sábado, 20 de agosto de 2022


20 DE AGOSTO DE 2022
FLÁVIO TAVARES

A LEGALIDADE

O próximo 25 de agosto assinala os 61 anos da renúncia do presidente Jânio Quadros, seguida do golpe de Estado dos ministros militares que, por sua vez, foi derrotado pela audácia do então governador Leonel Brizola.

Participei do Movimento da Legalidade, no qual imprensa e rádio mobilizaram a população, impedindo a implantação de uma "ditadura constitucional". Foi a única vez na História em que se fez uma rebelião para cumprir a lei. Os rebeldes queriam apenas cumprir a Constituição e empossar o vice-presidente João Goulart. Votava-se, então, separado, e Jânio e Jango compunham chapas diferentes.

Na paranoia da Guerra Fria, os três ministros militares alegaram que o vice era "simpático ao comunismo", não podendo assumir, portanto, e empossaram o presidente da Câmara Federal. Brizola foi o único governador a resistir ao golpe, mobilizando a Brigada Militar e armando a população.

Sem imprensa e rádio, porém, o golpe não teria sido derrotado e se consumaria. A Rádio da Legalidade levou a palavra de Brizola ao trabalho e aos lares, num momento em que o radinho de pilha era inseparável das pessoas. As ordens do comando militar em Brasília eram criminosas - mandavam "bombardear o Palácio Piratini pelo ar" e enviaram a esquadra naval para entrar pela Lagoa dos Patos e despejar os canhões sobre Porto Alegre.

A insânia mudou a posição do Exército no Sul e levou seu comandante a apoiar a Legalidade. Na Base Aérea de Canoas, os sargentos desarmaram os aviões, impedindo o bombardeio do palácio. Brizola mandou afundar barcaças no canal que liga Rio Grande ao mar e avisou pelo rádio: "Entrem e irão a pique". A esquadra estacionou em Florianópolis.

No livro 1961 - O Golpe Derrotado detalho o Movimento da Legalidade e conto como a audácia de Brizola uniu o país na resistência ao golpe de Estado. Nesta terça-feira, 23 de agosto, às 19 horas, relato no plenário da Câmara Municipal como se defendeu a legalidade, hoje outra vez ameaçada.

Com a morte de Armindo Antônio Ranzolin não perdemos apenas o grande narrador desportivo que descrevia as jogadas como uma sinfonia. Nos anos que morei em Buenos Aires, participei do Gaúcha Atualidade, que ele comandava no rádio, e conheci o jornalista vigilante que sabe que não há isenção frente ao crime.

Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES


20 DE AGOSTO DE 2022
EMPREENDEDORISMO NO RS -Jhully Costa - jhully.pinto@zerohora.com.br

EMPREENDEDORISMO NO RS

Criar o parque também foi uma aventura radical. Com atrações de tirar o fôlego e muita natureza, Stone Land exigiu coragem até virar realidade

A intensa rotina de viagens e duas próteses na coluna cervical fizeram com que Nívea Nunes Saraiva cultivasse, ao longo dos anos, a vontade de parar de trabalhar como representante de medicamentos para abrir um negócio próprio, preferencialmente na zona rural. Foi esse desejo que levou ela e o marido, Cristian Luis Gomes Pereira, que atuava no mesmo ramo, a comprarem uma propriedade de 37 hectares e investirem na construção de um parque de aventuras na localidade de Cascata, em Pelotas, na região sul do Estado.

Natural de São Gabriel, Nívea conta que o amplo espaço que hoje abriga o Parque Stone Land, no quilômetro 89 da BR-392, já era conhecido e admirado pelo casal, que tinha um dinheiro para receber e queria investir em algo diferente. O processo de compra da propriedade se iniciou em 2018, quando a ideia de empreender ganhou força durante um passeio por atrações da serra gaúcha.

- Quando estávamos retornando, o Cristian me olhou e disse: "quem sabe fazemos um parque lá naquele lugar que estamos querendo comprar?". Então, viemos conversando sobre isso, mas eu não queria fazer algo só de aventura, queria algo que toda a família pudesse usufruir - recorda Nívea, hoje com 47 anos.

Início

Nívea procurou ajuda especializada para um plano de negócios. Na época, essa etapa custava em torno de R$ 10 mil e o casal já não tinha condições de pagar. Então, entrou em contato com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), que oferecia condições acessíveis.

Em março de 2019, eles começaram os investimentos no parque, com a limpeza e a reforma do prédio onde seria a recepção. Mas, no final daquele ano, Cristian teve câncer de tireoide e eles precisaram dar uma pausa.

- Também já estávamos sem dinheiro, tudo que tínhamos foi usado para adquirir a propriedade e fazer as primeiras restaurações - enumera a empresária.

Após a cirurgia de Cristian, em fevereiro de 2020, eles decidiram voltar ao parque e organizaram uma inauguração para abril. Em março, no entanto, teve início a pandemia.

Entre períodos de restrições e flexibilizações, o casal conseguiu se adaptar, investir ainda mais e, finalmente, inaugurar o Stone Land em 7 de novembro de 2020 - na época, havia apenas balanços, pêndulos, churrasqueiras, venda de piqueniques e tirolesa. Hoje, o espaço também conta com quiosques, restaurante, espaço para refeições, pracinhas, trilhas, mirante, arvorismo, parede de escalada e super salto. Tudo pensado para proporcionar o maior contato possível com a natureza.

