domingo, 27 de junho de 2021


26 DE JUNHO DE 2021
CARTA DA EDITORA

Uma nova seção sobre agronegócio

Na semana em que a Expointer 2021 foi anunciada para os dias 4 a 12 de setembro, com a retomada do formato presencial (com limitação de público), a jornalista especializada em agronegócio Gisele Loeblein inaugurou em suas colunas de ZH e GZH uma seção que conversa justamente com o momento atual de retomada no Rio Grande do Sul. Profissão Agro é um espaço para entrevistas com especialistas, profissionais e executivos de empresas que possam mostrar o universo de oportunidades de carreira no setor.

Diante de novos recordes produtivos, no país e no Estado, a geração de empregos ligados à agricultura e à pecuária se intensificou. No RS, o primeiro trimestre de 2021 foi o melhor em 14 anos no que diz respeito ao saldo positivo de vagas no setor: foram 26.504, conforme o Departamento de Economia e Estatística. Segundo Gisele, descontada a relação com a sazonalidade (no período de safra são recrutados mais trabalhadores), o cenário se mantém promissor, com chances se multiplicando para além da propriedade. Um exemplo é a indústria de máquinas e implementos, que gerou, nos três primeiros meses, 1.447 vagas a mais do que em igual período de 2020.

- Por meio da seção Profissão Agro, que sairá todas as segundas-feiras em ZH, vou apresentar ao leitor áreas que estão aquecidas, dicas para quem se interessa em uma vaga e iniciativas das companhias, como as de inclusão e diversidade, por exemplo - conta Gisele.

A estreia foi no dia 21, tendo como entrevistada Sheila Fonseca, vice-presidente de Recursos Humanos da AGCO América Latina, companhia que tem em seu portfólio marcas como Massey Ferguson e Valtra. Na edição da próxima segunda-feira, Gisele publica a conversa que teve com a PhD em genética e que faz análise de DNA do solo Juliana Marcolino, da empresa Biotrop.

DIONE KUHN

sábado, 19 de junho de 2021


19 DE JUNHO DE 2021
STREAMING

DESCOBERTA DA INFÂNCIA NA COSTA ITALIANA

Animação "Luca" conta a história de monstros marinhos que viram crianças e exploram o mundo

A Itália do gelato artesanal está em Luca. A da massa ao molho pesto também. A nova animação da Disney/Pixar, que estreou na plataforma Disney+, é uma viagem cultural à costa italiana, na região de Gênova, mas também uma sessão de descobertas sobre a vida para o espectador.

Quem conduz essa viagem é Enrico Casarosa, cineasta italiano vencedor do Oscar de melhor animação em curta-metragem por La Luna, em 2012. Luca é um projeto autobiográfico: o protagonista homônimo ao título do filme é inspirado nele mesmo e na relação com seu amigo de infância, chamado Alberto (mesmo nome utilizado pelo amigo de Luca no filme), que Enrico conheceu aos 12 anos de idade.

- A cultura italiana foi uma forma de puxar todos para as minhas memórias e que fazem da região de Gênova muito amável. Foi o jeito que encontrei de pegar cada espectador pela mão e dizer: "Vem aqui, vamos viver isso pela primeira vez" - explica Casarosa, em entrevista por vídeo a Zero Hora.

Na animação, Luca é um monstro marinho que sempre teve muita curiosidade em explorar o mundo, mesmo que sua mãe lhe imponha limites. Não é permitido nadar na superfície, repete ela todos os dias. Isso muda de realidade quando o pequeno encontra um antigo relógio de pilha e uma carta antiga no fundo do oceano. De quem seriam aqueles objetos? Sua curiosidade é atiçada para tentar chegar à costa.

Quando pisa na areia da praia da cidadezinha de Portorosso, ele se transforma em uma criança e acaba conhecendo Alberto, outro monstro marinho que também ganhou a forma humana. A amizade dos dois é um dos pontos altos do filme, como uma paixão à primeira vista. Eles exploram estrelas, correm pela cidade e se apaixonam pela Vespa, antiga moto italiana que se torna o objeto de consumo da dupla.

Empolgados com a ideia de conquistar uma motocicleta, Luca e Alberto se misturam em meio à criançada da cidadezinha e conhecem Giulia. Muito sincera e agitada, a garota tem o sonho de vencer uma corrida esportiva realizada anualmente ali entre os mais novos, um verdadeiro circuito de triatlo: nado, bike e, claro, comer um prato de macarronada no menor tempo possível.

Sensação

Movido por essa competição, o trio acaba trazendo o lado mais interessante de ser criança para a trama: a descoberta do mundo, desde a formação das constelações, a existência do sistema solar até a importância de se ter um amigo. Vai ser difícil não se identificar.

- Nos preocupamos em fazer um filme com crianças sendo elas mesmas, com uma contando com o apoio do outra, quebrando regras. Quando revisitamos nossas memórias, com a equipe de criação, o mais brilhante foi recuperar essa sensação do início das nossas vidas - acredita Casarosa, que trabalhou também nos times de arte de filmes como Robôs, A Era do Gelo e Up: Altas Aventuras.

Como tudo na infância, cada pequeno obstáculo ou sonho se transforma em algo grandioso. Por isso, em diversas cenas da animação, o cineasta brinca com o imaginário de Luca - ao avistar uma Vespa pela primeira vez, ele se vê pilotando a moto em um campo repleto de margaridas.

A parte visual também é um dos encantos do filme. Muitas das cenas marítimas, inclusive, farão o espectador se lembrar de Procurando Nemo, animação da Disney/Pixar que marcou gerações no início dos anos 2000. A diferença é que o oceano italiano, graças à imaginação de Luca, acaba tendo cores mais artísticas e expressionistas, na visão de Casarosa. No entanto, as conclusões das duas animações parecem estar em sintonia.

- A viagem pelo oceano acaba mostrando essa vontade de Luca de ir para o mundo, que parece estar totalmente limitado, assim como Nemo - compara Casarosa. - Ainda bem que os dois descobrem que o mundo é muito maior que isso. Essa é a sensação que precisamos ter todos os dias, em tudo o que fazemos.

JÚLIO BOLL


19 DE JUNHO DE 2021
LYA LUFT

Amigos à parte

De todas as relações que temos no mundo, na vida, ainda mais se for longa, possivelmente esta seja a mais essencial: a amizade.

Pois mesmo entre pais e filhos, e marido e mulher ou amantes, a amizade deve ser um traço de confiabilidade. Confio nele, nela, porque há entre nós, além de laços de sangue e amor, uma amizade que inclui respeito, entendimento, paciência, compreensão, alegria, bom humor. Amigo não tem ciúme, amigo não abandona, amigo não ofende conscientemente, amigo também procura não mentir ainda que doa, a não ser que a verdade fosse demais mortal.

- Que qualidade primeira a gente deve esperar de alguém com quem pretende um relacionamento? - perguntou o jovem jornalista, e respondi: aquelas que se esperaria no melhor amigo. O resto, é claro, seriam os ingredientes da paixão, que vão além da amizade. Pode ser um bom critério. Não digo de escolha - pois amor é instinto e intuição -, mas uma dessas opções mais profundas, arcaicas, que a gente faz até sem saber, para ser feliz ou para se destruir.

Eu não quereria como parceiro de vida quem não pudesse querer como amigo. E amigos fazem parte de meus alicerces emocionais: são um dos ganhos que a passagem do tempo me concedeu.

