sábado, 22 de maio de 2021


22 DE MAIO DE 2021
DRAUZIO VARELLA

CORONAVÍRUS E GRAVIDEZ

Mulheres grávidas correm risco maior de apresentar quadros graves de covid. Felizmente, seus bebês dificilmente ficam doentes ou desenvolvem quadros de insuficiência respiratória.

Amostras colhidas da placenta, do cordão umbilical e do sangue materno mostram que o coronavírus raramente se transmite para o feto. Alguns dados preliminares, no entanto, revelaram que o vírus pode provocar pequenas alterações placentárias, de significado incerto.

No decorrer da gravidez normal, o consumo de oxigênio aumenta por duas razões principais: 1) o crescimento do útero empurra o diafragma e reduz o volume ocupado pelos pulmões; 2) o oxigênio inspirado precisa ser dividido entre a mãe e o feto.

Por essa razão, gripe na gravidez aumenta a probabilidade de complicações respiratórias, hospitalizações, parto prematuro e morte fetal, como ficou demonstrado na epidemia de H1N1 (gripe suína), ocorrida em 2010.

Em setembro do ano passado, foi publicada uma revisão de 77 estudos (metanálise) realizados com gestantes hospitalizadas, por diversos problemas de saúde. As que receberam o diagnóstico de covid apresentaram risco de ir parar na UTI 62% mais alto. Entre elas, a probabilidade de intubação e ventilação mecânica foi 88% maior.

Esses resultados foram confirmados pelo Centers for Diseases Control, dos Estados Unidos, num levantamento realizado entre 400 mil mulheres com teste positivo para covid, das quais cerca de 23 mil estavam grávidas.

A relação entre covid e parto prematuro foi avaliada em 4 mil mulheres, num estudo conjunto realizado nos Estados Unidos e no Reino Unido. Cerca de 12% das inglesas deram à luz antes de completar 37 semanas de gestação, número que nos Estados Unidos chegou a 15,7%. As porcentagens esperadas de prematuridade nesses dois países são de 7,5% e 10%, respectivamente.

A infecção pelo coronavírus na gestação chega a aumentar três vezes o risco de parto prematuro. A maioria dos casos ocorre em mulheres infectadas no último trimestre, quando o feto tem boas chances de sobrevivência.

Um estudo comparou 179 bebês nascidos de mães com covid, com 84 filhos de mães com teste negativo. Até os dois meses de vida, não houve diferenças no grau de desenvolvimento. Não está claro o papel protetor dos anticorpos que o feto recebe passivamente da mãe.

Esses dados servem de base para a inclusão das gestantes nos grupos prioritários para a vacinação contra a doença. No entanto, como os estudos conduzidos para comprovar a eficácia das várias preparações não incluíram gestantes, faltam dados para definir a melhor estratégia.

Apesar dessa restrição, a maioria dos infectologistas recomenda a vacinação, uma vez que a covid pode provocar danos muito mais graves, do que os improváveis efeitos colaterais das vacinas existentes. Mais de 20 mil mulheres já receberam as vacinas Pfizer e Moderna; até agora, não apareceram eventos indesejáveis nas que engravidaram ou estavam grávidas.

DRAUZIO VARELLA

22 DE MAIO DE 2021
CRISTINA BONORINO

MÁSCARAS

Para as pessoas que mentem e, quando confrontadas com a mentira, negam o que falaram mesmo que esteja registrado em áudio ou vídeo, não há limite. A não ser que se coloque um. Deve dar uma liberdade, eu acho, mentir sem consequências. A maioria das pessoas se constrange ao mentir. Os polígrafos (detectores de mentira) são baseados em alterações fisiológicas: quem mente tem aceleração de batimentos cardíacos, perspira. Mas você pode ser treinado para controlar isso e mentir com mais tranquilidade; ou você pode ser um sociopata, e isso vem então naturalmente. A máscara que usam não é de tecido.

Pensei nisso hoje quando, entre palestras e reuniões, lia mensagens de amigos que moram nos EUA e na União Europeia. Para eles, a vida recomeçou. Podem fazer reuniões presenciais, viajar, ir a restaurantes. Estados como Massachussets e cidades como Los Angeles vivem vários dias sem uma única morte por covid-19. Em Nova York, o turismo recomeçou. Visitantes recebendo vacinas como prêmio para ajudar a retomar as atividades na Grande Maçã. Liberdade conquistada por imposição de meses de isolamento e vacinação ampla.

A vida no Brasil continua um pesadelo, sem sinal de melhora - muito pelo contrário. Quem mora no país vive hoje tragédias, perde pessoas queridas, corre riscos. Por que, pergunto, escolhemos isso para nós? Dia após dia, revolta assistir, na TV, aos responsáveis por ignorarem os cientistas mentindo placidamente. Mentirem que não promoveram tratamentos errados, que não incentivaram aglomerações, que não buscaram vacinar a população.

Até quando vamos permitir que essas pessoas não apenas claramente despreparadas, mas também desinteressadas em nossas vidas, seja as responsáveis por elas?

O prefeito de Porto Alegre, num gesto teatral que imita os que removem as máscaras nos EUA hoje, dá um patético exemplo. Não pode reivindicar essa liberdade quem não fez o trabalho duro de suportar o desgaste de ser impopular ao priorizar saúde versus o lucro de alguns. Faz isso plenamente ciente de que não temos nem perto da segurança das cidades americanas que investiram pesadamente em medidas de isolamento e vacinação. Ou seja, continua colocando pessoas em risco.

Desde o início da pandemia os cientistas avisavam que a solução era isolamento, estudar a doença e desenvolver vacinas. Hoje isso está tão claro que tantos mentirosos correm a apagar publicações. O problema está longe de acabar - teremos de lidar com as sequelas dos pacientes de covid-19 que sobreviveram. Mas, a cada passo que damos, ainda há quem ignore e minta. Apenas quando pararmos de mentir para nós mesmos de que isso é normal é que algo vai mudar.

CRISTINA BONORINO

22 DE MAIO DE 2021
MONJA COEN

O VAZIO INTERIOR

Geralmente falamos de encontros inter-religiosos. Pessoas de diferentes tradições se encontram em momentos específicos e cada representante de uma ordem fala, comenta, ora, medita, abençoa.

Nos dias 14, 15 e 16 de maio, participei do VIII Encontro Zen da América Latina e encontrei praticantes e mestres de vários países. Um encontro singelo, em espanhol. Houve até mesmo gravações de contos zen, filmados como cinema mudo, que todas as três noites nos alegraram com sua inocência e profundidade.

O último professor palestrante foi um padre zen católico que vive a 40 quilômetros de Bogotá. No Mosteiro Salmos.

S de sentar-se

A de atenção plena, presença pura

L de libertação

M de meditação

O de oração

S de silêncio

Padre Victor Moreno Holguin é o guardião desse lugar, onde leva praticantes que para lá se dirigem a abismar-se no silêncio, a encontrar o vazio interior e se perguntar do que é feito esse vazio, esse nada tudo. Ir além das palavras e do discurso para dar um salto no vazio, encontrando a realidade mais profunda no tempo e no espaço. Lançar-se à presença sagrada que é amor, onde este nada, este vazio está repleto de amor.

Em sua jornada espiritual, padre Victor encontrou uma mestra zen, na Europa, e se encantou com as práticas que "me devolveram meu centro. E o centro é a luz, é Jesus".