Delícias

Um dos quiosques é administrado por uma das filhas de Nívea, Mariane Saraiva, e disponibiliza as cestas de piquenique com produtos coloniais produzidos na região, como pão caseiro, cuca, salame, queijo, suco de uva e roda de carreta (um bolinho frito típico alemão).

O parque funciona de quinta- feira a domingo e aos feriados, sempre das 10h às 19h. A entrada custa R$ 10 por pessoa, mas crianças de até seis anos não pagam, e cada aventura tem um preço, que já inclui os equipamentos de segurança. Mais informações pelo WhatsApp (53) 98113-4528 ou pelo Instagram @parquestoneland.

A cada visita da fiscalização, um novo desafio e mais gastos

Para o casal de sócios, a parte mais desafiadora foi aprender o que era necessário para ter um parque de aventuras - licenças e alvarás, por exemplo. Ambos comentam que só descobriam certas exigências quando órgãos apareciam para fiscalizar o local.

- O maior desafio foi se adequar, porque nós não tivemos orientação. Então, tudo foi feito através de muito custo, apanhando. Eles chegavam aqui, pediam e a gente não tinha noção. Então, fazíamos tudo e gastávamos muito - relata Nívea, que hoje trabalha junto ao Conselho Municipal de Turismo de Pelotas e à Associação Comercial, a fim de desenvolver o turismo rural e apoiar futuros empreendedores.

Com a ajuda do Sebrae, o casal conseguiu fazer uma análise de mercado, ver o que outros empreendimentos semelhantes faziam e o que poderia ser um diferencial. Também foi possível ter noção de quantos anos demora para ter lucro: de acordo com o plano de negócios, o investimento de aproximadamente R$ 2,5 milhões no parque deve retornar em quatro ou cinco anos.

Custos com o maquinário pesado utilizado para a limpeza, material gráfico e registro da marca, entretanto, não estavam previstos e pegaram o casal de surpresa. Nesse cenário, a gestão financeira acabou sendo outra dificuldade.

Consultoria

Neste ano, o casal buscou o suporte de um gestor financeiro para organizar melhor as finanças e, agora, outra filha, Marina Saraiva, formada em Administração e pós-graduada em Gestão de Custos e Planejamento Estratégico, é quem está ajudando nesse setor. O casal recomenda que os empreendedores contem com o apoio de um especialista desde o início.

- Isso aqui veio do zero, então tínhamos que aportar para criar o negócio. Só que hoje já não podemos mais, nem devemos. Tem que ter o ponto de equilíbrio para ter o retorno - acrescenta Cristian, que tem 43 anos.

E na pandemia?

Para não deixar o parque fechado durante toda a pandemia e ter algum retorno financeiro, os proprietários buscaram alternativas. Além da venda de dois hectares da propriedade, criaram o piquenique na caixa. Entre julho e agosto de 2020, quando era permitido agendar visitas com distanciamento, começaram as vendas.

De acordo com Nívea, no início, vendiam de 20 a 50 kits por final de semana, mas, no feriadão do Dia das Crianças, em outubro, venderam 150 por dia e o Stone Land recebeu 2,5 mil pessoas.

O casal aproveitou a alta procura - que gerou impacto inclusive no número de seguidores nas redes sociais - para contratar 10 funcionários e, em novembro, inaugurou o parque.


20 DE AGOSTO DE 2022
+ ECONOMIA

Escola para aprender sobre azeites

Em Canguçu, a Fazenda Serra dos Tapes oferece imersão na cultura milenar de cultivo de oliveiras e produção de azeite. Além da possibilidade de conhecer a plantação, cultura recente, mas com crescente importância no Rio Grande do Sul, os visitantes podem acompanhar o processo que transforma azeitona em azeite.

O projeto é liderado por Claudia Santos, nascida em Rio Grande e formada em gastronomia. Apaixonada por azeite, decidiu se especializar com cursos nos Estados Unidos e na Espanha para complementar sua formação. Em 2016, após comprar a fazenda com o marido, Jeronimo, implantou o primeiro pomar com cerca de 70 hectares. Hoje, a área da cultura chega a 210 hectares, com cerca de 60 mil oliveiras.

- Ainda é uma cultura um pouco nova por aqui, mas estamos focados em fazer um produto de excelência no Estado. Hoje, já aprendemos com outras tradicionais produtoras de azeite e de cultivo de oliveiras pelo mundo - diz Claudia.

A fazenda tem duas marcas: a Pecora Nera, só para o e-commerce, e a Potenza, com foco no varejo. Ambas foram premiadas com a medalha de ouro no Concurso Mundial de Azeites de Nova York, um dos mais reconhecidos no Exterior.

Para se certificar da qualidade, em 2021 Claudia instalou um lagar, local onde as azeitonas são transformadas em azeite. Passou a prestar serviços a outros produtores. Neste ano, sua segunda safra, atendeu 15 outras marcas, transformando-se no segundo lagar em processamento de azeite no país.

O Rio Grande do Sul já responde por cerca de 75% da produção de azeite do país. Mas Claudia acredita que a cultura pode se fortalecer no Estado:

- O azeite gaúcho está seguindo um pouco o caminho do vinho. Além do reconhecimento da qualidade, o olivoturismo tem se desenvolvido. As pessoas, estão interessadas em visitar pomares, ver paisagens, conhecer a produção e degustar os azeites (sim, no plural, porque há vários tipos).

