sábado, 20 de março de 2021


20 DE MARÇO DE 2021
LEANDRO KARNAL

A FÉ DO RAPOSÃO

SERIA UM CRISTÃO MAIS DO QUE UM CATÓLICO? ANTICLERICAL E CRENTE AO MESMO TEMPO? SIM, SE NÃO FORMOS EXIGENTES COM O RÓTULO CRISTÃO.

Teodorico Raposo era um português com algumas leituras, pouco dinheiro e muita disposição para buscar mulheres. Os colegas o apelidaram Raposão. Em resumo, um malandro sedutor.

Teodorico, já sabemos, tem pouco dinheiro e, órfão, vai morar com uma tia em Lisboa. Dona Patrocínio é austera, carola ao extremo, distante, fria e avessa a insinuações de corpos ou de sexo. Rica, com sua bolsa verde de moedas de ouro, a "horrenda senhora" (como a apelida o Raposão) não tolera "relaxações". Apesar de o narrador a chamar carinhosamente de "Titi", nada existe de afeto ou carinho entre os parentes.

Afeito a saias e pouco a trabalho sistemático, ao Raposão só cabe esperar a herança da tia beata. Para continuar sob suas graças, ele finge um extremo de vida devota. Frequenta missas em Lisboa, reza no oratório da casa, pratica jejuns com cinismo teatral. A senhora Patrocínio das Neves revira os pertences do sobrinho em busca de evidências femininas. A esperança do libertino é a morte da mulher de preto, cena que ele antecipa mentalmente com requintes de prazer.

Estou, claro, descrevendo o texto A Relíquia (1887), de Eça de Queiroz. Eu tinha lido há décadas e, agora, escutei-o fazendo corridas pela manhã. Sempre é bom revisitar uma obra clássica. Reencontramos cenas, prestamos atenção em coisas novas, vemos com outro olhar. Quando descobri o autor, há quase 40 anos, foquei na troca de embrulhos e na cena hilária da relíquia entregue à tia. Escutando a narração, foquei no sonho-delírio do Raposão na Terra Santa. Em busca do objeto sacro que garantiria a herança desejada, o português volta aos tempos de Jesus e assiste ao julgamento, morte e não ressurreição, já que ele cria a hipótese de o Messias ter morrido de fato e ter seu corpo deslocado da tumba de José de Arimateia.

Todo o enfoque religioso da obra é século 19 na veia. São críticas violentas à Igreja, ataques à hipocrisia do comportamento religioso, desnudamento da pompa litúrgica em detrimento da caridade e do amor fraterno. Como em O Crime do Padre Amaro, Eça desbanca o clero português e a credulidade mágica das pessoas. Existe simpatia com o homem Jesus e pouca devoção ao Cristo teológico. Eça parece detestar a Igreja Católica e sorrir com a humanidade do filho de Maria.

O que antes eu não tinha notado é que o Raposão tem muito do próprio Eça. Continua um crente. Comove-se com a dor do Nazareno, ainda que lhe negue a divindade ou renegue a ideia da ressurreição. Raposão é anticlerical, talvez um ariano (negação da divindade de Jesus) e, certamente, um escravo da sensualidade Ateu ou sequer agnóstico? Não! Raposão tem fé, ainda que não na Igreja de Roma.

Não vou contar o final para que não me acusem de spoiler em relação a um livro com mais de 130 anos. Evito comentar como termina a Odisseia ou A Divina Comédia para não estragar o prazer improvável da pessoa que brada "não conta, não conta"! Guardemos, pois, esses segredos de Polichinelo.

Volto à fé de Raposão. Ele busca o prazer e tem certa simpatia pelo sofrimento alheio. Chega a melhorar de caráter ao final. Parece uma pessoa comum, sem extremos em relação ao saber ou à religião. Quer viver bem e ter momentos excitantes com mulheres. Aliás, tanto a sua Adélia portuguesa como a Mary inglesa traem Raposão.

Raposão detesta a hipocrisia dos tartufos de todos os matizes. Apesar de mentir muito, julga que é obrigado a fazê-lo. O subtítulo da obra é significativo: Sobre a Nudez Forte da Verdade - O Manto Diáfano da Fantasia. A verdade nua é uma metáfora típica do século 19. Lembro-me do célebre quadro de Jean-Léon Gérôme: A Verdade Saindo do Poço (1896). No quadro, vemos uma mulher despida e com olhar de raiva, segurando um chicote para açoitar os homens mentirosos. Raposão odiava as mentiras da sociedade portuguesa do 19, ainda que não se incluísse entre os que mereceriam apanhar de chicote da verdade furibunda.

A fé do lusitano envolve sua cultura católica, sua ancestralidade portuguesa. Quando entra no Jordão para se banhar, sente-se invadido por genuína euforia cristã. "Ao princípio, enleado de emoção beata, pisei a areia reverentemente como se fosse o tapete de um altar-mor; e de braços cruzados, nu, com a corrente lenta a bater-me os joelhos, pensei em São Joãozinho, sussurrei um padre-nosso." Ao saber que encontraria o próprio Jesus, o cínico Teodorico abandona sua casca de desdém e comenta que "os meus joelhos católicos quase bateram as lajes, num impulso de ficar ali caído, enrodilhado no meu pavor, rezando desesperadamente e para sempre. Mas logo como uma labareda chamejou por todo o meu ser o desejo de correr ao seu encontro e pôr os meus olhos mortais no corpo do meu Senhor, no seu corpo humano e real, vestido do linho de que os homens se vestem, coberto com o pó que levantam os caminhos humanos!...".

Seria um cristão mais do que um católico? Anticlerical e crente ao mesmo tempo? Sim, se não formos exigentes com o rótulo cristão. Era um homem comum, como a maioria em relação à religião: vida voltada para si, respeito cultural, hábitos, horror à autoridade. Boa semana para as raposas, os lobos, os cordeiros e as araras da sempre complexa fauna cristã.

LEANDRO KARNAL

20 DE MARÇO DE 2021
ELIANE MARQUES

O MAL-ESTAR DAS ESTÁTUAS

Por volta de 1835, um grupo de quilombolas, organizado segundo funções e hierarquia internas, acendeu as chamas da revolta no entorno das charqueadas, na Serra dos Tapes (Pelotas), ameaçando o sono de senhores, sinhás e capatazes. Prometia-se 400 mil reis pela cabeça do chefe do "bando", o general Manoel Padeiro, e 200 mil por seus companheiros. Entre eles, a destemida Rosa. Em junho de 2020 correu a notícia de que Pelotas homenagearia o herói, com busto, escultura ou estátua.

Em 13 de março de 2021, autoridades inauguraram em frente à Câmara do Rio de Janeiro uma placa em homenagem à vereadora Marielle Franco, nos moldes das usadas na identificação dos logradouros daquela cidade. "Mulher negra, favelada, LGBT e defensora dos direitos humanos. Brutalmente assassinada em 14 de março de 2018 por lutar por uma sociedade mais justa". Essa é a inscrição na placa. Em outubro de 2018, com a justificativa de que fora erigida de modo ilegal, políticos haviam quebrado outra placa em homenagem a ela.

Quando se ergue uma estátua ou se afixa uma placa em espaços públicos, a quem prestamos homenagem, à que projeto de sociedade aplaudimos? A remoção desses monumentos remove a história ou outra história associada a essa remoção será contada? O possível busto do general Padeiro e a placa à vereadora Marielle Franco tensionam o debate provocado por tais perguntas.