Houve quem o questionasse, se estava misturando Zen com Cristianismo. Enviaram cartas ao Vaticano. E o jovem padre foi explicar que era 100% cristão e 100% zen.

Como poderia ser isso? Além das dualidades.

No dia 6 de agosto de 2017, ele oficiou parte da celebração da Transfiguração de Cristo na Basílica de São Pedro, em Roma. E lá, fez todos os participantes sentarem-se em Zazen. Aprofundando o silêncio interior e apreciando o encontro, a entrada no que Santa Tereza chamava da quarta morada. O padre citou a santa: "Para entrar no castelo interior, temos de ir além das palavras. A quarta morada é a experiência mística do abismar-se, do maravilhar-se com e através do silêncio".

Ao explicar a seus superiores do seu encantamento com o Zen, lembrou que mais profundos do que os encontros inter-religiosos seriam encontros intrarreligiosos, em que nos abrimos para viver a experiência religiosa de outros grupos e pessoas: "Vivo sua experiência profunda, sem deixar de ser quem sou".

Padre Victor disse que ele é um religioso bilíngue e lembrou que Madre Maria de Nazaré foi quem ensinou seu filho a meditar e a orar. É preciso ir buscar no mais profundo, no mais íntimo do ser - pois ali habita o amor sagrado.

Isso não significa dizer que você é uma pessoa ecumênica e que aceita todos os credos e todas as práticas. O encontro intrarreligioso só pode ocorrer depois de você encontrar seu eu verdadeiro, fazer e manter seus votos através de alguma tradição espiritual. Só então poderá vivenciar outras tradições, sem nunca deixar de ser quem verdadeiramente é e sem abandonar seus votos profundos.

Não é turismo espiritual, curiosidade. É procura e é encontro. Você sabe quem você é?

Mãos em prece

MONJA COEN

22 DE MAIO DE 2021
PAULO GERMANO

O melhor tipo de música

Faz mais de 300 anos que a chamada "classe média culta" diz que a música popular, aquela consumida pelas massas, que hoje toca no rádio o dia inteiro, não passa de lixo.

- Bom mesmo era o som da minha época - e blá-blá-blá.

Nada mais arrogante. Aliás, o sociólogo Pierre Bourdieu (1930-2002) explicou as razões dessa arrogância - ou seja, por que a elite intelectual prefere não se misturar com o som do povão.

Bourdieu dizia que a cultura, antes de mais nada, é um elemento de distinção social. Quer dizer: a gente se utiliza dela para se sentir parte de um grupo descolado, sofisticado, maneiro, hype. Quando a música se massifica e é consumida pelo grande público, ela perde esse valor. Vira coisa de chinelão.

O problema é que os chinelões são visionários: 20 anos depois, o som deles vira cult, e lá vai a elite intelectual reconhecer seu valor - porque, obviamente, aquele som sempre foi bom. No início do século passado, samba era música de malandro. Na década de 1960, só alienado gostava da Jovem Guarda. Nos anos 1980, diziam que o rock ofendia a MPB. E, nos anos 1990, quem tivesse mais de 20 anos e gostasse de Mamonas Assassinas era abobado.

Sempre foi assim. Hoje você vê as orquestras tocando Johann Strauss (1825-1899) e acha muito chique, mas, no século 19, também era coisa de chinelão. Strauss, um gênio, sofria com o desprezo da burguesia e com a popularidade das próprias músicas, que só faziam sucesso em bailes. Na Áustria daquele tempo, as valsinhas de Strauss eram de gosto tão duvidoso quanto hoje são, por exemplo, Os Barões da Pisadinha.

Você já ouviu Os Barões da Pisadinha, imagino.

São eles que cantam aquela, que é meio forró, meio sertanejo, meio tecnobrega, que diz assim no refrão: "Eu já te superei / Certeza, eu superei / Mas não manda mensagem outra vez / Senão, recairei". Percebe-se claramente que ele não superou coisa nenhuma - se tivesse superado, não teria medo de recair.

E o autor vai brincando com essa ambiguidade durante a música. É o que chamam, em psicanálise, de denegação: a pessoa nega a realidade, se recusa a aceitar o que está sentindo - é um mecanismo de defesa, todo mundo já fez isso. Portanto, logo no início da letra, Os Barões da Pisadinha parecem muito seguros: "Já tem uma semana que eu tô limpo de você / E de olhar os seus stories não sinto saudades".

Não é uma maravilha de frase? Me diga, qual é a prova mais irrefutável, nos tempos atuais, de que alguém finalmente conseguiu se livrar de uma paixão? Isso só ocorre quando as aparições virtuais da outra pessoa deixam de ser uma obsessão, um fantasma, um gatilho para sofrer. Só que a letra continua: "Zero curtidas, zero vontade de te ver / De beijar sua boca e dormir de conchinha sem roupa / E fazer um love, um love com você".

Completamente apaixonado, coitado. Tanto que o próprio título da canção já avisava: Recairei.

Milhões de pessoas se identificaram com essa música - e o melhor nem é a letra, é a melodia mesmo -, porque ela propõe uma abordagem original para um assunto batido: a dor de amor. Escute Os Barões da Pisadinha. Você tem sorte de viver na época deles, porque, daqui a 20 anos, ouvindo qualquer canção horrível por aí, poderá encher a boca para dizer:

- Bom mesmo era o som da minha época.

*O colunista David Coimbra está em licença médica - PAULO GERMANO | INTERINO


22 DE MAIO DE 2021
J.J. CAMARGO

VIDAS SUSPENSAS

QUE VOLTEMOS A PENSAR NA DOR DOS OUTROS, ESSES ANÔNIMOS QUE TÊM SONHOS IGUAIS AOS NOSSOS E NECESSITAM DESESPERADAMENTE DA NOSSA SOLIDARIEDADE

A construção básica de felicidade começa com autonomia. Nada nos deixa mais vulneráveis do que a sensação prolongada ou permanente de dependência, qualquer que seja, emocional, física, afetiva, ou econômica.

Se esta dependência for por coisas materiais, ela pode manter-nos em estado de constante aflição, porque afinal não dá para ser feliz permanentemente acuado pelo assédio dos credores. Mas sempre será possível dar a volta e libertar-se, reforçando a convicção de que uma das maravilhas de se ter dinheiro é a naturalidade de podermos, por exemplo, expressar a nossa opinião mesmo correndo o risco de perder o maldito emprego.

Um grande e inesperado choque para os muito ricos que, por um golpe do destino, foram colocados numa lista de espera para transplante é descobrir-se pela primeira vez impotente, porque ali o futuro não pode ser comprado e, pior do que isso, a sobrevivência depende da generosidade alheia, este sentimento sempre visto por eles como uma evidência de fraqueza.

Nestes 30 anos trabalhando com transplante de pulmão, fui algumas vezes apresentado a uma forma insólita e atroz de humilhação: aquela que não depende do quanto podemos comprar, mas a que resulta da submissão à opinião dos outros porque, por falta de fôlego, perdemos a condição de argumentar; ofegantes e desmoralizados, nos submetemos.

