sábado, 18 de maio de 2019



18 DE MAIO DE 2019
LEANDRO KARNAL

Etiquetas virtuais

Fascista! Reaça! Petralha! Esquerdopata! O universo das redes sociais é constituído de átomos de veneno e moléculas de adjetivação. Palavras usadas em demasia costumam perder sentido prático. O insulto é sempre um espelho bizarro.

Como quase todos sabem, esquerda e direita são termos surgidos com a Revolução Francesa do século 18. Ampliaram-se nos séculos 19 e 20 e ganharam matizes. Por exemplo, apesar de serem ambos de "esquerda", anarquistas e marxistas tinham atritos teóricos e rixas práticas sobre a concepção do Estado. A Grande Guerra (1914-1918) aumentou a cisão. Uma parte da esquerda apoiou a "união sagrada" contra os inimigos externos e deu origem, grosso modo, a partidos socialistas. Os que se negaram a formar uma frente única interna, por considerarem que a guerra era um choque de capitalistas, foram chamados de comunistas.

Coisas bizarras: você é conservador e desconfia do Estado? Você postou que o governo de Stalin foi autoritário e repressor? Cuidado! Você pode receber likes de anarquistas, pois eles consideram a URSS exemplo de socialismo autoritário e abominam o Estado.

Rótulos escondem quase tudo e atendem a necessidades de simplificação rasteira, especialmente em ambientes superficiais e regados a sangue e bílis como redes sociais. O que significa ser conservador? Parto das ideias de Edmund Burke. No fim do século 18, o irlandês desconfiava de processos de mudança brusca na França. A primeira característica dos conservadores passa a ser a desconfiança de quebras repentinas da tradição. Para Burke, o presente é um compromisso entre dois mundos: o que nos antecedeu e o futuro. Rupturas como a Revolução Francesa ou a Russa (1917) causam mais danos do que avanços.

O conservador, inspirado em Burke, desconfia da perfectibilidade humana, ou seja, de que estejamos fadados à perfeição. Acima de tudo, o conservador clássico desconfia do Estado como elemento de resolução dos problemas.

Dependendo de onde está quem escreve, sua opção política pode ser descrita com nomes distintos. Liberal, por aqui, é signo aberto. Nos EUA, republicanos nasceram ligados a profissionais liberais e eram pró-livre iniciativa. Seus radicais defenderam o fim da escravidão antes da Guerra da Secessão, e a integração irrestrita dos negros à cidadania americana no pós-guerra. Criaram cotas, associações de reparação e leis que favoreceram por alguns anos a ascensão dos ex-escravos à condição de proprietários e eleitores/eleitos. Hoje, ser republicano parece ser desconfiar de todos esses princípios.

Os democratas nasceram ligados às elites agrárias sulistas. O panorama muda na Grande Depressão dos anos 1930. O laissez-faire de Hoover deu lugar ao New Deal e ao Welfare State de Roosevelt/Truman. Democratas passaram a simbolizar o trabalhador mais simples e as minorias.

Hoje, nos EUA, se dizer um "liberal" é se afirmar como alguém de esquerda, pois se exige Estado presente, provendo serviços aos cidadãos, direitos às minorias etc. No Brasil, ambos os lados da política majoritária americana (e suas muitas divisões internas) estariam classificados como centro (numa lógica de socialdemocracia) ou direita. A polarização ao redor de Trump está dando cada vez mais voz à esquerda democrata e à direita republicana.

Na Europa, muitos conservadores clássicos adotam posturas que aqui seriam denominadas como "liberais" ou de "esquerda". Na França, o líder da campanha da extrema-direita de Le Pen, Florian Philippot, passeava feliz de mãos dadas com seu namorado Pim Fortuyn, conservador nacionalista holandês, inimigo da imigração islâmica. Era gay. Foi assassinado por um militante defensor dos animais. Para muitos como eles, o conservadorismo era o respeito a sua orientação sexual, já que não caberia ao Estado dizer o que ele deve ser, especialmente no que toca a questões pessoais que em nada afetam as alheias. O modelo "liberal na economia e conservador nos costumes" não é único, mas é mais próximo das jabuticabas tupiniquins do que das tulipas de clima temperado.

Diferentemente de tudo isso, surge o reacionário. Ele idealiza um passado glorioso onde as famílias eram sólidas e perfeitas, a religião dominava, o Estado era eficaz e nunca corrupto e todos andavam felizes nas ruas. O reacionário quer restaurar esse passado mítico reprimindo o que ele considera modernidades inaceitáveis. Um exemplo histórico seria o conde Joseph-Marie De Maistre (1753-1821). O problema do reacionário é que ele parte do mesmo equívoco de alguns revolucionários autoritários. Um clássico membro do Exército Vermelho, por exemplo, durante a Revolução Cultural Chinesa (uma lavagem cerebral somada a genocídio), estava disposto a destruir tudo o que existia para construir uma nova ordem gloriosa. Um clássico reacionário também quer barrar tudo para que se restaure uma ordem perfeita que sua avó inventava da cadeira de balanço minutos antes de abandonar a lucidez de forma definitiva.

Há dezenas de outras posições políticas possíveis, da socialdemocracia, passando pelos "verdes", até o anarcocapitalismo. O espaço não permite mais. O espectro político plural permite muitas coisas, menos o ataque ao Estado Democrático de Direito e aos princípios contidos no artigo 5º da nossa Constituição. Se você nega o artigo quinto (combate ao racismo, igualdade diante da lei, criminalização da tortura etc.), você não é de direita ou de esquerda, você é apenas um canalha.

É preciso ter esperança.

LEANDRO KARNAL


18 DE MAIO DE 2019
DRAUZIO VARELLA

CIGARRO BARATO

A lógica da indústria tabagista é pérfida: a sociedade arca com os prejuízos, eles ficam com os lucros
Parece que de uns tempos para cá só andamos para trás.

Na contramão das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Ministério da Justiça criou uma comissão especial para analisar a conveniência da redução dos impostos que incidem sobre o cigarro.

Os lobistas da indústria tabaqueira argumentam que a medida reduziria o contrabando de cigarros paraguaios, de qualidade inferior, taxados com mais benevolência.

Que motivos levariam esses senhores a defender políticas para livrar os cidadãos das garras do crime organizado e, pasmem, proteger a saúde dos fumantes?

Na década de 1960, cerca de 60% dos brasileiros com mais de 15 anos fumavam. Dessa geração, estão vivos e com saúde apenas os que conseguiram parar de fumar muitos anos atrás - os demais morreram de câncer, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral ou das complicações do enfisema e de outras doenças pulmonares obstrutivo-crônicas que evoluem com falta de ar progressiva.

O esforço que o país fez para reduzir os impactos dessa tragédia coletiva exigiu o empenho de profissionais de saúde, comunicadores, educadores, legisladores e da própria sociedade.

A proibição da publicidade pelos meios de comunicação de massa, decretada no ano 2000, retirou da indústria sua arma mais poderosa: o controle da imprensa, refém das verbas publicitárias que impediam a divulgação de qualquer informação científica contrária aos interesses dos anunciantes.

Por causa desse lobby milionário que financiava campanhas políticas e cooptava funcionários públicos venais, avançamos com enorme dificuldade na adoção de medidas então vigentes em outros países, como as imagens de doentes nos maços e a proibição de fumar em ambientes fechados.

Às custas de um trabalho educativo sem precedentes em nossa história, conseguimos desconstruir a imagem criada pela publicidade do século 20. O cigarro deixou de ser o hábito chique, associado ao charme de mulheres lindas e homens másculos e sedutores, para se transformar no que realmente é: um vício chinfrim mal cheiroso, que provoca hálito repulsivo, tosse com expectoração, fôlego curto, pele de cor doentia e envelhecimento precoce.

O resultado foi impressionante. Segundo o PNAD, a prevalência de fumantes com mais de 15 anos caiu dos 60% para 10%. Hoje, fumamos menos do que os americanos e do que em todos os países da Europa.

Difícil explicar tamanho avanço. Não temos o nível educacional da Finlândia, da França ou da Alemanha; o governo brasileiro não investiu em campanhas antitabagistas nem sombra das importâncias gastas pelos países mais ricos; nossos serviços de saúde ainda engatinham no tratamento do tabagismo.

