terça-feira, 26 de abril de 2022


26 DE ABRIL DE 2022
NÍLSON SOUZA

Cabeças de ovo

De saída, reivindico a legitimidade do meu lugar de fala para tratar deste assunto que, em outras circunstâncias, até se poderia chamar de cabeludo - mas, por óbvio, não o é. Refiro-me ao tratamento dispensado pelo deputado Daniel Silveira ao ministro Alexandre de Moraes numa de suas assacadilhas contra a Corte Suprema. Na ocasião, o parrudo parlamentar sugeriu que "o povo entre no STF, agarre Alexandre de Moraes pelo colarinho, sacuda a cabeça de ovo dele e o jogue numa lixeira".

A bravata devidamente alcunhada tinha lá a sua graça, tanto que a representante do Ministério Público e o próprio ministro agravado não seguraram o riso durante a leitura da acusação no julgamento que sentenciou o parlamentar, na semana passada. Depois, a palavra "graça" ganhou outra conotação, virou decreto presidencial e provocou o maior quiproquó jurídico da história recente do país. Para ficarmos no tema, os togados estão arrancando os cabelos para encontrar uma saída. Aqueles que os têm, evidentemente.

Nós, os capilarmente desprovidos, aprendemos cedo a nos defender do deboche dos peludos:

- A pior calvície é a de ideias! - eu mesmo costumava dizer quando um amigo mais engraçadinho apelava para a pelagem. Com o tempo, porém, aprendi a conviver pacificamente com meu telhado de vidro e a me inspirar na serenidade de alguns alopécicos ilustres. O antigo ator Yul Brynner, por exemplo. Ganhou Oscar e virou modelo universal de beleza masculina.

Mas não precisamos voltar tanto no tempo para constatarmos que cabelo não é documento. Veja-se os jogadores do basquete norte-americano. Quanto menos melenas, mais cestas de três pontos. E os nadadores? Alguns campeões extraem até os pelos das orelhas. Mesmo sem a idealizada cobertura capilar, atores, futebolistas, escritores, filósofos, professores e até personagens de desenho animado brilham literalmente em suas atividades. Nossa categoria está bem representada em todas as áreas. Tem até príncipe careca. Tem vilão também, sou obrigado a reconhecer. Basta lembrar o repulsivo Lex Luthor, obcecado por acabar com os super-homens bem-penteados e com o restante da humanidade, ou Lord Voldemort, perseguindo o descabelado Harry Potter.

Podemos, sim, virar feras. Mas não vale a pena. É perda de tempo ficar procurando pelo em ovo.

NÍLSON SOUZA

26 DE ABRIL DE 2022
INFORME ESPECIAL

Neto Fagundes: 40 anos de carreira

No ritmo do chamamé, do vanerão e da milonga (mas sem esquecer do samba e do rock de galpão), o cantor Neto Fagundes (foto acima) prepara um baita show para celebrar 40 anos de carreira. Conhecido pelo culto às raízes, pela família multitalentosa e pela versatilidade, o apresentador do Galpão Crioulo, da RBS TV, vai enfileirar sucessos no Theatro São Pedro, na Capital, em 7 de maio, às 21h.

Acompanhado de Paulinho Fagundes (violão e guitarra), Miguel Tejera (baixo), Rafa Marques (bateria), Luiz Mauro Filho (piano), Matheus Kleber (acordeom) e Tuti Rodrigues (percussão), Neto promete levar ao palco canções para relembrar momentos marcantes da carreira - como os tempos do grupo Inhanduy (foto menor, no detalhe), ao lado do pai, Bagre Fagundes, e de um dos irmãos, Ernesto (à esquerda na imagem).

- Sempre quis ser um artista que representasse suas origens, mas logo que cheguei a Porto Alegre percebi que temos um caldeirão de ritmos e estilos. Essa mistura vai estar presente no show - diz o cantor de 58 anos.

Além da apresentação no mais tradicional teatro do RS, Neto já recebeu convites para levar o espetáculo para Alegrete e Santa Maria.

Nas praças

Segue crescendo o número de prefeitos de praças em Porto Alegre: agora já são 93 voluntários, homens e mulheres que merecem nosso apoio e respeito. Eles atuam como fiscais da comunidade - e sem ganhar nada por isso. Entre as atribuições do cargo, definidas em decreto municipal, estão zelar pelas áreas de uso coletivo, acompanhar serviços de limpeza, roçada e jardinagem e comunicar a prefeitura de problemas com iluminação e pichações.

Ajude a cuidar

Das 685 praças da Capital, cem foram revitalizadas em 2021 e 135 devem receber melhorias neste ano pela prefeitura. É papel de todos nós ajudar a cuidar do bem público.

Reconhecimento

O Hospital de Clínicas de Porto Alegre é o quinto melhor estabelecimento do tipo para se trabalhar no país, segundo classificação da 8ª edição do ranking nacional da saúde, feito pelo Great Place to Work. Também é o melhor entre os hospitais públicos brasileiros e entre todos os gaúchos.

Design em foco

A arquiteta e designer Roberta Banqueri (na foto) vem a Porto Alegre hoje, a convite da Casa de Alessa, para apresentar sua mais nova coleção, chamada Tupiniquim, a um grupo de convidados da Capital.

A linha de móveis recebeu dois prêmios na 11ª edição Brasil Design Award, no final de 2021: assinados por Roberta, o sofá Oca e a poltrona Cacau levaram o bronze na categoria Design de Produto. A coleção evidencia elementos brasileiros e foi concebida em conjunto com a Più Mobile.

RS tem seis universidades em ranking global

Mesmo com os reflexos nocivos da pandemia na educação, o RS tem motivos para se orgulhar: seis instituições gaúchas de ensino superior estão entre as 2 mil melhores universidades do mundo. Primeira colocada no Estado e quinta no Brasil, a UFRGS subiu 13 posições em relação a 2021. Promovida pelo Center for World University Rankings (CWUR), a avaliação é realizada desde 2012.

Além da UFRGS (que saltou da 474ª posição global para a 461ª), integram o rol UFPel, UFSM, PUCRS, IFRS e Furg (veja o quadro abaixo).

O IFRS é o único instituto federal do Brasil destacado pelo quarto ano consecutivo.

Na análise feita pelo CWUR, com sede nos Emirados Árabes Unidos, são levados em conta sete indicadores: qualidade da educação, inserção no mercado de trabalho (alunos com cargos de comando nas principais empresas do mundo), qualificação dos professores, volume e qualidade da pesquisa, citações em artigos científicos e nível de influência (a partir de publicações em revistas acadêmicas de destaque).

