talvez porque o lugar-comum tenha definido que punir ou prender seriam práticas da direita, enquanto educar ou cuidar seriam mandamentos da esquerda. Ou também por pura birra: seria inaceitável reconhecer alguma legitimidade na forma como pensa o outro lado.

Eu mesmo, confesso, sinto engulhos só de pensar que uma opinião minha poderia se alinhar à de qualquer pessoa que defenda vingança no lugar de justiça. Não é o caso. Em princípio, não sou favorável à redução da maioridade penal: sou contra a própria ideia de existir uma maioridade penal para determinados casos. Concordo que existem crimes próprios da adolescência, movidos pela inconsequência ou pela imaturidade ou pela vulnerabilidade ou pela estupidez juvenil. Mas existem crimes que são crimes e ponto. Qualquer idade que se imponha para responder por eles me parece arbitrária.

Se o sujeito estupra e mata aos 17 anos e 364 dias, é um menor infrator. Se estupra e mata no primeiro dia dos seus 18 anos, é um adulto criminoso. Não tem sentido. Sou um entusiasta da recuperação dos presidiários, defendo como prioridade do Estado a ressocialização de ex-detentos, mas não vejo como recuperar qualquer pessoa sem começar pelo reconhecimento da plena responsabilidade do indivíduo pelos seus atos.

Um argumento frequente aponta que, como a maioria dos jovens infratores é pobre, uma medida dessas seria um ataque aos pobres. Compreendo, mas a maioria dos presos adultos também é pobre - por que esse atenuante não valeria para eles? Eu jamais negaria que a miséria, a desorganização familiar, a educação precária e a proximidade com o tráfico produzem criminosos. São chagas que o país precisa enfrentar. Mas não é razoável que essas chagas - e qualquer outra - sirvam para minorar toda sorte de atrocidades.

Por outro lado, me parece que há outra questão exigindo respostas mais urgentes: como colocar novas multidões no sistema prisional brasileiro? Nossos presídios revelam a faceta mais pavorosa do país - não há vagas para quase ninguém e, nas vagas que há, empilham-se presos em meio a baratas e ratazanas. Bolsonaro já disse que acha isso tudo uma maravilha.

- Não vem com essa historinha de "ah, os presídios são cheios e não recuperam ninguém". É problema de quem cometeu o crime - disse ele em junho, ainda como pré-candidato, ignorando que o problema, na verdade, é da sociedade.

Sabe-se que, quanto mais caóticas as cadeias, mais fácil para o crime organizado comandá-las. Também se sabe que a esmagadora maioria dos detentos hoje sai da prisão mais violenta do que entrou. A prioridade precisa ser esta, resolver o que já existe e não funciona. Por mim, a redução da maioridade penal pode esperar o tempo que for. Quem estupra, tortura e mata aos 16 anos precisa ser preso, mas precisa também do lugar para ser preso.

Primeiro arranjem esse lugar, desativem essas masmorras e depois, sim, vamos falar em justiça.

PAULO GERMANO

10 DE NOVEMBRO DE 2018
LEANDRO KARNAL

O FUTURO DA ESCOLA 

Historiador, professor da Unicamp, autor de, entre outros, "Todos Contra Todos: o Ódio Nosso de Cada Dia".

A escola é um conceito similar ao livro, a Deus, ao teatro e à família: todos tiveram sua morte anunciada muitas vezes. A profecia revelou-se prematura. A morte de Deus era debatida no século 19. O fim do livro foi anunciado como um fato na última década do século 20. Eis que livros sobre Deus vendem muito, e os detratores de ambos envelhecem e morrem.

Profecias fogem à competência do historiador. Mal conhecemos o passado, inútil tentar desvendar o futuro. Não posso analisar algo que não ocorreu, porém, é viável indicar tendências que podem vir a ser. Exemplo banal: o envelhecimento sistemático de quase todas as sociedades urbanas indica a possibilidade de a geriatria crescer mais do que a pediatria em futuro próximo. É um indicativo a partir da curva atual. Tudo pode mudar em poucos anos. Exporei tendências de uma nova escola que trabalhará com o aluno do século 21 e que, provavelmente, chegará ao século 22. Vou elaborar apenas cinco por causa do espaço.