Falo daquela pessoa para quem posso telefonar não importa onde ela esteja, nem a hora do dia ou da madrugada, e dizer: "Estou mal, preciso de você". E ele ou ela estará comigo pegando um carro, um avião, correndo alguns quarteirões a pé, ou simplesmente ficando ao telefone o tempo necessário para que eu me recupere, me reencontre, me reaprume, não me mate, seja lá o que for.

Mais reservada do que expansiva num primeiro momento, mais para tímida, tive sempre muitos conhecidos e poucas - mas reais - amizades de verdade, dessas que formam, com a família, o chão sobre o qual a gente sabe que pode caminhar.

Falo de pessoas para as quais eu sou apenas eu, uma pessoa com manias e brincadeiras, eventuais tristezas, erros e acertos, os anos de chumbo e uma generosa parte de ganhos nesta vida. Não uma escritora conhecida: sou gente. Com uma dessas amizades posso fazer graça ou fazer fiasco, chorar, eventualmente dizer palavrão quando me irrito ou quando esmago o dedo na porta. (Ou sempre que me der vontade, aliás.)

A amizade é um meio-amor sem o ônus do ciúme - bela vantagem. Ser amigo é rir junto, é dar o ombro pra chorar, é poder criticar (com carinho, por favor), é poder apresentar novo amor ainda que meio esquisito, é poder até brigar e voltar um minuto depois, sem ter de dar explicação.

Quando mais uma vez o destino tirou de baixo de mim todos os tapetes e perdi o prumo, o rumo, o sentido de tudo, foram amigos, amigas - e meus filhos, jovens adultos já revelados amigos -, que seguraram as pontas - pontas ásperas aquelas.

Com amigos, sem grandes conversas nem palavras explícitas, aprendemos solidariedade, simplicidade, honestidade, e carinho. Com eles a gente pode simplesmente ser: que alívio, neste mundo complicado e desanimador, deslumbrante e terrível, fantástico e cansativo.

Texto originalmente publicado em 1º de junho de 2019

LYA LUFT

19 DE JUNHO DE 2021
CLAUDIA TAJES

Obra em casa

É um dia que chega para todo mundo, seja por escolha, seja por contingência. Pode ser porque a cor da parede começou a dar nos nervos, e aquele rosa-escândalo que você escolheu com tanto gosto já não parece tão repousante depois de uma interminável pandemia. Se a razão for um vazamento, um descolamento, uma rachadura, aí não tem jeito. A única coisa a fazer é: obra.

Uma obra em casa.

Tem gente que curte, eu sei. E são justamente essas as pessoas que têm as casas sempre nos trinques. Porque manter um apartamento em dia não é uma tarefa simples, não apenas na parte da limpeza, mas da funcionalidade mesmo.

Ora é um curto-circuito que queima metade das lâmpadas num fiiizzzzhhh.

Ora é um entupimento sei lá onde - e a casa assiste, impotente, à revolta dos ralos.

Ora são as esquadrias que, ao contrário de certas pessoas em cargos eletivos, trabalharam com o tempo. E agora o vento entra pelas frestas como um convidado indesejado da família.

As razões para uma obra não programada em casa são muitas, algumas bem mais graves do que as citadas acima. Na parede da sala de uma amiga, a rachadura que ela imaginou ser na pintura revelou-se um problema estrutural cabeludo. Não era prédio erguido pela milícia, mas os métodos do construtor se assemelhavam, ao menos na qualidade dos materiais. Minha amiga, grávida - sim, porque a vida apronta dessas nos momentos mais inoportunos -, está morando hoje na casa dos sogros.

Desejo que tire as calças da empresa. Mas isso só após um processo que, com certeza, vai levar muitos e muitos e muitos anos.

Quando a necessidade de uma obra se junta à vontade de ver a casa mais bonita, e ainda calha com algum dinheiro que entrou inesperadamente, quase um milagre na atual situação do país, o resultado é: obra.

Uma obra maior do que o inicialmente planejado.

Já que é preciso trocar os canos, por que não mexer no revestimento da cozinha, esse que data de alguma época esteticamente desfavorável ao design, pintado com uma tinta fosca para atenuar a feiura? E já que a ideia é mexer no revestimento, por que não trocar também o piso, ainda mais feio que os azulejos, se é que isso é possível? E já que a cozinha vai ficar tri, por que não reformar também o banheiro?

Obra em casa vira obsessão. Você passa os dias se inspirando no Pinterest, faz tours virtuais pelas lojas de materiais, entra mil vezes no Google em busca de novidades e belezuras para deixar a casa com cara de revista. Algo que, definitivamente, não combina com o seu orçamento, mas que você faz mesmo assim. Completamente viciada em torneiras, pastilhas e louças.

Quando a obra começa, um tanto do sonho desaba. Impossível ficar em casa com aquela bateção e o pó. As quatro semanas iniciais não demoram a virar cinco. Seis. Sete - e não se fala mais nisso. Pobres dos vizinhos, que precisam aturar a obra dos outros. Nos apartamentos mais antigos, remover um piso produz uma quantidade de pó capaz de atingir, e tingir de branco, o prédio da frente. Tempestade no deserto, sabe? Há que se levar em conta que a rapaziada que trabalhou para nós não era das mais caprichosas, mas como saber disso antes de começar uma obra?

Tudo estaria dentro dos conformes, não fosse uma ligação da vizinha do andar de baixo na noite em que eu chegava em Bagé: faz alguma coisa urgente, o meu apartamento está alagando.

Com a ajuda da síndica, descobriu-se que a turma saiu na sexta-feira deixando os canos todos sem bucha, uma chuva ininterrupta de outono no closet, nos banheiros, no quarto dos vizinhos. Que diante da tragédia, entre me matar e resolver a questão, ficaram com a segunda hipótese. Só por isso consegui entregar esta coluna.

De volta ao lar, agora é tomar um remedinho para a rinite e botar as coisas no lugar. A caneca estimada, pelo que tem de cimento, foi usada para misturar algum material. As panelas que furaram, espero, tenham sido usadas para tamborim. E tudo o mais que nos entregaram quebrado e estragado deve servir para a prática tão difundida do desapego. Só pode ser isso. A Monja Coen que vive em mim saúda a Monja Coen que existe em você.

Obra em casa, faça, sim. Mas, para o seu bem, jamais me peça indicação.

CLAUDIA TAJES

19 DE JUNHO DE 2021
FRANCISCO MARSHALL

AS NINFAS MUTILADAS DO CAIS

Há por trás do muro e dos trilhos uma praça abandonada, entre ruínas, onde jazem memórias e poéticas de uma cidade que já foi e sempre pode ser bela. Nessa praça, emanam graça duas lindas ninfas que o escultor Adolf Adloff (1874-1949) extraiu da pedra, escoradas na bacia de uma fonte, cercadas por 14 palmeiras. De costas para as águas e hoje mutiladas, tal como esta Porto Alegre, essas ninfas são bom símbolo da incúria com que maltratamos bens preciosos; estão na área do cais, o local predileto para abandonos e perdas deste Estado e desta cidade. Elas miram a selva de pedra e insinuam o pensamento: por que e até quando vamos desdenhar a beleza, o patrimônio, a memória e a história e massacrar as potências da poesia e da inteligência com a violência insensata e insensível da tecnocracia?