Neste ano da peste, houve uma queda substancial dos doadores em todo o mundo e tem sido uma experiência dramática o convívio com os pacientes da lista de espera que foram perdendo parceiros pelo caminho, aumentando a angústia de quem já se estressava pela espera indefinida, agora agravada pela informação de que a roda tinha parado de girar. É duro compartilhar esta premência com quem está correndo contra o tempo, em que cada semana que passa significa a redução da chance de se conseguir um doador, e onde a escassez das doações de órgãos é sentida como uma peça solta na engrenagem da esperança. A queda dos transplantes dos diferentes órgãos variou de 26% a 60%, para desespero de 60 mil brasileiros.

O que se aguarda com sofreguidão é que a retomada da vida interrompida coloque a sociedade nos trilhos, que viver se imponha como prioridade e que voltemos a pensar na dor dos outros, esses anônimos que têm sonhos iguais aos nossos e necessitam desesperadamente da nossa solidariedade para continuar a viver e sonhar.

A Nathaly tem 40 anos e um sonho: "Tudo que eu mais quero é ficar boa, vacinar logo e conseguir realizar o transplante, que a cada dia parece mais longe. Só quero poder cantar uma música, terminar uma frase sem tossir, tomar um banho demorado sem sufocar, ir à praia sem me preocupar se vou conseguir caminhar do mar até onde está a barraca, poder voltar a sair na rua sozinha sem medo de passar mal, amarrar o tênis sem parecer que corri uma maratona. Enfim, eu só quero respirar, sem ter que convencer meu pulmãozinho de que se ele não permitir que o ar entre, morremos os dois".

J.J. CAMARGO

22 DE MAIO DE 2021
OPINIÃO DA RBS

A OPÇÃO DE PAZUELLO

Militar respeitado pelas suas qualidades técnicas e pelo currículo recheado de bons serviços prestados ao país, o general da ativa Eduardo Pazuello não teve o mesmo sucesso no mundo civil. A constatação fica ainda mais nítida depois da análise do desempenho do ex-ministro da Saúde de Jair Bolsonaro na CPI da Covid. Já nas primeiras respostas de seu depoimento se delineava uma escolha: defender um projeto de poder, e não de país.

Não resta dúvida de que lealdade é um atributo fundamental e sinônimo de honradez, mas, tanto no mundo dos que usam farda quanto no dos que não a vestem, hierarquia e obediência só fazem sentido se vinculadas a valores mais amplos e que conversem com uma visão de futuro coletivo, tanto de nação quanto de mundo. Não foi, infelizmente, o que se observou nas diversas imprecisões, evasivas e omissões de um Pazuello engravatado, mas dezenas de vezes chamado de general pelos senadores que compõem a comissão encarregada de investigar as falhas na gestão de pandemia que já matou mais de 440 mil brasileiros.

Dois dos capítulos mais constrangedores ao longo dos dois dias de explicações do ex-ministro foram marcados pelo jogo de empurra. Um, na criminosa falta de oxigênio que ceifou centenas de vidas em Manaus, capital do Amazonas. Outro, na injustificável demora para deslanchar a compra de vacinas, o que só foi feito depois que boa parte do mundo já absorvia a produção dos laboratórios, jogando o Brasil para o fim de uma fila que deveria encabeçar. O resultado é que o país, apesar de ser uma das nações mais afligidas pela pandemia, figura mal no ranking de pessoas imunizadas em relação ao tamanho da população.

Tampouco foi minimamente crível a sustentação de que nunca recebeu ordens diretas de Jair Bolsonaro, apesar da famosa passagem em que é visitado pelo presidente e, de forma constrangedora, admite que "um manda e outro obedece". O episódio, nunca é demais lembrar, ocorreu após Bolsonaro desautorizá-lo quanto ao anúncio do avanço de negociações para a compra da CoronaVac, desenvolvida pelo Instituto Butantan em parceria com a chinesa Sinovac. Ficou cristalino o esforço para blindar o agora ex-chefe.

Não se discutem, aqui, boas intenções. Olhando para a biografia de Eduardo Pazuello, fica óbvia sua vontade inicial de ajudar o país. Mas, infelizmente, o general parece ter sido mais um a sucumbir no pântano da política civil. Quando pôde sair dele, optou por defender quem o empurrou para a lama. Corre o sério risco ver a reputação que conquistou antes de chegar à Esplanada dos Ministérios manchada para sempre.

 


22 DE MAIO DE 2021
ACERTO DE CONTAS

Investimento em Gravataí

Fabricante de pneus para veículos pesados, como caminhões e tratores, a Prometeon investirá R$ 5,6 milhões na fábrica de Gravataí e passará a produzir nos sete dias da semana. Para isso, foram contratados 210 funcionários. A ideia é faturar R$ 1,45 bilhão em 2023.

- Para quem ainda lamentava a desativação da Pirelli, estou muito feliz com a Prometeon apostando no potencial de Gravataí - conta o prefeito Luiz Zaffalon.

Com atuação mundial, o grupo tem quatro fábricas e três centros de pesquisa e emprega 7,3 mil pessoas. A Prometeon foi criada a partir da Pirelli, mas hoje é uma empresa separada e apenas usa a marca licenciada para os produtos. Já a Pirelli termina em 2021 de transferir a operação gaúcha totalmente para São Paulo.

Ampliação bilionária na reta final

Entrou na reta final a ampliação do complexo industrial da Yara em Rio Grande. Iniciado em 2016, o projeto recebeu R$ 2 bilhões em investimentos da gigante norueguesa de fertilizantes. Aproveitando o bom momento do agronegócio, a última etapa da obra se prepara para operar em plena capacidade. Com a expansão, foi dobrada a capacidade de produção e ampliada a de mistura, o que diminui a importação. Isso reduz custos na produção e os preços do insumo, destaca Lucas Elizalde, diretor de Operações da Yara para a Região Sul. O objetivo é atender o mercado nos próximos 25 anos, contemplando Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e parte do Paraguai. Só nesta safra, ela contratou 200 pessoas. Hoje, a unidade emprega 1,2 mil funcionários.

GIANE GUERRA

22 DE MAIO DE 2021
MARCELO RECH

Já estamos em 2022?

"Irresponsável", "monstrengo", "genocida", "lambebotas", diz Lula sobre Bolsonaro. "Bandido", "ladrão de nove dedos", "criminoso", "só ganha na fraude", diz Bolsonaro sobre Lula.

Com um ano e meio de antecedência, o Brasil foi colocado na antessala do que pode vir a ser o segundo turno da eleição presidencial. Baixarias, campanhas de desinformação e ataques pessoais, sem nenhum espaço para discussão de projetos, são os ingredientes do aperitivo que está sendo servido ao Brasil no confronto dos líderes das pesquisas para 2022.

À primeira vista, mesmo em um país exausto por denúncias de corrupção e devastado pelo coronavírus, a hipótese de o eleitorado se decidir de novo entre a extrema-direita e a velha esquerda pareceria um desfecho inexorável diante do carisma e das paixões evocadas por Bolsonaro e Lula. Mas, olhado mais de perto, o duelo antecipado entre o atual e o ex-presidente tende a levar a um longo embate sangrento que pode deixar a candidatura de pelo menos um deles vitimada pelo tiroteio.

De tanto se xingarem e se autodestruírem, Bolsonaro e Lula podem fazer o eleitor refletir que nenhum dos dois presta mesmo e passar a dar atenção a uma terceira ou mesmo quarta via. Um dos mais espertos e hábeis políticos da República, Lula já se deu conta da armadilha e vem recolhendo a artilharia e a exposição prematura, além de tentar se mimetizar em candidato da moderação.