Ao olharmos para uma estátua, somos remetidos ao tempo em que aquele bloco de pedras era vida; quando representava as aspirações do grupo dominante ou enunciava uma ruptura com esse. Nos idos de 1835, Padeiro era um malfeitor, odiado pelas autoridades e pelos donos das charqueadas. Cortar sua cabeça significava cortar a cabeça dos quilombolas e espetaculizar a vingança da sociedade branca contra o braço negro que lhe dava sustento. A estátua de Padeiro seria a sua cabeça cortada.

O monumento também nos arremessa ao tempo em que foi posto em praça pública, quando, talvez, tenha falado, sem palavras, do projeto de sociedade em voga, como a estátua do bandeirante Borba Gato (1649-1718), inaugurada em 1963 em São Paulo.

E, por fim, no tempo de hoje, talvez aquele bloco de pedras continue falando da "visão de mundo" do grupo social dominante, mas agora em disputas discursivas encabeçadas pelos cabeças cortadas e que, por hora, puderam articular um discurso contrário ao apagamento da memória de Manoel Padeiro e crítico à permanência de uma estátua de Borba Gato, por exemplo.

As estátuas, placas e outros monumentos respondem às perguntas ontológicas quem sou eu ou quem somos nós e à questão ética de como devemos viver ou o que é a boa vida. Até pouco tempo essas perguntas eram respondidas com fundamento em um projeto de modernidade branca-europeia como único e verdadeiro. Por isso o pavor pelo debate sobre o destino dos monumentos que representam assassinos, escravizadores, traficantes. Vivemos num mal-estar porque teremos de renunciar a muitos lugares que tínhamos como garantidos, como se fossem essas estátuas que pensávamos eternas ou jamais removíveis.

ELIANE MARQUES

20 DE MARÇO DE 2021
DRAUZIO VARELLA

MULHERES CRIAM FILHOS, ACUMULAM PLANTÕES E LIMPAM A CASA NA FOLGA

Deu no que deu. É a crônica de uma tragédia anunciada: caminhamos para perder 3 mil brasileiros por dia.

Não temos estrutura hospitalar para dar conta dos que procuram os prontos-socorros e superlotam nossas enfermarias e UTIs, do Amazonas ao Rio Grande do Sul, passando por São Paulo, o Estado mais rico.

É a consequência das ações e atitudes da autoridade máxima do país, que desde o início da epidemia fez de tudo para combater as medidas de prevenção, da irresponsabilidade demagógica de muitos governadores e prefeitos incapazes de impor restrições à movimentação nas cidades nos momentos cruciais e do egoísmo fratricida dos nossos conterrâneos que decretaram por conta própria o fim da epidemia, comemorado com desfaçatez perversa nas festas e aglomerações.

Quem teve o privilégio de nunca haver entrado numa UTI com todos os leitos ocupados não faz ideia do inferno vivido pelas equipes de plantão. As emergências e as solicitações são ininterruptas, atender a todas é humanamente impossível quando há 20 ou 30 pacientes em estado crítico e um punhado de profissionais para cuidar deles.

Enquanto todos se mobilizam para socorrer um paciente em parada cardíaca, outro fica mais grave porque o aparelho de ventilação mecânica deixou de ser ajustado, ao mesmo tempo em que uma senhora inconsciente aspira o próprio vômito e o monitor de um dos leitos dispara o alarme para indicar queda da pressão arterial.

Quem já viveu situações como essas sabe que há horas nas quais nos sentimos tão estressados e impotentes, que dá vontade de sair correndo para nunca mais voltar.

A demanda crescente por plantonistas nas UTIs leva à contratação de profissionais que nem sempre receberam treinamento adequado. Para piorar, os salários baixos obrigam muitos a trabalhar em mais de um hospital.

A insegurança financeira, o medo de contrair o vírus e infectar os familiares, o cansaço físico, a sucessão de noites mal dormidas, a frustração por não conseguir realizar o melhor atendimento e o convívio com a morte onipresente causam impactos psicológicos que nem todos conseguem suportar.

Outro dia, ouvi o desabafo de um colega que, ao sair de um plantão no qual precisou dobrar o turno, para cobrir o horário de um companheiro que havia morrido de covid, passou por um bar na Vila Madalena lotado de gente sem máscara: "Senti vontade de descer do carro e esbofetear um por um aquele bando de imbecis".

Nesta semana seguinte à do Dia Internacional da Mulher, quero fazer uma homenagem àquelas que estão na linha de frente do atendimento de pacientes com covid. São enfermeiras, auxiliares de enfermagem, fisioterapeutas, fonoaudiólogas, farmacêuticas, faxineiras, psicólogas, nutricionistas, médicas, atendentes e outras mulheres que constituem no mínimo 60% a 70% da força de trabalho dedicada aos cuidados com os doentes e seus familiares. Não fossem elas, o que seria de nós?

Essas figuras anônimas criam filhos sozinhas, gastam duas horas para ir e mais duas para voltar do trabalho, acumulam plantões em outras unidades de saúde para cobrir as despesas da família, cuidam das lições dos filhos, da saúde dos pais e ainda cozinham, fazem compras e limpam a casa nas horas em que deveriam descansar.

Quando vejo prestarem homenagens aos "médicos da linha de frente", acho merecido, é claro, mas sinto falta do reconhecimento a essa legião de mulheres que administram os medicamentos prescritos, dão banho nos acamados, levam ao banheiro os que ainda conseguem andar, trocam as roupas de cama e as fraldas dos incontinentes, dão comida na boca, consolam os que se desesperam, seguram as mãos dos aflitos e ainda amparam os parentes inconformados, alguns dos quais transmitiram o vírus ao ente querido.

O que a sociedade oferece em troca dessa generosidade e dedicação aos mais frágeis? Salários baixos, condições precárias de trabalho e de assistência social. Quando perdem a vida por causa do vírus contraído no emprego, os filhos e os que dependem financeiramente delas ficam desprotegidos.

O que leva tantas mulheres a exercer uma profissão que lhes impõe tamanhos sacrifícios, renúncias, tristezas e frustrações para cuidar de pessoas que podem lhes transmitir um vírus capaz de pôr em risco a vida delas e das pessoas que mais amam é um dos mistérios da alma feminina.

DRAUZIO VARELLA

20 DE MARÇO DE 2021
BRUNA LOMBARDI

ANO-NOVO CHINÊS

Num ano de não comemorações, não tivemos Carnaval e do outro lado do mundo chegou o Ano-Novo Chinês, sem festas, festivais, fogos de artifício e sem a tradicional parada do Dragão pelas ruas.

Mas mesmo num ano sem comemorações, precisamos mais do que nunca celebrar a vida. Num momento com tantas perdas e mortes, precisamos buscar equilíbrio e celebrar os bons augúrios, os sentimentos e pensamentos positivos. E a cada dia agradecer.

Agradeço mais uma vez a todos os profissionais da Saúde, que nesse momento duro, enfrentam imensas dificuldades para salvar vidas. Lutam a cada dia com o cansaço, o estresse, a ansiedade, o burnout e a depressão. São os heróis dessa guerra, onde a falta de recursos, a negligência e as brigas políticas fizeram do Brasil um dos campeões da tragédia.