As estátuas são parte da Praça Edgar Schneider (1893-1963), alusiva ao jurista, parlamentar e professor que foi reitor da UFRGS (então UPA, Universidade de Porto Alegre) entre abril de 1942 e setembro de 1943, quando renunciou devido a divergências quanto à autonomia - boa lembrança, no momento em que nossa universidade é novamente agredida. 

Essa praça situa-se no limite entre o Cais Mauá e o Cais Marcílio Dias, próximo à rodoviária, em área sem função e com circulação restrita; está ligada ao Canal Navegantes, parte do Delta do Jacuí, que junta águas dos rios Caí, Gravataí e Sinos, muito poluídos - a catástrofe que teimamos em esquecer e esconder atrás do muro; logo adiante, essas águas formam o lago Guaíba, um dos maiores fenômenos hídricos do Hemisfério Sul. Desse ponto, situado diante do canal entre as ilhas do Pavão e Chico Inglês (não sou eu!), até a ponta do Gasômetro, estende-se o Cais Mauá e, com ele, os armazéns que delineiam a fachada de Porto Alegre, o maior patrimônio tombado da capital do Estado, rigorosamente abandonados e degradados, na regra simbolizada pelas ninfas mutiladas.

As ninfas são a memória artística de entidades que os gregos imaginaram para representar as forças vitais de elementos benéficos, como fontes, bosques e recantos; nymphé, em grego, quer dizer noiva, ou seja, jovens na flor da idade, com graça e leveza coreográfica. Esses atributos aparecem com toques modernos nessa obra de Adolf Adloff, artista nascido em Düsseldorf e que atuou até 1940 em Porto Alegre, onde deixou belas obras públicas, especialmente no Cemitério da Santa Casa. O lindo recanto com as duas ninfas pede para ser restaurado e retomado para a cidade, ajudando a nos reconectar com aquele cenário privilegiado, suas águas, memórias e visões do espaço e do tempo.

A área do cais vem sendo vilipendiada há muitos anos. Pairam ainda sérias ameaças, sobretudo quanto à voracidade desmedida dos especuladores imobiliários, que cativam com facilidade políticos e tecnocratas liberais, contra o interesse público. Mas há também a força de princípios e inteligências atentas, que sonham com democracia e a graça de fontes com ninfas reanimadas em nossas margens.

FRANCISCO MARSHALL

19 DE JUNHO DE 2021
MARTHA MEDEIROS

Um minuto de silêncio

Tenho percebido que a poesia anda visitando as redes sociais com uma frequência que não havia antes. Atores e atrizes dizem poemas, Betos e Marias dizem poemas, e os versos se espalham por escrito também, alguns fotografados direto dos livros. Poesia, veja só. Aquela flor atrevida que surge entre os tijolos dos muros e as lajes das calçadas, e que altera a visão do mundo.

Não foi combinado, ninguém propôs, não marcaram dia e hora para começar. Começou. Alguém lembrou de Bandeira numa terça, outro puxou uma Cecília Meireles na quarta, um Manoel de Barros veio à tona sexta-feira, e das páginas os versos saltaram para o universo digital, que estava mesmo precisando de algo mais depurado do que a bruta troca de ofensas entre dois lados.

A poesia como resposta ao que não nos foi perguntado: merecemos uma sociedade tão desnutrida de valor, tão árida, estéril e nefasta? Em meio a um país fúnebre, contando mortos e motos, sendo infectado diariamente pela estupidez e assistindo à ascensão da miséria intelectual como se fosse um triunfo, vem a poesia em nosso socorro e traz um pouco de luz. Palavras cintilantes, como vagalumes aqui e ali, acendendo tochas na escuridão.

A poesia, que tantos acham difícil e solene, vem juntar-se aos nossos estilhaços, às nossas lives e postagens, vem nos acariciar e sussurrar belezas, vem promover um breve instante de comoção, vem preencher o vazio e espantar essa esquisita friagem vinda da região central do Brasil, esse espírito glacial que intenciona trocar nossos vestidos vaporosos e camisas coloridas por fardas que enrijecem o caminhar, a liberdade dos passos. Vem ela, a poesia, colocar-se a postos para esse confronto de delírios, ofertando, em contraste, sua magia. Em vez de lunática, inteligentemente anárquica; em vez de pirada, inspirada. Esparramando bom astral por onde passa.

A poesia está no varal e suas roupas penduradas, no semblante da moça dentro do ônibus, num guarda-chuva preto atrás da porta, na chama da vela que treme ao abrirem uma janela, nas mãos dadas dentro do cinema. A poesia está no resto de bolo na geladeira, no vapor que embaça o espelho depois do banho, na cama desarrumada do quarto. Seu filho dormindo também é um poema.

A poesia não é oculta, e sim discreta. Basta um convite do olhar e ela se revela, para então se esconder novamente atrás da pressa, do tédio, do desencanto, do barulho.

Hoje estou aqui para saudar a reação espontânea de tantos internautas, necessária resistência diante da tentativa de arrancarem de nós o que é sentimental, deixando-nos apenas palavras rudes e paredes com marcas de tiros. A poesia, milagreira, retorna. Flor que brota no cimento, e que, insolente e bela, nos salva, nem que seja por um minuto, aquele respeitoso minuto de silêncio.

MARTHA MEDEIROS

19 DE JUNHO DE 2021
DRAUZIO VARELLA

COVID E OBESIDADE

Está claro que a covid-19 é mais agressiva em pessoas com alguns problemas de saúde. Os mais comuns costumam ser: hipertensão arterial, diabetes, insuficiência cardíaca, doença coronariana, colesterol elevado, insuficiência renal crônica, doença cerebrovascular (AVC) e doença pulmonar obstrutiva crônica (enfisema e outras).

Desde o início da pandemia, ficou demonstrado que a obesidade é um fator de risco independente, para a mortalidade e para a necessidade de internação hospitalar.

Havia dúvida, entretanto, se todas as classes de obesidade seriam associadas aos quadros de maior gravidade, ou se eles estariam restritos aos casos de obesidade mais grave. Outra dúvida é se mulheres e homens obesos correriam o mesmo risco.

Como a obesidade está associada a um estado de inflamação crônica, pacientes obesos apresentariam resposta inflamatória exagerada ao coronavírus, com formação da "tempestade de citocinas" responsável pelo acometimento pulmonar e de outros órgãos.

O European Journal of Clinical Microbiology & Infectious Diseases acabou de publicar um estudo retrospectivo conduzido entre 3.530 pacientes consecutivos (1.579 mulheres e 1.951 homens) internados por covid-19 num hospital terciário.

Com base no Índice de Massa Corpórea (IMC = Peso/altura x altura), os casos de obesidade foram classificados em três classes: Classe I (IMC entre 30 e 34,9 kg/m2), Classe II (IMC entre 35 e 39,9) e Classe 3 (IMC 40 ou mais).

O objetivo principal foi calcular o impacto do IMC na mortalidade. Como objetivos secundários, os autores avaliaram a relação com a necessidade de intubação e o aparecimento de pneumonia grave.

Nos pacientes da Classe II (IMC entre 35 e 39,9), a mortalidade aumentou 44%, na comparação com os que pertenciam à faixa de peso considerada normal (IMC entre 18,5 e 24,9). Naqueles da Classe III (IMC 40 ou mais), o aumento da mortalidade foi de 92%.