Entre todas as 2 mil elencadas, as três primeiras são norte-americanas: Harvard University, Massachusetts Institute of Technology e Stanford University. No Brasil, a campeã é a USP.

As instituições gaúchas na lista

1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - 461ª no ranking global

2 Universidade Federal de Pelotas (UFPel) - 953ª

3 Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) - 1.045ª

4 Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) - 1.504ª

5 Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) - 1.536ª

6 Universidade Federal de Rio Grande (Furg) - 1.678ª

Pedras do silêncio no radar

Sotaques de diferentes regiões do Brasil andam se misturando em Nova Petrópolis, na Serra. Embora a maioria dos visitantes do Esculturas Parque Pedras do Sile^ncio seja de gaúchos, o proprietário do empreendimento, Valmor Heckler, comemora o interesse crescente de paulistas (21% do público atual), cariocas (12%) e mineiros (9%). Com mais de 80 esculturas ao ar livre, o espaço conta a história da imigração germânica. Mais detalhes em pedrasdosilencio.com.br.

JULIANA BUBLITZ

sábado, 23 de abril de 2022


23 DE ABRIL DE 2022
MARTHA MEDEIROS

O lado sadio da doença

Já comentei que sou a legítima faísca atrasada. Fui a última a namorar entre as minhas amigas do colégio e, claro, a última a transar. A última a trocar vinil por CD, a dirigir um carro com câmbio automático, a ter perfil nas redes. Por sorte, fui a última a contrair covid também - me contaminei semana passada. Quem mandou descuidar do uso da máscara durante um show? Atenção, plateias: a pandemia não acabou. Graças às três doses da vacina, nada de grave aconteceu, apenas fiquei uns dias isolada no quarto, prostrada na cama. Com o corpo moído e uma tosse seca, fora de combate, me restou pensar na vida.

Foi então que lembrei que o mundo não acaba se a gente tiver que parar. Má notícia para os narcisistas, mas para os simples mortais é uma libertação: você acorda mais tarde que o habitual, volta a dormir depois do almoço, dá outro cochilo à tardinha, tudo em plena terça-feira, e a vida que você construiu com tanta responsabilidade e disciplina não entra em colapso. Sua patroa não vai morrer se tiver que ela mesma cozinhar e lavar a louça. Seus alunos contarão com uma professora substituta. 

Alguma vizinha dará uma espiada em suas crianças. Se você nasceu com privilégios, tem ainda menos motivo para se preocupar. Os e-mails que você não respondeu continuarão aguardando seu retorno. Nenhum contrato será desfeito pelo atraso da sua assinatura. A live cancelada será remarcada sem prejuízo aos rumos da humanidade. As dívidas continuarão sendo pagas no débito em conta e as pessoas que precisam do seu suporte não darão nem um espirro enquanto você não se recuperar.

Conspiração mágica do universo: quando um pilar deixa de estar disponível, o outro se apruma.

Refleti também sobre o sentimento de culpa, que tanto nos atazana. Tive que atrasar um trabalho "urgente" e não consegui prestigiar um evento "imperdível", e nenhum desses adjetivos se justificou. Meu humor não estava dos melhores e incomodei um amigo médico com alguns WhatsApps - paciência. 

É admirável nossa dedicação para conquistar o troféu de Melhor Pessoa, mas às vezes a gente passa por uma necessidade imprevista e vira um estorvo, um mala, fazer o quê? Adoecer é uma porcaria, desarruma um esquema que funcionava direitinho, nos enfraquece fisicamente e a cabeça também pifa um pouco, mas faz a gente enxergar que a correria insana dos dias não deixa de ser uma doença também. Queremos tanto ganhar tempo, mas fazemos o quê com o excedente? Acumulamos ansiedade, só isso.

Queria que ninguém mais fosse contaminado por esse maldito vírus, mas se for, que vire para o lado, durma mais um pouco, repouse e desconecte: contar com a solidariedade dos outros e aceitar que somos dispensáveis ajuda na cura.

MARTHA MEDEIROS

23 DE ABRIL DE 2022
CLAUDIA TAJES

Para trás é que se anda

De uns tempos para cá, minha máquina do tempo só me leva para trás. Não sei que tipo de defeito ela tem, se queimou a válvula ou deu algum crepe no transístor. Quando vejo, estou no meio dos períodos mais trevosos da nossa história, a recente e a que parecia perdida nos séculos e séculos, amém.

Agora mesmo ela levou a um revival da peste negra, um triste passeio pelos idos de mil trezentos e alguma coisa. Com o decreto que acaba de estabelecer que a pandemia não é mais uma emergência em nosso país, pode até parecer que a viagem chegou ao fim. Não é bem assim, como diz, sempre com total propriedade, o professor e epidemiologista Pedro Hallal: a pandemia do coronavírus só estará contida quando fizer, por dia, o mesmo número de vítimas de outras doenças infecciosas que hoje estão sob controle, 10, 15, 20, vá lá. Enquanto morrerem cem pessoas de covid-19 por dia no Brasil, a pandemia continuará exigindo todos os cuidados. Independentemente dos decretos.

E a viagem seguiu para trás.

Quando vi, me sentia em 1500. O que dizer das balsas gigantescas que hoje invadem a Amazônia, levando o garimpo ilegal para dentro das reservas indígenas? Nada que não tenha acontecido desde a chegada dos portugueses, e sacrificando sempre o mesmo povo, agora com a vista grossa dos órgãos de - suposta - defesa ambiental.

Nenhuma volta no tempo ficaria completa sem uma nova versão da Guerra Fria. Enquanto as atrocidades se sucedem na Ucrânia, Estados Unidos e Rússia mais uma vez se enfrentam para mostrar quem tem o pinto maior, quer dizer, o maior poderio. As consequências, bem, são as consequências. Não se faz omelete sem quebrar o mundo.

Tudo isso sem falar nas tristes lembranças do AI-5. Cada vez que algum integrante da família do barulho elogia um torturador, desfia os horrores da ditadura e traz de volta uma das partes mais lamentáveis do nosso passado. Os áudios dos juízes do Superior Tribunal Militar surgem em boa hora para quem ainda insiste em negar o que houve.

Quando parecia que a viagem para trás tinha chegado ao fim, fui ao supermercado. Olha ela de volta, a inflação. De um dia para o outro, diferenças nos preços e até um sutil desabastecimento dos produtos mais baratos. Fui embora correndo, temendo que um fiscal do Sarney encarnasse em mim.

Já em casa, dando uma catada nas redes, vi as fotos dos candidatos às próximas eleições, os mesmos homens velhos e brancos de sempre, sem representatividade alguma, e achei que estava nos anos 40.

É passado sem glórias demais para mim. Amanhã chamo um técnico para consertar a minha máquina do tempo.