O novo ano chinês pede estabilidade e superação, paciência e perseverança. Tem a regência do signo do Boi e do elemento Metal. Suas características: força de vontade, disciplina e um forte senso de responsabilidade. Vivemos um tempo complexo e indecifrável e de grande aprendizado. Um tempo de imenso sofrimento e perdas.

Estamos aprendendo a resistir, reinventar, reconstruir, repensar tudo o que temos em volta. Sabemos que o mundo não será mais o que foi e nem nós. Nenhum de nós pode ser o mesmo depois de passar por uma experiência dessas. Talvez na virada do ano anterior, quando ninguém podia imaginar o que viria, nossa lista de resoluções acabou esquecida diante de tantos acontecimentos para processar.

Sentimos falta das ruas, da família, do trabalho, dos amigos. Sentimos falta dos encontros, da escola, dos bares. Fizemos reuniões virtuais, conversas remotas, amor pelo vídeo, com beijos à distância, trocamos confidências, mensagens, compartilhamentos. E ficamos próximos. Mesmo sem toda a liberdade de ir e vir, entrar e sair, viajar e voltar, nos comunicamos sem parar.

Juntos sobrevivemos nos segurando naquele fio indestrutível de esperança. Tentando vislumbrar a cada momento uma luz no horizonte. Hoje não importa o pretexto, comemore. Comemore estar vivo e valorize cada vez mais tudo o que te faz bem. Valorize as coisas que pareciam certas e garantidas, mesmo sem ser, porque nada é.

Perceba como os abraços são importantes, os gestos de carinho, o conforto das palavras. O ar que você respira, a brisa, o vento, a beleza que te cerca.

Comemore os seus sonhos, seus desejos, mesmo os que não aconteceram. Eles te ajudaram a seguir. Comemore e espalhe alegria por aí. E pode desperdiçar alegria sem medo, que nesse momento vai ajudar a todos.

Ninguém precisa de grandes festas para ser feliz. Basta saber que não estamos sozinhos e que podemos contar uns com os outros. Mesmo no isolamento estamos mais unidos do que podemos supor.

Passei uns dias num sítio afastado e de noite fiquei olhando a mata em silêncio. No céu, tinha uma quantidade desmedida de estrelas de tirar o fôlego. E entre as árvores brilhavam vagalumes. Comemorei.

E lembrei do verso de um poema meu que diz:"Qualquer pequena luz pra mim é festa e me ilumina".


20 DE MARÇO DE 2021
J.J. CAMARGO

COM O PÉ QUE É UM LEQUE

Conheci a Cleusa na virada do século. Tinha um derrame pleural recorrente cuja investigação concluiu tratar-se de um mesotelioma difuso, um tumor maligno, com muita frequência incurável.

Numa das primeiras consultas, após os exames revelarem que era um tumor operável, ela interrompeu para pedir: "Sou viúva e procuro poupar meus dois filhos das decisões que, afinal, só eu posso que tomar. Então me conte das expectativas e dos riscos".

A surpresa estava a caminho. Quando pareceria razoável que perguntasse sobre dor, tempo de internação, limitações pós-operatórias, ela foi objetiva: "Em quanto tempo já posso viajar?". Com ela, aprendi que não é possível ser feliz sempre no mesmo lugar.

Essa conversa ela sempre encerrava com um comentário debochado: "Adoro meu país, mas tenho certeza de que ele suporta a minha ausência, uns dois meses por ano!".

Vinte anos depois, ela mantém a rotina de duas consultas anuais, e com propósitos diferentes. A primeira para um check-up que lhe assegure viajar sem sustos, e a segunda, na volta de mais um tour, para me contar o quanto foi maravilhoso, e de como descobrira um roteiro espetacular para cumprir no próximo ano. Suas queixas eram sempre relacionadas com o envelhecimento das amigas que não conseguiam acompanhar-lhe o passo.

Numa dessas ocasiões, referiu a perda de uma companheira que morrera de um infarto, ao 79 anos. Com um ar pesaroso, comentou: "Era uma amiga tão encantadora, que a gente lhe perdoava todos os atrasos". Eu ri do comentário, ela não. Era coisa séria: "Dói muito perder uma amiga que sabia até o número do meu cartão de crédito!".

E então ela, aos 83 anos, contou do critério que passara a adotar na seleção das novas companheiras que quisessem se incorporar ao grupo que virava o mundo anualmente - elas tinham que ter menos de 70 anos - porque "é muito desagradável substituir as parceiras porque elas simplesmente, morreram!".

A última história que soube dela é maravilhosa:

Voltando para casa numa tarde chuvosa, encontrou um carro dos Bombeiros na calçada e todos os condôminos na rua. A ocorrência de um princípio de incêndio no último andar obrigara a evacuação do prédio. Depois de uns minutos assistindo àquela agitação, ela, de repente, saiu em disparada, quase atropelou o bombeiro que vigiava a portaria, descobriu que o elevador estava bloqueado e subiu pela escada até o seu andar.

Enquanto isso, as vizinhas conjecturavam, na calçada, sobre o que ela correra para resgatar: uma joia preciosa? Uma lembrança do falecido? Quem sabe uns dólares escondido no colchão? Um dos vizinhos comentou: "Coisa pouca não deve ser!".

Dez minutos depois ela voltou, ofegante, mas sorridente, e com ele na mão, como um trunfo. "Lembrei do meu passaporte porque vou viajar na semana que vem, e nesse tempo eu não conseguiria um novo!".

Pelos resmungos, ninguém entendeu. Eu entenderia, mas pra quem não tem o pé no mundo nem adianta explicar!

J.J. CAMARGO

20 DE MARÇO DE 2021
DANIEL SCOLA INTERINO

Onde estão os nossos líderes?

Houve um momento decisivo no século 20, durante a Segunda Guerra Mundial, em que a postura de um líder foi determinante para definir entre o que a humanidade é hoje e o que poderia ter sido. Em maio de 1940, um parlamentar velho, excêntrico e longe de ser unanimidade política foi escolhido primeiro-ministro do Reino Unido para liderar a nação no momento mais grave da história, quando a invasão nazista era considerada iminente. Não fossem a insistência, a força dos argumentos e a promessa de que "nós nunca nos renderemos", a história poderia ter sido completamente diferente. 

Seu antecessor, Neville Chamberlain, chegou a assinar um acordo com Hitler em 38, ao que Churchill reagiu: "Entre a desonra e a guerra, escolheste a desonra e terás a guerra". Opositores e aliados desconfiavam da capacidade de resistência e liderança frente a uma máquina de guerra jamais antes vista. É fácil olhar para o passado e ver quem tinha razão. Difícil, e aí entra em cena o verdadeiro líder, era perceber o que precisava ser feito naquela momento crítico da história.

A queda do grande Império Britânico nas mãos de Hitler teria dado outro rumo e provavelmente outro destino à guerra. Até hoje, a possibilidade de um mundo dominado pelo nazismo é uma das distopias que mais nos assombram. Coube a Churchill o papel central e decisivo de reunir forças para reerguer o país, proteger a população, manter o moral elevado mesmo sob intensos ataques de bombardeiros que "escureciam o céu" e, acima de tudo, trazer os Estados Unidos para uma força aliada. Churchill era movido por um desejo irrefreável de vitória. Sob seu governo, os britânicos mantiveram a esperança de êxito mesmo nos momentos em que tudo levava a crer na derrota. Com suas marcantes convocações pelo rádio, restaurou a confiança de um país que foi ao chão e convenceu o mundo de que havia espaço para a reação. Doris Kearns Goodwin, professora de História em Harvard, examinou quatro exemplos de presidentes que mudaram o rumo dos Estados Unidos pela forma como exerceram a liderança. 