Para Lula e Bolsonaro, o ideal seria que ambos passassem ao segundo turno e dividissem o eleitorado cansado de guerra. Se um candidato de centro deslocar Lula ou Bolsonaro, a tendência é de que os eleitores do excluído migrem para o novo nome, derrotando tanto esquerda quanto direita. É por isso também que as forças de centro andam quietas. Quanto mais a disputa parecer agora que se resume a Lula e Bolsonaro, mais chance terá um candidato moderado de despontar no momento apropriado - daqui a um ano -, navegar entre os polos e aportar no segundo turno com real chance de vitória.

O Rio Grande do Sul, cuja tradição de polarização antecede em décadas o atual lulismo x bolsonarismo, já foi testemunha de um fenômeno do gênero. Em 2002, Antônio Britto, então no PPS, e Tarso Genro, pelo PT, eram tidos como candidatos imbatíveis para o segundo turno ao governo do Estado. Em janeiro daquele ano, uma pesquisa do Ibope indicava míseros 2% de intenção de votos ao deputado Germano Rigotto, do PMDB. Enquanto Britto e Tarso se atacavam sem parar, Rigotto escolheu um coraçãozinho e mãos dadas como símbolos de campanha, manteve o discurso conciliador que sempre o caracterizou, saltou para o segundo turno e varreu o eleitorado com os votos em massa dos moderados, da direita e dos anti-PT.

MARCELO RECH

22 DE MAIO DE 2021
DE OLHO EM 2022

Foto de almoço de Lula com FHC gera reações

Em campos opostos da política desde a década de 1990, os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB) almoçaram juntos na semana passada. O encontro foi promovido pelo ex-ministro Nelson Jobim, que atuou tanto no governo do petista quanto no do tucano. O almoço ocorreu na casa de Jobim e durou cerca de três horas. Lula registrou o encontro na sexta-feira, por meio de suas redes sociais.

A aproximação com o tucano faz parte da estratégia do ex-presidente Lula de se apresentar como um pré-candidato moderado e atrair lideranças do centro político. No início do mês, ele esteve em Brasília e se reuniu com nomes como o do também ex-presidente José Sarney (MDB), o ex-ministro Gilberto Kassab, presidente do PSD, e o ex-presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ).

O gesto de FHC a Lula ocorre no momento em o PSDB enfrenta divisão interna e planeja fazer prévias para escolher seu candidato ao Palácio do Planalto em 2022. Em entrevistas recentes ao jornal Valor Econômico e à Rádio Eldorado, o tucano afirmou que, num eventual segundo turno entre Bolsonaro e Lula, votaria no petista.

- Espero que não seja necessário, mas se for, provavelmente, sim. PT é um partido importante que se organizou. Não tenho medo do PT - afirmou FHC ao jornal.

Em rede social, Lula elogiou a entrevista:

- Eu faria o mesmo se fosse contrário (sobre votar em FHC num eventual segundo turno contra Bolsonaro).

FHC postou texto em rede social, na sexta-feira, sobre o assunto: "Reafirmo, para evitar más interpretações: PSDB deve lançar candidato e o apoiarei; se não o levarmos ao segundo turno, neste caso não apoiarei o atual mandante, mas quem a ele se oponha, mesmo o Lula."

Críticas

A notícia de que ambos almoçaram juntos provocou mal-estar no PSDB. Bruno Araújo, presidente da Executiva nacional tucana, resumiu o incômodo e fez um apelo para o partido evite "passar sinais trocados" a seus eleitores.

- Esse encontro ajuda a derrotar Bolsonaro, mas não faz bem a um potencial candidato do PSDB. Nossa característica é saber dialogar, inclusive com adversários políticos. De toda forma, precisamos evitar sinais trocados aos nossos eleitores. O partido segue firme na construção de uma candidatura distante dos extremos que se estabeleceram na democracia brasileira - afirmou Araújo.

Um dos nomes cotados pelo PSDB como pré-candidato ao Palácio do Planalto em 2022, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, descartou uma aliança com o petista.

- Num país democrático é natural que dois ex-presidentes possam conversar sobre política. Mas num país democrático também é natural que não se esqueça da história e nem se negue o passado. Conversar com todos é premissa de quem deseja o fim do ?nós contra eles?, mas eu não aceito que o Brasil ande pra trás. Confio que FHC também não - disse Leite.

O PSDB marcou para outubro deste ano um processo de prévias para definir a candidatura presidencial. Além de Leite, são fortes candidatos o governador João Doria (SP) e o senador Tasso Jereissati (CE).


22 DE MAIO DE 2021
JR.GUZZO

Argentina quer abater pecuaristas

Países como o Brasil, os Estados Unidos e a Argentina, entre poucos outros, receberam da natureza o presente, hoje em dia mais valioso do que nunca, de terem em seu território a maioria das condições necessárias para fazer deles grandes nações agrícolas. Brasil e Estados Unidos, em condições e em áreas diferentes, se alternam atualmente como os dois maiores produtores e exportadores de alimentos do planeta. A Argentina afundou.

Não faltaram à Argentina excelência de solo, bom clima, água, competência e amor ao trabalho rural por parte dos seus agricultores e pecuaristas. O que houve, isso sim, foi uma ação francamente suicida por parte dos governos de esquerda destes últimos 15 anos. É a Argentina no seu papel de estrela do "Foro de São Paulo" e de farol das teorias esquerdistas na América do Sul.

Mais uma vez, o governo da Argentina decide agredir com fúria o seu agro: com o mais primitivo de todos os argumentos econômicos - o de que os preços internos da carne estão subindo muito -, proibiu por 30 dias as exportações. O produtor não tem nada a ver com o preço da carne no açougue. Os preços sobem porque as cotações internacionais estão em alta. Mais: nos últimos 12 meses, pela inépcia grosseira do governo, a inflação na Argentina está a caminho de bater nos 50% e, automaticamente, o dólar sobe junto.

O governo da Argentina consegue transformar em desgraça o que deveria ser uma bonança - a oportunidade de forrar de dólares as reservas internacionais que dão oxigênio vital à economia.

Enquanto o agro do Brasil, apesar da desgraça da economia em geral, bate recordes e mantém o país vivo, a Argentina leva ruína ao único setor que vale alguma coisa no seu sistema produtivo.

Quinze anos atrás, no governo esquerdista de Nestor Kirchner, a Argentina promoveu uma calamidade igual. O argumento se baseava num despropósito completo: era "injusto" que os produtores rurais "lucrassem" com a venda de carne, enquanto "os pobres" não tinham sequer um bezerro magro para vender. Kirchner bloqueou as exportações de carne por seis meses, estabeleceu um peso mínimo para o abate e triplicou os impostos nas vendas de carnes processadas para o exterior.

O preço disso tudo foi arrasador. As exportações caíram 70%. Cerca de 20% do rebanho de gado argentino teve de ser eliminado. O consumo interno caiu, em vez de aumentar. A produção total do país diminuiu 20%. A pecuária perdeu mais de US$ 30 bilhões em ativos. Os preços, passado o efeito da anestesia temporária, voltaram a disparar - 300% ao fim da aventura, contra 200% de inflação no período.