Apesar desses resultados serem citados como exemplo pelos técnicos da OMS, vamos lembrar que os 10% de adultos ainda fumantes formam um contingente de pelo menos 15 milhões de dependentes de nicotina com saúde fragilizada, que demandarão recursos financeiros do SUS, da Previdência Social e da Saúde Suplementar.

Em vários Estados americanos, as multinacionais que dominam o mercado do fumo têm sido obrigadas a pagar indenizações bilionárias para cobrir, pelo menos em parte, os gastos públicos com o tratamento das doenças causadas pelo cigarro. Talvez porque a vida de um brasileiro seja de pouca valia, aqui jamais pagaram um centavo sequer.

O negócio da indústria tabaqueira é vender cigarro barato, para tornar dependentes de nicotina o maior número possível de crianças e adolescentes. No futuro, eles desenvolverão doenças crônicas que consumirão recursos do SUS e elevarão as mensalidades dos planos de saúde. A lógica é pérfida: a sociedade arca com os prejuízos, eles ficam com os lucros.

Eles dirão: "Mas nós pagamos impostos". Segundo a OMS, para cada dólar de imposto pago, o sistema de saúde gasta três.

A redução de tributos pretendida é uma estratégia vil, destinada a aumentar o número de fumantes pobres, justamente os que serão atendidos pelo SUS. Um mínimo de vergonha na cara evitaria a desculpa dos malefícios dos cigarros paraguaios. Quer dizer que os fumantes de cigarros brasileiros só terão ataques cardíacos, derrames cerebrais e cânceres de alta qualidade?

Ao alegar interesse em combater o crime organizado, os fabricantes de cigarro renegam sua própria história. Essa é uma indústria criminosa que espalha sofrimento e morte pelo mundo inteiro.

DRAUZIO VARELLA


18 DE MAIO DE 2019
JJ CAMARGO

TRANSPLANTE DE PULMÃO 30 ANOS DEPOIS

AS MEMÓRIAS DAQUELE 16 DE MAIO DE 1989 NA SANTA CASA DE PORTO ALEGRE
Durante um congresso americano, em 1986, quando o grupo de Toronto apresentou os primeiros resultados do transplante de pulmão, decidi que íamos transplantar na Santa Casa, contaminados que estávamos pela ideia que germinara lá no final dos anos 1970 quando fizemos um trabalho experimental no laboratório do Instituto de Cardiologia e, depois disso, seguimos com treinamento na Clínica Mayo, nos EUA. 

Nos três anos que se seguiram, participamos de todos os seminários organizados pelo grupo canadense, e em paralelo iniciamos a preparação do Pavilhão Pereira Filho para receber o desafio. O ponto de partida foi a criação de uma UTI, com plantões regulares de intensivistas treinados (até janeiro de 1989, quando foi inaugurada a unidade, os pacientes mais graves e em pós-operatório eram atendidos por médicos residentes).

Antes que ficássemos prontos, já havia um paciente listado: em novembro de 1988, o Vilamir, um jovem de 27 anos, procedente de Vargeão do Oeste (SC), foi admitido no hospital, de onde nunca mais sairia a menos que pudessem ser trocados os seus pulmões destruídos.

A presença, sofrida mas esperançosa, do Vilamir representou um importante acréscimo de responsabilidade e angústia ao grupo, que passou a conviver com um paciente cuja vida dependia do quanto pudéssemos ser ousados e competentes. Alguém na lista significava a expectativa por um doador, uma figura, naquela altura, tão aguardada quanto temida.

Em 15 de maio de 1989, fomos informados da existência de um paciente de Novo Hamburgo, traumatizado de crânio, transferido do Pronto-Socorro para o Hospital São Francisco, na Santa Casa, e agora com o diagnóstico confirmado de morte encefálica. O tipo sanguíneo, o tamanho do tórax e a função pulmonar, perfeita, eram adequados para o transplante do Vilamir. Foram horas de grande expectativa enquanto eram realizados os últimos testes. Às 22h, fomos comunicados da compatibilidade e o Vilamir, alternando riso e choro, foi preparado para a cirurgia.

Pouco depois da meia-noite, fomos ao centro cirúrgico do hospital São Francisco, onde as equipes de transplante abdominal, doutores Santo Vitola, Guido Cantisani e Maria Lúcía, nos receberam com um carinho capaz de amenizar o medo de principiante. Desconfio que eles não têm noção do quanto sou grato àquela acolhida.

Retirado o pulmão esquerdo, que foi colocado numa bacia imerso em soro gelado e protegido por campos esterilizados, iniciamos o caminho de volta ao Pavilhão Pereira Filho, abraçados na carga preciosa. Na época, não existiam as passarelas atuais, de modo que, sem o acesso direto, percorremos, eu e o Dagoberto Godoy (meu amigo querido e um dos clínicos envolvidos no programa) o longo trajeto por dentro da Santa Casa até o pátio central e depois pelo corredor externo até o Pereira Filho. Era uma madrugada fria de outono, mas provavelmente o meu tremor não tinha nada a ver com a temperatura. Sempre me impressionou a lembrança de que nesse longo trajeto, sendo como éramos, dois parceiros fraternos e solidários, não tivéssemos trocado uma única palavra. Hoje a explicação é óbvia: estávamos em pânico. E certamente só a adrenalina transbordante fora capaz de antagonizar o medo que, de outra forma, nos paralisaria.

A partir da chegada ao bloco cirúrgico, uma sucessão de descobertas preciosas: a imprescindibilidade de parceiros competentes e fiéis, a importância da grande experiência cirúrgica do grupo em procedimentos de alta complexidade e, por fim, de que os momentos mais importantes de nossas vidas são inevitáveis exercícios da mais absoluta solidão. O silêncio total da equipe durante o procedimento e a espera que o próximo passo fosse anunciado era a confirmação de que a maior solidão era de quem decidia.

Quando, depois de completado o implante, o pulmão expandiu, a oxigenação normalizou, e todo o resto parecia maravilhoso, a transformação ocorreu: todos, excitados, começaram a falar ao mesmo tempo, porque, a partir daquele ponto, todo mundo sabia o que fazer. A exultação generalizada depois de concluído o procedimento, os abraços de solidariedade, a emoção incontida do Felicetti, a euforia do Burla, a alegria da Liduína fazendo a faxina do bloco ao amanhecer, tudo foi arquivado com o cuidado que merecem as experiências definitivas, que certamente colocaram o dia 16 de maio de 1989 como um marco nas conquistas da Santa Casa e uma divisória nas nossas vidas. 

Trinta anos depois, e 640 transplantes adiante, é mais fácil admitir que ver o Vilamir respirar sem ajuda de aparelhos, depois de seis horas de terminado o transplante, já justificaria termos decidido correr todos os riscos, mesmo sabendo que, acontecesse o que acontecesse, nunca mais seríamos os mesmos. E que nem teríamos a chance de sugerir o endereço da mudança.

JJ CAMARGO


18 DE MAIO DE 2019
DAVID COIMBRA

Quando o cigarro fazia bem à saúde

Neste mundo iconoclasta, de redes sociais furiosas, em que ninguém nem nada está a salvo do vilipêndio, só a salada mantém seu prestígio intacto. Da salada ninguém fala mal, a salada é boa para tudo, é bonito comer salada.

Mas, um dia, alguém talvez descubra que tanto vegetal faz mal.

É uma possibilidade.

Imagine que houve um tempo em que se pensava que o cigarro salvava e o tomate matava. Já contei, inclusive, a história do coronel Johnson, de Nova Jersey, que, no século 19, disse que se suicidaria comendo um tomate. O anúncio de Johnson causou comoção na cidade. Na época, o tomate tinha exclusivamente função decorativa, porque o homem branco o considerava venenoso. Mas Johnson não temia o tomate. No dia aprazado para seu "suicídio", diante de 2 mil pessoas sôfregas, ele tirou um tomate de uma cesta e desferiu-lhe vigorosa dentada, fazendo uma senhora desmaiar de emoção na plateia. O bravo coronel ainda comeu um segundo tomate e sobreviveu a ele. O tomate estava redimido na América do Norte.