Quando comparado ao grupo de peso na faixa da normalidade, o risco de pneumonia grave aumentou nas três classes de obesidade: Classe I = 44%; Classe II = 97%; Classe III = 210%.

Os aumentos nos riscos de intubação nas Classes I, II e III foram de 77%, 68% e 58%, respectivamente.

A análise dos subgrupos mostrou que, enquanto houve aumento da mortalidade nos homens pertencentes às Classes II e III, nas mulheres tal aumento só ocorreu naquelas com IMC de 40 ou mais (Classe III).

Esses resultados podem ser atribuídos aos seguintes mecanismos:

1) Obesidade grave altera a mecânica dos pulmões por causa do acúmulo de gordura no mediastino e nas cavidades abdominal e torácica;

2) A obesidade central característica dos homens reduz a capacidade respiratória;

3) O efeito nocivo do estado de inflamação crônica causado pelo acúmulo de gordura;

4) A alteração da flora intestinal associada à obesidade;

5) Receptores nos quais o vírus se ancora para entrar nas células, como o ACE2, estão presentes no tecido gorduroso.

DRAUZIO VARELLA

19 DE JUNHO DE 2021
MONJA COEN

A IMPERMANÊNCIA E A MÁSCARA

Perceber que não há nada fixo ou permanente pode ser bom como pode ser ruim. Há quem pense que, se todos vamos morrer mesmo, que seja. Aproveitemos a vida enquanto vida, já que tudo é evanescente e vazio, sem sentido. Há pessoas que pensam assim e se alienam do essencial, correndo atrás de prazeres pessoais.

Alguns fogem da impermanência da existência através de um sentimento fatalista, indiferente e melancólico. Não sabem lidar com a dor das mortes, das contaminações, dos sofrimentos de tantos.

Mas há outra maneira de lidar com a impermanência: não é escapar da realidade, mas viver esta realidade e a transformar resoluta e heroicamente. Enfrentar a si mesmo, seus medos e insuficiências e procurar apoio de pessoas sábias e corretas.

A arte e a religião exigem uma força interna para que possamos compreender a impermanência da existência sem fatalismo ou escapismo. É preciso compreender a razão da impermanência e agir sobre a impermanência, invés de ser subjugado por ou lutar contra as realidades intoleráveis.

O movimento da mente é decisivo para determinar nosso bem-estar. Medite, reflita, conheça a si mesmo, sem manipular, sem falsificar seus sentimentos e emoções, mas os penetrando, aceitando e transformando.

Somos o resultado do que pensamos. Há um texto budista antigo: "Todos os fenômenos se originam na mente e quando a mente é completamente conhecida todos os fenômenos são completamente conhecidos... O ser desperto, examina a natureza das coisas, mantem atenção na atividade mental e está sempre presente. Assim não cai no poder da mente, mas a mente está em seu poder. A mente estando em seu poder, tudo está em seu poder".

A mente é o ponto de partida e o ponto principal de foco. O ponto de chegada é a mente pura, livre e sábia. Isto significa ações, palavras e pensamentos para o bem de todos os seres. Já não há um eu separado querendo vantagens. Pelo contrário, é se disponibilizar a cuidar com respeito e dignidade da vida em cada vida.

Ação heroica é tentar o impossível. Se não desistirmos, se insistirmos, transformamos e apressamos o processo da cura e do bem-estar de todos.

Fomos capazes de produzir vacinas em menos de um ano. Os festejos devem esperar que pelo menos 75% da população mundial seja vacinada. E continuaremos a usar máscaras que deixam marcas na face, e nos manteremos distantes fisicamente, sem aglomerar - o que deixa marcas internas e econômicas.

A vida vale ser vivida e compartilhada. Vamos todos morrer, é fato. Até a morte, podemos viver bem, sem medo, cuidando e bem querendo, evitando sofrimentos, sequelas, sufocos, abusos e socos.

Gente, está na hora de despertar. Não é por tudo ser impermanente que vamos fazer o que nos dá na telha - para quem ainda tem telhado, pois há muita gente sem teto.

Religião serve para libertar pessoas e sociedades e isso é possível ao conhecer e usar a mente de forma adequada. Analise cuidadosamente os vários estados mentais.

Não desanime, não desista de você e da vida.

Siga as instruções de quem é especialista e insista: é possível mudar o rumo das transformações. Não ceda a sair sem máscara por aí. Vacine-se. Higienize-se. Evite aglomerações. Pois só assim poderemos novamente compartilhar um chimarrão. Festas juninas, só pela televisão.

Mãos em prece

MONJA COEN

19 DE JUNHO DE 2021
J. J. CAMARGO

UM BAR LIVRE DE AMARGURA

"A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida." (Vinicius de Moraes)

Não fomos concebidos para a solidão, ainda que alguns, os esquisitões, cultivem-na por opção. Então, que tal se no meio desse infindável isolamento compulsório alguém decidisse criar um grupo do "bar virtual"? Afinal, poderíamos trocar confidências, cada um bebendo na sua própria poltrona, rememorando o tempo passado e, vamos lá, reconhecendo que, se tivéssemos percebido antes o quanto era bom, teríamos aproveitado mais.

Assumindo que arrependimento não conserta o passado, vamos organizar melhor o futuro. Começando por parar com as lamúrias e tentar fazer deste happy meeting o mais relaxante possível. Como chegaremos para o webpapo depois de mais um dia de notícias amargas, imagens escabrosas e acusações oportunistas, precisaremos nos proteger, e três assuntos seriam proscritos, sob pena de exclusão do grupo: peste, crise e caça aos culpados.

Reconhecendo que estamos carentes dos nossos amigos, e consumidos com esta sensação horrível de que pela impossibilidade de abraçá-los eles possam estar esquecendo da gente, com as memórias escorrendo pelo vão largo da saudade, vamos tratar de acarinhá-los. Então, estabeleçamos critérios amenos para o nosso bate-papo, que incluam os efeitos humanizantes de emoção, inocência, humor e criatividade, esses atributos que qualificam a vida. E já anunciemos que, a partir de amanhã, este webhall estará aberto a histórias de amigos novos que reúnam essas características. As melhores serão publicadas aqui, nesse espaço. A primeira história é uma mistura comovente de inocência e curiosidade:

O Julinho recém aprendera a contar até 100, e o pai lhe pediu que ligasse para o avô, que estava de aniversário. Ocorreu este diálogo:

- Oi, vô, parabéns! E quantos anos você tem?

- Setenta e um, meu queridinho.

- Nossa vô, e você começou do um?

A segunda história é maravilhosa: a doutora Talita Franco é uma brilhante cirurgiã plástica e pessoa de doçura incomum. Operou no ambulatório do hospital universitário uma lesão de pálpebra do seu Carlos, um velhinho cego, guiado sempre por sua esposa, e ficou impressionada com a humildade do casal, com aquela resignação silenciosa dos pacientes do SUS. Combinou a volta em quatro dias para a retirada dos pontos. No dia marcado, com uma fila enorme de pacientes, por uma falha do sistema ela não foi avisada de que seu Carlos retornara. Só quando chegava em casa, do outro lado da cidade, lembrou dele.