CLAUDIA TAJES

23 DE ABRIL DE 2022
CRISTINA BONORINO

PINGOS NOS Is

Chegamos a um ponto da pandemia em que, ao longe, se enxerga uma luz no fim do túnel. Mas ela não está garantida. Muitos prosperam gerando medo e desconfiança; o velho dividir para conquistar nunca foi tão atual. Mas se as mentiras ganharam palanques nos meios de comunicação e nas redes sociais, a ciência também ganhou. Então:

? Se você está cansado de usar máscara e já não sabe mais onde exatamente vale a pena usar, saiba que isso não pode ser determinado por decreto. É ciência. É vacinando e testando. Quando todos estivermos vacinados com três doses, poderemos dispensar a máscara na maioria dos ambientes. Líderes e governos realmente interessados em proteger pessoas estariam fazendo campanhas para isso, exigindo passaporte vacinal completo e distribuindo máscaras KN95 até atingir esse objetivo vacinal.

? Falar que vacina não funciona porque vacinado testa positivo mostra que a pessoa não entende como funcionam vacinas. Vacinas não evitam infecção. Nunca foi assim. O que importa é que evitam que hospitais e necrotérios se encham. No fim de 2020, os dados dos primeiros estudos clínicos de vacinas de mRNA mostraram que elas preveniam infecção; escrevi sobre isso, por ser surpreendente. Mas isso durou um mês. E faz sentido: não é bom para o seu corpo ter níveis de anticorpos tão altos o tempo todo. Cada reforço de vacina que for feito aumenta temporariamente os anticorpos; mas, especificamente para a covid-19, todos os dados mostram que três doses, em pessoas sem comorbidades, são suficientes para proteger das variantes.

? Aliás, anticorpos não devem ser usados para medir proteção. Nem neutralizantes. Eles são medidas que fazemos e que compõem uma ideia de proteção junto com dados epidemiológicos de doenças e de testes. Níveis de anticorpos caem com o tempo. O que importa em uma vacina é se ela gera células B e T de memória. Essas células são o suprassumo da evolução do sistema imune; são células tronco, especializadas, e que se multiplicam rapidamente se você se encontra com o patógeno de novo - e te protegem.

? Falando em células T, na semana que passou um abaixo- assinado de 60 imunologistas foi enviado para a FDA, a Anvisa dos americanos, pedindo que seja exigido que todos os estudos de vacinas façam a análise da resposta T. O fato de todos os estudos clínicos precisarem apenas mostrar dados de anticorpos tem dificultado a nossa compreensão completa de como proteger da covid-19. Anticorpos perdem a eficácia contra variantes, mas a proteção se mantém provavelmente por mecanismos específicos de células T. O certo é futuramente exigir esses dados para quem quiser aprovar uma vacina. E instrumentalizar os cientistas do país para que isso vire um serviço público.

Qualquer variação desses quatro pontos é ignorar as evidências e tentar agradar alguém. Agrados não salvam vidas. E líderes que ignoram a ciência, também não.

CRISTINA BONORINO

23 DE ABRIL DE 2022
FRANCISCO MARSHALL

DE NOVO? E AINDA CAIS?

Para a cidade de Porto Alegre, não há desafio democrático maior do que o dramatizado no Cais do Porto, desde que se avançou na gestão de seu processo de revitalização. Queremos uma cidade mais bela, feliz e promissora? Acreditamos que a democracia é o melhor caminho para o desenvolvimento? Caso positivo, temos de examinar de frente os horrores dessa história que tensiona o teatro da cidade.

Breve histórico: 1) a empresa habilitada em 2010 para revitalizar o cais, Consórcio Cais Mauá, negligenciou sua meta e cometeu muitos delitos, incluindo-se a deterioração do patrimônio tombado, enganando a cidade por longo tempo; 2) vários movimentos da sociedade civil organizada denunciaram esses delitos desde cedo, mas foram hostilizados por aquela parte da imprensa que tem horror por investigação e democracia, e prefere desinformar; o Judiciário tampouco correspondeu ao esperado, especialmente o TCE, incapaz de zelar pelo interesse público; 

3) Sartori não teve coragem, mas Leite, diante do grave quadro de evidências, rescindiu o contrato com o delituoso consórcio, em 30 de maio de 2019. 4) Após a rescisão, diversos grupos técnicos, acadêmicos e culturais da cidade procuraram o governo do Estado para contribuir no novo capítulo desse projeto. O governo Leite desdenhou-os ofensivamente - nem sequer respondeu a pedidos de audiência protocolados por mais de 60 instituições. Preferiu contratar por soma milionária tecnocratas do BNDES, do Rio, totalmente desinformados da cidade e do assunto, para garantir prioritariamente sua meta ideológica, a privatização da área pública. 

5) Paralelamente, persistiu, anuída pelo governo, à ocupação ilegal do cais pelo projeto Embarcadero. Ninguém é contra tomar chope na Orla, o que é muito agradável e sucesso empresarial garantido. Não houve, porém, disputa pública pela área, nem apresentação de projeto, nem há compromisso com o patrimônio (pelo contrário), mas apenas uma gambiarra jurídica e política de oitava categoria. Entre os resultados, há no cais lojas de badulaques sem qualquer função relacionada ao contexto e segue o abandono e a deterioração dos armazéns tombados. Faltam, igualmente, paisagismo decente e integração social com interesse público amplo. 

6) O grupo contratado por Leite e pelo BNDES segue indiferente ao que pensa e manifesta a cidade e não comparece nem mesmo a audiências públicas promovida pela Assembleia Legislativa, como a que houve dia 12/4 p.p.; o nome disso é alienação e covardia, e sabemos o que querem evitar: o debate público rigoroso de uma proposta interesseira, inconsistente e cafona, ofensiva para a cidade.

Há pessoas e instituições propondo, com ideias, uma excelente revitalização para o cais; são desdenhados por governantes, tecnocratas e especuladores (os filisteus de sempre), indiferentes ao que deseja e pode ser esta cidade. Guiam-se apenas por obsessão ideológica liberal e por ideias tacanhas para apequenar o que pode ser maravilhoso: um novo cais para a cidade.

Dia 28/4, todos na Audiência Pública, para que essa farsa não prossiga, pois precisamos zarpar para destinos melhores.

FRANCISCO MARSHALL

23 DE ABRIL DE 2022
DRAUZIO VARELLA

MORTALIDADE EM EXCESSO

estudo calcula que a covid matou três vezes mais do que indicam as contagens oficiais

O número total de óbitos causado pela covid pode ser muito maior do que aqueles relatados nos registros oficiais.