Isso foi em 1820. Na Europa, sobretudo na Itália, o tomate já era utilizado em molhos saborosos havia pelo menos cem anos - os italianos são sábios. Mas a verdade é que mesmo os italianos demoraram para descobrir o quanto é valioso esse fruto de ouro, que, não por acaso, eles chamam de "pomodoro".

Já o fumo fez sucesso imediatamente. No século 16, o embaixador da França em Portugal, Jean Nicot, recebeu sementes de tabaco de navegadores que tinham vindo da América e as plantou no quintal de casa. Nicot, que era um homem engenhoso, arrancava as folhas do tabaco, amassava-as e as transformava em bolinhas, que introduzia nas narinas. Dizia que isso era bom até para curar dor de dente. Quando a rainha da França, Catarina de Médici, queixou-se de enxaqueca, Nicot receitou-lhe tabaco. A rainha experimentou, gostou e o tabaco se consagrou. Tanto que Nicot ganhou a imortalidade - de seu nome é que vem a palavra "nicotina".

Enquanto isso, na Inglaterra, o tabaco chegava pelas mãos do famoso Sir Walter Raleigh. Eis um grande personagem. Era alto, bonito e sedutor. Um dia, ele viu que Elizabeth I, a "rainha virgem", hesitava diante de uma poça d?água em uma das ruas de Londres, e não vacilou: sacou das costas a própria capa e estendeu-a na poça para a rainha atravessar. Ela ficou encantada. Foi o começo de uma relação que rendeu honra, fortuna e alguns dissabores a Raleigh, como uma temporada de prisão na Torre de Londres.

Raleigh era um entusiasta do tabaco, que trazia da colônia da Virgínia, nome dado em homenagem, justamente, à rainha virgem (que, aliás, não era virgem coisa nenhuma, só era solteira).

Thomas Harriot, amigo e ajudante de Raleigh, dizia que o tabaco, depois de seco, "purga a fleuma supérflua e outros humores espessos e abre todos os poros e passagens do corpo; por isso, o uso dele não apenas preserva o corpo de obstruções, mas também, em pouco tempo, rompe-as, pelo que os corpos dos índios que o fumam têm a saúde notavelmente conservada e não conhecem muitas das doenças graves que afligem a Inglaterra". Harriot tornou-se fumante ativo e costumeiro cheirador de tabaco. Morreu de um câncer que começou com uma úlcera no nariz.

Porque, ao contrário do que se acreditava, o cigarro mata e o tomate, se não salva, enriquece a culinária e o espírito humano.

O que mais descobriremos, no futuro, que não é tão bom quanto pensamos?

As saladas, essas não duvido de que continuem com a boa imagem que desfrutam. Afinal, só elas resistem à acidez das redes sociais. O que, tenho certeza, comprovaremos que faz realmente mal são as próprias redes. Toda essa maldade pulsante, todo esse fel escorrente, tudo de negativo que as redes suscitam não ficará apenas nas nuvens da internet. Isso se alojará nos fígados, nos rins, nos pâncreas, nos cérebros e nos corações dos militantes virtuais. Corpo e mente funcionam em conjunto, caro leitor. O que afeta um afeta a outra. O mal que sai da boca do homem está dentro dele, de dentro dele veio, dentro dele continua. Corroendo, destruindo, destruindo sempre, que é isso, e só isso, que o mal faz.

DAVID COIMBRA


18 DE MAIO DE 2019
MÁRIO CORSO

Frozen Gay

A última da sinistra Damares, aliás, ministra, é um vídeo no qual ela nos alerta que a princesa Elsa, do filme Frozen, seria gay. Ela viveria em um mundo gelado, de onde espera sair para dar um beijo na Bela Adormecida.

O que há de novo na princesa Elsa é que ela prescinde de um príncipe para ser quem é, essa é a sua revolução. Os príncipes do filme não ajudam, um é pateta, outro um traidor interesseiro. Creio que aqui está a pedra no sapato para quem quer um mundo tradicional, como nos velhos tempos, quando as mulheres só existiam socialmente com aval masculino. Como assim, os machos não serem protagonistas na vida de uma mulher?

Mas o passo a mais, a questão gay, só existe na cabeça torta de quem enxerga rastro do diabo em cada manifestação que fuja dos estereótipos de gênero. Elsa é apenas uma heroína, bem feminina aliás, que resolve os problemas de sua saga sem um príncipe. Disso não se deduz quem ela vai amar, ou como vai desejar. A mensagem é: meninas, não esperem um homem para resolver sua vida, vá e faça, vocês têm poder.

O que, sim, existe decorre dos fãs que sugeriram, na anunciada continuação do filme, que Elsa assumisse ser gay. Seria então a primeira princesa nessa condição. Se os estúdios Disney darão esse passo é pura especulação. Não há nada no filme que leve a isso. O certo é que a mera possibilidade já desperta desconforto. E se ela viesse a ser gay, qual o problema?

Para Damares, uma personagem gay instalaria na cabeça das crianças uma espera para que elas também pudessem se comportar assim. Só que vir a ser homossexual é uma questão complexa. Envolve carga genética, o que a família projetou para o bebê, o acaso de suas experiências de vida, a oscilação hormonal durante e depois da gestação, enfim, é multicausal, portanto sem gatilho único. O que já sabemos é não ser da ordem da escolha.

Passei 10 anos, junto com a minha esposa, estudando os mecanismos de eficácia dos contos de fada e das histórias infantis, disso resultaram dois livros. Estou acostumado aos argumentos, que não se sustentam, do suposto perigo das histórias infantis como indutoras de "maus" comportamentos. As histórias infantis são úteis, dilatam a imaginação, dão contornos e nomes para sensações que assaltam as crianças, ajudam a representar sentimentos íntimos que elas pensam ser as únicas a ter, proporcionam um ensaio emocional para o mundo adulto. Essa é uma das portas para a diversidade da cultura humana, mas essas narrativas não conseguem, nem se quiséssemos torcê- las para tanto, modelar a sexualidade de ninguém.

Uma eventual personagem gay no mundo das histórias infantis só seria útil para alguém que já pressentisse em si algo assim, embora na infância isso muitas vezes nem esteja decidido. Seria um alívio para não se sentir diferente.

MÁRIO CORSO


18 DE MAIO DE 2019
ENSINO SUPERIOR

Reitor define como "pacote de maldades" medidas para educação

RESPONSÁVEL PELA UFRGS falou em sessão do Conselho Universitário, que discutiu os impactos da redução dos recursos e do bloqueio orçamentário

"Pacote de maldades" foi a definição dada por Rui Vicente Oppermann, reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ao conjunto de medidas restritivas recentemente anunciadas pelo governo federal para a educação, em especial ao Ensino Superior. Na manhã de sexta-feira, durante sessão ordinária do Conselho Universitário da instituição, discutiram-se os impactos no exercício de 2019 da redução dos recursos de custeio e capital e do bloqueio orçamentário.

Oppermann elencou alguns dos últimos - e polêmicos - acontecimentos na área: o corte de 30% nas verbas repassadas pelo Ministério da Educação (MEC) a universidades e institutos federais, a supressão de bolsas de estudo de pós-graduação concedidas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o decreto 9.794/2019, publicado recentemente, que tira autonomia das universidades, obrigando-as a submeter os nomes de pró-reitores e diretores à aprovação da administração federal.

A saída de Elmer Coelho Vicenzi da presidência do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), na quinta-feira, também foi mencionada.

- Temos passado por uma situação muito crítica na relação do MEC com as instituições federais - afirmou Oppermann.

O bloqueio de dinheiro, inicialmente previsto para três entidades e depois estendido a todas as demais, motivou o envio de cartas de solidariedade de países da América Latina e da Europa. O reitor saudou as manifestações organizadas na última quarta-feira em todo o Brasil, a favor da educação e contra a reforma da Previdência.