A fazenda oferece visitas guiadas, degustação de produtos, piqueniques em meio aos pomares e refeições completas. E Claudia criou uma outra proposta, que chama de Escola do Azeite:

- Os visitantes aprendem sobre a história do cultivo das oliveiras e da produção do azeite, conhecem o lagar, acompanham na prática as etapas de produção, fazem testes sensoriais e aprendem a identificar um bom azeite e a diferenciar as variedades.

Como o interesse tem crescido, os administradores planejam abrir uma hospedagem e dar mais tempo aos visitantes.

Serviço: abre todos os dias, mas as visitas devem ser agendadas. Visita custa R$ 20, e Escola do Azeite sai por R$ 40. A cesta de piquenique para duas pessoas custa R$ 100, e o preço do passeio completo, com todas as visitas e uma refeição, é de R$ 250.

MARTA SFREDO

20 DE AGOSTO DE 2022
POLÍTICA +

Gabriel poderia ter sido salvo por câmera

Quando não se tem todas as respostas diante de um caso dramático como a morte do jovem Gabriel Marques Cavalheiro, 18 anos, é preciso insistir nas perguntas que podem evitar o lamento de outras mães, outros pais, outros avós. A questão que gritava nesta tarde de sexta-feira, após a localização do corpo de Gabriel em um açude no interior do município de São Gabriel, era uma só: teria essa morte acontecido se os policiais usassem microcâmeras na farda? A reposta mais óbvia é um sonoro não.

Essa pergunta terá de ser feita na campanha eleitoral, quando se falar de segurança pública. Deveria ser feita em todo o Brasil, valendo para todas as polícias. Os policiais que agem dentro da lei e respeitam as normas (e que são maioria absoluta) não têm de temer as câmeras. Para os profissionais da segurança, são a garantia de que terão um julgamento justo. Para o cidadão, a certeza de que não serão vítimas da violência de poucos maus policiais, que enlameiam a imagem de uma corporação.

Gabriel estava desaparecido desde a semana passada, quando uma mulher desconfiou dele e chamou a polícia. Seria uma abordagem normal, com rápida verificação da situação do jovem, que cumpriria o serviço militar na cidade que escolhera se alistar para ficar mais perto da família. Testemunhas viram quando foi algemado e colocado na viatura. Câmeras de segurança na rua gravaram a abordagem e mostraram para que lado os brigadianos foram. Os policiais foram obrigados a admitir que deixaram o menino na localidade de Lava Pés, o que já configura o primeiro abuso.

Em que manual está escrito que um suspeito (se é que alguém pode ser considerado suspeito só porque uma mulher liga desconfiada para o 190) deve ser levado para longe da cidade numa noite de frio e largado a esmo? Se usassem uma câmera no uniforme, os policiais teriam levado o rapaz para o lugar distante dois quilômetros do ponto da abordagem, ainda que o soltassem vivo e sem ferimentos?

A investigação vai mostrar se Gabriel foi agredido, se morreu por afogamento ou por outra razão. O certo é que o corpo estava no fundo do açude, próximo ao lugar onde a viatura parou por um minuto e 50 segundos naquela noite. Na quarta-feira, a jaqueta do jovem fora encontrada perto do açude.

Os três policiais já haviam sido afastados da corporação e estavam sob investigação desde o sumiço do jovem. À noite, os suspeitos de envolvimento na morte do recruta foram presos por decisão da Justiça Militar.

ROSANE DE OLIVEIRA

20 DE AGOSTO DE 2022
MARCELO RECH

Onde está a festa?

Dentro de pouco mais de duas semanas, se comemoram - ou deveriam se comemorar - os 200 anos de Independência do Brasil. Era para estarmos em festa há meses. Conferências sobre o significado da data e o futuro do país, eventos populares, calendário de festejos, nada disso está no radar do brasileiro médio. Em vez de celebrarmos a maior data de nossa geração, gastamos energia na discussão pueril sobre o local do desfile militar no Rio depois que o presidente da República achou por bem transformar o que deveria ser um momento de congraçamento nacional em ato de sua campanha eleitoral.

O sumiço dos festejos não faz jus nem ao regime militar, que em 1972 extraiu dos 150 anos da Independência uma batelada de eventos que começaram em 21 de abril daquele ano. A festança incluiu um Hino do Sesquicentenário, cantado por Ângela Maria, o traslado dos despojos de Dom Pedro I para a cripta do Monumento à Independência, em São Paulo, e a Taça Independência, uma mini Copa do Mundo que reuniu 20 países e deu o título de campeã à extraordinária Seleção Brasileira do início dos anos 1970.

Para não dizer que os 200 anos passarão quase em branco, há, sim, um marco único: a reinauguração do Museu do Ipiranga, em 7 de setembro, iniciativa do governo de São Paulo por meio da Fundação de Apoio à USP, com decisivo apoio financeiro da iniciativa privada. Antes da reforma, o museu recebia 300 mil visitantes por ano, o que já era invejável. Agora, se consolidará como uma atração imperdível de São Paulo e um dos museus mais relevantes da América Latina.

Preservar e refletir sobre a história deveria fazer parte do projeto de qualquer nação. Uma inspiração do que se poderia fazer vem do próprio Exército brasileiro, que mantém viva e bem cuidada uma coleção de museus e sítios históricos, que vão do Forte de Copacabana e o Museu do Exército, em Porto Alegre, ao Monumento de Pistoia, na Itália, onde foram inicialmente sepultados os caídos na campanha da FEB.