Consumida de culpa, pensou naquele homem modesto, mais uma vez humilhado, no dinheiro da passagem, no cansaço de ter acordado cedo, na fome àquela hora tardia. Ligou para o hospital, e a enfermeira confirmou que, depois que todos já tinham saído, notara aquele casal de velhinhos, no salão vazio. Tinham esperado por horas, mas como ninguém lhes chamara, não tiveram coragem de perguntar. Não podendo mais serem atendidos, foram embora. A doutora passou o resto do dia em diligências para conseguir o endereço do seu Carlos. Telefone não havia. As referências eram precárias. Tratava-se de um morro sem ruas assinaladas. Conseguiu uma espécie de Centro Comunitário, e para lá mandou um telegrama com um texto enorme, onde se desculpava e pedia que voltasse no próximo dia de ambulatório e, assim que chegasse, mandasse lhe chamar.

No dia aprazado, ela chegou cedo e, pouco depois, ouviu uma voz forte, dizendo: "A doutora Talita está esperando por mim!". Quem adentrou na sua sala era um homem transformado. O Sr. Carlos parecia ter crescido alguns centímetros. Aprumado, bem vestido e sorridente. Os olhos sem brilho se enrugavam no sorriso. A mulher, de braço dado, aquela que o guiava em sua cegueira, agora parecia guiada por ele.

Repetida a explicação e renovado o pedido de desculpas, os dois disseram que acabou sendo muito bom, porque o telegrama no morro fora um sucesso. Ninguém jamais havia recebido algum, e o casal passou a merecer maior respeito e atenção dos vizinhos. A dignidade tinha sido resgatada por um gesto simples, mas que se opusera à humilhante sensação de insignificância.

J. J. CAMARGO

19 DE JUNHO DE 2021
COM A PALAVRA - 

O FILME

DIRA PAES - Atriz, 51 anos Com quase 50 filmes e mais de uma dezena de novelas no currículo, além de prêmios nos principais festivais brasileiros, ela está em "Veneza", longa-metragem de Miguel Falabella que estreou na quinta-feira

Uma das protagonistas da chamada retomada do cinema brasileiro, na virada do século, Dira Paes acumula uma lista heterogênea de personagens em 36 anos de carreira. Um exemplo dessa flexibilidade pode ser conferido nos cinemas: ela vive a prostituta Rita em Veneza, filme de Miguel Falabella que estreou na quinta-feira. A atriz paraense também pode ser vista na reprise da novela Ti-Ti-Ti, que vai ao ar no Vale a Pena Ver de Novo, da TV Globo. No ano passado, ela resolveu ir para atrás das câmeras e dirigiu seu primeiro longa, o ainda inédito Pasárgada. Nesta entrevista, fala sobre seus projetos, suas incertezas durante a pandemia e a atual situação do audiovisual brasileiro, entre outros assuntos.

EM VENEZA, VOCÊ VIVE UMA PERSONAGEM TERNA E SENSUAL. COMO FOI A CONSTRUÇÃO DA RITA?

Me senti privilegiada com o convite, pois o Miguel é um diretor de grandes atrizes. Para mim, foi uma deferência o desejo dele de trabalhar comigo. Miguel falou que, quando escreveu o roteiro, estava pensando em mim. Quando o li, eu me encontrei. Vi ali a dignidade de alguém que vivia em um mundo insólito e violento. O que tem de lindo na Rita é a gratidão a alguém que lhe deu a mão quando mais precisou - a personagem Gringa (interpretada pela atriz espanhola Carmen Maura). Agora, essa pessoa precisa dela, e os papéis se invertem. Acho isso muito bonito, porque hoje a gente está vivendo algo assim, essa relação de cuidar e ser cuidado. Para o filme, procurei fazer um misto do que o Miguel pedia: são mulheres de fronteira, que trabalham em um bordel, mas que, de alguma forma, gostam muito de si mesmas. Ele queria que elas fossem altivas.

COMO FOI SER DIRIGIDA POR MIGUEL FALABELLA?

É um presente. Essa equipe e esse elenco viraram uma família. Passamos um mês em Montevidéu filmando. Depois, tivemos mais uma semana em Veneza (Itália). Miguel fez um filme potente, que tem essa levada do sonho misturada com a realidade. E traz uma leveza de que estamos precisando. Por enquanto, a gente não paga para sonhar. É uma liberdade poder sonhar. É o que temos de mais precioso, ainda mais neste momento. Miguel é um superdiretor. No trajeto entre o hotel e o set, ele já nos dirigia. Até no jantar. É um contador de histórias. Além da cultura, tem uma memória incrível.

NO FILME, TONHO (EDUARDO MOSCOVIS) COMENTA QUE O PESSOAL DO BORDEL DA GRINGA É A FAMÍLIA DELE. UMA REFLEXÃO DE VENEZA É O CONCEITO DE FAMÍLIA? SOBRE O QUE MAIS VOCÊ ACHA QUE O FILME JOGA LUZ?

Esse é um ponto importante. Todo mundo quer, de alguma maneira, o pertencimento. O primeiro pertencimento que a gente costuma ter é a família. Pode ser toda errada, mas é a sua. Você entende aquilo ali. Acho que isso também transparece no filme. Você vê ali que as relações se confundem entre fraternas e sexuais, no caso de Tonho e Rita. Acho que o Miguel lança luz sobre vários aspectos. Exalta a paixão pelo cinema. Fala também sobre intolerância. Precisamos aprender a treinar o nosso olhar, que é muito restrito às vezes. Nós estamos no século 21, todos temos que nos atualizar, de alguma forma. O filme tem uma coisa atemporal, estamos falando de uma fronteira do Brasil, mas você consegue localizar os transtornos, o machismo, a marginalização, como a gente não reconhece a individualidade do outro. Há várias histórias no mesmo filme, tenho certeza de que o público vai se identificar com alguma delas.

VOCÊ ESTÁ NO AR NA TV COM A REPRISE DE TI-TI-TI (2010). O QUE VOCÊ GOSTA DE LEMBRAR DESSA NOVELA?

Marta vem depois da Norminha, de Salve Jorge (2012). Eu precisava desse contraponto. Ela era o contrário da Norminha. Tive o prazer de ter esse encontro com o Jorge Fernando (1955-2019). Estivemos juntos em Verão 90 também, antes de ele partir. Agora estou revendo com um olhar de amor pelo Jorge. Toda vez que falo de Ti-Ti-Ti eu lembro dele. É a lembrança que estou gostando de alimentar, de matar a saudade. Ele era muito cheio de energia. Teria ainda muito a nos dar, deixou um legado incrível. Em Ti-Ti-Ti, foi incrível contracenar com o Murílio Benício. Quando a gente faz novela, o gostoso é pensar com quem contracenamos naquele dia. Isso para mim sempre foi estimulante.

VOCÊ TEM UM LEQUE DE PERSONAGENS HETEROGÊNEOS. QUAIS CRITÉRIOS UTILIZA PARA ESCOLHER OS TRABALHOS DOS QUAIS VAI PARTICIPAR?

É paradoxal: todos os critérios e nenhum (risos). Às vezes, pode ser uma empatia ou aposta total naquela pessoa que lhe trouxe o roteiro e você não conhece. Você não sabe quem é o diretor ou com quem vai contracenar, mas se apaixona pela história. Fiz muitos filmes assim. Outro critério é tentar trazer uma diversidade que me alimente como artista, buscar outros estilos. Nos meus primeiros anos de carreira, eu simplesmnete trabalhava. Era uma aprendiz, nunca achava que estaria perdendo topando um filme.

ERA O MOMENTO DE GANHAR EXPERIÊNCIA.