ESTRATÉGIAS PARA DRIBLAR A CRISE

Feitas as contas, a UFRGS contabilizou o prejuízo no congelamento de bolsas. Dos 187 benefícios inicialmente recolhidos, entre bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado, 125 (referentes a programas de pós-graduação com notas 6 e 7, conceitos máximos atribuídos pela Capes) foram devolvidas, segundo Celso Loureiro Chaves, pró-reitor de Pós-Graduação. Restariam, portanto, 62 suspensas (relativas a cursos com conceitos 3, 4 e 5).

- Como diria o nosso sambista Paulinho da Viola, "a toda hora rola uma história" - disse Chaves, também compositor e professor, citando a canção Rumo dos Ventos.

Hélio Henkin, pró-reitor de Planejamento e Administração, apresentou um balanço dos últimos anos sobre como a UFRGS tem enfrentado os progressivos apertos orçamentários, relembrando o "caráter excessivamente rígido" da emenda constitucional 95, de 2016, que limita por 20 anos os gastos públicos. Henkin listou redução no número de postos terceirizados, remanejamento de recursos e adiamento de despesas consideradas menos emergenciais, entre outras medidas. Um dos slides projetados ressaltava "a dificuldade já encontrada no atual período do ano em pagar em dia o valor total das faturas de energia elétrica", o que revela "os desafios de lidar com orçamento reduzido e liberação gradual dos créditos orçamentários".

Ao final das exposições dos integrantes da mesa, abriu-se o debate a partir de questionamentos dos demais conselheiros. Um deles perguntou a Henkin se haveria um "risco real de fechamento".

- É claro que a tendência é de inviabilização - respondeu.

LARISSA ROSO


18 DE MAIO DE 2019
+ ECONOMIA

CRISE? QUE CRISE?

Com sede em Porto Alegre, a Squadra - Gestão de Riscos abriu filial em São Paulo. Entre os novos clientes, estão Siemens e Companhia Paulista de Trens Metropolitanos. O Sudeste representa 20% do faturamento da empresa, que tem expectativa de elevar essa participação para 40% com a nova unidade.

Incursão pela moda dos gaúchos Eduardo Glitz, Marcelo Maisonnave, Pedro Englert e Mateus Schaumloffel, sócios da Startse, a marca de tênis Yuool negociou 1,5 mil pares, com faturamento de R$ 500 mil em abril. O plano é chegar a R$ 7 milhões com a venda 100% digital de 20 mil tênis de lã de merino importada da Itália, design brasileiro e produção gaúcha.

No mercado de catering empresarial, o Mule Bule fechou contrato até 2020 para atender à programação do Centro de Eventos da Fiergs, além de loja fixa no pavilhão. Depois de confirmar alta de 15% no faturamento em 2018, a projeção para este ano é mais ambiciosa: 18%.

A SEMANA QUE EU VI

A semana dos tsunamis

No dia 10, Jair Bolsonaro afirmou que "talvez" houvesse um tsunami na semana seguinte. Foram vários: queda na atividade econômica, povo de volta às ruas e fim da lua de mel com o mercado financeiro. Como futurólogo, nada mal.

Atividade em queda

Na terça, o Banco Central (BC) admitiu que o PIB do primeiro trimestre pode cair. Na quarta, o indicador de atividade econômica do BC mostrou recuo de 0,68% de janeiro a março. Sem crescimento, nem reforma salva.

Ministros em chamas

Na terça, no Senado, Paulo Guedes chamou a Previdência de "buraco negro fiscal" e situou a economia "no fundo do poço". Na quarta, na Câmara, Abraham Weintraub ouviu coro de "demissão" ao insinuar que deputados não trabalham.

Perda bilionária

A contínua produção de prejuízos da CEEE-D - de janeiro a março, foram mais R$ 237,5 mihões - é um desafio para a modelagem da privatização da estatal. O Estado não pode, outra vez, vender a fonte de receita e ficar com os passivos.

MARTA SFREDO


18 DE MAIO DE 2019
INFORME ESPECIAL

WHATSAPP: 10 REGRAS DE OURO DAS MENSAGENS DE ÁUDIO

Várias vezes começo mensagens de áudio explicando: “Vou gravar porque estou com preguiça de escrever”. A frase já é, por si só, uma confissão de culpa. Tenho amigos, familiares e fontes que detestam receber mensagens faladas. Outros preferem esse tipo de diálogo. Para harmonizar as relações, uma nova etiqueta da comunicação por WhatsApp está se formando. Já aprendi alguns atalhos com pessoas de várias idades e perfis profissionais. A seguir, divido algumas dessas lições, sem qualquer pretensão de dizer o que é certo e o que é errado, mas apenas de ajudar:

1 Pergunte antes se o interlocutor prefere mensagens escritas ou gravadas.

2 Em geral, pessoas que frequentam muitas reuniões, aulas e palestras não gostam de mensagens de áudio, porque não podem ser lidas discretamente no colo ou embaixo da mesa. Todo mundo em volta vê o telefone colado à orelha.

3 É cada vez mais comum a compulsão por abrir instantaneamente as mensagens do Whats, especialmente as de quem você conhece. Por isso, receber uma mensagem de áudio e não poder abri-la porque está em uma aula ou reunião pode gerar um bom nível de ansiedade.

4 Crianças e jovens não se importam. Até preferem mensagem de áudio, desde que não estejam na aula, onde nem deveriam estar com o celular ligado, mas...

5 Se você prefere mensagens escritas ou de áudio, deixe isso claro de forma gentil e explique por que, resumidamente.

6 Mensagens de áudio “encaminhadas” são perigosas. O velho bom gemidão ainda faz as suas vítimas. Procure abri-las em locais seguros.

7 Sempre seja breve e direto. Nada de áudio de cinco minutos. 

8 Ao gravar mensagem de áudio, não precisa gritar. Use o tom de voz normal.

9 Se você recebeu uma mensagem de áudio e, no momento, não pode ouvir, escreva de volta e, gentilmente, explique: “Não consigo ouvir agora, pode escrever?”

10 Eu não me importo com mensagens de áudio, mas procuro respeitar a preferência do  interlocutor.

CIÊNCIA

Um levantamento divulgado pela Universidade de Leiden (Holanda) mostra a UFRGS como a melhor instituição federal no campo da pesquisa no Brasil. No período avaliado, entre 2014 e 2017, a universidade somou 5.372 publicações - a área com maior número é a das ciências médicas e da saúde, com um total de 2.259 publicações.

Em nível mundial, a primeira colocada é Harvard (EUA), seguida pela Shanghai Jiao Tong (China) e pela Universidade de Toronto (Canadá).

TULIO MILMAN

sábado, 11 de maio de 2019



11 DE MAIO DE 2019
LYA LUFT

A dor do mundo

Hoje não tenho pensamentos poéticos. Pois muitas vezes, parando para pensar - que é o que na calma destes tantos anos posso fazer quanto quiser -, me volta a velhíssima indagação: afinal, nós, humanos, quem somos, com tantos conflitos e harmonia, crueldade, aberração e delicadeza? E o que fazemos pelos outros?

Que humanidade nos tornamos, que, vendo toda a miséria e aflição em tantos lugares, continua comendo, bebendo, vestindo, trabalhando e estudando, como se nem fosse conosco? Deve ser o nosso jeito de sobreviver, não comendo lixo concreto mas ruminando lixo moral e fingindo que está tudo bem.

Talvez empregando diferentemente os dons, as riquezas, o trabalho, o empenho e a decência de tantos, a gente conseguisse melhorar o sofrimento, essa "dor do mundo" que se alastra. Quem sabe, escolhendo quem cuidasse dos pobrezinhos, da saúde pública, dos leitos que faltam aos milhares, da educação que degringola, da fome e da falta de higiene, da desinformação, da seca ou da inundação - para que ninguém ficasse tão exposto e vulnerável, tão sem cuidado algum em quantidades tão imensas. Tantos tão sem nada... Os deuses não inventaram a indiferença, a crueldade, o mal do homem causado pelo homem. Nem mandaram desviar o olhar para não ver o menino metendo avidamente na boca restos de um bolo mofado, no mesmo instante em que a câmera capta sua irmãzinha num grande sorriso inocente atrás de um par de óculos de aro cor-de-rosa, que ela acabava de encontrar: e assim iluminou-se num segundo aquela triste realidade.