É, por sinal, exemplar a coleção de reverências, marcos e monumentos aos pracinhas mantida por organizações civis e pelas Forças Armadas no dificílimo terreno de combate na Itália. Nesta próxima segunda-feira, completam-se 80 anos da declaração de guerra do Brasil à Alemanha nazista. A tradicional revista War History não esqueceu a data. Na edição deste mês, refere-se aos quase 26 mil homens da FEB como uma força que "ganhou reputação por sua tenacidade e que lutou com grande bravura". Merecem todas as homenagens, como deveriam merecer os 200 anos da Independência.

MARCELO RECH

20 DE AGOSTO DE 2022
J.RGUZZO

Lula e a Lei da Ficha Limpa

O ex-presidente Lula, candidato que a esquerda nacional, as empreiteiras de obras públicas e as classes intelectuais já consideram vencedor das próximas eleições presidenciais, tem algum problema com o seu projeto de governo - e, a cada dia que passa, parece mais empenhado em piorar o defeito que está travando o motor do plano mestre que propõe ao eleitorado. Lula, basicamente, não fala sobre um novo Brasil. Quer, ao contrário, voltar ao pior Brasil do passado. Fala muito pouco sobre o que pretende fazer. Em compensação, fala o tempo todo no que vai desmanchar. O problema, nessa proposta, é que Lula só promete desfazer o que está bom; não tem nenhuma ideia séria para consertar nada do que está errado, mas não para de pregar a eliminação do que está certo.

Sua última proposta de destruição é a Lei da Ficha Limpa, que dificulta a volta à vida pública de políticos condenados na Justiça Criminal, sobretudo por corrupção. Lula disse que a lei "é uma bobagem"; quer que ela seja revogada, dentro do que seus admiradores chamam de "revogazo", ou a eliminação em massa de tudo aquilo que os incomoda na administração do país. A lei não impediu que o próprio Lula, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em três instâncias e por nove juízes diferentes, esteja aí disputando a Presidência da República. 

O STF, numa das decisões mais alucinadas de sua história, simplesmente "anulou" todas as ações penais que havia contra ele. Não se disse, aí, uma única palavra sobre culpa ou sobre provas; apenas zeraram tudo, alegando que houve um engano de endereço no seu processo. Mas, assim mesmo, o ex-presidente não quer mais saber de ficha limpa para os políticos deste país. Não vale a pena correr nenhum risco; é mais seguro, na sua opinião, acabar com tudo logo de uma vez.

Lula já prometeu, em seu projeto de governo, acabar com a reforma da Previdência. Também vai eliminar a reforma trabalhista e ressuscitar o imposto sindical - a extorsão de um dia de salário de cada trabalhador brasileiro para forrar o bolso dos sindicatos. Promete revogar a independência do Banco Central. Quer fechar os clubes de tiro. Diz o tempo todo que é uma de suas "prioridades" suprimir a liberdade de expressão nas redes sociais e na TV para instalar o "controle social sobre os meios de comunicação". Garante que vai anular as privatizações de empresas estatais - essas que deram prejuízo de R$ 40 bilhões nos governos petistas, e lucro de R$ 190 bilhões em 2021. Quer, agora, acabar com a Lei da Ficha Limpa. Em matéria de destruição, é um plano e tanto.

J.RGUZZO

quarta-feira, 17 de agosto de 2022


17 DE AGOSTO DE 2022
CARPINEJAR

Votar é voltar para a infância

Começaram a corrida eleitoral, a propaganda política, os debates, as camisetas com as carrancas sorridentes dos políticos, as brigas com familiares por divergências ideológicas, as pesquisas ditando os assuntos mais comentados no Twitter, os grupos silenciados de WhatsApp, o recebimento de vídeos que só tiram a sua paciência e a memória do seu celular.

Até início de novembro, ninguém ficará imune ao convívio com a disputa. Duvido que você não perca uma amizade ou não seja cancelado por uma opinião dissonante.

Apesar do desgaste, existem ainda o contentamento de pertencer a um lugar, o suspense para descobrir se os seus candidatos serão eleitos. Alguns são conhecidos - sempre haverá um parente concorrendo -, outros são apenas admirados de longe pelas suas condutas. Todo mundo faz uma lista de números para levar de colinha para a urna, ainda mais quando a situação envolve a escolha de deputados e senadores.

Votar é um gesto fascinante. Meus pais, de 83 anos, por exemplo, nunca abdicaram do direito e seguem comparecendo na cabine de papelão do TSE. O título costuma ser o nosso elo perdido, nosso túnel do tempo, uma maneira de reencontrar a nossa origem, a nossa escola, rever o nosso bairro natal. Jamais tive coragem de alterar o domicílio de meu título.

Em toda eleição, eu me condiciono a voltar para a infância. É um regresso para onde nasci, para onde me criei e fui educado. Sei de cor o caminho à seção, não preciso consultar o meu registro e pedir informações no guichê de entrada.

Trata-se do meu lugarzinho de estimação, meu refúgio atemporal, meu flashback do destino. Não tem graça justificar o voto e se valer do abono do trânsito. Votação é o meu pretexto para retornar ao ponto de partida de todos os pleitos de minha vida, desde 1989.

Encontrarei meus antigos professores, já envelhecidos, que nunca cansam de me dar generosos descontos de comportamento e dizer que eu era querido na sala de aula, que já adivinhavam que seria alguém no futuro. Professor será sempre o nosso primeiro profeta.