Primeira tendência: os aparelhos conectados generalizam-se rapidamente. Todo celular inteligente torna-se um HD externo da memória humana, e não parece que isso diminuirá. Assim, a evocação/repetição deixou de ser um foco de aprendizado. Isso tem impacto enorme sobre modelos de aprendizado e avaliação. O treino educacional será guiado para, frente a um mar de dados, aprimorar nossa capacidade de usá-los e classificá-los, ao mesmo tempo em que rejeitamos fake news. Toda avaliação deverá orientar-se por problemas.

Analisar e selecionar dados da rede para enfrentar perguntas ainda sem resposta é o novo modelo. Muitos acham que tablets e as engenhocas piscantes constituem a escola moderna. Não! O nazismo introduziu projetores profissionais nas escolas alemãs. Computadores não modernizam nada.

Computadores podem ser ferramentas úteis para ajudar a responder a perguntas boas. A modernidade é o projeto pedagógico-filosófico, não a internet ou as telas luminosas.

Segunda: a escola do futuro precisa desburocratizar-se. Parte fundamental do esforço do professor é preencher cadernetas, lançar notas, organizar tabelas e relatórios. Esses procedimentos podem ser, muitas vezes, automatizados. O tempo que se perde com uma chamada é espantoso! Os profissionais da educação devem ser mais livres para educar. O treino para ensinar é árduo e mais desafiador do que preencher quadrados. Não se deve ocupar todo o tempo do médico, do professor ou do engenheiro longe da atividade-fim. A tecnologia pode servir de ferramenta para registrar presença ou digitar notas e calcular médias e reservar ao humano aquilo que somente o humano pode realizar.

Terceira: a educação a distância, os módulos instrucionais via internet e orientações não presenciais estão crescendo. Ensino com vídeos ou grupos de discussão vão se expandir. O fim da escola? Não, apenas a perda do fetiche presencial. Ensinando por vídeos gravados ou ao vivo, gravando coisas e recebendo textos e trabalhos por e-mail, o professor continua indispensável para elaborar materiais, atuar e avaliar. Perde-se algo, sim: a sociabilidade na escola é muito importante para a educação integral do indivíduo. Teremos de achar alternativas, pois o prédio-escola parece estar nos estertores. Conseguiremos separar o que é substantivo e adjetivo na educação?

Quarta: o autoritarismo em sala é insustentável. A concepção disciplinar prussiana que marcou muitas escolas era fruto de um esforço para domesticar cidadãos, produzir soldados e bons operários. O autoritarismo centralizado no professor não pode conviver com novas necessidades, plataformas e tecnologias. A autoridade, a capacidade de um professor-coordenador-diretor ter a técnica e o conteúdo que melhor sirvam ao grupo é sempre essencial. A autoridade do professor deriva do seu preparo e de que ele, em última instância, serve a todos os alunos e, por isso, não pode permitir que um atrapalhe. O autoritarismo serve ao professor ou ao coordenador. A autoridade serve a todos. Importantíssimo: jamais substituir o velho autoritarismo de professores pelo autoritarismo de pais ou imperativos derivados do aluno-cliente no sistema privado.

Quinta e última: em um mundo de opiniões subjetivas derivadas de um "achismo" crescente, a escola sempre será o lugar do treinamento científico e metódico para reunir argumentos que superem meras convicções. Em vez de indicar posição A ou B, ao professor sempre caberá o ensino de argumentação para a elaboração de ideias embasadas. A era do pensamento único nunca foi muito eficaz e está em crise mais profunda hoje. Aprender a conviver com a diferença é uma tarefa da escola agora e por todos os séculos dos séculos, amém. A escola deverá enfatizar a capacidade de raciocinar e de ouvir.

Ela não morreu e não morrerá. Em um mundo que buscará mais a inteligência do que o capital ou a força física, o futuro de quem ajuda a pensar é brilhante. O papel da educação tenderá a crescer, porém, distante dos padrões atuais. Criatividade, metodologia de argumentação, expressão oral e escrita, raciocínios ponderados e capacidade crítica pavimentam a estrada do futuro.

A velha escola morrerá sem muita vela ou flor. A nova será construída pelo nosso esforço de educadores, diretores, coordenadores, alunos e pais. Há um caminho aberto para a escola de amanhã. Tudo pode e deve ser repensado. Bom fim de semana para quem educa e para quem aprende a aprender.