Até 31 de dezembro de 2021, os dados obtidos a partir de fontes oficiais calculavam que 5,9 milhões de pessoas tinham falecido por conta da pandemia do Sars-CoV-2 no mundo.

Sempre soubemos que esses números subestimavam o total de vítimas da pandemia, por não levarem em conta os óbitos que deixaram de ser comunicados às autoridades por falta de diagnóstico preciso, de acesso à assistência médica e por dificuldades de comunicação e de controle centralizado em dezenas de países com infraestrutura precária de saúde.

A revista The Lancet acaba de publicar o estudo mais completo sobre o tema, realizado pelo Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME), localizado na cidade de Seattle, no Estado de Washington (Estados Unidos). O resultado foi surpreendente: até o dia 31 de dezembro do ano passado, teriam morrido de covid 18 milhões de pessoas, ou seja, o triplo do número citado nas contagens oficiais.

Para estimar números mais próximos da realidade, os autores partiram do que chamamos de "excesso de mortalidade", um indicador calculado pela diferença entre o total de mortes por todas as causas ocorrido em um país ou região e o número de mortes esperadas para aquele período com base nos dados dos anos anteriores.

Estudos prévios realizados na Holanda e na Suécia demostraram que, durante a pandemia, as mortes em excesso numa determinada população são causadas pela covid, na maioria das vezes. As exceções ficam por conta das demais causas de óbito atribuídas a outras doenças, que podem ter ocorrido por falta de tratamento adequado em hospitais e unidades de saúde superlotadas por pacientes infectados pelo Sars-CoV-2, situação enfrentada por quase todos os países do mundo nas piores fases da pandemia.

O IHME coletou os dados em 74 países e territórios. As maiores estimativas de excesso de mortes foram documentadas nos países da região dos Andes: 512 mortes em excesso em cada 100 mil habitantes. No Leste Europeu, esse número foi de 345; na Europa Central, 316; nos países africanos situados abaixo do deserto do Saara, 309; na América Latina, 274 em cada 100 mil habitantes.

As estimativas do IHME são as primeiras publicadas em revista de primeira linha, em que os estudos passam por revisões criteriosas realizadas pelo corpo editorial, que reúne os especialistas mais renomados.

Análise semelhante está em andamento sob a direção da Organização Mundial da Saúde, mas ainda não foi publicada. Os resultados do IHME são semelhantes aos da revista inglesa The Economist, que também estimou em 18 milhões o número de óbitos por covid até o fim de 2021.

Embora o número final obtido no estudo organizado pelo The Economist seja semelhante ao apresentado pelo IHME, as margens de erro falam a favor deste. Na publicação do The Economist, o intervalo de 95% de confiança foi de 12,6 milhões a 21 milhões, enquanto na estimativa do IMHE foi de 17,1 milhões a 19,6 milhões, portanto com margem de erro bem menor.

É claro que estudos dessa natureza são sujeitos a muitas críticas. Em entrevista à revista Nature, Ariel Karlinky, economista da Universidade de Jerusalém, em Israel, considera razoável o número total de 18 milhões de óbitos decorrentes da covid, mas estranha alguns dados.

Por exemplo, no Japão teriam ocorrido 100 mil mortes em excesso, número mais de 6 vezes maior do que o das mortes contabilizadas nas estatísticas oficiais. Pouco provável que um país com serviços de saúde tão organizados tivesse deixado de contar tantos óbitos.

Se existem incertezas na contagem do número de mortes, imaginem a acurácia das estatísticas oficiais em relação ao número de pacientes infectados pelo vírus. Como controlar a prevalência de testes positivos realizados em todas as farmácias do país? E nos exames realizados em casa ou em reuniões sociais e de trabalho que testam os participantes ao entrar? E o caso dos que permanecem assintomáticos durante o processo infeccioso, condição em que a maioria nem chega a ser testada?

É muito importante sabermos quantas infecções novas e quantas mortes diárias o vírus ainda provoca. Ainda que imprecisos, sem esses números não há como implementar políticas públicas nem ter ideia dos perigos que cada um de nós precisa enfrentar.

DRAUZIO VARELLA

23 DE ABRIL DE 2022
ESPIRITUALIDADE

A DESCOBERTA DO BRASIL

Tenho 75 anos de idade. Quando era criança, aprendi na escola que o Brasil foi descoberto no dia 22 de abril de 1500.

A gente celebrava. Teria sido um acidente de percurso. A frota estaria indo para as Índias, mas houve uma calmaria (falta de vento e não calma de todos marinheiros e senhores) e a frota se desviou, atravessou o Oceano Atlântico e chegou ao sul da Bahia.

O responsável dessa façanha, Pedro Álvares Cabral, era o líder de uma grande esquadra de navios portugueses. Assim escreveu Pero Vaz de Caminha, que reportava ao rei de Portugal.

Houve dança na praia, 10 dias de festas e harmonia. Caminha escreveu que Bartolomeu Dias deu um salto real (salto mortal) que surpreendeu e encantou os homens cobertos apenas por algumas penas coloridas de aves.

O encontro dos nativos com os europeus teve dança e alegria, de mãos dadas. Quem diria?

Pero Vaz de Caminha escreveu que a terra foi vista no dia 22 de abril, mas assinou a carta no dia 1º de maio. Hoje já não sei mais nada. Procuro na internet e me encanto com o professor Eduardo Bueno, que conta o que não vai cair no Enem.

Ainda na infância, fiquei sabendo que a história do descobrimento que eu aprendera era mentira.

O Brasil não fora descoberto ou encontrado. Todos já sabiam que havia terras por aqui. O desvio da rota para as Índias fora proposital e não acidental. Teria havido calmaria?

Que chegaram, chegaram. Isso é verdade. Que se alegraram e deram as mãos também está no relatório enviado a Portugal.

Teria sido a mudança de calendário ou o nome dado - Santa Cruz, que alterou até mesmo a data da chegada. Costumava ser feriado nacional - 22 de abril. Depois, deixou de ser feriado porque, segundo Getúlio Vargas presidente em 1930, havia feriados demais.

Mas e agora? Feriado de Tiradentes, no dia 21 de abril, em São Paulo e no Rio de Janeiro se tornou dia de Carnaval por causa da pandemia do coronavírus. Dia 22 de abril foi esquecido, sem descobrimento. Um dia qualquer como outros dias quaisquer.

Aliás, os europeus que pareceram tão amigos acabaram fazendo maldades, abusaram da terra e dos povos nativos. Continuam pisoteando, rasgando, desrespeitando a vida que é a nossa vida, a Terra que é nosso corpo comum.

Ainda é tempo. Podemos mudar a relação com o planeta, restaurar o respeito aos povos indígenas, a todos os povos, a todas as formas de vida e cuidar para diminuir o aquecimento global, garantir condições de plenitude e alegria.