Vou me deparar com os colegas de classe do Ensino Fundamental - na verdade, eles que me localizam primeiro e me chamam por apelido que esqueci. Demoro a reconhecê-los. Procuro uma pinta, um trejeito, uma mania que ligue o GPS da memória. Repassaremos como estão os 32 alunos da lista de chamada. Depois de esgotar o alfabeto e acabar o único assunto que nos vincula, ficaremos sem jeito com o silêncio e nos despediremos com um abraço adulto e desajeitado.

Ando de mãos dadas com a minha saudade, atravessando as ruas da minha ingenuidade com uma atenção especial, festejando as casas da minha época que resistem de pé e me assustando com os prédios altos em locais improváveis.

Armazeno observações para a conversa de café, leite e cacetinho no fim da tarde com a família. Falaremos sobre as transformações das fachadas e os novos vizinhos. No fim, tentarei decifrar em quem cada um votou, porém nem todos revelam, existirá um irmão ou um tio transformando a boca de urna em boca de siri, defendendo a natureza secreta da opção.

Vivo um tumulto interior ao revisitar as vias asfaltadas que antigamente soltavam terra vermelha, ao tentar atualizar o mapa da cidade hoje tão diferente. Certas pracinhas permanecem iguais, com a vegetação irregular no tanque de areia do escorregador. Certas placas azuis das esquinas perduram inclinadas.

A cada dois anos, frequento o mesmo colégio. Antes o trajeto se mostrava coberto de propaganda eleitoral, com santinhos cobrindo o chão, tal serpentinas em Carnaval. Não existem mais a festa e a algaravia na porta do prédio, deve-se agora entrar e sair em silêncio. Resta a minha solidão de adolescente, intacta: a comoção de ser útil.

CARPINEJAR

17 DE AGOSTO DE 2022
MÁRIO CORSO

A infiltração maligna

A vizinha bateu à porta para me mostrar algo. Minutos depois, eu olhava para o teto da sua lavanderia. Uma roda de mofo e umidade exatamente abaixo do meu aquecedor de água. Decididamente não é a melhor maneira de começar um sábado.

Aquele borrão redondo verde-bolor parecia um olho agourento espreitando. À noite, sonhei com a mancha, com meu gerente do banco me negando crédito e com um vampiro trajando macacão de oficina.

Segunda-feira, recebi uma firma de encanamento. Mal olharam e veio o veredito. A receita era arrancar tudo, do piso ao teto, para trocar as juntas homocinéticas digitais e a tubulação esclerosada por sais clorados e ferrugem iônica. A parte deles era R$ 10 mil. Demolição e troca do encanamento. Para a reconstrução indicaram um parceiro que por mais uns R$ 10 mil resolveria o caso. Eles dão garantia, mas não em prédios da Idade Média como o meu.

A segunda firma era de aquecedores. O técnico disse que meu aparelho não é mais usado desde a Guerra do Paraguai. Teria que trocá-lo e também os canos. Os atuais são incompatíveis com o fluxo energético da bomba de pressão ergonômica hidrostática que vem acoplada. A parte deles era de R$ 15 mil. Não envolvia a troca do piso, da parede e do teto e a impermeabilização a laser com ácido hialurônico. Seis meses de obra e duas semanas de garantia. Ao sair, ele me deu os pêsames e um cartão da esposa, que é corretora de imóveis, caso optasse por me mudar.

A terceira firma era de engenharia, faria toda a reforma. A troca do aparelho, das paredes, do piso, da laje e mais a manta asfáltica de acetato de tungstênio ficariam por R$ 35 mil. À vista sem desconto ou em duas parcelas de R$ 20 mil. A garantia deles é quântica, ora eles dão, ora não dão. Para mim caiu o não. Ao sair sugeriram que nesses casos, pela experiência deles, seria bom o contratante frequentar um psiquiatra e usar antidepressivos durante a obra.

Justo ia ligar para o psiquiatra quando Victor chegou. É um faz-tudo engenheiro amador que chamo para consertos. Ele mostrou-me uma tênue linha junto à parede saindo do aparelho. Era um vazamento mínimo que não pingava e sim escorria por um dos canos. Depois a água descia pelos azulejos até uma falha no rejunte do piso. Trocou a borrachinha que veda a junção dos canos e parou o vazamento.

Perguntei o valor do conserto. Ele disse que quando é só cinco minutos, apenas cobra o valor da visita. Não entendeu quando lhe paguei três visitas a título de presente de desaniversário.

MÁRIO CORSO


17 DE AGOSTO DE 2022
CAMPO E LAVOURA

Inovação ganha espaço inédito na Expointer

Tem conjunto entrando em pista na Expointer com chance de fazer história. O garanhão Colibri Matrero, vencedor do Freio de Ouro em 2021, quando se tornou bicampeão da disputa organizada pela Associação de Criadores de Cavalos Crioulos (ABCCC), vai agora em busca do inédito tricampeonato. Conduzido pelo ginete brasileiro Gabriel Marty, o animal da cabanha La Pacifica, do Uruguai, pode emendar uma sequência de três anos seguidos de vitória.

A final da prova, que chega aos 40 anos, será pela primeira vez no último final de semana da Expointer.