Poxa, foi maravilhoso. Trabalhei com John Boorman (em Floresta das Esmeraldas, 1985) e nos primeiros longas de diretores. Arrisquei. Mesmo não sendo a personagem mais legal do mundo, eu queira aquele encontro. Então, apostava naquele trabalho. Sigo apostando.

HÁ ANOS HÁ UMA DISCUSSÃO MUNDIAL SOBRE A FALTA DE BONS PAPÉIS PARA MULHERES ACIMA DOS 40 ANOS. SOBRE O ASSUNTO, EM ENTREVISTA A ZH, EM 2017, VOCÊ DISSE: O RETRATO DA MULHER DE MEIA-IDADE QUE JÁ ABRIU MÃO DAS SUAS CONDIÇÕES FEMININAS NÃO EXISTE MAIS. DE LÁ PARA CÁ, MUDOU ALGUMA COISA?

Você vê que essa questão de gênero não diz respeito a um suposto Terceiro Mundo. Em 2015, a Patricia Arquette ganhou o Oscar de melhor atriz coadjuvante e fez um discurso feminista no Oscar (pedindo equiparação salarial com os homens, entre outros temas), com a Meryl Streep levantando, batendo palmas e falando: "Yes!". Aquilo ali era Hollywood, querendo a mesma coisa que nós no Brasil. Hoje, a grande mudança é a velocidade da informação. Não tem como voltar atrás: quando a gente começa a ter entendimento do que é igualdade de gênero, do que é o papel da mulher no século 21, compreende a importância de termos políticas direcionadas. Nós mulheres somos a base da sociedade, somos grandes consumidoras, temos mais responsabilidades familiares e somos subjugadas com menores salários, sem oportunidades de cargos de chefia. Demoramos demais a discutir igualdade de gênero. Mas o discurso da Patricia Arquette surtiu muito efeito. Acho que o que estamos vivendo agora é uma tentativa de disseminar a ideia de que feminismo não é uma alcunha negativa. Ser feminista é ter consciência de direitos e deveres. Com certeza, devemos lutar pela igualdade de gênero. Nós somos todos seres humanos e precisamos dividir tudo com igualdade.

COMO VOCÊ SE DESCOBRIU FEMINISTA?

Ah, muito cedo. Tive um discernimento que me foi despertado na adolescência, antes de ser atriz, em relação aos direitos humanos. Sou paraense. Venho de uma terra de belezas naturais e riquezas culturais que não existem em nenhum lugar do mundo, mas que é também um lugar de conflitos, de exploração e esgotamento dos recursos naturais. Quem tem sensibilidade a temas ligados aos direitos humanos acaba despertando cedo para essas questões. Ainda não era uma pessoa famosa, mas já tinha minha autoestima definida em torno da minha individualidade. Também é quando você sensibiliza o olhar para o outro. A alteridade alimenta a atriz, porque gosto de gente, de trocas, de conversar olhando no olho.

NOS ÚLTIMOS ANOS TAMBÉM FORAM TRAZIDOS À TONA RELATOS DE ASSÉDIOS NO UNIVERSO DO CINEMA. EM ENTREVISTA AO O GLOBO, VOCÊ COMENTOU QUE JÁ TEVE EXPERIÊNCIAS DESAGRADÁVEIS COM DIRETORES, ASSÉDIOS VERBAIS, MAS QUE SE DEFENDEU TODAS AS VEZES, INSTINTIVAMENTE. O ASSÉDIO DIMINUIU COM AS DENÚNCIAS?

O assédio existe e continua em um alto grau, porém, estamos também lutando bravamente para lançar uma consciência comportamental que não parta dessa ambivalência de gênero. Queremos que as pessoas cresçam entendendo a importância do respeito. Acho que os movimentos só se estabelecem de fato quando eles começam na base. E a base da nossa sociedade tem um número muito grande de pessoas abaixo da linha da pobreza. Há muitas pessoas que precisam se fortalecer para que aí sim tenham visibilidade para essas questões. Na minha trajetória no Movimento Humanos Direitos, a gente lança luz sobre causas, sobre situações que infligem os direitos humanos, mas as mudanças só vêm, na prática, quando há alterações legislativas. A transformação é um processo longo.

QUANDO VENEZA FOI EXIBIDO NO FESTIVAL DE GRAMADO, EM 2019, FALABELLA LEU A CARTA DE GRAMADO, DOCUMENTO ASSINADO POR ENTIDADES DO AUDIOVISUAL CONTESTANDO EPISÓDIOS DE CENSURA E CRITICANDO O GOVERNO FEDERAL. COMO VOCÊ OBSERVA A SITUAÇÃO?

Infelizmente, no atual governo, os artistas são tratados de uma forma que não é respeitosa. Não temos diálogo com a Secretaria Especial da Cultura, não há projeto para um mercado bem-sucedido de cinema brasileiro. O governo desinforma o público em relação à Lei Rouanet. E somos uma classe imensa, que gera uma receita incrível para a economia nacional, além de pagarmos impostos. Mas vamos seguir. Nossa profissão atravessou séculos e séculos. E persiste, independentemente dos governos.

RECENTEMENTE, HOUVE FORTE DEBATE NAS REDES SOCIAIS QUANDO JULIANA PAES AFIRMOU NÃO APOIAR NEM A EXTREMA-DIREITA, NEM A EXTREMA-ESQUERDA E SAIU EM DEFESA DE NISE YAMAGUCHI, MÉDICA DEFENSORA DA CLOROQUINA QUE ACONSELHA JAIR BOLSONARO. O QUE VOCÊ ACHOU DESSE EPISÓDIO?

Juliana é uma mulher adulta e responsável. Ela se manifestou e tem o direito de se expressar. Usou a rede social para conversar diretamente com seu público, provavelmente sabendo que isso ia causar muitas discussões. Foi o que a Juliana quis fazer e tem esse direito. Ela assuntou uma discussão, que, se a gente olhar por outro lado, foi ótimo para termos a oportunidade de explicar o que é direita e o que é esquerda. O debate é sempre saudável.

COMO VOCÊ TEM LIDADO COM A PANDEMIA? PRECISOU MUDAR ALGUM HÁBITO? TEVE ALGUMA PRIORIDADE QUE ACABOU REVENDO?

Um misto de tudo isso. Cada dia é um sentimento. A pandemia despertou um espírito de coletividade que se estabeleceu mesmo com as pessoas a distância. Acho que está sendo importante podermos lamentar cada vítima juntos, em uma grande corrente de solidariedades. O que não podemos aguentar mais é a ausência de atitude do governo federal em relação a essa mortandade. É um momento mórbido, que vem junto com a violência contra os pobres, os pretos e os índios e o desmatamento na Amazônia. É muita coisa. A gente precisa ter atitudes a favor da vida. É disso que o Brasil está precisando.

VOCÊ RECEBEU A PRIMEIRA DOSE DA VACINA EM MAIO. COMO SE SENTIU?

Tenho asma crônica desde os 22 anos. Foi uma sensação estranha. Não consegui ficar feliz.

NEM UM ALÍVIO?

Até deu. Mas quantos por cento da população está vacinada, gente? Temos mais de um ano de pandemia. E esse número exorbitante de mortos. É preciso que tenhamos mais vacinas! É muito constrangedor o que está acontecendo, se você pensar que temos uma das maiores populações mundiais, somos um país exuberante, com tantos recursos naturais. O que está acontecendo com a gente? Estamos vivendo um processo retrógrado. Nos tornamos intolerantes. O Brasil adoeceu.