Penso - porque há pouco foi de novo noticiado - nos lixões onde, em países subdesenvolvidos (devo dizer "em desenvolvimento?"), pessoas comem, moram, constroem barracos. As autoridades são os pais daquele lixo. Não o produziram diretamente, mas ali o deixaram jogar, permitindo que o recanto emporcalhado se cobrisse de casas, de lares.

Metaforicamente, também penso no lixo moral: o cinismo, a ganância, a fome de mais e mais poder, as negociatas disfarçadas com palavras rebuscadas e até solenes, os acordos fictícios, os compromissos rompidos, os miseráveis iludidos ou os remediados que gostam de se iludir porque pensar é cansativo e perigoso... e os líderes discutindo, se insultando, sorrindo atrás da mão que finge disfarçar um bocejo. "Dor do mundo?" - indagariam se a gente lhes falasse nisso. "Coisa mais pessimista...".

Hoje não penso muito poeticamente, porque a realidade nos assalta mesmo dentro de nossas casas, e não podemos nos alienar. Uso aquilo de que disponho: as palavras. E digo, e digo, e repito: vamos cuidar da nossa gente antes que o mundo inteiro se transforme num nada poético lixão humano, e moral.

E não sobre nada melhor para alimentar nossos filhos.

LYA LUFT

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1 DE MAIO DE 2019
MARTHA MEDEIROS

Só mudam de endereço

Eu o conheci, era um garoto francês que viveu dois anos na Austrália, depois trabalhou nas ilhas da Polinésia e então resolveu dar uma passada em sua antiga casa, em Brive-la-Gaillarde, onde sua mãe mora até hoje. Ela quase caiu pra trás quando abriu a porta e deparou com aquele magricela barbudo, parecendo Robinson Crusoé e que continuava com a mania de surgir sem avisar. O guri deu um beijo nela, dormiu em sua velha cama, matou saudade do bouillabaisse, deu outro beijo na mãe e partiu. Hoje mora no Peru e continua em trânsito, sem data para enraizar.

Com uma garota baiana se deu de outro jeito. Ela foi para os Estados Unidos a fim de estudar seis meses, o que sua mãe considerou um exagero de tempo, mas não era: quanto tempo dura, hoje, seis meses? Uns 30 minutos. A garota acreditava mesmo que num piscar de olhos estaria de volta, mas conheceu um texano e se apaixonou por ele. Avisou a mãe que daria uma esticada de mais 30 minutos na terra do Tio Sam, e a mãe só não enfartou porque adoecer custa caro - preferiu juntar dinheiro para comprar uma passagem e fazer um enxoval pra menina, era dessas. O texano casou com a garota baiana em Austin, diante da sogra, que entregou os lençóis e as toalhas bordadas antes de retornar para sua Cachoeira, no Recôncavo, onde aprendeu a usar o Skype.

Sei de uma mãe que teve três filhos homens e cada um deles mora num lugar mais absurdo do que o outro. O primogênito no Azerbaijão, o do meio no interior da Tailândia e o caçula em Windhoek, na Namíbia, África. Só pode ser implicância deles, ela resmunga. Por que tão longe? A família se reúne todos os anos em janeiro, em Porto Alegre, que é quando os garotos conseguem se desvencilhar de suas atividades. A mãe adorava ir para Atlântida logo após o Réveillon, mas agora ficam todos fritando juntos no verão da capital gaúcha porque, além de visitar a matriarca, eles querem também rever os amigos e comer no Barranco.

Poderia continuar, houvesse mais espaço, mas tenho certeza de que você conhece histórias melhores, talvez até uma em que você, mãe abnegada, seja a protagonista. Seu filho estará com você neste domingo ou mora em Goiânia com a mulher e um bebê cujo crescimento você acompanha por WhatsApp? Sua filha estará com você ou fazendo curso de gastronomia no Pará? Seu primogênito deixou o Interior para ir pra cidade? Sua princesa foi fazer teatro em Nova York?

A maioria das mães de adolescentes e de jovens adultos, entre as quais me incluo, tem ao menos um filho em algum lugar do Brasil ou do mundo, de mochila nas costas, hospedado em hostel, alugando um quarto na casa de alguém ou casado com um estrangeiro, fazendo a vida lá fora. Meu beijo solidário. Não há outro jeito a não ser aceitar a inversão do ditado - filho é tudo igual, só muda de endereço.

MARTHA MEDEIROS


11 DE MAIO DE 2019
CARPINEJAR

Quando um amigo de fé desaparece

Quando um amigo some, não sofro com a falta de respostas. Deduzo o que aconteceu. Não adoeceu, não tirou férias, não ingressou no retiro espiritual, não recebeu uma carga opressiva e inesperada de trabalho. Sei que ele fez o contrário de meu conselho e não teve mais coragem de me telefonar.

É a mesma métrica: o amigo me liga a cada 15 minutos pedindo minha orientação a respeito de sua relação que vai mal. Está sofrendo, está agonizante, está confuso, não aguenta mais, não tolera mais um dia de discussão e de briga.

De repente, mais do que repente, ele para de me chamar e evapora do WhatsApp. Como aquele sujeito tão dependente e carente se emancipa de uma hora para a outra? Ele tomou a decisão inversa à que sugeri e ficou envergonhado de me reportar os fatos.

Se eu disse para não se separar, ele rompeu com a esposa e já está de casinho novo nas redes sociais.

Se eu disse para se separar, ele mergulhou ainda mais em seu romance, a ponto de noivar, casar, gerar filho e improvisar uma nova lua de mel com limite do seu negativo em uma praia paradisíaca. Não duvido que não tenha me sacrificado: "Vou apostar na relação apesar do Fabrício não acreditar mais que pode dar certo". É muito comum homens rifarem os seus confidentes e terapeutas para recuperar a confiança do outro durante a reconciliação. Trocam um amigo pelo perdão, como que insinuando, com o sacrifício, de que só falarão a verdade dali por diante.

Os hiatos e as lacunas da amizade sempre se devem ao medo de enfrentar a decisão pessoal, oposta ao que a maioria sensata pensa.

A instabilidade do amor - que muda de opinião a todo momento - entra em conflito com a estabilidade da amizade - fundada em apelos mais racionais e preventivos.

Quem é amigo de verdade vive mordendo a língua e engolindo o próprio sangue, porque diz a verdade na cara e depois precisa ainda suportar o desaparecimento do outro, remediar o seu constrangimento e suas mentiras parceladas e resgatá-lo de volta para a cumplicidade. É o ônus da sinceridade: falar o melhor e conviver com o pior depois disso.

CARPINEJAR

11 DE MAIO DE 2019
PIANGERS

Precisaremos delas pra sempre

Me conhece mais do que eu mesmo. Quer café? Quer um sanduíche? Quer sentar? Quer uma almofada? Quer uma coberta? Não quero, mãe. Não se preocupe comigo. Passam minutos e vem o café, mesmo assim. Seguido de uma almofada na cadeira. Afinal, um sanduíche não faria mal. Obrigado pela coberta, está perfeita, mãe.

Se está na minha casa arruma tudo o tempo todo. Lava a louça, organiza os livros, abre as janelas. Seria uma sugestão de que minha casa está bagunçada? Dorme em qualquer lugar, não se preocupe com a mãe. Acordará cedo. Passará algum tempo no celular. Nos encaminhará mensagens que considera importantes. Os vídeos que nossas mães nos mandam são declarações de amor, testes pra saber se temos tempo livre ou estamos trabalhando demais.

Quando não quer preocupar os filhos, mãe esconde as doenças. Se os filhos estão muito sumidos, as doenças começam a aparecer; um telefonema interrompido por tosse, uma dor nas costas, está na hora de visitar a mãe.

Mãe é tarô, bola de cristal. Mãe é mar calmo em um mundo inexplicável. Mãe é mapa. Mãe é um abajur aceso na escuridão. Mãe é Barsa, é Wikipédia. Mãe é personificação do altruísmo. Toda mãe é uma mártir potencial. Mãe é comfort food. Mãe é igreja, confessionário. Mãe é lembrança de quem a gente é. Sempre conosco, mesmo que seja só na memória. Mãe não devia morrer nunca.