É chegada a hora de despertar, de agir, de falar, de pensar, de atuar para o bem de todos os seres.

Neste dia 23 de abril de 2022, que possamos nos comprometer para a cura do mundo, para viver com mais leveza e menos violência - fazendo as pazes com a Terra e conosco.

Sem bombas, sem armas, com mais ternura, educação, leitura e afeto. Juntos conseguiremos transformar a realidade.

Sugestão de leitura e reflexão: Ecodarma - Ensinamentos Budistas para a Urgência Ecológica, livro de David Loy, da Editora Bambual. Leia, estude, investigue e se junte a nós que cremos na vida.

Mãos em prece

ESPIRITUALIDADE

23 DE ABRIL DE 2022
J.J. CAMARGO

A QUALIFICAÇÃO DA BAGAGEM

o mercado da Medicina se tornou mais competitivo e exigente. Foco na pessoa pode ser o diferencial

Historicamente, o vestibular de Medicina sempre foi um dos mais disputados. E quem convive com estudantes de medicina percebe claramente a pureza de propósitos da maioria dos recém ingressos.

Claro que entre eles estarão os ingênuos que logo se surpreenderão com o quanto essa maravilhosa profissão expõe o candidato a situações e exigências que a maioria das pessoas comuns não tem coragem de enfrentar.

Haverá também, como em todas as outras profissões, os de mau caráter, que descobrirão antes do que imaginam o tamanho da ilusão que os impulsionou à fantasia do enriquecimento fácil, mas dessa parcela vamos esquecer, para não poluirmos a intenção deste texto.

Com 353 faculdades de Medicina (173 delas criadas nos últimos 10 anos) e com a disponibilização de 35 mil novas vagas, a partir deste ano, o mercado se tornou, inevitavelmente, competitivo - e, por consequência, exigente.

Uma parte desses novos profissionais entrará no mercado de trabalho com uma qualificação técnica superior, e esta condição, para a maioria deles, representará um prêmio ao esforço despendido para lograr espaço em faculdades de mais alto nível.

Mas, mesmo essas escolas, reconhecidas pela alta qualificação do ensino técnico, ao focarem quase exclusivamente no diagnóstico e tratamento das doenças têm revelado pouca preocupação com quem adoeceu.

Depois de mais de quatro décadas de atividade didática, somada ao exercício contínuo de alta complexidade, e tendo convivido com todas as emoções que a medicina raiz pode oferecer, me dei conta que era possível deixar um legado mais explícito do que acredito defina um médico de verdade. A primeira medida foi me acercar de uma legião de idealistas que acreditam nas mesmas ideias e obter deles o aval e a parceria.

E então, em 2021, com apoio inestimável da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), criamos uma disciplina optativa, a Medicina da Pessoa. A primeira edição da disciplina, destinada aos alunos dessa universidade e aos residentes da Santa Casa de Porto Alegre, foi tão bem sucedida que decidimos oferecer o curso, online e gratuito, a algumas das mais importantes escolas médicas do país, com uma anuência maciça. De tal maneira que, nesta segunda-feira, iniciaremos a segunda edição do curso, com apoio de 20 universidades brasileiras e centenas de estudantes inscritos.

O slogan é provocativo: "Venha ouvir aqui o que nunca se falou nas aulas convencionais". O argumento que tenho usado para persuadi-los a investir em humanismo é prosaico: perguntem a um médico conceituado como é que ele escolhe um colega quando precisa encaminhar um paciente.

Certamente ele dirá que, entre profissionais igualmente qualificados tecnicamente, elegerá sempre o mais afetuoso. Com essa informação, a decisão que precisa ser tomada pelo jovem médico terá sido extremamente simplificada: "Depois de todo o sacrifício de mais de uma década de treinamento, você gostaria de ter muitos pacientes ou tanto faz que eles não apareçam?".

Se você quiser fazer justiça ao seu esforço, anote aí: medicinapessoa.com.br.

J.J. CAMARGO

23 DE ABRIL DE 2022
DAVID COIMBRA

Por que morrem os grupos de WhatsApp

Tenho vários grupos de WhatsApp mortos dentro do meu celular. Não faz muito, eles eram tão ativos, tão resplandecentes de alegria ou pulsantes de opiniões definitivas, e hoje nem lembrança são, porque ninguém mais fala neles.

De alguns, confesso com envergonhada sinceridade, nem sinto falta. Quando me inscreveram no grupo, pensei: "Quem são essas pessoas?". Aí é que está: na verdade, sou um tímido. Não me comporto com naturalidade diante de estranhos.

Mas houve outros grupos, repletos de bons amigos, que, ao se formarem, exclamei: oh, que bela reunião! Achei que tudo seria perfeito entre nós, mas qual o quê! Coisas foram acontecendo. Coisas sempre acontecem. E os grupos foram desaparecendo devagar e, de repente, sumiram, como o sol atrás do Guaíba no crepúsculo.

Em alguns grupos, as pessoas se sentiam incomodadas pela presença de um determinado integrante. Aí, sabe o que elas fizeram? Criaram outro grupo, igualzinho, só que sem aquela pessoa. Ninguém comenta que aquela pessoa foi excluída, até porque o grupo antigo continua lá, mudo, ninguém saiu, só que ninguém se manifesta mais. É como se aquele cara, o excluído, estivesse em uma festa em que todas as pessoas ficassem sempre de costas para ele. Estremeço só de pensar que isso possa ter acontecido comigo em algum grupo.

Eu, para evitar banimentos, me esforço para ser simpático no WhatsApp. Não emito opiniões polêmicas, mantenho-me distante de zonas de conflito, como a política, o futebol e a cloroquina. Mesmo assim, às vezes ocorre algo desagradável. Tipo: vou lá, escrevo uma mensagem que me pareceu interessantíssima e ninguém comenta. Ninguém! Não mandam nem aquelas irritantes mãozinhas com sinal de positivo. Por quê? Não gostaram do que escrevi? Acham que estou errado? Que é ridículo? Que fui bobo? Estão gozando de mim lá naquele grupo que fizeram sem a minha presença? Malditos! Vou sair desse grupo de esnobes.

Sei que existe um instrumento que mostra quem leu a sua mensagem. Você vai lá e confere: ah, então o Fulano leu o que escrevi e não comentou nada... Esnobe!

Mas não faço isso. Não vou perder tempo com acareações digitais. Se não querem comentar, não comentem. Mil vezes esnobes!