LEANDRO KARNAL

10 DE NOVEMBRO DE 2018
DRAUZIO VARELLA


CIRURGIA BARIÁTRICA E GANHO DE PESO

pesquisa mostra efeitos da redução de estômago depois de cinco anos

A obesidade é a mais moderna das pandemias.Cerca de 20% dos brasileiros são considerados obesos; enquanto 32% estão na faixa do sobrepeso. A classificação é feita por meio do índice de massa corpórea (IMC), calculado pela relação peso/altura x altura. A faixa do peso saudável é considerada aquela em que o IMC está entre 18,5 e 24,9; o sobrepeso, quando fica entre 25 e 29,9; e, a obesidade, ao atingir 30 ou mais.

A cirurgia bariátrica foi desenvolvida quando se tornou evidente que pessoas com IMCs acima de 40 apresentavam taxas inaceitáveis de mortalidade. Existem várias técnicas operatórias que apresentam em comum a redução das dimensões do estômago e alguma forma de alterar o trânsito do bolo alimentar pelas alças intestinais.

A adaptação é cheia de complicações possíveis e de problemas que exigem resiliência e disciplina. O menor exagero alimentar pode ser punido com sintomas muito desagradáveis (dumping). A perda de peso, no entanto, costuma ser dramática: há pessoas que emagrecem mais de 50 quilos.

Os benefícios são imediatos: redução da glicemia nos que sofrem de diabetes, queda da pressão arterial, dos níveis de colesterol e triglicérides, melhora dos problemas respiratórios, cardíacos, ortopédicos e articulares, entre outros.

Muitas vezes essas alterações são tão radicais que pacientes hipertensos, com diabetes ou hiperlipidemia ficam livres das medicações que utilizaram durante décadas.

O problema é que a cirurgia bariátrica não é a solução definitiva para a obesidade, porque a perda de peso pode ser seguida de ganho progressivo e retorno a condições próximas à anterior.

Um grupo da Universidade de Pensilvânia acompanhou, durante um período médio de 6,6 anos, 1.406 adultos submetidos à cirurgia bariátrica, com a finalidade de avaliar as características do ganho de peso nos anos seguintes.

Antes da operação, o IMC médio dos participantes era de 46,3. A redução máxima do peso corpóreo ocorreu em média dois anos depois do procedimento. Em relação ao pré-operatório, a perda média foi de 37,4%.

O aumento de peso foi mais acentuado no primeiro ano que se seguiu à perda máxima, mas prosseguiu durante todo o período de acompanhamento. Cinco anos depois da cirurgia, um em cada três participantes recuperou 20% ou mais dos quilos perdidos.

O estudo mostrou que engordar outra vez tem seu preço: no primeiro ano depois da perda máxima, 10% apresentaram progressão do diabetes, 46% da hipertensão e 26% tiveram aumento dos níveis de colesterol. Nesse período, declínio das condições físicas ocorreu em 20% dos participantes e piora da saúde mental em 28%. Declararam-se insatisfeitos com o resultado da cirurgia 12%.

Apesar dos pesares, cinco anos depois de atingir o peso mínimo, os participantes ainda continuavam a preservar, em média, 73% do peso perdido.

Reduzir as dimensões do estômago através da cirurgia bariátrica não é a solução, mas ajuda aqueles com obesidade grave a melhorar as condições de saúde.

DRAUZIO VARELLA

10 DE NOVEMBRO DE 2018
JJ CAMARGO

TAMBÉM SE RI. ÀS VEZES, MUITO

todos nós com décadas de atividade médica temos muitas e boas histórias para contar

A maioria dos leigos supõe que a medicina não permite espaços para o riso. Certo que não há para o riso permanente, mas como o trágico e o cômico são vizinhos de porta, todos nós com décadas de atividade médica temos muitas e boas histórias para contar. São histórias simples, que envolvem facetas variadas que constituem a essência da espécie, em que se misturam, em doses individuais e aleatórias, virtude, cinismo, bondade, gratidão, inocência, pretensão e ingenuidade, que tornam o ser humano tão sedutor como imprevisível. Repasso três, que recebi recentemente de um colega inteligente e bem-humorado:

- Uma velhinha, acompanhada da filha, volta ao consultório da médica que a operara 10 anos antes e, ao sentar-se, diz: "Doutora Marta, como a senhora está bem, continua linda!". A doutora, lisonjeada, retoma a consulta, bem feliz. No final, quando a avozinha levantou-se para sair, tropeçou na poltrona e foi prontamente socorrida pela médica. A filha, então, justificou: "Perdão doutora, é que mamãe está com apenas 5% da visão".