Mãe prevê o futuro. Sabe quando teremos frio. "Leva uma blusa", ela avisa. Ignoramos, mãe está sempre preocupada demais. Quando o vento nos pega desprevenidos lembramos que ainda somos crianças. Seremos sempre crianças precisando de conselhos. Seremos sempre crianças precisando de colo e abraços. Seremos sempre crianças. Precisaremos pra sempre de nossas mães.

PIANGERS


11 DE MAIO DE 2019
CARTA DA EDITORA

Amor que transforma

Todo ano, alguns meses antes de maio chegar, nossas reuniões sempre ganham uma questão especial: "E aí, qual vai ser a pauta de Dia das Mães deste ano?". Desta vez, o insight veio da repórter Nathália Carapeços. A Nathi entrou para a equipe em julho do ano passado - ou seja, é a primeira vez que assina a reportagem especial que se repete todo ano para homenagear as mamães. E olha só que amor: é também o primeiro Dia das Mães da Nathi, que espera o Raul. Talvez por estar cada vez mais próxima do assunto - mas não somente por isso, como a gente descobriria em seguida -, Nathi foi a primeira a levantar a mão com uma ideia das boas:

- E se a gente falasse sobre mães que não deram à luz? Convivo com várias mulheres que escolheram adotar, ou que viraram mães por acaso, e são histórias tão bonitas...

Nos apaixonamos pela ideia na hora. Uma linda oportunidade para homenagear mulheres que descobriram o amor de mãe sem nunca ter gestado aquela criança no ventre. Que viraram mães ao acaso - como a Graziela, a nossa mãe da capa, que assumiu a criação dos filhos gêmeos da tia, que morreu quando eles tinham cinco anos. Ou a Aclaene, que se tornou a "mãedrinha" do pequeno João. E a de Nanra, que escolheu adotar seu filho porque sempre entendeu que não precisava engravidar para ser mãe. Histórias lindas e inspiradoras para deixar seu Dia das Mães ainda mais cheio de amor - e, por que não, renovar as esperanças de que ainda há muita gente boa por aí.

No clima desta data tão bonita, ainda preparamos um editorial com mães e filhos, assinado pela stylist (e nossa parceira) Ana Carrard. E as belas reflexões dos nossos colunistas, para lembrar o quanto o amor de mãe é único. Boa leitura!

Thamires Tancredi Interina thamires.tancredi@revistadonna.com


11 DE MAIO DE 2019
PAULO GERMANO

Entre a esquerda e a direita

Meu amigo Potter tem um podcast você deve saber, mas é uma espécie de programa de rádio na internet. Lá ele entrevista filósofos, historiadores, jornalistas e políticos com visões de mundo absolutamente distintas: a intenção é buscar respostas para tudo aquilo que, embora esteja pulando na nossa cara, nunca parece tão claro assim.

Na temporada mais recente, o tema era "Que diabos, afinal, são esquerda e direita?". Tive a honra de entrar no timaço de entrevistados que o Potter escalou e, desde então, tenho recebido mensagens de gente pedindo que eu escreva aqui o que falei lá. Por mim, tudo bem, até porque venho escrevendo sobre isso há uns três anos - e é possível que você não aguente mais essa minha conversa de que o melhor caminho, o que funciona, o que dá certo, o que a História mostra como eficiente, é o centro. Não é a esquerda nem a direita - embora o centro possa, às vezes, pender um pouquinho para lá ou para cá.

O que falei para o Potter é que tanto a esquerda quanto a direita, em tese, têm boas intenções. Se pegarmos o que há de mais nobre nas duas ideologias, é possível resumi-las assim:

A direita quer liberdade. Gosto dessa palavra. Um direitista entende que as pessoas são diferentes umas das outras e que, por isso, podem ter aspirações diferentes, vontades diferentes e metas diferentes. Sendo assim, todos devem ser livres para buscar seus objetivos da maneira como acharem melhor - e naturalmente alguns, claro, vão se destacar mais do que outros de acordo com seus próprios méritos. O Estado não deve interferir nisso.

Já a esquerda quer igualdade. Boa palavra também. Um esquerdista entende que um ser humano só consegue se destacar com a ajuda do coletivo, da colaboração de todos. Um milionário só é milionário porque toda uma coletividade trabalha para isso - desde o peão da fábrica até o caminhoneiro que traz as peças. Não é justo, portanto, que quase tudo fique nas mãos de um indivíduo só. O Estado deve interferir nisso.

O problema da esquerda é que, se você institui a igualdade total, com o mesmo salário, as mesmas posses e a mesma riqueza para todo mundo, a tirania está instalada. É o stalinismo; não há liberdade. Você não pode ser quem gostaria de ser, nem fazer o que gostaria de fazer, nem ter o que gostaria de ter. Você é obrigado a ser igual. Igualzinho a todos.

Já o problema da direita é que, se você institui a liberdade total, com a certeza de que o mérito, o talento, o empenho, a dedicação são o único critério para determinar o destino de alguém, a tirania também impera. Porque, neste caso, o pobre é pobre porque quer. Porque não teve competência para deixar de ser pobre. Qualquer senso de comunidade vai para o ralo quando a igualdade não vale nada.

No meio do caminho, tentando unir o que há de melhor - e rejeitar o que há de pior - na direita e na esquerda, existe o centro. Eu aqui sou um entusiasta do mérito, como a direita. Concordo que as pessoas devam ser livres para fazer suas escolhas e se destacar conforme o próprio talento. Só que o mérito, em qualquer disputa entre duas pessoas, só é um critério justo se todos tiverem as mesmas condições de desenvolver esse mérito.

Uma vaga na faculdade, por exemplo.

O filho de um desembargador que teve acesso às melhores escolas e nunca trabalhou na adolescência certamente teve melhores condições de desenvolver seus méritos do que o filho de uma faxineira que estudou em escola pública e trabalha como engraxate desde os 10 anos de idade. O primeiro concorrente larga com vantagem descomunal sobre o segundo.

Para emparelhar essa distância, é o Estado que deve garantir, por meio de educação e políticas públicas, que os dois tenham oportunidades iguais para iniciar a competição lado a lado. Se eles derem a largada juntos, em igualdade de condições, aí, sim, é legítimo e justo que o primeiro a cruzar a linha de chegada, lá na frente, seja aquele que tiver mais talento, dedicação e empenho.

Quer dizer: o Estado interfere para garantir igualdade, mas de oportunidades - não de resultados, com todos ganhando o mesmo salário, nada disso. Porque só com igualdade de oportunidades o filho de uma faxineira que trabalha como engraxate terá, enfim, liberdade para ser quem ele quiser ser.

Em resumo, tanto a esquerda quanto a direita podem ser ótimas, não tenho dúvida. Desde que elas trabalhem juntas.

PAULO GERMANO

11 DE MAIO DE 2019
LEANDRO KARNAL


ENSINO EM CASA

É MUITO COMPLEXO EDUCAR EM CASA, TODAVIA IMPRESCINDÍVEL QUE OS PAIS FAÇAM PARTE DA RESPONSABILIDADE PARENTAL NA ESCOLA. QUE SEJAM MENOS PAIS SÍNDICOS OU CAPATAZES E MAIS PAIS PARTICIPANTES DO DESAFIO SOCIAL DE EDUCAR.

A educação formal obrigatória, universal, em escolas, é uma novidade histórica. Até meados do século 20, estudar até o fim do segundo ciclo era um luxo reservado às elites e a parte da classe média. A maioria da população seguia com rudimentos de escrita e algumas operações matemáticas básicas, quando não completamente analfabeta.

Os motivos para tal situação eram muitos. Um deles era decorrente da visão que a sociedade tinha a respeito de lugares determinados para todos. Filho de sapateiro, sapateiro será. Filho de agricultor lavrará a terra. Filhos de classe média e alta poderiam ser o que quisessem ou herdariam o negócio dos pais. Por isso, precisavam de estudo. Quando o Brasil não tinha universidades, nossas elites mandavam os filhos para Portugal ou França. Quando não havia boas escolas, contratavam preceptores e tutores para seus rebentos.