É isso o que estão tentando fazer de novo. Com o fim do delírio peronista, e durante o curto período de racionalidade que já foi encerrado com a volta da esquerda ao governo, a Argentina recuperou várias posições no ranking, e voltou a estar entre os grandes. Agora, pelo que parece, o peronismo está decidido a repetir a dose.

J.R. GUZZO*

sábado, 15 de maio de 2021


15 DE MAIO DE 2021
LYA LUFT

Em tempos de crise

Em tempos como este, de várias crises sobrepostas, predominando agora mundialmente a covid, e no Brasil tantas mais, política, econômica, não tenho, não temos nós, colunistas, em geral, escrito coisas muito róseas.

Vai daí que uma velha amiga, dos tempos de colégio, me liga carinhosamente pedindo que eu escreva "coisas mais alegres, para animar as pessoas, pois estamos todos muito pra baixo".

Concordo com estarmos pra baixo, ou por baixo, ou de baixo-astral, porque as notícias gerais, e experiências pessoais, não estão para cantar em roda de samba como certo prefeito (não o nosso) em dias recentes, sem máscara. Depois pediu desculpas, o que começa a ser rotina, a gente faz uma besteira e se desculpa.

Estamos, pra variar, em dois campos opostos: nem de esquerda e direita (ou sim, isso está incluído?), mas pró e contra vacina, confirmando ou negando covid, enquanto a Peste assola o mundo e nos leva aos bandos, manadas, para o lado de lá - que espero seja melhorzinho, quero acreditar, porque hoje tenho mais pessoas amadas naqueles pagos, e talvez sem muita demora também ande por lá.

De modo que, queridíssima amiga e ex-colega de escola, não escrevo nada muito alegre porque acho que, se temos voz, nós que escrevemos e publicamos, temos também o "dever" nada agradável de alertar. Se cuide, se vacine, use máscara, não aglomere... mesmo que autoridades, máximas e mínimas, façam tudo isso com a maior naturalidade.

Devo dizer que aos poucos não aguento mais palavras como aglomeração, máscara, álcool-gel. Estamos em dias de luto, preocupação, cansaço, fadiga mesmo, por exemplo quem como eu, que, considerada de altíssimo risco, sonho com família reunida, beijos, abraços, risadas, alegria, ou almoço com amigas no lugar preferido. Há mais de ano, raramente saio de casa, mascarada, entro no elevador, entro no meu carro (lá tem garrafinha de álcool) e dirijo até nossa casinha de Gramado, bem afastada da cidade, condomínio com muita natureza, onde parece que moramos no mato mesmo.

Um amigo certa vez me falou daqueles dias "em que até sair da cama e escovar os dentes é um ato heroico". Ele falava de um momento pessoal trágico, mas de modo geral é mais ou menos isso, vontade de cobrir a cabeça com o lençol e esperar que alguém abra a porta sem bater, quase gritando, "passou! passou! não tem mais pandemia!!". E teremos de reaprender a ser gente, a ser amigo e amante, a conviver, a abraçar, a curtir a vida.

No meu caso particular, seriam aqueles dias em que eu adoraria ficar escondida entre os lençóis, até que meu filho perdido batesse na porta e chamasse com seu vozeirão, "que é isso, dona Lya, levanta e vem tomar café comigo! Cheguei do outro lado do mundo pra te abraçar!".

Como isso não acontece, a gente levanta, toma café com o marido, ou os filhos se ainda estão em casa, e tenta animar o dia de todos - sem muita palhaçada por favor, e sem ainda ver as notícias. Sim, está chato, está triste, mas aqui e ali os amores se manifestam, as amizades são quase amorosas, porque todos estamos carentes, e a gente, na frente da janela, respira fundo e pensa, ainda estamos vivos, ainda não estamos doentes, vamos curtir aquela formação de nuvens gordinhas e brancas inocentes... ou curtir o horizonte escuro, se, como eu, amamos uma boa tempestade.

LYA LUFT

15 DE MAIO DE 2021
MARTHA MEDEIROS

É gay? Não é gay?

Dezessete de maio é o Dia Internacional da Luta Contra a Homofobia. Em 1990, neste dia, a homossexualidade deixou de ser considerada doença pela Organização Mundial de Saúde. Bravo! Trinta e um anos atrás nos tornamos menos ignaros. O que será que celebraremos nos próximos 30?

Exercício de futurologia: acho que até mesmo antes de 2050, nosso vocabulário irá mudar. Não sei você, mas eu já começo a achar obsoleto designar alguém como gay. Nada contra usar a expressão como um adjetivo divertido ("esta camisa é muito gay"), mas não acredito que continuará classificando a sexualidade de uma pessoa, diferenciando-a de outras.

Sei de mulheres que foram casadas com homens, tiveram filhos, se separaram, aí namoraram uma mulher, separaram de novo, e por ora estão muito bem sozinhas, até a próxima paixão. Sei de garotos que ficaram com outros garotos e hoje estão casados com mulheres. Conheço mulheres héteros que já se envolveram com outra mulher em alguma ocasião furtiva, mas continuam preferindo viver com homens. Parágrafo muito promíscuo? Nem tanto, caso se esteja disposto a enxergar e reconhecer o que acontece ao redor.

Os exemplos acima não são de pessoas sem Deus no coração. Entre eles, pode estar o médico que atende seu pai, pode estar a engenheira que está construindo sua casa, pode estar a vizinha que reza ao seu lado na missa, pode estar sua prima do interior - ela mesma, tão quietinha. Uma pena não termos o costume de conversar mais sobre sexo.

Minha experiência, até aqui, é exclusivamente hétero, mas observo a vida. Leitura, teatro, cinema, viagens, nada disso é entretenimento, apenas, e sim o combustível que expande nossa mente, que traz compreensão sobre a existência humana. E me parece cada dia mais claro que nascemos todos bissexuais. Poderíamos sentir prazer transando tanto com homens quanto com mulheres, mesmo estando bem satisfeitos em atender apenas nossa atração predominante.

Trago o assunto à reflexão, sem certeza de nada, mas aberta aos movimentos do mundo. Nunca considerei a homossexualidade uma escolha, e sim uma condição genética que envolvia diversos fatores - porém, hoje, penso que a escolha pode ser também um desses fatores, no sentido de opção pela liberdade dos sentimentos, venham de onde vierem. Sendo assim, será que continuaremos rotulando alguém como sendo exclusivamente isso ou aquilo? Quem sabe, por fim, cada um cuidará da própria vida afetiva e sexual, sem dedicar-se à patrulha, agressão e discriminação dos demais?

Essa sou eu imaginando a sociedade daqui a 30 anos, com pouca probabilidade de confirmar in loco se acertarei nos prognósticos. Mal sei se escapo viva desse perverso 2021.

MARTHA MEDEIROS

Inferno com jeito de paraíso

A vida na pandemia acabou criando um hábito diferente aqui em casa. A gente escolhe um lugar para onde nunca foi e fica namorando por algum tempo, até que surge a oportunidade e botamos o pé na estrada.

Foi assim com o Hermenegildo, com os Campos de Cima da Serra, com as Missões, com o Itaimbezinho. Lugares que eu sempre quis conhecer e que, antes do mundo fechar, nunca havia visitado.