Em Liderança em Tempos de Crise, ótimo livro que saiu no fim de 2020, Goodwin analisa as crises enfrentadas por Abraham Lincoln, Theodore e Franklin Rosevelt (primos distantes) e Lyndon Jonhson e faz perguntas simples como " indivíduos nascem ou se tornam líderes?". Todos esses presidentes eram dotados de muitas qualidades: inteligência, empatia, energia, habilidade para lidar com pessoas e capacidade de oratória. Mas foi na crise, no momento-chave em que um país inteiro precisou de um guia, que eles se destacaram. "Sem guerra, não há grande general" disse Theodore Rosevelt.

Lincoln enfrentou uma Guerra Civil pelo fim da escravidão e venceu; Theodore Rosevelt encarou as profundas transformações sociais e econômicas da Era Industrial e organizou o país; Franklin Rosevelt reconstruiu a economia depois da quebra da bolsa em 1929 implementando o New Deal e decidiu, contra a opinião de muitos, entrar na Segunda Guerra. Lyndon Jonhson foi um caso mais curioso. Depois de ter enfrentado um grande problema doméstico, pôr fim ao segregacionismo nos Estados do sul, uma cicatriz que parecia incurável, se tornou líder marcado pelo desastre no Vietnã. Cada um em seu tempo na história e sob circunstâncias diferentes, os quatro presidentes deixaram lições que são perenes. 

Doris Goodwin identifica algumas características comuns dos grandes líderes: 1- Reconheça quando políticas fracassadas exigem mudança de direção; 2- Reúna informações em primeira mão, faça perguntas; 3- Encontre tempo e espaço para pensar; 4- Recorra a todas as possibilidades de compromisso antes de impor o poder executivo unilateral; 5- Encontre pontos de vista antagônicos; 6- Assuma total responsabilidade por uma decisão crucial; 7- Não permita que ressentimentos passados persistam, transcenda as vendetas pessoais; 8- Estabeleça um padrão mútuo de respeito e dignidade, controle a raiva; 9- Proteja os colegas da culpa; 10- Mantenha a perspectiva em face tanto do louvor quanto da agressão; 11- Saiba quando esperar e quando avançar; 12- Coloque o interesse coletivo acima do autointeresse.

Olhando para história, me pergunto: onde estão os líderes do nosso tempo? Quem realmente merece fazer parte dos que serão lembrados na história como grandes líderes do século 21? Onde estão aqueles que podem nos guiar na hora mais difícil da nossa geração? Quem será capaz de infundir em nós um senso de propósito e perspectiva. A crise atual também é uma crise de liderança generalizada.

Há quem prefira, como alternativa, se iludir com figuras de ocasião. Para estes, é bom lembrar que a história é intolerante a fake news.

*David Coimbra está em licença-saúde. - DANIEL SCOLA | INTERINO


20 DE MARÇO DE 2021
FLÁVIO TAVARES - 
Jornalista e escritor

E OS JACARÉS?

Quando a saúde humana está em perigo é absurdo falar de bichos, em especial do mais feio e assustador deles - o jacaré. Atrevo-me a isto, porém, porque no Brasil atual o presidente da República transformou o jacaré em figura mítica.

Lembram-se de quando Bolsonaro disse que a vacina contra a covid-19 poderia nos transformar em jacaré? Mostrada na TV, a frase teve tom de irônica metáfora, mas os adeptos do presidente saíram a repeti-la como verdade absoluta, quase dogma. Assim, espalharam dúvidas infantis sobre a vacina, aumentando a confusão comandada pelo presidente e o então ministro da Saúde.

Agora, a pandemia cresce e mata tão intensamente, que Bolsonaro viu-se forçado a trocar o general-ministro da Saúde por um médico. Em termos científicos, Marcelo Queiroga supera o antecessor, que nada conhecia da área médica e confessou não saber sequer o que era o SUS. O novo ministro, porém, foi contraditório ao apresentar-se aos brasileiros.

Por um lado, prometeu "basear-se na ciência", com o que repudiaria a cloroquina e outras mágicas inventadas por Bolsonaro. De outro, repetiu a tolice de seu antecessor, frisando que "a política de Saúde" é do presidente e que o ministro é só "o executor".

Ou seja, informou que não será ele, mas sim Bolsonaro quem vai ditar as regras. Assim, repetiu a tolice do general Pazuello ao frisar que "Bolsonaro manda e eu obedeço".

Enquanto isso, outra doença secreta ataca à luz do sol - o aumento de preços do que seja essencial, porta aberta ao horror da inflação. Tentando evitá-la, o Banco Central aumentou a taxa de juros.

O problema atual da economia, porém, não é a taxa de juros, mas a vacinação tardia e o descuido do governo que fez a pandemia se alastrar e matar. Este é o jacaré faminto que nos espreita no charco e até no seco.

O terrível da pandemia é não sabermos localizar a fonte do contágio, sem o que não há formas de combatê-la na origem. É o tal de "um mal leva a outro muito pior". Com bloqueio total, salvam-se vidas, mas a vida se paralisa. Tudo fecha e não haverá onde comprar sequer um alfinete. Resta só a prevenção que começa pela vacina e por usar máscara sempre, lavar as mãos, evitar contatos pessoais e nunca se aglomerar.

Devíamos nos unir nesta visão, como oposição e governistas se uniram no Congresso, dias atrás, para anular as dívidas e multas tributárias (de mais de R$ 1 bilhão) das chamadas igrejas pentecostais dedicadas a dizimar e morder para engolir, como se fossem jacarés.

FLÁVIO TAVARES

20 DE MARÇO DE 2021
OPINIÃO DA RBS

SOCORRO AOS HOSPITAIS

Merece extrema atenção o grito de socorro de hospitais, prefeituras e governos estaduais sobre o risco de falta de medicamentos e oxigênio para o amparo a pacientes com covid-19. Enquanto há sucessivos recordes de internações em UTIs e uma corrida contra o tempo para abrir mais leitos, gestores alertam que estão próximos do fim os estoques de drogas utilizadas nos procedimentos de entubação, como os anestésicos. No Rio Grande do Sul, o aviso quanto ao quadro dramático partiu da Federação das Santas Casas, que responde por cerca da metade das vagas de tratamento intensivo.

Em um apelo no mesmo sentido, o Fórum Nacional de Governadores encaminhou um ofício ao Planalto chamando a atenção para a iminência da falta de 11 remédios como sedativos, anestésicos e bloqueadores neuromusculares, com a súplica para que o Executivo busque, se for o caso no Exterior, os produtos que estão em vias de acabar. Movimento semelhante foi feito pela Frente Nacional de Prefeitos.