A universalização do Ensino Básico atravessou a história do Brasil recente como uma conquista e como uma pedra nos sapatos do nosso país. Estamos mais próximos do que nunca de termos todas as nossas crianças em escolas (na média, há entre 90% e 98% de crianças e adolescentes em instituições, variando entre creches e Ensino Médio), mas elas não frequentam, necessariamente, um ensino de qualidade, como preconiza a Constituição em vigor. As discrepâncias são imensas. Há colégios públicos excelentes, bem geridos, com estrutura adequada e professores dedicados. Há escolas particulares medíocres, sem o mínimo projeto para os alunos e com professores malformados. Entretanto, na média, os problemas se concentram no ensino público. Ainda somos uma sociedade com muita desigualdade.

Em meio a conquistas e retrocessos, discutimos hoje o ensino em casa. Isso já foi realidade por aqui e em outros lugares do mundo. Reis e rainhas, nobres e parte da elite europeia jamais viveram outra forma de ensino. Grandes gênios e pessoas muito eruditas estudaram assim. Em si, aprender em casa pode garantir excelência educacional. O potencial problema desse tipo de ensino não é esse, necessariamente.

Para entendermos, precisamos pensar historicamente. Um dos aspectos tem a ver com o fortalecimento do Estado entre o século 19 e o 20, bem como com sua crise nos dias atuais. Quanto mais forte o Estado se tornou como instituição de regulamentação de nossas vidas, menos importância família e igrejas passaram a ter. Famílias participavam ativamente da escolha dos noivos e noivas. O casamento assegurava herdeiros, a igreja oficializava as uniões. Quando o Estado passou a ser o intermediário e as sensibilidades liberais do 19 afloraram, junto com uma maior produção de riquezas, casamentos passaram a se dar por escolha dos cônjuges, por amor. Casar e se divorciar se tornaram coisas mais corriqueiras. A família é menos importante, para o indivíduo moderno, do que o Estado. Precisamos de empréstimos, recorremos a bancos (regulamentados pelo Estado) e não mais aos pais; precisamos de saúde, vamos a hospitais (e não mais ao membro mais experiente da família) e assim por diante. Logo, educar seguiu esse caminho. Saiu da casa para ir para esfera da cidadania, dos valores da sociedade e das novas concepções pedagógicas, regulamentadas em escolas por leis federais.

A rigor, a lei não proíbe o ensino em casa. O Supremo Tribunal Federal (STF) já disse que a prática não pode ser feita, pois carece de regulamentação. Sem leis que regulem a prática, como auferir se o ensino funciona ou não?

Educar os filhos em casa deveria, ser, a rigor, um direito de cidadania. Sou a favor da regulamentação. Há obstáculos práticos. Raramente, pais têm o preparo profissional. Não se trata apenas do conteúdo, porém da técnica em si. Um adulto alfabetizado ensina bem uma criança? Nem sempre, pois há métodos e debates sobre seus usos. Se quisermos uma comparação rápida e com certa fidelidade, você também deveria ter o direito de curar as doenças do seu filho em casa. Por que médicos? Talvez pelo mesmo motivo de existir professores. Você está seguro para prescrever um remédio? Então, com certeza, estará apto a optar entre o método fônico de alfabetização ou três ou quatro variantes do processo de letramento.

Sim, deveria ser garantido o direito dos pais para o homeschooling. Mas eu queria enfatizar que os pais assumissem com plenitude o direito constitucional, do código civil e do Estatuto da Criança e do Adolescente que indicam, com total clareza, que a educação é um dever dos pais. É muito complexo educar em casa, todavia imprescindível que os pais façam parte da responsabilidade parental na escola. Que sejam menos pais síndicos ou capatazes e mais pais participantes do desafio social de educar.

Por fim: crianças educadas em casa perdem a chance do convívio com a diferença e são menos expostas - potencialmente - a pontos de vista conflitantes. Se não enfrentam conflitos, são menos resilientes e com tendência para fragilidade de um sistema imunológico nunca exposto a micro-organismos diversos. Se correr tudo bem, se a família tiver dinheiro para bons preceptores, para complementar com viagens, museus, para estimular o convívio dos filhos com outras crianças em parques e praças de esportes, na outra ponta teremos o mesmo resultado alquímico da escola: talvez um bom cidadão, alguém preparado para os desafios de nosso século e o constante aprender que nos exige. E, no entanto, se funcionar mal, teremos especialistas nas opiniões caseiras, fechados ao mundo.

Há risco de reforçar o surgimento de crianças mimadas na sua zona de conforto, pouco aptas ao mundo de diversidades e desafios. Seu filho viverá com você para sempre ou, um dia, terá vida própria? Elizabeth, rainha da Inglaterra, foi educada em casa. Educou os filhos em escolas. O modelo perpetuou-se nas gerações seguintes da família real britânica. Por que será? Boa semana para todos nós.

LEANDRO KARNAL

11 DE MAIO DE 2019
DAVID COIMBRA

Dormir cedo é bom

Eu agora durmo cedo. E, o mais surpreendente, gosto. Dormir cedo é bom. Há alguns anos, era impossível eu ir para a cama antes das duas da madrugada. Dias atrás, no Timeline, lembrei com doçura dos anos 1990, quando ficávamos acordados até as quatro, cinco horas TODAS AS NOITES. O Potter argumentou:

- Ah, tu tens nostalgia dos anos 1990 por causa da tua vida naquela época, não que a cidade fosse diferente. Errado. A cidade era diferente.

Havia muitos, muitos bares e restaurantes que ficavam abertos até o alvorecer, inclusive no meio da semana. Três e meia da manhã, batia a vontade de traçar uma picanha gorda com farofa, polenta frita e salada de batata? Sem problemas, podia ir ao Barranco, que o Chico o recebia com um sorriso no rosto e um copo de chope na mão.

Claro que a vida noctívaga também tem suas inconveniências. À noite, as pessoas mais estranhas rondam a cidade. Às vezes, depois de ser encurralado durante horas por algum chato em um bar, voltava para casa pensando: "Que desperdício de tempo? Por que não fiquei no recôndito do lar, lendo os clássicos?".

Fazia isso aos finais de semana - sair aos sábados é para amadores. Aos sábados, ia ao supermercado que tinha ali perto e me abastecia com víveres. Podia ser algo simples. Por exemplo: uma baguete francesa, finas lâminas de presunto, um pedaço de queijo gouda, tomates gaúchos e azeite de oliva. Não precisa mais.

Em casa, cortava fatias do pão da espessura de um dedo minguinho e as preparava como se fossem tapas, umas com presunto, outras com queijo, todas com uma rodelinha de tomate por cima e banhadas por um fio de azeite, às vezes salpicadas com pimentinha-do-reino ou temperadas com dois pingos de mostarda. Isso, mais um vinho tinto, um bom romance policial ou um denso filme de suspense na TV e, pronto, temos uma deliciosa noite de sábado pela frente.

Às vezes, sofisticava. Lembro de um sábado em que fiz o seguinte: já na sexta deixei um naco de bacalhau deitado em uma bacia de água, a fim de dessalgá-lo. No dia seguinte, depois do Jornal Nacional, aprontei o arroz e pus de lado. Em seguida, fiz um refogado com uma única cebola picada e três dentes de alho bem amassados.

Acrescentei o bacalhau anteriormente desfiado. Quando o bacalhau ficou dourado como as pernas de Marina Ruy Barbosa ao sol das ilhas gregas, juntei quatro tomates vermelhos, depois tiras de pimentão também vermelho e, por fim, azeitonas sem caroço. Assim que a alquimia se tornou una e indissociável como o casamento de Tarcísio e Glória, joguei ali o arroz. Abri um vinho branco da serra gaúcha. Pus um filme antigo para rodar, Um Corpo que Cai, do velho Hitch. E fui feliz.

Hoje, até posso fazer essas coisas aos finais de semana, mas nos dias úteis não sou mais um profissional da noite.