Nos saudosos tempos das feiras do livro do Interior, passei por diversas cidades onde deixei meu coração - sempre quis dizer essa frase. Pelotas, Rio Grande, Santa Maria, Passo Fundo, Santa Cruz, Lajeado Cruz Alta, Dom Pedrito, Vacaria e tantas outras. Estive em Alegrete, em Três Passos. Campo Bom, Três Coroas, Estância Velha, Charqueadas, Montenegro. Em Caxias, Bento, Gramado, Canela. Precisaria do mapa para lembrar de todos os nomes.

Engraçado que sempre me pareceu mais emocionante, com o perdão da sensação trouxa, pegar um avião e partir para algum destino mais distante, mesmo no Brasil. Não mais. Hoje eu sonho com a próxima aventura nos pagos, e isso que mal voltei da última, no Rincão do Inferno, entre Lavras do Sul e Bagé.

O Rincão do Inferno é um cânion surgido em uma região rochosa que, segundo diz a placa no último ponto antes de se começar a descida, tem 500 milhões de anos. Um dos tantos movimentos do planeta fissurou o paredão há outros milhares de séculos, e desde então ele está assim como o encontramos hoje. Lá embaixo, o Rio Camaquã foi abrindo caminho entre as pedras, e o resultado não tem cara nenhuma de inferno. Nem o paraíso faz justiça a tanta beleza.

O nome, na verdade, vem do tempo em que os escravos se escondiam ali para fugir dos estancieiros e feitores. Hoje o lugar abriga uma das tantas comunidades quilombolas da região. É história viva junto com uma natureza escandalosa de tão linda.

Para chegar lá, é preciso pegar uma estrada de terra que vai dar em uma propriedade particular, o Rincão dos Francos. Pessoas de apartamento, como eu e o meu filho, podem ficar um tanto atarantadas diante da porteira fechada, mesmo com o Google Maps insistindo que, sim, você chegou ao seu destino. Se você já abriu uma porteira daquelas, está preparado para tudo na vida. Se nunca abriu, não estranhe quando a cerca desmontar inteira e te deixar com a estaca que segurava o conjunto todo na mão. A primeira reação é o desespero. A segunda, também. Em seguida, você começa a tentar levantar a cerca outra vez, falha, deixa tudo do melhor jeito que consegue, mole e caindo, e segue viagem, porque não existe ninguém para lado algum para quem pedir uma mão.

Depois da primeira porteira, surpresa: vão surgir muitas outras no caminho. E depois de brigar com os integrantes da família, e de quase desistir de tudo e voltar, você pega a manha da coisa e quase fica querendo que apareçam mais porteiras no caminho. Mentira, exagerei.

Quem cuida daquela imensidão é um casal, dona Onélia e seu Alcíbio Franco, que gosta de ser chamado de Bic, mais o irmão dele, seu Enildo. Descendentes de escravos, eles ganharam a terra justamente por ser inóspita, imprestável para a agricultura e a criação. Aos 83 anos, dona Onélia nunca saiu do Rincão do Inferno. Já os homens vão de vez em quando até Bagé para abastecer a casa. Após uns minutinhos de conversa simpática, com os cachorros latindo e algumas galinhas assustadas em volta, começamos a descida - que é íngreme, mas com calma a gente chega.

Lá embaixo, a paisagem é a que se vê nas fotos da internet, só que mais bonita ainda. Sabe o silêncio absoluto? É o que se ouve. Dá vontade de rezar para que o ministro aquele jamais desconfie que o lugar existe, ele que não é exatamente um fã da natureza. A região, aliás, está sempre na mira das mineradoras.

Na volta, a beleza que a gente leva nos olhos deixa a subida, puxada, menos dura. E o abrir e fechar das várias cancelas passa a fazer sentido. Se com o acesso difícil já encontramos uma lata de sardinha e tampas de garrafa no caminho, imagine se fosse simples chegar.

O jeito é preservar esse e todos os paraísos que a gente encontrar nesse nosso rincão chamado vida.

CLAUDIA TAJES

15 DE MAIO DE 2021
LEANDRO KARNAL

O OLHO QUE LÊ

Para que serve a leitura? Já foi dito que para aumentar o vocabulário, para passar o tempo, para matar o tédio ou para fazer provas. Poderia ser mais poético e dizer que lemos para viajar por épocas, terras e personagens diferentes. Todas as respostas são válidas.

Gosto de ler para tentar melhorar. Dito assim, parece aquele tipo de avaliação de final de encontro de grupo de jovens em colégio de freiras: "O encontro foi bom para a gente crescer no nosso compromisso com a comunidade". Em outras palavras, nada, ou quase nada...

O mundo tem problemas concretos enormes. Exemplos? Há desigualdade social, violência contra mulheres, racismo, homofobia, danos ecológicos crescentes e fanatismos de toda espécie. São coisas fortes e impossíveis de ser ignoradas. São problemas complexos, logo, não permitem enfoque rápido ou linear. Como enfrentá-los? Claro, com ações. Pensamento positivo não salva uma pessoa de uma agressão racista. Todavia, a ação precisa de alguma reflexão.

Aqui está o meu ponto. A delimitação do problema, os conceitos principais, o que já foi feito e o que poderia ser construído como solução existem, entre outras fontes, na leitura. Vou me deter naquilo que identifiquei, entre tantas questões graves: o racismo. O problema é nosso, independentemente da pele ou da posição social. Vou sugerir um guia introdutório para falar de leitura e de mudança de mundo.

Podemos começar de muitos lugares. Recomendo o livro O Olho Mais Azul, da norte-americana Toni Morrison (Cia. das Letras). Aqui, em obra ficcional, começamos a pensar a questão da beleza, um dos muitos aspectos do racismo. Ela ganhou o prêmio Nobel. O livro tem mais de 50 anos e continua forte. Afinal, o texto servirá para que todos possamos pensar o motivo de significar olho claro sempre que alguém elogia o olho de uma criança.

O romance terá feito, por meio da ficção, uma sensibilização ficcional sobre o problema. Passemos a algo atual e direto: Então Você Quer Conversar Sobre Raça, de Ijeoma Oluo (Ed. BestSeller). O campo é outro: perguntas e situações concretas analisadas pela escritora nascida em 1980. Ijeoma pergunta sobre tocar no cabelo de pessoas negras, ter sido acusado de racismo por alguém, viés racial de professores e microagressões. A primeira autora indicada usa da imaginação para o objetivo; na segunda, porém, as situações são concretas e diretas.

Vamos ao Brasil. Silvio Luiz Almeida lançou Racismo Estrutural reforçando alguns conceitos desenvolvidos por Kwame Turu e Charles Hamilton. O racismo não é fruto de uma pessoa tosca, mas de um sistema complexo e amplo. O autor distingue racismo individualista, institucional e estrutural. A obra de Silvio Almeida faz pensar em zonas de conforto que criamos com a naturalização de privilégios. Exemplos: o racismo é mais grave do que a exclusão por pobreza? O racismo seria herança apenas da escravidão?

Leu um romance e duas análises contemporâneas? Começou uma jornada de conhecimento sobre um tema essencial? Sugiro que o quarto livro seja Pequeno Manual Antirracista (Cia. das Letras), de Djamila Ribeiro. A autora é filósofa e tratou, em obra curta e clara, de como passar a uma atitude antirracista. Somos levados a analisar a negritude e os universais e quase invisibilizados privilégios da branquitude. Emergem racismos que podem, inclusive, ter sido internalizados pelo honesto leitor e a dedicada leitora. A autora tem outras obras, eu recomendaria começar por esse best-seller.