No campo, a inovação é uma parceira constante do produtor na busca por melhores resultados. Agora, a ferramenta ganhará também um espaço dentro do parque Assis Brasil, em Esteio, durante os nove dias de Expointer. Essa arena de troca de ideias e de buscas de soluções foi batizada de RS Innovation. E surgiu a partir de uma percepção da Federação das Associações de Criadores de Animais de Raça (Febrac), uma das promotoras da feira. Neste primeiro ano, a sede da entidade abrigará esse ecossistema de startups e especialistas, com a parceria estratégica da Secretaria de Inovação, Ciência e Tecnologia.

- Startups de pecuária, agricultura, drones... tudo que envolver o agro, queremos lá (nesse espaço). Eles vão escutar o que o produtor tem, e o que podem trazer - destaca João Francisco Bade Wolf, presidente da Febrac.

Já há 68 agtechs (como são chamadas as startups com foco no agro) inscritas, 10 empresas expondo tecnologia, seis hubs e mais de cem palestrantes. Entre as atrações que deverão chamar a atenção do público está um exame de carne às cegas, feito por um pesquisador da Esalq/USP. Serão sete amostras de carne por participante, a serem apreciadas e receberem notas.

- A ideia é mostrar as diferenças das carnes - diz Wolf. Outra temática presente será a da segurança no meio rural. Poderão ser conferidas tecnologias já desenvolvidas para esse fim, como o app que ajuda no controle do abigeato.

Percepção sobre indústria no RS é positiva, aponta Fiergs

Uma pesquisa divulgada pela Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) apontou que 78% dos gaúchos têm uma percepção positiva sobre o setor industrial no RS. Essa avaliação estaria ligada à "geração de empregos e recursos ao Estado, aumentar o PIB, investir em tecnologia e trazer esperança".

- Entre as citações que justificam a imagem positiva, chama atenção o item que coloca a indústria como um setor que "traz esperança". O significado desse resultado é extremamente importante pelo sentido de futuro para a sociedade - afirmou ontem o presidente da Fiergs, Gilberto Porcello Petry, ao divulgar o resultado do levantamento durante almoço comemorativo aos 85 anos da entidade.

Para 61,9% dos gaúchos, a influência da indústria no Rio Grande do Sul ajuda muito no desenvolvimento econômico.

Constituída em 1937, a Fiergs conta com 109 sindicatos industriais filiados e representa 50 mil fábricas, que geram 850 mil empregos diretos.

CAMPO E LAVOURA

17 DE AGOSTO DE 2022
+ ECONOMIA

Herança afetiva Araricá vai leiloar saneamento

Araricá, a "cidade das azaleias", planeja ser o primeiro município gaúcho a conceder o serviço de saneamento à iniciativa privada depois do Marco Legal do Saneamento. Hoje, apenas 1,1% da população de Araricá dispõe de rede de distribuição de água. Outros 90% são atendidos por poços artesianos e 9% depende de caminhão-pipa para ter água potável na residência. Entre os objetivos do marco do saneamento está a obrigação de 90% de casas atendidas até 2033 - com alta probabilidade de adiamento até 2040.

O município contratou o escritório MF Klein Advogados para estruturar a concessão. A intenção é licitar o serviço até o final do ano. Segundo Mateus Klein, sócio do escritório, o formato permite prever tarifa 31% mais baixa do que a Corsan pratica em municípios similares. O investimento previsto é de R$ 32 milhões.

Já está em fase de testes a unidade do Galeto Mamma Mia no Bologna Mall, centro comercial na esquina da Avenida Coronel Marcos com a Rua Déa Coufal. O tradicional restaurante que operou no local por seis décadas, até fechar as portas em 2017, deu nome ao local. A pretensão do Mamma Mia é ser o sucessor do Bologna. Já é a 12ª operação da rede na capital gaúcha.

O Galeto Mamma Mia também está desembarcando em Santa Catarina com quatro operações. Serão duas express, uma que abre até o final do mês no Floripa Shopping, outra para o início de setembro, no Shopping Itaguaçu.

Em Balneário Camboriú, haverá uma franquia no modelo express e delivery, ainda sem data definida, e, em Tijucas (SC), haverá um restaurante e um express próprio do grupo JPLP até novembro.

Candidatos entre a intenção e os dados Melnick registra lucro 93% maior Fruki terá CD no Litoral Norte

Mesmo em fase de juro alto, que costuma impactar o mercado imobiliário, a Melnick obteve no primeiro semestre lucro de R$ 52 milhões, 93% acima do registrado em igual período de 2021.

Conforme o CEO da empresa, Juliano Melnick, a maioria das incorporadoras de capital aberto do centro do país teve dificuldade para repetir o bom desempenho do primeiro semestre do ano passado.

No caso das construtora gaúcha, explica, as vendas aumentaram. A receita líquida da Melnick de janeiro a junho deste ano foi de R$ 513 milhões, 47% maior do que a do primeiro semestre de 2021. O empresário esclareceu que o fato de o lucro ter subido mais do que a receita não significa margens maiores. Na construção civil, esclarece, as empresas se apropriam dos lucros à medida que as obras avançam. O que permitiu a aceleração do lucro, afirma, foi a combinação entre mais vendas e bom andamento das construções:

- Nossos lançamentos somaram R$ 792 milhões no semestre, o que é um número interessante para o meio do ano. O segundo trimestre foi muito bom em vendas, tivemos um Meday (dia de promoções da construtora) muito forte, o melhor da história, e em maio e junho as vendas foram boas.