VOCÊ TEM COMENTADO A CERIMÔNIA DO OSCAR NA GLOBO DESDE 2018. NESTE ANO, A PREMIAÇÃO FOI DIFERENTE DEVIDO À PANDEMIA. O QUE VOCÊ ACHOU DO OSCAR 2021?

Achei que eles foram bravos guerreiros. É preciso resistir. Tive um olhar diferente daquele que, me parece, todo mundo teve. Acho que o Steven Soderbergh (diretor da cerimônia) trouxe o Oscar para a nossa casa de uma maneira singular. Nós conseguimos ver os artistas com saudades uns dos outros. Vimos aquele reencontro. Estavam todos muito contentes, desarmados, mais humanos e menos semideuses, como costumam ficar no Oscar. E mais uma vez a Academia de Hollywood veio mostrar que quer a diversidade, que quer os filmes do mundo inteiro. A pluralidade vem sendo alimentada cada vez mais. Como foi tardio esse despertar da Academia! Desde que comecei, em 2018, vejo uma progressão nessa abertura para o mundo.

COM MAIS DE 35 ANOS DE CARREIRA, VOCÊ NÃO PRETENDE IR PARA TRÁS DAS CÂMERAS EM ALGUM MOMENTO? TEM PLANOS DE SE TORNAR DIRETORA?

Pois é. Tem gente que fez filho na pandemia, já eu fiz um filme com meu marido (risos). Eu e Pablo (Baião) somos casados há 16 anos, e talvez nunca tenhamos tido tanto tempo juntos como nesse período. Tivemos espaço para criar um projeto chamado Pasárgada, inspirado num poema de Manuel Bandeira. Esse desejo do lugar utópico, onde tudo é possível, onde você é livre, é amigo do rei (risos). Acabei me envolvendo desde o primeiro momento, escrevendo roteiro, consultando pessoas sobre argumento, produzindo, dirigindo, interpretando. Foi uma experiência bem intensa. O filme não fala da pandemia diretamente, mas se passa dentro de uma locação do Arraial do Sana, na Mata Atlântica do Rio de Janeiro. É a história de uma bióloga que vai fazer uma pesquisa nessa região. Estou curtindo cada etapa desse processo.

O FILME ESTÁ EM QUE ETAPA DE PRODUÇÃO?

Estou procurando ainda o corte que gostaria de mostrar para as produtoras associadas, para ter as primeiras sessões com público. Ainda precisa haver um trabalho de edição de som. Então, acho que levará um tempo ainda de feitura.

E VOCÊ ESTARÁ NA NOVA VERSÃO DA NOVELA PANTANAL. ONDE MAIS PODEREMOS LHE VER?

Ainda não está definida a data, mas em breve mas teremos o lançamento do longa-metragem Pureza (de Renato Barbieri), em que eu trabalhei. Tem ido muito bem nos festivais internacionais. Estarei em Pantanal fazendo a Filó, que foi interpretada pela Jussara Freire na outra versão. É um projeto pelo qual estou muito encantada. Vai até julho do ano que vem. Começaremos a gravar em agosto. Acho que não posso nem desejar mais projetos, vou estar bem envolvida com a novela nos próximos meses (risos).

- Coestrelado por Dira Paes, Carol Castro, Eduardo Moscovis, Danielle Winits, Caio Manhente, Roney Villela e Miguel Falabella, escrito e dirigido por este último, "Veneza" é uma comédia dramática sobre o sonho de uma dona de bordel que está cega e doente (interpretada por Carmen Maura) e que tem como último desejo viajar à cidade italiana do título para pedir perdão ao amante que abandonou décadas atrás.

- Trata-se do segundo longa-metragem dirigido por Falabella, ator, autor e diretor de teatro, cinema e televisão que antes assinou o longa Polaroides Urbanas (2008).

- Produção da Globo Filmes, o longa levou o Kikito de melhor direção de arte no Festival de Gramado de 2019. Teve a estreia adiada por conta da pandemia e só entrou em cartaz na última quinta-feira nos cinemas brasileiros. Veja onde assisti-lo em Porto Alegre no roteiro do caderno Fíndi.

WILLIAM MANSQUE


19 DE JUNHO DE 2021
CARTA DA EDITORA

Foco na vacina

Desde que as primeiras doses de vacina contra a covid-19 chegaram ao país, lá em janeiro, a imunização virou assunto prioritário na Redação Integrada de ZH, GZH, Rádio Gaúcha e Diário Gaúcho. Entendemos que somente pela vacinação da população voltaremos à normalidade - embora se saiba que os controles sanitários permanecerão ainda por um bom tempo.

A reportagem que ilustra a capa desta edição e que o leitor encontra nas páginas 20 e 21, é apenas um exemplo do quanto é fundamental a vacinação. A repórter Camila Kosachenco conta a história de familiares que aos poucos estão retomando o convívio. Graças às duas doses da vacina, avós estão podendo reencontrar seus netos, mesmo que sob cuidados.

Mas, então, por que alguém que pode se vacinar contra a covid-19 não está buscando a imunização nos postos e drive-thrus no Estado, enquanto outros milhares contam os minutos para chegar a sua vez na longa fila da vacina? A reportagem de Marcel Hartmann, na página 19, tenta esclarecer os motivos, ouvindo especialistas da área de saúde e gestores públicos que trabalham com a vacinação.

- É difícil compreender os motivos de quem tem a oportunidade e não se vacina, mas podemos reverter isso, inclusive os números altos de pessoas que não fazem a segunda dose, com informação e orientação dos especialistas da área de saúde, que são as pessoas que devemos ouvir neste momento sobre pandemia - diz a editora Rosângela Monteiro.

Ao longo dos últimos dias, temos reforçado os esclarecimentos sobre esse problema mas também outros aspectos da imunização. Mostramos, por exemplo, que o surgimento de inúmeras variantes do coronavírus faz aumentar a importância da segunda dose. E explicamos por que não faz sentido escolher qual vacina tomar.

Seguiremos no assunto até o dia em que pudermos estampar na capa de ZH que o RS e o país atingiram a tão esperada imunidade coletiva.

DIONE KUHN

19 DE JUNHO DE 2021
OPINIÃO DA RBS

A MELHOR VACINA

Nas transações comerciais do dia a dia, é natural que os consumidores tenham preferência por determinadas marcas, em detrimento de outras. A competição ética e centrada na qualidade é um dos mais potentes motores do desenvolvimento econômico e social da humanidade. Mas quando o assunto é vacina, em meio a uma grave crise que apenas no Brasil mata mais de 2 mil pessoas por dia, não é razoável preterir imunizantes comprovadamente eficientes e que passaram por meticulosas e exaustivas pesquisas em diversas fases e pelo crivo de agências reguladoras pautadas pelo mais absoluto rigor e com um processo de análise transparente.

São públicas e estão disponíveis as informações sobre as razões que levaram a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) à aprovação das vacinas aplicadas hoje no Brasil e os motivos pelos quais, para outras, ainda não foi possível uma chancela. Há garantias, portanto, de que os fármacos disponíveis são eficazes, seguros e os seus benefícios superam em muito qualquer risco de efeitos adversos, até agora mínimos e sem gravidade. Mesmo que os percentuais de eficácia sejam diferentes, o verdadeiro perigo é deixar de se vacinar. É uma ameaça para si e para a sociedade, uma vez que, além da proteção individual, a vacinação em massa ergue um importante escudo coletivo destinado a deter a circulação e o avanço do vírus.