A situação calamitosa, que ameaça agravar ainda mais a tragédia que se abate sobre o Estado e o país, requer uma resposta imediata. Pela premência, não é possível aguardar a ação de Brasília, apesar do esforço para que ela aconteça, com resultados nas próximas semanas. A busca por saídas tem de ser imediata. No caso do Rio Grande do Sul, felizmente, foi deflagrada na quinta-feira uma mobilização para sensibilizar os poderes que recebem recursos públicos sobre a necessidade de redirecionar recursos para a saúde.

A iniciativa, que teve no programa Atualidade, da Radio Gaúcha, o ponto de partida, fez os poderes e órgãos autônomos do Estado se unirem e anunciarem na sexta-feira à noite a destinação de R$ 70 milhões de seus orçamentos para ajudar os hospitais. São verbas que serão repassadas por Assembleia, Tribunal de Justiça, Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunal de Contas do Estado para o custeio de leitos, medicamentos e demais insumos. O montante será, depois, complementado pelo Executivo. É um movimento de solidariedade que se espera que ganhe novas e importantes adesões nos próximos dias. Outra medida relevante, em elaboração pela Secretaria Estadual da Fazenda, é a isenção de ICMS sobre equipamentos e produtos doados para a rede hospitalar do Rio Grande do Sul. Será, certamente, um incentivo para mais contribuições.

Há um outro aspecto relacionado à súplica dos hospitais que precisa ser tratado pelas autoridades competentes: o aumento absurdo de preços dos insumos médicos. Há relatos de alta de até 300% nos valores. Mesmo que exista aumento de demanda, os reajustes citados por gestores são injustificáveis. É execrável aproveitar-se de uma situação catastrófica e do momento de desespero, com vidas em jogo, para auferir lucro desalinhado com as leis de um mercado ético. Mas a prioridade, agora, é unir esforços em torno da busca por viabilizar que os hospitais tenham os medicamentos e equipamentos necessários. Todas as energias devem ser canalizadas para evitar uma calamidade ainda maior, que se traduziria em mais mortes evitáveis pela impossibilidade de atendimento adequado.

OPINIÃO DA RBS


20 DE MARÇO DE 2021
ACERTO DE CONTAS

Fábrica triplicada e 25 lojas planejadas

Uma fábrica que será triplicada e dezenas de lojas são as boas novidades do empresário Ricardo Farina, sócio da Todeschini e presidente da Criare e da Italínea. Ele lembra como a pandemia trouxe incertezas e o levou a repensar o negócio em alguns momentos, mas disse também que a empresa identificou aumento na procura do consumidor por móveis para a casa e passou a apostar na oportunidade. Aos empreendedores, recomendou:

- Se o empresário quer ver o sol, ele precisa sair da sombra.

A fábrica que será ampliada fica em Bento Gonçalves, e a preparação do terreno foi iniciada, conta Farina. Atualmente, ela tem 54 mil metros quadrados e produz 25 milhões de peças por ano.

- Lá, são produzidos os móveis de todas as marcas da Todeschini.

E uma delas é a Criare, que trabalha com móveis planejados para classes A e B e quer faturar 30% mais em 2021. Para isso, abrirá 25 novas lojas exclusivas pelo país, somando-se às atuais 51 unidades. Criada há 18 anos, a marca inaugurou recentemente um showroom no parque fabril da empresa, na Serra, que também pode ser visitado virtualmente.

Boa causa

Já superam R$ 145 mil os lances do leilão de obras de arte e objetos do Hotel Laje de Pedra que será realizado neste sábado. Todo o dinheiro arrecadado com os 87 lotes será usado para aquisição de respiradores, bomba de infusão e monitor cardíaco para ajudar o Hospital de Caridade de Canela a combater a covid-19. O hotel foi fechado em 2020 e vendido recentemente por R$ 52 milhões.

GIANE GUERRA

20 DE MARÇO DE 2021
IMPACTO NAS COMPANHIAS

Crescimento rápido e meta antecipada

Em meio à crise sanitária, produtos e serviços voltados à área da saúde tiveram salto substancial de demanda. Foi o caso da DHMed, empresa instalada no Parque Científico e Tecnológico da PUCRS (Tecnopuc) voltada à venda de equipamentos médicos. Com a criação de novas frentes de atuação, como o aluguel dos materiais e o conserto de ventiladores pulmonares, viu o faturamento atingir R$ 15 milhões em 2020, alta de 300% frente ao ano anterior.

Em um ano, a lista de clientes pulou 600 para 4 mil, todos na Região Sul, foco da companhia. Em 2021, a DHMed planejava faturar R$ 50 milhões. No entanto, com a demanda ainda mais aquecida, deve bater esta meta no primeiro trimestre. Por causa da pandemia, os ventiladores se tornaram carro­chefe da empresa. Foram mais de 1 mil equipamentos disponibilizados no mercado, além de monitores que medem os sinais vitais dos pacientes, oxímetros e outros itens focados para UTIs.

- A principal sensação que temos é a de que estamos contribuindo no combate à pandemia. Sabemos que cada equipamento vai chegar na ponta final, ajudando médicos e enfermeiros - ressalta Rafael Heck, diretor-executivo.

Com o aumento no número de casos e internações por covid-19, a empresa só está conseguindo entregar novos ventiladores em 60 dias. Paralelamente, a procura pelo conserto dos equipamentos segue em alta. Para dar conta da quantidade de serviço, a DHMed dobrou o quadro de funcionários desde o ano passado, passando de 20 para 40 pessoas.

Soluções

A empresa também passou desenvolver soluções específicas para atenuar os efeitos da pandemia. A ideia é disponibilizar um equipamento para fornecer oxigênio umedecido e aquecido em alto fluxo aos pacientes com sintomas leves e inicias de covid-19, acompanhado de um oxímetro de pulso. Assim, consegue-se driblar a necessidade do ventilador, caso não esteja disponível.


20 DE MARÇO DE 2021
DISTANCIAMENTO CONTROLADO NA SAÚDE

Estado tem 390 mortes em 24 horas

O Rio Grande do Sul teve 390 novos registros de mortes por coronavírus em 24 horas, nesta sexta-feira. O número está no boletim diário divulgado pela Secretaria Estadual da Saúde. A pasta contabiliza todas as mortes que chegaram ao seu conhecimento no período, mas elas não necessariamente ocorreram no mesmo dia.

Este é o segundo dia com maior registro de óbitos desde o início da pandemia. O maior ocorreu na última terça-feira, quando foram anunciadas 502 vítimas. Agora, o Estado contabiliza 16.507 mortes desde março do ano passado.

Ainda foram confirmados 9.381 novos infectados pela doença, chegando a 780.186 casos de coronavírus. Os recuperados representam 727.744, o equivalente a 93% do total de ocorrências. As cidades que mais confirmaram óbitos foram Porto Alegre, com 93 falecimentos, seguida por Canoas, com 17, Guaíba, com 12, Santana do Livramento, com 11, e Alegrete, com 10 vítimas.

Já o Ministério da Saúde informou que foram registrados 86.982 novos casos no país e mais 2.724 mortes por covid-19 em 24 horas, nesta sexta-feira. No total, segundo a pasta, são 11.780.820 pessoas infectadas e 287.499 óbitos.

UTI

Também nesta sexta, pelo terceiro dia consecutivo, as unidades de terapia intensiva (UTIs) em Porto Alegre mantiveram a taxa de ocupação em 114%, com 277 pessoas na fila de espera. Deste total, 239 estavam em emergências de hospitais e 38 aguardavam em prontos- atendimentos.