Tenho um amigo que formou um grupo bem restrito, apenas com seu núcleo familiar: ele, a mulher e o filho. Ele passava mensagens que julgava curiosas, frases espirituosas, vídeos engraçados e tudo mais, e a mulher e o filho não comentavam. Ele saiu do grupo, indignado. O que me intriga: um grupo de duas pessoas é, tecnicamente, um grupo?

Já saí de grupos. Hoje, não mais. É antipático. Conheço caras que se agastaram com as opiniões manifestadas em alguns grupos, saíram deles e foram recolocados. E de novo saíram e de novo os colocaram. E saíram mais uma vez, só que aí ninguém os recolocou, e eles ficaram de fora, e todo mundo no grupo fala mal deles. Eu, não. Eu, agora, fico, para que não falem mal de mim. Já basta aquele em que estão todos, menos eu.

Mas o que me intriga é: se não existem opiniões discordantes, se as pessoas se relacionam bem fora da internet, por que um grupo de WhatsApp formado por elas morre? É triste isso.

Sinto saudade de alguns grupos, admito, sobretudo nesse período de confinamento. Eram pessoas legais, por que se dispersaram? Dá uma sensação de abandono, entende? Tenho vontade de reunir essas pessoas fisicamente só para conversar sobre nosso velho grupo. Eram tantas boas tiradas, tantos vídeos hilários... Lembra daquela piadinha que o Beltrano contou? E o Sicrano, que sempre repetia postagens, lembra? Distraído, o Sicrano... O que houve conosco para nos apartarmos? O quê?

Penso, volta e meia, em retomar nosso relacionamento, mas sei que seria em vão, que se trata de uma nostalgia inútil. Não adianta mais tentar reativar o grupo que se foi. O que passou, passou. Vida nova, a fila anda. Mas, se as pessoas do grupo estiverem naquele em que estão todos, menos eu, vai dar problema. Ah, vai dar! Esnobes.

Texto originalmente publicado na edição de 8 e 9 de agosto de 2020 - DAVID COIMBRA


23 DE ABRIL DE 2022
FLÁVIO TAVARES

RELEMBRANDO

O passado não é aquilo que passa, mas o que fica do que passou. Cito a frase de Tristão de Ataíde para me referir ao que descobriu agora a jornalista e escritora Miriam Leitão: nos tempos da ditadura, ministros-generais do Superior Tribunal Militar sabiam das torturas aos presos políticos e trocavam ideias sobre isso.

Mais do que tudo, lembro para exaltar o comportamento de dois ministros - o almirante Júlio Bierrenbach e o general Rodrigo Octávio Jordão. O primeiro descobriu que a bomba que (ao ser armada) explodiu no colo de um capitão e o matou se destinava aos milhares de jovens presentes à festa de 1° de maio de 1981, num auditório no Rio de Janeiro, em plena "abertura" do governo do general João Figueiredo. O inquérito militar tinha falsamente culpado "subversivos de esquerda" para travar a liberalização do regime.

Em março de 1971, auge da ditadura do general Emílio Médici, o general Rodrigo Octávio pediu a revogação do famigerado AI-5 "para devolver à Justiça as garantias inseparáveis do pleno exercício da magistratura". Logo, tentou processar os torturadores de presos políticos, citando o caso do ex-deputado Marco Antônio Coelho, morto num quartel militar.

Em seis anos no STM, defendeu eleições livres "em todos os níveis". Quando o tribunal militar descumpriu a tradição de eleger o membro mais antigo para presidi-lo (e que recairia nele), pediu demissão, selando a discordância com a ditadura.

Hoje, quando políticos próximos ao presidente da República sugerem regredir aos anos brutais do AI-5, basta lembrar as posições do general Rodrigo Octávio para afirmar que eles buscam o absurdo.

As Forças Armadas não podem ser transformadas em biruta que oscile em acordo aos ventos dos áulicos do presidente da República.

Nas tempestades, vale repetir os alertas, como agora, em que os casos de dengue crescem e se juntam ao horror da covid-19.

Contraí dengue anos atrás e sei da brutalidade do Aedes aegypti, que, por nosso desdém, se reproduz até em água com coloridas flores.

Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES

23 DE ABRIL DE 2022
MARCELO RECH

Viva o posto brasileiro

De tão acostumados a depreciar os serviços prestados no Brasil, corremos o risco de nos iludirmos quanto a algumas atividades que dão de 10 nos equivalentes do Primeiro Mundo. Supermercados, por exemplo. Não todos, mas o nível de alguns em Porto Alegre deveria atrair lojistas da Europa e dos EUA para conhecerem o que é qualidade associada à simpatia dos funcionários.

Não há empacotadores em supermercados europeus. Você tem de dominar a arte de abrir os sacos plásticos, cobrados à parte, é claro, guardar as compras e pagar ao mesmo tempo. Em algumas lojas, já é difícil encontrar alguém de crachá - é tudo automatizado e impessoal. Onde há funcionários, espere filas, posto que, se tiver sorte, você encontrará uma ou duas caixas funcionando para cinco a 10 com luzes apagadas.

Boa parte dos hotéis e restaurantes brasileiros também já não deve nada a seus congêneres onde se fala inglês, alemão, italiano ou francês. Mas, depois de percorrer, ao longo de décadas, mais de 60 mil quilômetros em estradas europeias, norte-americanas e canadenses, cheguei à conclusão de que nada se compara ao posto de gasolina no Brasil.

Você pode odiar o preço dos combustíveis e achar que a culpa é do dono do posto - não é, porque a cadeia alimentar da gasolina e do diesel guarda uma intricada cascata de impostos, ineficiências e monopólios. Você também pode deplorar o estado do banheiro de alguns postos no Brasil, e aí estaremos 100% de acordo, porque muitos ainda não acordaram para o fato do valor de um toalete bem cuidado para atrair a clientela. Mas, na média, o posto brasileiro é uma joia bem guardada.

Vejamos o caso dos frentistas. Nos EUA e na Europa, a função não existe. Você mesmo enche o tanque, nada assim tão complicado. Mas agora a onda é eliminar o posto também. Você coloca seu cartão de crédito num totem, escolhe a bomba e enche. Se der chabu, se a máquina engolir seu cartão, se a bomba não funcionar, não há a quem reclamar ou pedir ajuda. Você está órfão em um deserto onde só brotam máquinas. Quer limpar o vidro? Não tem água e nem limpador. Precisa encher o pneu? Você terá sorte se encontrar um calibrador, no qual precisará depositar um euro (mais de cinco pilas) para fazê-lo funcionar. Encontrou um posto com loja e restaurante e quer ir ao banheiro? Passe mais três a cinco pilas para virar a roleta, e por aí vai. Nem banheiro sujo tem mais.