Nos Estados Unidos, há uma expressão para essa necessidade de dormir cedo a fim de atender às necessidades da manhã seguinte: "school day". Ou seja: dia de escola. Haverá escola no dia seguinte, então não dá para se esbaldar. Pois, como meu filho tem escola, não me esbaldo. Por volta das 10 e meia, vou para a cama, leio um livro e, aos poucos, sinto que o sono vem e vai tomando conta de mim e meus olhos vão fechando e o que está escrito vai perdendo o sentido. Então, fecho o livro, apago a luz do abajur, acomodo a cabeça no travesseiro e suspiro, sorrindo.

O calor dos cobertores me envolve e, lá fora, apenas o silêncio murmura. Às vezes penso que, naquele mesmo instante, há gente na rua, talvez bebendo, talvez rindo, talvez brigando, talvez amando ou desamando. Que se divirtam. Não os invejo. Estar aqui, quieto, quente e satisfeito, estar aqui comigo mesmo pode até não ser uma grande diversão, mas pode ser, e é, bom.

DAVID COIMBRA

11 DE MAIO DE 2019
DUAS VISÕES

O AMOR QUE SUPERA TUDO

A experiência da maternidade sem um parceiro do lado é, sem dúvida nenhuma, diferente, e algumas coisas só podem entender as mulheres (e homens) que passaram por isso.

Você é mãe e pai ao mesmo tempo. Pode ser legal em alguns momentos, mas em muitas ocasiões é simplesmente exaustivo. Não preciso negociar nada com ninguém, as decisões são somente minhas. Claro que não é fácil, mas isso me proporciona uma autonomia única. A mãe solteira não tem que conversar nem discutir sobre o que considera melhor para o seu filho: religião, escola etc. O que eu quero para a minha filha eu faço.

A relação com a minha filha é de um companheirismo único, eu sei que sou "a" pessoa que ela pode ter do lado. Sou eu na linha de frente para todas as coisas, seja lá o que aconteça. Eu espero de todo o coração que a história familiar não a machuque demais, mas no fundo sei que muito provavelmente em algum dia, em algum momento, vai doer.

Passar por um parto "sozinha" me trouxe uma força incomparável e difícil de explicar. Me senti tomada por uma energia e uma coragem que me fizeram acreditar que eu iria conseguir passar por qualquer coisa sozinha.

Minha família é minha base de sustentação, meus maiores apoiadores. Minha mãe foi a pessoa que me acompanhou durante todo o pré-natal e me deu a mão quando eu mais precisei. Toda a ajuda e o carinho vindos da família são fundamentais para a minha filha. Às vezes, contudo, eu tenho que explicar para a minha família que a mãe da criança sou eu.

Ser mãe e pai é muito doído. Mesmo sabendo que você é capaz de fazer qualquer coisa por essa pessoinha que você tem do lado, você se pergunta constantemente se você está dando conta do recado e quanto tempo mais vai aguentar tudo isso sozinha. Sim, faltam coisas, nem tudo é perfeito, mas minha filha é a coisa mais importante da minha vida. E esse amor gigantesco me faz superar todos os dias.

Parabéns a todas as mães (e pais) que criam seus filhos sozinhas. Essa tarefa não é fácil para ninguém. Seus sentimentos, suas ações e suas vitórias irão acompanhá-la por toda a vida, e algum dia você vai verdadeiramente se dar conta do quanto você é forte.

ANA CAROLINA SCHWAB DANTAS Fisioterapeuta fisio.ana@uol.com.br

11 DE MAIO DE 2019
DUAS VISÕES

UM PÃE PARA OS MEUS FILHOS


Certa vez, o poeta se apropriou da frase atribuída a Maria e colocou no papel: “Ser mãe é padecer no paraíso”.

Sou o caçula dos cinco filhos da dona Ondina, que, com certeza, penou um bocado para dar educação a essa turma mesmo contando com a ajuda do seu Ary, mas isto é uma outra conversa. Sendo assim, sei o valor de uma mãe.

Quis o destino que eu me tornasse um "pãe", como eventualmente sou chamado por meus filhos. Fiquei viúvo aos 47 anos, com três filhos, isso há oito anos. Na época, Matheus com 19 anos, Roberta, 18, e o Caetano, próximo de completar os seus 11 anos.

Como muitos sabem, a criação dos filhos é uma árdua missão. Começava ali a responsabilidade de seguir em frente com o plano de sermos felizes. Não nos restava outra saída. Aliás, não queríamos outra, senão esta. Combinamos que, mesmo sendo muito duro, teríamos que pôr um fim naquele capítulo das nossas vidas, ou naquela primeira parte. A partir desse dia, tínhamos a incumbência de começar a escrever uma nova história e nós seríamos os responsáveis por torná-la a melhor possível.

Eu sabia que mãe ninguém substitui, mas prometi que ao menos iria me esforçar ao máximo para amenizar a falta que a Ivana estava e que sempre estará nos fazendo.

Com a ajuda de todos, isto foi possível. Aprendi muito com eles. Me deram todo o suporte quando, um ano depois, fui demitido do meu emprego de 25 anos e seguraram junto comigo todas as dificuldades que foram surgindo.

Hoje quero só olhar para a frente. Vejo meus filhos estudando, trabalhando em busca de dias melhores e acredito que consegui passar valores fundamentais para se tornarem pessoas do bem. Dei continuidade aos ensinamentos deixados pela mãe deles.

Tenho muito orgulho dos meus filhos, da família que nós formamos e sei que, de um lugar muito especial, a mãe deles assiste a tudo e está muito orgulhosa.

E, neste Dia das Mães, tenho a pretensão de festejar também, mas sabendo humildemente que jamais chegarei aos pés de uma mãe, mesmo sendo um "pãe" para os meus filhos.

MÁRIO FERNANDO DA SILVEIRA ROCHA


11 DE MAIO DE 2019
EDITORIAL

O ASSÉDIO COMERCIAL AOS APOSENTADOS

Fica difícil entender como um esquema desse porte, com base no qual muita gente fatura alto, possa seguir impune durante tantos anos, enquanto as autoridades se mantêm impassíveis

Ainda falta apurar todos os detalhes - o que precisaria ter sido feito há muito tempo -, mas, desde já, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) deve ser responsabilizado pelo escandaloso vazamento de dados cadastrais de aposentados. 

O Ministério Público e a Polícia Federal precisam ir a fundo para que seja possível identificar e punir os envolvidos nesse esquema de sistemático desrespeito a quem simplesmente imaginava poder aproveitar a fase da aposentadoria sem sobressaltos desse tipo. Sigilo bancário é protegido por lei e mesmo as novas normas do INSS, em vigor desde 1º de abril, não estão servindo para proteger os interesses de quem virou alvo preferencial de profissionais habitua- dos a viver de ganhos financeiros.

Como demonstra reportagem publicada por Zero Hora, há sinais evidentes de uma rede de conivência com quem tem como principal objetivo aproveitar-se da vulnerabilidade de cidadãos com uma renda fixa e certa para burlá-los com empréstimos consignados, nem sempre dentro da lei. 

O agravante é que, em muitos casos, as vítimas do esquema são idosos, algumas vezes vulneráveis. O fato de a apuração jornalística demonstrar que, em algumas instituições financeiras, basta fornecer o número do CPF do aposentado para que o funcionário acesse o cadastro, fornecendo os limites de crédito disponível e as condições de pagamento, dá uma ideia da total falta de confidencialidade dos dados.

É inadmissível que muitas pessoas se deem conta da conclusão do processo no INSS por meio de telefonemas de financeiras. Os cidadãos não podem simplesmente desconfiar que já estão aposentados por terem se transformado em alvo de uma poderosa máquina estruturada por todo o país. O interesse desse tipo de atividade é faturar com empréstimos consignados, de baixo risco, devido à reduzida inadimplência.

O desrespeito é tão grande, que muitos aposentados são bombardeados por telefonemas feitos inclusive por máquinas e durante a madrugada, além de repetitivos e-mails, cartas e mesmo mensagens por aplicativos. Fica difícil entender como um esquema desse porte, com base no qual muita gente fatura alto, possa seguir impune durante tantos anos, enquanto as autoridades se mantêm impassíveis.