Para explicar o desempenho, o CEO detalhou que a construtora "fez ginástica", no final do ano passado, para reprogramar lançamentos. Focou nos destinados a alto ou médio alto padrão para este ano:

- São clientes que têm mais reservas e dependem menos de financiamento. Têm poupança maior e um apartamento para dar como parte do pagamento, aí fica menos exposto a juro.

Sobre os próximos passos, Melnick afirma que a empresa está "olhando lançamento a lançamento":

- Enquanto os clientes estiverem respondendo, vamos colocar produto no mercado. Como estão respondendo bem, estamos avançando com novos projetos. Este é um ano de Copa do Mundo, de eleições, os planos podem mudar. Mas o mercado é rei.

A Bebidas Fruki inaugura em novembro um centro de distribuição (CD) em Osório. No acesso à Estrada do Mar, terá área construída de 2,1 mil m2. Vai gerar 11 empregos diretos, além de 16 indiretos. A prefeitura de Osório deu incentivos ao projeto, que será assinado hoje. A nova unidade vai atender os maiores municípios de Mostardas a Torres, e o sul catarinense, como Passo de Torres e Sombrio.

Na região, dois terços do consumo de bebidas se concentram entre novembro e março. Será a sétima operação de distribuição da empresa, com matriz em Lajeado, e CDs em Canoas, Santo Ângelo, Pelotas, Farroupilha e Blumenau (SC).

Temas econômicos se impuseram no primeiro debate entre candidatos ao governo do Estado na Rádio Gaúcha: geração de emprego, infraestrutura e logística, regime de recuperação fiscal (RFF) e educação como fator de produtividade e desenvolvimento econômico e social. Com oito candidatos, não foi possível aprofundar cada ponto, mas funcionou como apresentação de intenções.

O fato de o Rio Grande do Sul ter superávit de R$ 4,6 bilhões no primeiro semestre não significa que haja dinheiro sobrando. O resultado vem de receitas com privatizações, que não se repetem, e da inflação, que funciona como espécie de maquiagem que destaca números sem resolver problemas. Na campanha, o orçamento parece infinito e flexível. Na realidade, despesas com custeio absorvem quase toda a arrecadação.

Perguntas de eleitores e entidades empresariais deram ênfase a temas de infraestrutura, geração de empregos e tributos. Candidatos fizeram questão de falar do acordo fechado por Eduardo Leite (PSDB), com negociação iniciada por José Ivo Sartori (MDB), para adesão ao RRF. Quase todos disseram querer revisá-lo.

A surpresa foi a manifestação de Onyx Lorenzoni (PL) sobre o RRF. Questionou o valor da dívida, com base na cobrança de juro sobre juro, e afirmou que o acordo é "lesa-pátria". Ocorre que o credor do Rio Grande do Sul, portanto proponente do acordo do regime de recuperação, e ente que apresentou a conta, é o governo federal, ou seja, neste momento, o governo Bolsonaro.

No aprofundamento do debate, Onyx terá de explicar melhor sua posição. Não é o único: Leite terá de justificar o que fez e o que deixou de fazer. Tanto por liderar as pesquisas quanto por ter comandado o Estado nos últimos anos, será alvo preferencial. Edegar Pretto (PT) será cobrado sobre a fonte de recursos para entregar "pesados investimentos para educação e saúde", além de "financiamento com juros atrativos" para a cultura. Luis Carlos Heinze (PP) precisará indicar a viabilidade de sua promessa de zerar a fila do SUS no Rio Grande do Sul.

Vieira da Cunha (PDT) precisará detalhar como pretende garantir 35% do orçamento comprometido com despesas de custeio para a educação, além de recursos para atrair e manter empresas no Estado, sem elevar impostos. O mérito das três iniciativas, infelizmente, não garante sua viabilidade. Roberto Argenta (PSC) tem o tema de casa de calcular quanto pode somar a venda do Palácio da Hortênsias e a dos imóveis do IPE, que promete fazer para bancar boa parte de suas propostas.

Ao menos Vicente Bogo (PSB) deixou claro que até promessa de candidato tem limite: provocado por uma pergunta de ouvinte a apontar forma de reduzir a carga tributária estadual sobre o diesel, um preço que incomoda muita gente, foi sincero: disse que não é possível reduzir ainda mais o ICMS, principalmente em um Estado já muito endividado. A Ricardo Jobim (Novo) caberá detalhar a proposta de tornar o ICMS gaúcho "o mais simples do Brasil".

MARTA SFREDO

17 DE AGOSTO DE 2022
INFORME ESPECIAL

O novo livro de Carol Bensimon

Vencedora do Prêmio Jabuti em 2018, a escritora gaúcha Carol Bensimon (foto) vem aí com mais um livro que promete dar o que falar. Com lançamento previsto para o fim do mês, em Porto Alegre, Diorama (Cia. das Letras, 288 páginas) tem como pano de fundo um dos crimes mais rumorosos da história do Rio Grande do Sul: o assassinato do deputado José Antonio Daudt, em 1988, na Capital.

- Eu tinha seis anos na época e cresci não muito longe do local onde ele vivia. Não tenho lembranças do crime em si, mas o caso Daudt sempre foi muito comentado e decidi ficcionalizar essa história. Trabalhei quatro anos nisso, entre pesquisa e escrita - conta Carol.

Radicada em Mendocino, na costa norte da Califórnia (EUA), a escritora virá a Porto Alegre para a primeira sessão de autógrafos da obra, no próximo dia 30, às 19h, na Livraria Taverna (Rua dos Andradas, 736).