O tema é enorme. Quatro livros são um passo tímido para delimitar coisas. Há centenas de outros livros, documentários, filmes a analisar. Que eu tinha em mente? Se você dedicar alguns dias a cada obra, terá, em menos de um mês, revolucionado sua concepção. Quatro autores terão trazido questões novas, não necessariamente para sua concordância com todas, mas para um salto gigantesco de qualidade de informação.

Somos um país com imensa proporção afrodescendente. Nossa história só pode ser contada passando pela realidade da revolta, da exclusão e do trabalho de milhões de seres humanos escravizados. A cultura brasileira existe inseparavelmente da contribuição e criatividade de populações negras. Uma parte expressiva de nossos problemas sociais e educacionais precisa ser repensada à luz do racismo. Em resumo, pensar o passado, o presente e o futuro do Brasil passa pelo racismo. Não é um deleite humanista de um grupo de suecos ou finlandeses comovidos com o terceiro mundo: é nossa realidade imediata.

Ao ler esses quatro livros, você terá ideias claras sobre temas que aparecem no seu grupo de WhatsApp, no bar, na escola e no escritório. Mais: atitudes concretas e transformadoras serão sugeridas. Você e seu núcleo imediato (família, amigos, trabalho e estudo) serão iluminados por muitas questões novas. Sairão do campo do "eu acho", "minha opinião é que", "eu tenho um amigo..." para o campo dos dados e pensamento complexo e solidificado por buscas científicas. Você questionará expressões, opiniões, dados, práticas e coisas do senso comum.

Assim, ler é sair de um ponto confortável ditado pelo senso comum e reforçado pela superficialidade e entrar em outro mundo, o da formação de ideias pesquisadas e refinadas. A leitura melhora pessoas com olhos de todas as cores. Eu tenho sempre essa esperança. A propósito: a Lei Áurea está fazendo 133 anos. Ler permite duvidar: será que houve uma redentora?

LEANDRO KARNAL

15 DE MAIO DE 2021
ENTREVISTA

A MÚSICA ESTÁ SEMPRE MUDANDO, VIVA

Norah Jones

Cantora, acaba de lançar o disco "?Till We Meet Again", com músicas ao vivo, parte delas gravada em shows no Brasil em 2019

Foi assustador. Em 2002, ainda pagando com dificuldade o aluguel no Brooklyn, em Nova York, Norah Jones sentiu-se tragada por uma máquina. Era apenas seu álbum de estreia, mas Come Away With Me a explodiu pelos ares, garantindo sete troféus do Grammy de 2003 e mais de 27 milhões de cópias vendidas.

Filha da promotora de shows Sue Jones e da lenda do sitar indiano, Ravi Shankar (morto em 2012), Norah foi criada por sua mãe em Grapevine, Texas, e começou a cantar em coros de igreja aos cinco anos. Seu pai, ausente, tornou-se um tabu.

- Se perguntarem sobre Ravi Shankar, a entrevista estará encerrada - disse uma assessora em 2004 aos jornalistas que a entrevistaram no Brasil.

Hoje com 42 anos e dois filhos pequenos, Norah fala com a reportagem desde sua residência, nos EUA, por videochamada. Ela está lançando o álbum com faixas registradas ao vivo, ?Til We Meet Again e não parece angustiada como suas canções. Diz que a solidão que transmite não é o retrato de uma mulher triste. E que o pai (a pergunta sobre Shankar não é mais proibida) a deixou, sim, algumas coisas.

O NOVO ÁLBUM TRAZ UMA COLEÇÃO DE MÚSICAS GRAVADAS AO VIVO COM SONS DA PLATEIA, PALMAS, ASSOBIOS. FOI PARA MATAR AS SAUDADES DO PALCO?

Sim! Na verdade, eu estava ouvindo alguns shows gravados em dezembro de 2019 (feitos em São Paulo e no Rio de Janeiro) para escolher canções a pedido de uma rádio. Aquela turnê foi especial, o calor que senti ouvindo o público foi mágico. Tão bonito que decidi lançar um álbum com o nome de ?Til We Meet Again ("até nos encontrarmos de novo"). Não sei quando poderemos fazer isso.

VOCÊ TEM DOIS FILHOS PEQUENOS EM CASA. COMO A PANDEMIA MUDOU SUA VIDA, UMA MULHER QUE VIVE DA MÚSICA? VOCÊ COMPÕE COM AS CRIANÇAS? TOCA PARA ELAS? TOCA MENOS OU MAIS HOJE?

Em 2020, fiz lives todas as semanas por um tempo. Lives de 15 minutos. Era como eu me conectava com as pessoas. Algumas vezes, toco para meus filhos e é divertido vê-los fingindo que sabem tocar. Eles não sabem, são pequenos, mas é muito bom.

HÁ TRISTEZA NO QUE VOCÊ CANTA, MESMO EM MOMENTOS FELIZES. É POSSÍVEL SABER DE ONDE VÊM ESSES SENTIMENTOS?

Não sei se posso identificar de onde vem isso, realmente não sei, mas posso dizer que não sou uma pessoa triste. E tem uma coisa: não acho que poderia definir minha personalidade pela minha música. Acredito então que eu coloque todos esses sentimentos na música, e que talvez toda essa tristeza vá para ela de forma que me permita não ser uma pessoa tão triste.

MAS O QUE A FAZ SE IDENTIFICAR, POR EXEMPLO, COM CANÇÕES COMO BLACK HOLE SUN, REGRAVAÇÃO DA MÚSICA DO SOUNDGARDEN QUE ESTÁ NO ÁLBUM. A LETRA PARECE SER AINDA MAIS REAL PARA UM BRASILEIRO QUANDO DIZ O TEMPO PASSA PARA UM HOMEM HONESTO E ÀS VEZES É LONGO DEMAIS PARA AS SERPENTES.

Imagino. Amo essa canção faz uns 30 anos, desde que foi lançada. A razão pela qual a toquei vem do dia em que eu estava no teatro em que Chris Cornell havia feito seu último show (em Detroit, antes de cometer suicídio, em 2017, aos 52 anos). Eu estava lá uma semana após sua morte e senti que tocar essa canção seria um tributo a ele. Foi dos momentos mais bonitos que tive no palco. Foi tão cheio de amor por ele, e de tristeza também.

OS BRASILEIROS JORGE CONTINENTINO (FLAUTISTA), MARCELO COSTA (PERCUSSIONISTA) E RODRIGO AMARANTE SÃO SEUS PARCEIROS NO DISCO. O QUE VOCÊ PENSA QUANDO OUVE NOTÍCIAS DO BRASIL SOBRE A PANDEMIA?

É assustador. Porque somos todos irmãos, deveríamos ajudarmos uns aos outros, mas tudo parece ser tão distante, separado. Acho tudo aterrorizante. Vocês devem se sentir desamparados.

VOCÊ GRAVOU THIS LIFE AS WE KNOW IT IS OVER (A VIDA COMO CONHECÍAMOS ACABOU) ACREDITA NISSO?

Sim, para algumas pessoas, sim. Infelizmente, alguns estão vivendo a mudança atual, em meio à pandemia, de modo mais difícil do que outros. Mas essa canção foi escrita antes da crise sanitária, apenas inspirada em um dia triste.

VOCÊ NÃO FALA MUITO DE SEU PAI, RAVI SHANKAR. EM UMA PERGUNTA: O QUE ELE DEIXOU A VOCÊ?