Em alguns postos em Porto Alegre, te servem café e água gelada, enquanto calibram os pneus, limpam os vidros e colocam água no reservatório. Ok, custa alguns centavos a mais por litro - e o ideal seria se permitir a alternativa de o cliente escolher a máquina ou o homem. Mas, por razões sociais e de conveniência, não reclamo. Ao contrário, proclamo vivas ao posto brasileiro e aos brasileiros que neles trabalham de dar inveja aos motoristas europeus.

MARCELO RECH

23 DE ABRIL DE 2022
INFORME ESPECIAL

A saga para obter a cidadania italiana

Gaúchos descendentes de imigrantes estão enfrentando uma longa espera para obter a cidadania italiana. As queixas se avolumam. O Consulado Geral da Itália, na Capital, está para lá de devagar. Há uma reabertura gradativa e parcial após a fase mais difícil da pandemia, mas muito distante de atender a demanda. Existem casos de pessoas que esperam há seis anos pelo chamado para apresentar a documentação.

Ao fazer o primeiro contato, por e-mail, o requerente recebe um número de protocolo para ser convocado para mostrar seus papéis. Mas o último sortudo, do processo 13.400, foi chamado em 2019, de acordo com as informações disponíveis no site do consulado. Os agendamentos estão, no momento, suspensos. Mas novos pedidos continuam sendo realizados por esperançosos que aguardam sua vez de entregar a comprovação que, diga-se de passagem, não é simples (envolve a construção de uma árvore genealógica e a procura por documentos antigos que provem laço sanguíneo com italianos). Após a entrega dos documentos, o consulado dá prazo de 730 dias para responder se houve o reconhecimento ou a negativa do pedido.

O analista de desenvolvimento de produtos Everton Soares Pivotto já perdeu a noção de quanto tempo espera. Seu número de protocolo está na casa dos 17 mil. A advogada e professora de italiano Cindy Eliza Peixoto, que trabalha com esses processos, conta que seu mais recente protocolo, de setembro de 2019, é do número 21 mil. No caso da emissão de passaportes, só consegue quem alega urgência, por motivo de saúde ou trabalho. Se não se enquadrar nessas situações, apenas a partir de 2023.

A busca pela cidadania italiana tem aumentado, movida por razões como a busca por oportunidades profissionais, de estudo e a possibilidade de viver em um país mais seguro, além das incertezas econômicas do Brasil.

A representação local, no entanto, não dá vazão e parece "essere lento come una lumaca".

A coluna tentou contato toda a semana com o consulado, sem sucesso.

anota aí

Uma alternativa mais rápida é tentar por via judicial, com um pedido diretamente em um tribunal italiano. Apesar das dificuldades, Cindy conta que gosta de trabalhar na área e já vivenciou momentos emocionantes:

- O bacana em processos de cidadania é ter contato com as origens. É um exercício de resgate familiar.

Na Bienal de Veneza

Com uma bagagem de duas décadas no audiovisual, o cachoeirense Luiz Roque, 43 anos, está na Itália para a tradicional Bienal de Veneza, realizada desde 1895. Tem dois trabalhos - os filmes XXI (foto ao lado) e Urubu - na exposição que se inicia neste fim de semana.

Roque começou sua trajetória nos anos 1990, na Capital, onde estudou Artes Visuais na UFRGS. No Torreão, escola de artistas capitaneada por Jailton Moreira com a parceria de Elida Tessler, descobriu seu direcionamento: filmes que não fossem exibidos apenas no cinema. Mas ele revela que não torce o nariz para o circuito tradicional hollywoodiano. Seu trabalho é influenciado pelos videoclipes musicais, herança da adolescência na companhia da TV aberta.

- Os filmes são curtos e a musicalidade é muito importante no meu trabalho - conta.

Pelo mundo

O último trabalho de Luiz Roque foi filmado em Buenos Aires e um de seus filmes pode ser conferido no canal oficial do Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova York no YouTube. Sobre a presença latino-americana, brasileira e gaúcha em espaços mundo afora, o artista conta que é uma forma de se manter no circuito em tempos difíceis para os produtores de arte:

- É ter a chance de continuar fazendo meu trabalho, continuar produzindo.

frases da semana

Apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô. Vai trazer os caras do túmulo de volta?

HAMILTON MOURÃO

Vice-presidente da República, sobre a possibilidade de reabrir investigações relacionadas a torturas na época da ditadura militar.

A gente vive um momento muito crítico da História da humanidade.

LARA LUTZENBERGER

Presidente da Fundação Gaia e filha do ambientalista José Lutzenberger, em entrevista publicada no caderno DOC, nesta edição.

Olhamos como êxito o que foi executado. A vida ficou mais cara para todos. Os investimentos também ficaram mais caros.

ARTUR LEMOS

Secretário da Casa Civil do RS, defendendo resultado do leilão do bloco 3 da concessão de rodovias estaduais, que segundo ele teve deságio mínimo devido a aumento dos custos.

Como cristão, não creio que tenha sido chamado para endossar comportamentos que incitam atos de violência contra pessoas determinadas.

ANDRÉ MENDONÇA

Ministro do STF indicado por Jair Bolsonaro, justificando voto pela condenação do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ).

Foi o próprio Aécio Neves que me enviou a foto publicada em minhas redes ontem, por entender que relevante era destacar a conversa com o líder de um importante partido.

EDUARDO LEITE

Ex-governador do RS, explicando divulgação de foto com o presidente do Solidariedade, Paulinho da Força, mas omitindo a presença de Aécio no encontro.

O que aconteceu é inacreditável.

D?ALESSANDRO

O agora ex-jogador do Inter se despediu do clube na vitória contra o Fortaleza e ainda marcou um gol.

Embaixador do papa no RS

Pela primeira vez, um representante do papa realizou a Imposição do Pálio Arquiepiscopal a um arcebispo em Santa Maria. A cerimônia foi realizada na quinta-feira na Basílica Nossa Senhora Medianeira. Até 2015, atos do gênero ocorriam apenas no Vaticano, mas passaram a ser descentralizados por decisão do papa Francisco. Uma das razões é permitir que mais fiéis possam acompanhar a atividade. Na foto acima, o Reverendíssimo Núncio Apostólico Dom Giambattista Diquattro faz a Imposição do Pálio Arquiepiscopal a Dom Leomar Antônio Brustolin. A insígnia litúrgica representa o sinal de unidade do arcebispo de Santa Maria com o Santo Padre e representa a ovelha carregada pelo pastor. É uma tradição na Igreja Católica que ocorre desde o século 6.

- O Pálio nos lembra o jugo sagrado de Cristo, um jugo de amizade, portanto, um jugo suave, mas um jugo exigente - disse Dom Giambattista Diquattro, espécie de embaixador do Vaticano no país.