- Um professor de cirurgia envelheceu conservado como poucos. Com sua farta cabeleira grisalha e um físico preservado com o prazer de jogar tênis três vezes por semana, seria usado em qualquer comercial que pretendesse ilustrar qualidade de vida na velhice. Afora a pinta de galã, ainda mantinha intacta a sua assombrosa autoestima. Caminhava pelo corredor do hospital para uma visita pré-operatória de uma senhora idosa, sua conterrânea, que não via há muitos anos. Na entrada da suíte, ficou impressionado com a beleza de uma jovem, que a paciente se apressou em apresentar-lhe como sua neta do coração. 

Durante as explicações referentes à cirurgia, várias vezes espichou o olho para deslumbrar-se um pouco mais com a beleza esplendorosa da juventude. Na despedida, o nosso doutor elogiou a boa condição física da paciente e assegurou que isso ajudaria muito na evolução pós-operatória. Antes de fechar a porta, a avó retribuiu: "Obrigada, doutor, eu também fiquei feliz e aliviada ao revê-lo, porque não imaginava que o senhor, na sua idade, ainda continuasse operando!".

- Um experiente anestesista, lá pelas 23h, foi chamado ao bloco cirúrgico para uma operação de urgência, de um senhor idoso, com uma facada no abdomen, e sinais de sangramento peritoneal. Perguntas sobre alergias, asma, hipertensão, uso de anticoagulantes, diabetes, cirurgias prévias, alguma doença conhecida fazem parte da avaliação pré-cirúrgica obrigatória, mas, na anamnese rudimentar de porta do bloco, a principal preocupação é com o tempo de jejum. Por isso iniciou o questionário com a pergunta básica: "Seu Valdemar, o senhor jantou?". E o velhinho respondeu: "Não, doutor, não jantei, mas não se preocupe em arranjar comida para mim numa horas dessas, porque até ando meio sem fome!".

Então, vamos lá.

JJ CAMARGO


10 DE NOVEMBRO DE 2018
DAVID COIMBRA

Está na hora de dormir

Tenho ido dormir cedo. Contingências da vida, meu filho vai à escola de manhã e um dos programas de rádio de que participo, o Timeline, agora começa às 7h no fuso da Nova Inglaterra. Maldito horário de verão.

Então, quando o Bonner dá boa-noite, é como se escutasse aquela antiga musiquinha dos cobertores Parahyba:

"Tá na hora de dormir

Não espere a mamãe mandar

Um bom sono pra você

E um alegre despertar?".

Ainda era a época da TV Gaúcha, quando tocava essa musiquinha.

As crianças de hoje não sabem, mas nós só tínhamos três canais de televisão: a Gaúcha, canal 12, a Difusora, 10, e a Piratini, 5. Durante algum tempo, a programação dessas TVs começava apenas a partir das três da tarde. E nós não tínhamos telefone em casa. Como é que vivíamos sem TV, internet, telefone, Xbox e Netflix, isso é algo que não sei.

Houve um tempo em que a minha escola começava às sete e pouco da manhã, acho até que às 7h10min. Sabe lá o que é isso? Como é que alguém vai gostar de estudar se tem de acordar de madrugada para ir à @#$%¨&*()!@# do colégio?

Na verdade, odeio acordar cedo. Odeio com toda a minha alma. Neste exato momento, escrevo com sono. Já tomei três xícaras de café preto, estou na metade da garrafa de chimarrão e o banzo não me abandona. Irritante.

Quando trabalhava só em jornal, eu era mais feliz, por Deus. Começava às duas da tarde, as manhãs serviam para extinguir completamente o sono e as noites eram compridas, que alegria. Nunca dormia antes das duas da madrugada. Nunca. Era bom.

Se bem que, confesso, descobri prazeres em dormir cedo. O sono é mais homogêneo e, quando acordo no meio da noite, que sempre acordo, é meio da noite mesmo, não início da manhã. A vantagem disso é que fico na cama, debaixo do aconchego morno do cobertor, ouvindo o silêncio. No caso, silêncio de verdade. Não há avenidas movimentadas no entorno, os carros não passam por perto. Uma das ruas das imediações aqui de casa, sabe como ela se chama? Rua Calma. Não é lindo isso, uma rua chamar-se, simplesmente, Calma? Há muito disso nesta cidade: uma é a Rua Calma, a outra é a Rua Agradável e tem também a Rua da Saúde e a Rua Verde.

Assim, as madrugadas são quietas. Acordo e não ouço nem o latido distante de algum cachorro, som comum das noites altas do Brasil. Já contei que, uma vez, identifiquei, ao longe, alguém assobiando Moon River, e aquilo me tocou.