Não sei, acho que esta é uma pergunta difícil de responder. Mas, talvez, meus olhos castanhos, minha cor da pele, minha musicalidade, minha baixa estatura...

Estadão Conteúdo - JULIO MARIA


15 DE MAIO DE 2021
ELIANE MARQUES

A MATEMÁTICA DAS FAVELAS

Alguém sabe os nomes dos 27 chacinados no Jacarezinho, ou dos 8 chacinados na Candelária, ou dos 21 assassinados em Vigário Geral, em 1993, ou dos 30 assassinados em 2005 na Baixada Fluminense, ou dos 19 assassinados, em 2009, em Padre Miguel? Alguém sabe os nomes dos 27 assassinados no Presídio Urso Branco, em 2002, ou dos 15 assassinados em Guaíra, em 2008? Alguém se lembra dos nomes dos 111 massacrados no Carandiru, em 1992? E as chacinas no Ceará e na zona norte de Porto Alegre, alguém sabe nomear suas vítimas?

Não falamos de coincidência e nem ressuscitamos a ideologia do criminoso nato, da escola lombrosiana, ao registrarmos que, na maior parte dos casos, para continuar a sina dos números, 4 palavras se condensam no corpo dos mortos - favela (ou periferia), criminalidade (ou bandidagem), chacina e negridão.

Favela como designação de moradias em territórios cujos moradores foram abandonados tem sua origem vinculada ao abandono dos ex-escravizados, após a Lei de Terras e a Lei Áurea, ao abandono dos indígenas e sertanejos, todos organizados em torno do projeto utópico de Antônio Conselheiro, e ao abandono dos soldados que, a mando do Estado, promoveram a chacina de mais de 15 mil habitantes daquela comunidade de Canudos, entre 1896 e 1897.

Após o episódio, conhecido como Guerra de Canudos, o Estado, com suas mãos brancas, permitiu que os combatentes passassem a ocupar o Morro da Providência (RJ) em moradias tão precárias quanto às do Morro da Favela, assim apelidado em razão da planta típica do local onde eles haviam montado acampamento na época do conflito.

Na chacina noticiada na semana que passou, a polícia destaca que 25 dos 27 mortos enfavelados tinham antecedentes criminais. O vice-presidente afirma que eram bandidos, a sociedade lamenta que entre eles estivesse algum trabalhador inocente. De um modo ou de outro se aceita a tese encampada pelo Estado de não direito de que bandido bom é bandido assassinado. E soldado bom, também é esse que mata e que também é morto?

Tão absurdo quanto saber o nome dos tantos chacinados é saber que no Brasil há tantas chacinas que se consideram justificadas. O Estado mata para justificar o abandono de quem morre e do corpo também enegrecido quem lhe serve de arma?

As favelas nasceram do abandono de soldados e de chacinados. Nos seus territórios se repete a história da falsa fronteira entre cidadão de bem e bandido morto cujo nome não se sabe por que se lhe nega a condição de humano.

ELIANE MARQUES

15 DE MAIO DE 2021
DRAUZIO VARELLA

A VIDA SEDENTÁRIA

ESTUDO INTERNACIONAL PROCUROU QUANTIFICAR OS PREJUÍZOS CAUSADOS PELA PANDEMIA DE INATIVIDADE FÍSICA

A seleção natural desenhou o corpo humano para o movimento. Desde que nossos ancestrais desceram das árvores, há 6 milhões de anos, a competição conferiu vantagem de sobrevivência às mulheres e homens que se movimentavam com mais desenvoltura. Como resultado, o corpo que chegou até nós tem pernas e braços longos, fortes e articulados para andar, correr, trepar em árvores, abaixar e levantar com eficiência e facilidade.

A partir da segunda metade do século 20, no entanto, sucessivos avanços tecnológicos tornaram possível ganharmos o pão nosso de cada dia sem sair da cadeira. Graças ao conforto moderno, passamos a usar o corpo de uma maneira para a qual ele não foi engendrado.

Ao mesmo tempo, novas técnicas de cultivo agrícola e armazenagem possibilitaram o acesso de grandes massas populacionais a alimentos de alta qualidade. As refeições da classe média de hoje são mais nutritivas do que as dos nobres nos castelos medievais.

A ingestão diária de um número maior de calorias do que as exigidas para a manutenção do peso saudável de um corpo sedentário criou as condições para a explosão da epidemia de obesidade que assola o mundo. No Brasil, 52% da população adulta está acima do peso.

Um estudo internacional publicado numa das revistas médicas de maior prestígio (The Lancet) procurou quantificar os prejuízos causados pela pandemia de inatividade física. Os autores fizeram uma revisão sistemática da literatura para estimar os custos diretos (para os sistemas de saúde) e os indiretos (produtividade perdida) do sedentarismo em 142 países, que representam 93% da população mundial.

Consideraram o impacto direto no sistema de saúde causado por cinco enfermidades, nas quais a influência da vida sedentária é conhecida com mais detalhes: doença coronariana, derrame cerebral, diabetes tipo 2, câncer de mama, câncer de cólon e reto.

Os custos indiretos foram calculados a partir da produtividade perdida com as mortes prematuras por essas doenças. A falta de dados para a maioria dos países não permitiu estimar as perdas com o absenteísmo provocado por elas.

Foram classificadas como inativas as pessoas que não seguem a recomendação da Organização Mundial da Saúde de praticar atividade física de intensidade moderada ou vigorosa, durante pelo menos 150 minutos por semana.

A aplicação de métodos estatísticos complexos permitiu chegar às seguintes conclusões:

1) Contados os gastos dos sistemas de saúde e os anos perdidos de trabalho por morte precoce, a inatividade física custou para o mundo U$ 67,5 bilhões. Esse número é igual ao PIB da Costa Rica e maior do que o PIB de 80 dos 142 países estudados;

2) O mundo perdeu 13,4 milhões de anos de trabalho, com as mortes prematuras;

3) Quanto mais pobre o país, menor o suporte financeiro governamental e maior a despesa das famílias com o tratamento das doenças estudadas;

4) A inatividade física é uma pandemia que provoca não apenas morbidade e mortalidade, mas grandes perdas econômicas. Os problemas gerados por ela são mais graves nos países em desenvolvimento.

Essas estimativas são extremamente conservadoras; consideraram apenas cinco de pelo menos 22 enfermidades em que a inatividade tem importância causal. Ficaram de fora outras que são de alta prevalência, como as reumatológicas e as ortopédicas, a hipertensão arterial, a síndrome metabólica e alguns transtornos psiquiátricos, por exemplo.

No Brasil, a faixa etária da população que mais cresce é a que está acima dos 60 anos, justamente a mais sedentária. É nessa fase da vida que incidem as doenças crônico-degenerativas mais comuns: hipertensão arterial, obesidade, câncer, diabetes, problemas ortopédicos e o cortejo de complicações associado a elas.

Cruzar os braços diante de mulheres e homens sedentários, que engordam e envelhecem com um ou mais desses males, é caminhar para aceitação de uma eutanásia passiva para os mais velhos, uma vez que nem o SUS nem a Saúde Suplementar terão condições de arcar com os custos.

Qual de nossos antepassados poderia imaginar que o maior desafio da saúde pública do século 21 seria convencer a população a andar?

DRAUZIO VARELLA