Até as 16h de sexta, o número de leitos operacionais de UTI na Capital era de 1.019, com seis leitos momentaneamente bloqueados. Havia 1.156 pacientes internados com cuidados intensivos, sendo 825 com covid-19. O número excedente era resultado de improvisação de leitos.


20 DE MARÇO DE 2021
MARCELO RECH

A 140 km/h na chuva

Em um ano, a covid-19 já matou cerca de 290 mil brasileiros, nove vezes mais do que o trânsito, mas as duas estatísticas guardam semelhanças trágicas. O Brasil é um dos campeões mundiais de mortes em ruas e estradas porque, no âmago da nação, impera uma cultura de irresponsabilidade e desprezo pela segurança. Na pandemia, tornamo-nos pária do mundo, e exemplo do que não deve ser feito para controlar o vírus, porque, à imprevidência e ao vácuo na liderança federal, muitos somam um permanente estado de infantil rebeldia contra a ordem coletiva.

Tomemos como exemplo as máscaras, um recurso que não exige maiores sacrifícios para prevenir o risco de contágio. Os estudos convergem para uma redução substancial de contaminação com o uso adequado de máscaras eficazes. No entanto, apesar da obrigação moral e ética, e agora legal, de se usar máscaras em cidades devastadas pela doença, ainda se vê um festival de pessoas ignorando o apetrecho ou empregando-o como secador de suor na papada.

Usar ou não máscaras, e de forma apropriada, é como dirigir um carro. Imagine um motorista de automóvel revisado, rodando em estrada segura a 80 km/h, enquanto um outro, alcoolizado na direção de um veículo com freios e pneus gastos, zune a 140 km/h numa rodovia sinuosa em noite de chuva. O que vai a 80 km/h não está imune a um acidente, mas o irresponsável que desconsidera as regras de segurança tem enorme probabilidade de frequentar as estatísticas macabras e, pela sua atitude, de matar inocentes.

No caso da covid-19, há legiões de vítimas que se cuidam e ainda assim são contaminadas, no mais das vezes como consequência de uma situação imprevista, de circunstâncias obrigatórias, como trabalhadores em serviços essenciais, ou de irresponsabilidades alheias. É aquela situação dos passageiros de um ônibus cujo motorista perde a direção e rola numa ribanceira. As vítimas presas aos assentos são resultado de descuido do motorista, de falha na manutenção do veículo ou de manobras criminosas de terceiros - ou seja, da irresponsabilidade com a vida dos outros, em última análise.

Aglomerações irresponsáveis, festas, conversas sem máscara fora do círculo íntimo familiar e uma cultura de negacionismo, individualismo e, principalmente, do egoísmo do danem-se-os-outros reforçam o coquetel sinistro que nos trouxe a essa situação catastrófica. Assim como não há polícia suficiente para vigiar cada veículo, motorista ou curva, na pandemia somente a consciência individual será capaz de criar a ordem coletiva que gerará o bem de todos. Mas é preciso, primeiro, ter consciência disso.

MARCELO RECH

20 DE MARÇO DE 2021
J.R. GUZZO

Brasil é o quinto que mais vacinou

Após um ano e 280 mil mortos de covid-19, parece bem evidente que alguma coisa, ou muitíssima coisa, deu horrivelmente errado na administração da epidemia por parte das autoridades constituídas. Estão tentando, durante esse tempo todo, proibir a circulação do vírus através de restrições cada vez mais extremadas sobre a vida em sociedade - da redução das frotas de ônibus ao fechamento de prateleiras nos supermercados, experimenta-se de tudo, e nada dá certo. Se tivesse dado, os números seriam outros, não é mesmo?

Como essas autoridades não vão admitir, nem nos próximos cem anos, que possam ter errado em alguma coisa, é pouco provável que façam algo muito diferente do que vêm fazendo até agora. Resta ao cidadão, diante disso tudo, acompanhar os números da vacinação - a única ação do poder público que oferece uma perspectiva de fim de túnel para a calamidade. Os números, naturalmente, são exibidos na mídia como um desastre, dentro do esforço nacional pró-pânico que marca desde o início o noticiário sobre a pandemia. Mas, quando olhamos com atenção os fatos, o quadro que aparece é diferente.

O Brasil, no momento, é o quinto país que mais aplicou vacinas no mundo em números absolutos - chegou aos 12 milhões em dois meses, e o ritmo tende a aumentar. É pouco, claro. Os Estados Unidos, mais ou menos no mesmo período, vacinaram 110 milhões de pessoas, ou mais de 40% de sua população adulta. O Brasil ainda não chegou aos 8%, descontando-se do total os 60 milhões de crianças que não podem ser vacinadas. Mas a curva aponta para cima. Tudo indica que o ritmo vai ser bem mais intenso do que a média mensal de 6 milhões de doses que são aplicadas hoje.

O sistema de vacinação, operado por municípios e Estados, é competente e tem vasta experiência, adquirida nas campanhas regulares para a prevenção de outras doenças - consegue vacinar mais de 1 milhão de pessoas por dia. O que falta, aí, não é gente boa ou trabalho bem feito; é vacina mesmo. É claro que os números vão crescer à medida que crescer a quantidade de doses entregue ao sistema.

O processo pode ser ajudado, também, pela multiplicação do número de postos de vacinação; nos Estados Unidos, como a produção de vacinas é muito alta, as pessoas estão sendo imunizadas em muito mais lugares. A combinação entre quantidade de doses disponíveis e quantidade de locais de aplicação é que responde pelos 110 milhões de vacinados americanos - a população que mais recebeu vacina até hoje em todo o planeta.

Se a vacina tiver, na prática, o impacto na redução de contaminações, internações hospitalares e mortes que seus defensores, até agora, garantiam que ela iria ter, o Brasil está no bom caminho. A menos que a quarentena ampla, geral e irrestrita seja decretada até o Dia do Juízo Final - em busca, aí, de uma "nova sociedade" e não mais do combate à epidemia.

*Conteúdo distribuído por Gazeta do Povo Vozes - J.R. GUZZO

sábado, 13 de março de 2021


13 DE MARÇO DE 2021
LYA LUFT

Em todo começo, a sua magia

Quase na metade da tradução de mais um Hermann Hesse (em tempos idos traduzi vários), com esse delicioso título, minha alma atormentada nestes tempos de preocupação e notícias tristes sente um certo refrigério, que doce título, que doce expressão.

Nem todo começo é assim, claro, muitas coisas na vida começam terríveis, vão adoçando, e viram um idílio - ou só pioram. Ou, pelos menos, são suportáveis. Mas, se formos menos céticos, realmente em cada novo encontro, novo trabalho, novo amigo ou novo amor existe um toque de magia que, se não formos grosseiros ou bobos demais, não há de se desfazer. Mas permanece, e se, regado com afeto e alegria, ou solidariedade e emoção, nos ilumina, se torna um jardim onde conseguimos passear nossas aventuras emocionais mais inocentes, ou menos, não faz mal.