Dia desses, despertei pouco antes da hora de levantar. Eram cinco e tanto da madrugada, ainda noite fechada, ninguém devia estar na rua, mas ouvi, bem baixinho, um barulho que reconheci: o rangido do balanço da praça que fica em frente. Quem poderia estar sentado no balanço àquela hora? Deitado ainda, imaginei que fosse algum gaiato voltando da esbórnia. Já fiz algo do gênero, naquele tempo em que podia acordar às 10. Fiquei pensando, enquanto o balanço gemia?

Uma noite divertida com os amigos, muitas risadas, muita bobagem dita em torno à mesa e, ali, bem na frente dele, aquela Afrodite de pele dourada e olhos d?água. E ela olha com seu olhar de Capitu e começa uma conversa e parece que tudo vai dar certo e a noite vai escorrendo e, de repente, estão só os dois no bar. Para onde foram todos? Não importa, nada importa, a não ser aqueles olhos verdes. Eles saem, tomam o mesmo táxi e param na frente do edifício em que ela mora. Ele desce para levá-la até a porta do edifício e, chegando lá?

Nesse momento, tocou o alarme do celular. Era hora de levantar. Fui até o banheiro, fiz as abluções necessárias, saí, caminhei até a sala e, de lá, ouvi o barulhinho do balanço. O cara ainda estava na praça. Comecei a preparar o café imaginando o desfecho da história, ele subindo ao apartamento da semideusa, eles se beijando um beijo infinito? Peguei uma xícara de café. Decidi ir até a sacada, para conhecer o personagem da minha história. O balanço não rangia mais. Abri a porta. Fui para a rua. Vi, já saindo da praça, um rapaz de uns vinte e poucos anos. 

Era magro, alto e talvez fosse parecido comigo, quando eu tinha vinte e poucos anos. Continuei parado, observando, enquanto ele se deslocava para a calçada. Ele caminhava sem pressa, sorvendo a noite que já ia embora. Devia estar recordando os bons momentos que viveu horas atrás? No instante em que passou bem ao lado da minha sacada, olhou para cima e me viu. Calculei que, se fosse eu, na idade dele, acenaria para aquele estranho que olhava do alto da sacada. Ele chegou a tirar as mãos dos bolsos, achei que acenaria, torci para que acenasse. Mas ele não acenou. Foi-se embora, devagar. Pensando nela, supus. Ah, é certo que está pensando nela.

DAVID COIMBRA


10 DE NOVEMBRO DE 2018
ENSINO

PUCRS fará obras de cerca de R$ 100 milhões

UNIVERSIDADE TRIPLICARÁ o espaço do Instituto do Cérebro e irá construir uma ponte de acesso ao Hospital São Lucas, por cima do Arroio Dilúvio

Para comemorar seus 70 anos, completados ontem, a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) anunciou investimentos em pesquisa e infraestrutura em um total de R$ 100 milhões. Entre as novidades, está a construção de uma ponte sobre o Arroio Dilúvio, na Avenida Ipiranga, que facilitará o acesso ao Hospital São Lucas. A obra, de R$ 4 milhões, começará ainda neste mês. Segundo o gerente de infraestrutura da universidade, Hélio Giaretta Júnior, a conclusão está prevista para o primeiro semestre de 2019.

- Será em frente ao Museu de Ciências e Tecnologia, dando acesso ao estacionamento do hospital, evitando o retorno junto à Avenida Cristiano Fischer - destaca, ao frisar que a obra é resultado de um estudo de tráfego desenvolvido pela equipe e também do pedido do corpo clínico para reduzir o percurso das ambulâncias.

A ponte terá três pistas, que permitirão aos motoristas acessarem o hospital ou retornarem no sentido bairro-Centro pela Ipiranga. Com isso, o trânsito dentro do estacionamento do hospital será alterado: o atual pórtico de entrada, ao lado do Parque Esportivo, será transformado em saída dos veículos. Além das pistas, a ponte prevê ciclovia e passeio para pedestres.

Além das melhorias viárias, que buscam desafogar o trânsito no local, a PUCRS divulgou a ampliação do Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul (InsCer), cujo prédio triplicará de tamanho. Ao todo, R$ 66 milhões serão investidos pela instituição, sendo R$ 60 milhões através da Financiadora de Investimento e Pesquisa (Finep).