Com base na ciência e em informações altamente confiáveis disponíveis até agora, é possível afirmar, com absoluta convicção, que a melhor vacina é aquela aplicada no braço de qualquer brasileiro habilitado a recebê-la. Há, infelizmente, resistência em relação a produtos de determinada origem e receio sobre outros por reações como dor de cabeça e fadiga. No primeiro caso, há um lamentável preconceito que foge à racionalidade e, no segundo, efeitos até previstos, mas é preciso sempre ter em vista que a proteção adquirida é infinitamente mais relevante do que um mal-estar passageiro.

Sim, há diferenças entre as marcas e laboratórios, inclusive quanto à tecnologia empregada e aos processos de fabricação. Mas isso não pode se tornar um fator a atrasar ainda mais o já lento processo de imunização no Brasil. É preciso correr e alcançar a maior cobertura possível. No caso da covid-19, farmacêuticas podem até competir entre si por mercados, o que sempre é positivo, porque induz à qualidade e à queda nos preços. Mas, do ponto de vista da eficácia da construção de uma barreira imunológica, o que importa é fazer a fila andar.

 


19 DE JUNHO DE 2021
DAVID COIMBRA

O reerguimento de Porto Alegre

Será que Porto Alegre era melhor mesmo nos anos 1990 ou EU é que era melhor naquela época?

Não sei...

Sei que há cidades que melhoram. Outras pioram. O Rio provavelmente foi a mais maravilhosa cidade do mundo nos anos 1960. Tom, Vinicius, Chico, Millôr, Francis, o velho Braga, todos se encontravam na Zona Sul, bebiam no Antônio?s, admiravam a garota de Ipanema. A cidade era tão sofisticada, que gestou a Bossa Nova.

Vou dizer: a Bossa Nova é a mais notável contribuição artística do Brasil para a humanidade. Nunca nós, brasileiros, conseguimos alcançar tamanha beleza, tamanho requinte em uma forma de expressão cultural. A Bossa Nova é o Brasil como o Brasil deveria ser.

Tirar a capital do Brasil do Rio foi um erro. Brasília foi um erro. Levaram os políticos para o deserto do Planalto Central, longe de tudo, longe das pressões populares, longe da realidade.

A decadência do Rio tem a ver com essa mudança. Mas foi um processo lento. Estive no Rio em 1982, assisti à Império Serrano ganhando o Carnaval com o seu "Bumbum paticumbum prugurundum". Sério: eu estava na avenida. Amanhecia quando a Império Serrano entrou. O que aconteceu então foi memorável. Nas arquibancadas, todos cantavam e dançavam, envolvidos pelo samba-enredo. Foi uma entrega, um abandono como eu nunca tinha visto antes. Há quem diga que foi o maior desfile de uma escola em todos os tempos, e pode ser que tenha sido mesmo. O Rio daquele tempo era só alegria e festa, era uma cidade ainda aprazível e amena, mesmo sendo cosmopolita.

Depois, tudo mudou.

Com Nova York ocorreu o contrário. Até os anos 1980, Nova York era perigosa. As pessoas tinham medo de andar pela Times Square, imagine. Mas a cidade investiu em segurança pública e, hoje, você pode ir ao Bronx, ao Hell?s Kitchen ou ao Soho sem receio algum. As taxas de criminalidade diminuem ano a ano em Nova York, de uma maneira como não ocorre em nenhuma outra grande cidade do planeta.

Já em Paris o auge foi no entreguerras, anos 1920 e 1930, quando Hemingway escreveu Paris é uma Festa. Hoje, andar de metrô, em Paris, pode ser temerário.

Porto Alegre, a grande época de Porto Alegre foi a década de 1940. A cidade ainda possuía traços europeus, as vitrines da Rua da Praia cintilavam aos olhos dos jovens que faziam o footing e a Livraria do Globo reunia alguns dos maiores intelectuais do Brasil, como Erico Verissimo, Mario Quintana, Dyonélio Machado e Josué Guimarães.

Aos poucos, Porto Alegre foi se descaracterizando. Mas nos anos 1980 e 1990 continuava sendo uma cidade pulsante, cheia de opções e, como anuncia o nome, alegre. Naquele tempo, a noite era forte. Nos fins de semana, ninguém saía de casa antes das 23h, meia-noite, e havia bares e restaurantes que funcionavam até de manhã.

A depressão aconteceu lentamente. Foi no século 21 que Porto Alegre, um dia, amanheceu sombria, dura e triste. Tudo parecia tão ruim... Mas uma cidade é um organismo vivo. Ela se move, ela se modifica.

Há alvíssaras. Tenho notado alguns sinais de melhora, principalmente na área da segurança pública. Mas o que mais me empolga são as mudanças de uma região da cidade: a orla.

As reformas feitas à beira do Guaíba estão transformando a cidade. Se houver uma recuperação do Centro como região de convivência, Porto Alegre se reerguerá. E se reerguerá graças à sua vocação esquecida de cidade banhada por um rio. Tenho fé: o Guaíba vai redimir Porto Alegre.

DAVID COIMBRA

19 DE JUNHO DE 2021
CONFORTO DOS AVÓS

Criatividade no abraço

Para Catarina, a menina que caiu no choro ao se despedir dos avós no ano passado, a pandemia foi duas vezes desafiadora: primeiro, pelo rompimento no relacionamento com as avós, com quem convivia quase todos os dias antes de ir para escolinha. E segundo, pois teve de interromper o processo de adaptação na escola e voltar para casa.

O ano transcorreu, como para maioria das famílias, com a estratégia das videochamadas e visitas aos avós à distância, para desespero da Elenice e do marido, Fernando Luiz Barbieri, 64 anos.

- Não tem como ficar longe, é muito difícil, foi um ano de provação - conclui Elenice.

Além dos avós maternos, a astróloga Lúcia Vellinho, 73 anos, o aposentado Hector Furlong, 74, e a fonoaudióloga, esposa de Hector, Andréia Fava Melo, 52, representantes do lado paterno, também viram os encontros com a menina rarearem. Na tentativa de amenizar a distância física, a família visitava a avó, que mora em uma casa, e permanecia no pátio. Por vezes, Catarina beijava a porta de vidro que separava ela e Lúcia, como se estivesse beijando a bochecha da avó. Cansada da falta de contato físico, Lúcia resolveu dar um jeito de se aproximar da família:

- Estava muito triste, pois via eles chegando lá em casa e não podia abraçar. Aí um dia resolvi juntar três sacos de lavanderia e colá-los. Ficou um plástico bem grandão, então eu entrei dentro e consegui abraçar bem forte eles.

Mais para o fim do ano, com muita cautela, a família voltou a se reencontrar, aos poucos com os avós. Até que, no verão, Elenice e Fernando Luiz, tiveram covid-19. Passado o período de isolamento deles, o contato foi aumentando, afinal, o temor da família era a contaminação deles.

Ainda assim, os avós do lado paterno de Catarina ainda sofriam com as restrições até o dia que foram vacinados.

- A gente fica mais tranquilo e vê que eles ficam tranquilos também. Agora, estamos nos encontrando mais - confirma Gabriela Machado Barbieri, 37 anos, mãe da Catarina e filha da Elenice e do Fernando Luiz.