Por algum motivo hoje me encantei, com atraso (isso às vezes me acontece, distraída que sempre ando), com a ternura desse título do livro, que fala em boa parte de memórias de infância do autor, juventude, relações familiares. Há nele um tom melancólico, e enorme encantamento com a natureza. Os tons das árvores, das montanhas, do capim, dos vestidos das irmãs, a bondade discreta da mãe, a autoridade bondosa do pai, o terror de alguns professores, por fim a descoberta de um mentor, aquele mestre admirado embora fosse uma figura excêntrica e cheia de manias. Todos, quase todos, conhecemos essa figura que em algum momento nos marcou com força, e lembramos mesmo depois de décadas, pela importância que teve. Modelo, proteção, janelas e portas abertas para a vida, estrada e conhecimento, qualquer coisa.

Então está sendo uma alegria tranquila traduzir este Hesse, sem maiores dificuldades exceto que, naturalmente, não tenho mais a resistência física antiga, de trabalhar várias horas seguidas de manhã, e a mesma coisa de tarde. Cansa-se o corpo, mas a mente continua no seu giro de lembrar, inclusive, belezas semelhantes da minha vida, e infância.

Árvores, tons infinitos de verde, chuva nas lajes, cheiro de terra molhada, passos do pai no corredor, voz da mãe cantando na sala, brincadeiras com o irmãozinho, sabor de comida em panelas de ferro, e as histórias, muitas vezes sinistras, que as empregadas adoravam me contar porque deviam ver meu pavor estampado nos olhos, e riam de mim: tudo mentirinha, sua boba.

Estamos talvez precisando, sim, de momentos de leveza, como uma amiga querida contando que nasceu mais um netinho, contrapondo-se à dor de ligar o celular de manhã e receber a notícia da morte ou adoecimento de mais uma pessoa querida, a sombra da Peste por toda parte, a tentativa de equilíbrio entre medo e calma, receio e prudência, as notícias desanimadoras ou que causam indignação, que também precisamos equilibrar, porque os tempos (que tempos!) exigem de nós o máximo de sensatez.

Então, essa magia de um novo começo me ilumina quando fico mais triste, ou tensa, e não importa que começo for, porque sempre há tantos, ainda que seja de um trabalho, um livro, uma nova pessoa, uma música que traz encantamento, ah sim, porque também precisamos disso.

LYA LUFT

13 DE MARÇO DE 2021
MARTHA MEDEIROS

Minhas influenciadoras

Estamos no Mês da Mulher e eu, que em outros tempos já demonizei a data, hoje reconheço que é mais uma oportunidade para reafirmar nossos valores, denunciar abusos e homenagear as mulheres que abriram caminhos para nós. Mães, avós e professoras iniciaram nossa formatação, mas não foram as únicas. Você teve suas desbravadoras, eu tive as minhas.

Não seria quem sou se Rita Lee não tivesse me dado colo nas vezes em que me considerei a ovelha negra da família (quem nunca?). Se Marília Gabriela não transformasse suas entrevistas em sessões de psicanálise, sempre mantendo a classe e a firmeza diante de qualquer entrevistado. Se não contássemos com o gigantismo sereno de Fernanda Montenegro, nosso farol. Se Marina Colasanti não tivesse escrito A Nova Mulher e Mulher Daqui Pra Frente, dois livros que foram a minha bíblia: me abriram os olhos sobre a importância da independência feminina e revelaram a aventura que estaria ao meu alcance, se eu ousasse sair da bolha.

Não seria quem sou se não tivesse recebido o apoio, no início da minha carreira literária, em Porto Alegre, de Tania Carvalho, Lya Luft e Irene Brietzke. Se não tivesse conhecido a obra de Maria Adelaide Amaral, se Elisa Lucinda não tivesse me envolvido com a intensidade de sua poesia, se Leila Ferreira não tivesse me ajudado a dar um cavalo de pau numa dor de estimação, se Isa Pessoa não tivesse editado o Divã e se grandes atrizes como Lilia Cabral, Cissa Guimarães, Ana Beatriz Nogueira, Cristiana Oliveira e Julia Lemmertz não tivessem dado voz e graça às minhas palavras no palco - há outras, são muitas, um grande elenco.

De repente, a pandemia. O estupor. Mas o mundo não parou. Hoje, mantenho a busca por mais consciência e representatividade através do trabalho de Eliane Brum, Djamila Ribeiro, Teresa Cristina, Zélia Duncan, Luiza Trajano e outras grandes artistas, filósofas, jornalistas, empreendedoras. Não faltam mulheres atentas ao momento presente e que estão sempre nos incentivando a ser mais atuantes. Nada contra seguir perfis de influenciadoras de moda, maquiagem, musas fitness - ser vaidosa é saudável, mas a cabeça continua sendo nossa bússola e força: sem lucidez, pouco adianta o cabelo, o botox, a magreza.

Amo os homens da minha vida e devo muito a eles também, mas é uma mulher que inspira outra mulher a crescer, a evoluir e a realizar seus desejos. Nesse time, incluo minhas duas filhas, que antes dos 30 já me ofertam o seu melhor, um olhar aberto e renovado, estimulando que eu enxergue esse planeta com amplitude, e não com visibilidade restringida. Que todas as mulheres encontrem o seu lugar, apoiando-se em exemplos notáveis - e de mãos dadas com a coragem, nossa melhor amiga.

MARTHA MEDEIROS

13 DE MARÇO DE 2021
CLAUDIA TAJES

Quem vê máscara vê coração

Agora é oficial. Diante de tudo o que está acontecendo, quem não usa máscara bom sujeito não é.

Ou é ruim da cabeça ou só é ruim, mesmo. Toma tenência, demonho.

Pior que a gente continua vendo muitos e muitas sem máscara por aí. Até então, eu pensava que correr sem ela era a única situação aceitável. Quem tenta manter a sanidade na solidão do seu esporte sabe que correr de máscara é dose - ainda que não seja insuportável. Mas uma reportagem publicada nessa semana (veja em gzh.rs/exerciciosrua) me fez ver que eu estava dando uma de tia do Zap. A máscara é, sim, obrigatória enquanto você corre. Ou caminha ou pedala ou se exercita ao ar livre. Atividades, segundo a matéria, recomendadas nesses tempos de confinamento, desde que de máscara e com a devida higienização de mãos, corpos e roupas ao voltar para casa.

Faz sentido quando se sabe que a máscara reduz em 87% a chance de contrair covid-19.

Lembra do anúncio de cartão de crédito, não saia de casa sem ele? Hoje em dia, melhor sair sem o cartão do que sem a máscara.

Sou da ala que sai pouquíssimo, sempre com fins utilitários. Em geral para ir ao supermercado, porque nem sempre dá para pedir tudo online. Nessas poucas escapadas, independentemente do supermercado a que for, os taxistas do ponto - qualquer ponto - quase sempre estão aguardando seus clientes fora dos carros, conversando sem máscara. Opinião: é o maior espanta freguês que existe. Quem quer ficar dentro de um táxi com um motorista que, minutos antes, estava livre, leve e solto, ao alcance dos perdigotos?

Uns chamam de paranóia. Eu chamo de propaganda errada em tempos de clientes escassos.

Há um ano, quando tudo começou e a gente ainda se iludia com a ideia de que logo a normalidade estaria de volta, as crianças não usavam máscaras. Iam pela mão de seus pais mascarados com a cara no sol e no vento, como deve ser. Até isso mudou. Hoje você vê aqueles toquinhos de máscara de bichinho, de herói, de heroína, e dá um aperto. Assim como a gente contou para os filhos que, um dia, as crianças brincavam na rua sem medo, os nossos filhos vão contar para os filhos deles que, um dia, as crianças brincavam sem medo e sem máscara.