- Com a obra, o instituto será referência na área da neurociência no Brasil e no Exterior - comemora o vice-reitor e diretor do InsCer, Jaderson Costa da Costa.

PREVISÃO É DOBRAR O NÚMERO DE PACIENTES

O edifício do instituto conta hoje com 2,5 mil metros quadrados. Com a ampliação, cujas obras já estão em andamento, o espaço passará para 9,3 mil metros quadrados distribuídos em sete andares.

- Atualmente, o InsCer atende a 1.250 pacientes por mês. Com a ampliação, passaremos para, no mínimo, 2.500 - frisa Costa.

De acordo com ele, a previsão de inauguração é abril de 2020.

- Até lá, todas as atividades serão mantidas: os exames do Centro de Imagem, as pesquisas clínicas, pré-clínicas e a produção de radiofármacos - garante.

Para o vice-reitor, a obra é importante para atender a demanda do Instituto do Cérebro, que completou seis anos em 2018.

- Não entendemos como ampliação, mas como a fase 2 do InsCer. Isso porque já prevíamos esse projeto mais ousado, porém, tivemos de optar por construir só uma parte. Com a conclusão do projeto original, teremos área para atender a todos os pacientes - afirma.

Outro investimento anunciado pela PUCRS é a construção de um novo prédio, nomeado 360° (referência à nova política de atuação da universidade). A obra, avaliada em R$ 25 milhões, deve ser entregue em março de 2019. Serão 16 salas de aula, sete áreas de convivência, lazer e alimentação, uma arena, um auditório, centrais de informações e relacionamento e setores com serviços aos estudantes.
FRANCINE SILVA


10 DE NOVEMBRO DE 2018
LANÇAMENTO

Encontro com Gisele

GAÚCHA AUTOGRAFA LIVRO na Capital em evento com senhas esgotadas
Gisele Bündchen desembarca no Rio Grande do Sul neste fim de semana na condição de escritora. A eterna übermodel estará na capital gaúcha, neste domingo, para autografar o livro Aprendizados, uma espécie de autobiografia. O evento será na Livraria Cultura, em Porto Alegre, mas as 150 senhas distribuídas na quarta- feira para quem quisesse participar da sessão de autógrafos se esgotaram em apenas duas horas.

Em 238 páginas, a modelo de 38 anos abre o baú de memórias e faz algumas reflexões sobre a vida pessoal e profissional, desde quando saiu de Horizontina, no interior do Estado, até a aposentadoria das passarelas, em 2015. O livro revela o outro lado de uma das modelos mais importantes e bem pagas do mundo e mostra um pouco da vida em família com o jogador de futebol americano Tom Brady, 41 anos, e com os filhos, Benjamin, oito, e Vivian, cinco, em Boston, nos Estados Unidos.

- A gente consegue vê-la de outra forma, não só como aquela musa intocável que todo mundo conhece - diz o fã Lucas Grabowski da Silva, 18 anos, que conseguiu garantir uma senha na quarta-feira.

- Estou nervosa. Ainda tenho que pensar no que vou dizer para ela - comenta a estudante Natalia Ferrari, 25 anos, outra privilegiada com a pulseira laranja que a deixará cara a cara com a top.

SEGURANÇA REFORÇADA E NADA DE FOTOS COM CELULAR

Gisele chegará a Porto Alegre no dia do evento, com seguranças privados e a equipe do lançamento do livro. Ainda não se sabe se estará acompanhada da família. No sábado, ela cumpre a mesma agenda em São Paulo.

Na Livraria Cultura, os funcionários reconhecem que será uma sessão de autógrafos um tanto incomum. A estrutura para receber a modelo será montada no mezanino da loja, com uma decoração específica, um pedido da própria Gisele. Parte do local estará fechada para o evento e somente quem tem senha e um exemplar do livro poderá acessar a área.

Não será permitido fazer fotos ou vídeos com Gisele do celular particular. Um fotógrafo oficial vai registrar o evento.

O Bourbon Shopping Country, onde fica a Livraria Cultura, informou que estará operando normalmente, sem alterações de horários e acessos, mas diz que o efetivo de segurança receberá reforço. A assessoria de imprensa da Livraria Cultura também garantiu que a loja manterá as portas abertas no dia e disse estar preparada para a presença de curiosos no local.

A biografia de Gisele foi lançada no Brasil em outubro, pela editora Best Seller. Nos Estados Unidos, já é um dos livros mais vendidos, segundo o The New York Times.

RAFAELLA FRAGA