O Núncio Apostólico para o Brasil fez ainda durante a semana sua primeira visita a Porto Alegre desde sua nomeação pelo papa, em agosto de 2020.

CAIO CIGANA

23 DE ABRIL DE 2022
GUZZO

Por onde andam os "garantistas"?

Onde teriam ido parar, a esta altura da vida, os "garantistas"? Você deve se lembrar deles durante os processos da Lava Jato e as ações da Justiça contra a corrupção sem limites dos governos Lula-Dilma - todos eles empenhados em demonstrar a absoluta necessidade de obedecer aos detalhes mais microscópicos da lei quanto aos direitos dos acusados de crimes. Não importa o horror que tivessem feito, não se podia tocar no fio de cabelo de um réu se não estivesse 100% "garantido" que todos os itens do seu inesgotável sistema de proteção legal estavam sendo cumpridos.

Assim que o STF e a alta Justiça resolveram o problema de Lula, porém, o "garantismo" sumiu do Direito brasileiro. Como ficará gravado para sempre na história jurídica do país, o ministro Edson Fachin achou um probleminha com o CEP do processo; não deveria ter corrido em Curitiba, mas em São Paulo ou Brasília, e então precisava zerar tudo, inclusive para o réu poder se candidatar à Presidência da República.

Durante cinco anos inteiros, ninguém tinha achado nada de errado com essa coisa do endereço, mas eis aí: de repente, o STF descobriu que o possível equívoco era uma falha monstruosa que deveria anular as quatro ações penais contra Lula, incluindo suas condenações por corrupção e lavagem de dinheiro, já em terceira e última instância. Tendo prestado o seu verdadeiro serviço, o "garantismo" não foi mais invocado.

É simples: não se fala mais no assunto porque Lula e a multidão de ladrões do seu governo não precisam mais de garantia nenhuma. O curioso é que, do "garantismo" absoluto, o Brasil passou diretamente para uma situação em que não há garantia nenhuma quando se trata da proteção legal de acusados da "direita". É o caso do deputado Daniel Silveira, condenado a uma pena absurda - quase nove anos de cadeia - por ter feito ofensas ao STF.

O processo contra Daniel Silveira é uma anomalia grotesca - a pior agressão jamais feita à Constituição Federal de 1988, grosseiramente violada pela decisão do STF. Nenhum dos seus direitos, como deputado ou como simples cidadão, foi respeitado. Silveira não podia ser processado por manifestar opiniões, por mais abusivas que fossem; a Constituição o protege com imunidades parlamentares. Só poderia ser preso em flagrante, e se estivesse cometendo um crime hediondo; não aconteceu uma coisa nem outra.

O motivo principal da sua condenação, pelo que deu para entender de uma sentença na qual ele é acusado de tudo, é tentar "impedir pela força" o exercício de um dos três poderes; é um disparate em estado puro. Quem é o deputado, ou qualquer outro indivíduo, para impedir sozinho o funcionamento de "um dos poderes"? Como? Fazendo discurso? Gravando "live"? É insano.

"Garantismo"? Para o deputado, nem pensar. É a oficialização, por parte da Suprema Corte de Justiça, do princípio segundo o qual os brasileiros não são iguais entre si. Pode servir para tudo e para todos.

J.R. GUZZO

22 DE ABRIL DE 2022
INFORME ESPECIAL

O leão não espera

O prazo final para o acerto de contas com o leão está chegando: até o dia 31 de maio os contribuintes com rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70 precisam entregar a declaração do Imposto de Renda Pessoa Física. A Receita Federal já recebeu cerca de 15 milhões declarações, mas, para este ano, são esperadas mais de 34 milhões. Ou seja, muitos brasileiros ainda estão em falta com o fisco. Para quem ainda não começou a juntar seus documentos e notas para a declaração, o advogado tributarista Claudio Pimentel dá a dica:

- Quanto antes eu faço, antes eu me livro dessa tarefa e menos erros são cometidos. O mais importante é que há aspectos que vão doer diretamente no bolso. Fazendo a declaração com tempo, é possível corrigir algumas pendências e procurar documentos que ajudam a engordar a restituição.

Claudio conta que gosta de brincar com seus clientes, alertando que o apelido de "leão" não é por acaso e que cair na malha fina pode se tornar uma grande dor de cabeça. Por isso, o especialista também orienta sempre que seja feita uma revisão da declaração, mesmo que você tenha optado por contratar um contador.

- São detalhes importantes. Esses profissionais geralmente ficam sobrecarregados nesse período e existem aspectos da declaração que uma revisão simples do contribuinte evita um problema maior com a Receita - aconselha.

Faça os cálculos e escolha entre a declaração com desconto simplificado ou completa. Em geral, se os gastos somarem mais que 20% do total da sua receita, é melhor a completa. Exames de covid-19 realizados em laboratórios e hospitais podem entrar na dedução, desde que apresentada a nota fiscal. Você pode destinar até 3% do imposto devido para fundos ligados ao estatuto da criança e do idoso.

Mais crianças são registradas sem pai no RS

Os primeiros meses do ano mostram aumento no número de crianças registradas sem o nome do pai na certidão de nascimento no Estado. No primeiro trimestre, foram 1.920 casos, o equivalente a 6,08% dos documentos emitidos pelos cartórios do Rio Grande do Sul. De janeiro a março de 2021, foram 1.868 - ou 5,59% do total. Os dados estão no Portal da Transparência do Registro Civil, disponibilizados pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen).

Os percentuais no RS em 2021 (5,64%) ficaram estáveis em relação ao ano anterior (5,69%), mas nota-se crescimento dos registros apenas com o nome da mãe ao longo do tempo. Em 2018, a taxa era de 4,5% e, em 2019, passou para 5,51%. Os dados do primeiro quarto do ano, se confirmados nos próximos meses, apontam para a continuidade do aumento do número de pais ausentes. O quadro se repete em Porto Alegre. Na Capital, o percentual era de 4,2% em 2018, mas ano passado alcançou 6,9%.

Em todo o RS, apenas no ano passado 7.146 recém-nascidos ganharam uma certidão de nascimento somente com o nome da mãe. Vale lembrar que, mesmo quando o pai é ausente ou se recusa a fazer o registro, a figura materna pode indicar o nome do homem que diz ser o pai para o cartório dar início a um processo de reconhecimento da paternidade por via judicial.

Alguns municípios gaúchos têm taxas bem mais altas do que a média estadual. Embora em certos casos exista arredondamento, o Portal da Transparência do Registro Civil indica que 24 cidades tiveram no ano passado percentual de ao menos 10% de crianças registradas sem pai na certidão. Veja a lista abaixo.

CAIO CIGANA INTERINO