E é isso ou o vírus vai continuar se transmitindo e lotando as UTIs e aumentando a contagem dos mortos. Porque a vacina, meus queridos, essa vai demorar. Custa cada um colaborar?

Enquanto tantos se recusam a um cuidado tão simples, vou seguir aqui, martelando.

Água mole em cabeça dura tanto bate até que fura.

Antes só do que mal acompanhado por alguém sem máscara.

Não deixe para amanhã a máscara que você pode usar hoje.

Quem avisa sobre a máscara amigo é.

Quem tem máscara vai a Roma.

Uma máscara vale mais do que mil palavras.

Quem vê máscara vê coração. E, se não vê, é porque a coisa é feia.

No caso, o coração.

A pandemia provocou o aumento da violência doméstica contra as mulheres no Brasil em 2020. Foram 105.821 denúncias no ano passado, segundo relatório oficial divulgado pelo governo. Agora o e-commerce O Amor É Simples está apoiando a Casa de Referência Mulheres Mirabal, que acolhe mulheres em situação de vulnerabilidade social e violência doméstica em Porto Alegre, com a venda da ecobag Mulheres que Empoderam Mulheres. Para comprar e contribuir com as mulheres Mirabal, é só entrar no site.oamoresimples.com.br.

CLAUDIA TAJES

13 DE MARÇO DE 2021
LEANDRO KARNAL

PARA DIZER QUE NÃO FALEI DE FLORES

MINHA AVÓ ADVERTIA: ?SORTE COM FLOR, AZAR NO AMOR?. ENTRISTECIA-ME SABER QUE MEU DOM COM AS PLANTAS TINHA UM CUSTO: EU NUNCA SERIA FELIZ NO AMOR. A SABEDORIA DOS DITADOS POPULARES É TOTAL E NÃO PODE SER CONTRARIADA.

Maurice Druon (1918-2009) é escritor consagrado da língua francesa. Foi militante da resistência contra os nazistas. Tornou-se um controverso ministro da Cultura no pós-guerra. Como secretário da imponente Academia Francesa, resistiu à presença da primeira mulher naquela casa de letras, a escritora Marguerite Yourcenar (1903-1987). Gaullista histórico, é conhecido por seu talento, alguma misoginia e por suas críticas aos comunistas.

No Brasil, o membro da Academia Francesa foi muito conhecido pela coleção dos Reis Malditos, contando o colapso da dinastia dos Capetos e a extinção dos Templários no século 14. Foi um sucesso estrondoso de público. George R. R. Martin confessou que tinha lido e se inspirou nela para escrever o que seria a base da aclamada série Game of Thrones.

Os livros sobre Filipe IV e seus filhos são um vício. Sempre que os emprestava a alguém, advertia: "Você está com tempo?". Até hoje, os títulos povoam minha imaginação: O Rei de Ferro, A Loba de França, Os Venenos da Coroa e outros. Tive de estudar muito aquele momento para poder dar aulas sem confundir a imaginação de Druon com fatos históricos.

A série sobre os reis é muito boa. Porém, hoje volto minha memória a outro livro de Maurice: Tistu, o Menino do Dedo Verde (Tistou les Pouces Verts).

Tistu tinha um dom. Colocava o dedo em um lugar e as flores germinavam. O velho jardineiro Bigode percebeu o talento incomum e com ele teve conversas instrutivas sobre o dom do "polegar verde".

Tistu semeou flores nos muros e paredes da comunidade mais pobre, bem como no hospital e até na prisão. A cidade de Mirapólvora foi sendo transformada em Miraflores.

O livro critica a escola formal, as guerras, as cidades frias e cinzentas e a falta de imaginação de muitos adultos. Há trechos com ecos do Pequeno Príncipe, de Saint-Exupéry. Surge uma escada de flores na cidade que leva ao céu. Ao subir nela, acabamos sabendo que o pequeno do dedo verde era, na verdade, um anjo. Será que alguma criança ou jovem ainda lê esses livros?

Eu achava possuir o "dedo verde", mesmo sem nunca ter sido anjo. Tudo o que eu plantava florescia com força. Li uma biografia de Santa Rita de Cássia e descobri que ela recebera ordens da superiora para regar um galho seco diariamente. Maldade da freira mais velha para testar obediência. A videira verdejou e lançou suas gavinhas fortes para crescer. Da mesma forma, a roseira que a agostiniana plantou fornecia flores mesmo sob a neve do inverno. Teria Rita também um "dedo verde"?

Porém, sempre existe um porém, minha avó advertia: "Sorte com flor, azar no amor". Entristecia-me saber que meu dom com as plantas (abaixo de Tistu e de Santa Rita, claro) tinha um custo: eu nunca seria feliz no amor. Ou se achava a pessoa perfeita ou se tinha flores. Felicidade ou rosas! Boa vida a dois ou vergéis. Os campos floridos sob meus pés seriam para eu andar sozinho, profetizava a mãe da minha mãe. A sabedoria dos ditados populares é total e não pode ser contrariada. Nada do que eu fizesse poderia impedir a sina. Eu seria um homem solitário, cercado de cravos e de ranúnculos. Choraria em casa tomada de heras lindas. Seria a solidão com o suave perfume de magnólias viçosas.

Há poucos meses, durante o apogeu do recolhimento da pandemia, minha esperança aumentou. Ganhei um bonsai muito bonito. Decidi cuidar dele com minha conhecida habilidade, meu indefectível dedo verde e a certeza da minha harmonia com plantas. Borrifava água filtrada, levava para a melhor luz e testava diariamente todos os cuidados. O resultado? O pequeno pinheiro morreu de forma lenta e progressiva, indiferente aos mimos. No lugar da planta renitente, coloquei um asplênio jovem e promissor. Evitei deslocar o vaso, quem sabe fosse isso que tivesse matado o antecessor... A planta, que se usa em jardins verticais em condições mais complexas, ainda não morreu, mas está quase partindo para o paraíso das samambaias ou para o purgatório das epífitas.

Desolação. Foi um bonsai baixado à cova e um asplênio agonizante em um curto período. Eu tinha perdido o dom de Rita e da personagem de Maurice Druon... Logo... Sorte no amor! Posso sair à rua e, quando houver chance, confraternizar em bares indagando sobre plantas mortas ou agonizantes. Claro! A pessoa em questão deve também ter muito "azar" com plantas, ou ela será uma má companhia. Talvez seja o caso de levar até uma pequena violeta para a vida noturna. Oferecer no primeiro encontro. Já observar se a florzinha, sob nova administração, permanece viçosa até o fim do encontro. Se houver um segundo, perguntar: "E o vasinho? Floresceu? Como está?". Um novo teste de namoro, um termômetro de compatibilidade.

E as pessoas que têm o dom de Rita e do menino do livro? O que fazer com os pobres pouces verts? Já sabemos que a sorte com a flor indicaria desastre no amor. Então, ela procurará alguém também com o dom e, assim, serão infelizes em um lindo jardim com plantas que causarão inveja ao casal, como sabemos, condenado à infelicidade. Não se pode ter tudo! Amor ou flor? O importante é ter esperança em alguma primavera à frente.

LEANDRO KARNAL