Civilidade e respeito no primeiro debate

Começou em alto nível, sem ataques e bate-boca, a disputa pelo governo do Rio Grande do Sul no primeiro dia da campanha eleitoral de 2022 - que promete ser a mais acirrada, virulenta e tensa das últimas décadas no Brasil. Mantendo a tradição, a Rádio Gaúcha abriu a discussão entre os candidatos a governador, que protagonizaram um debate marcado pela civilidade.

Em tempos de intolerância e agressividade fora do controle, o confronto de ideias mediado com segurança e tranquilidade pela jornalista Andressa Xavier, na manhã de ontem, na RBS TV, em Porto Alegre, surpreendeu por algo que deveria ser a regra: os participantes não baixaram o nível em nenhum momento, não houve afronta moral ou coisa que o valha, nem mesmo tom de voz elevado ou o corriqueiro "pedido de direito de resposta" - usado sempre que alguém se sente pessoalmente ofendido.

Pode parecer bobagem, mas, considerando o clima bélico na política brasileira, não dá para negar que é um bom começo. O que se viu foi uma primeira apresentação dos candidatos, ainda pisando em terreno movediço e medindo forças. Se nem todos responderam às perguntas de forma objetiva e consistente, o encontro serviu para o eleitor começar a saber o que cada um tem (ou não) a oferecer. E, é claro, exigir mais daqui para frente.

JULIANA BUBLITZ

sábado, 13 de agosto de 2022


13 DE AGOSTO DE 2022
MARTHA MEDEIROS

O Brasil ainda existe

Bastou apenas a hora e meia do show do Caetano, onde ele festejou seus 80 anos ao lado dos filhos e de sua irmã Bethânia, para eu voltar a confiar no país. Em meio à vulgaridade vigente, ele irradiou esperança, acendeu uma luz. Nos WhatsApps e postagens nas redes, brasileiros emocionados celebraram não só o talento dos Veloso, mas o resgate do encantamento. Extra, extra! O Brasil sensível e culto ainda respira.

As palavras que me vêm à cabeça são perigosas, já que costumam descrever situações sentimentaloides, mas correrei o risco de abusar delas nesta página. Elas não podem continuar envergonhadas diante da estupidez que saiu do armário.

O que se viu, em 90 minutos, foi o verdadeiro conceito de família, e não uma gangue com o mesmo sobrenome. Pessoas unidas pela arte, transmitindo com limpidez os sons de sua terra mãe, a Bahia. Nossa ancestralidade representada por instrumentos, vozes e versos. E afeto explícito: abraços e beijos de quem sente admiração recíproca e não se enrijece diante de uma virilidade antiquada, em desuso.

Vimos memória, história, trajetória. O respeito pela passagem do tempo, por experiências, aprendizados e parcerias. A construção de uma carreira sólida, a serviço da poesia e de uma sonoridade quase silenciosa, partilhada com as gerações seguintes, que por sua vez trazem suas próprias referências, estabelecendo a troca fundamental que faz a música avançar, a vida evoluir.

Vimos a simplicidade refinada. O popular e o clássico costurados. A beleza de falar sobre nossa humanidade de uma forma que comove, sem jamais soar banal. A elegância do pensamento ilimitado e de um comportamento que é brejeiro e universal na mesma medida. A transmissão de um legado. Nada é pra já, tudo é pra sempre.

Vimos uma afinação que vai muito além dos acordes e do tom de voz. É alinhamento com o momento presente. Consciência e responsabilidade como cidadão social. Busca pelo novo, sem abdicar do sublime.

E chegamos à espiritualidade, que pode ser ainda mais ampla do que a religião, e que transpassou palco e plateia. Espiritualidade é comunhão entre seres desiguais. Tentativa de purificar o que em nós é angústia, dor, ressentimento, procurando transformar nossas imperfeições em sabedoria para lidar com as dificuldades. É equilibrar as naturezas interna e externa. Abertura e generosidade, em vez de julgamento. Sim, bem trabalhoso, mas torna-se possível quando, em vez de reduzir "Deus acima de tudo" a um slogan, nos comprometemos com o outro, que está ao lado de nós.

Foi um brasileiro de 80 anos que me despertou essas reflexões, ao presentear o país com uma rara noite de paz. Já os que acham que cultura não serve pra nada, tiveram mais uma noite qualquer.

MARTHA MEDEIROS

13 DE AGOSTO DE 2022
MATÉRIA DE CAPA

AUTOCONFIANÇA

O objetivo de viver exclusivamente de arte foi onde Zoravia focou sua energia desde sempre. Além de buscar conhecimento e aprimoramento técnico constante, o seu início da carreira contou com muito apoio da família e do marido. Ela casou-se com seu professor de escultura, Vasco Prado, e lembra que, embora o relacionamento fosse muito bom, frequentemente o olhar das outras pessoas colocava o trabalho do companheiro em destaque, deixando-a ofuscada. Nem assim sua confiança estremecia.

- Sempre falavam do Vasco e eu acabava ficando em segundo plano. Só que, como tive uma formação de muito amor, carinho e respeito, isso me deixou forte e com autoconfiança. Eu achava graça, ficava tipo, "será que eles não veem que tenho luz própria?". Constatava essas coisas, mas elas nunca me colocavam para baixo, pois eu sabia que uma hora eles iam, sim, me ver. Sempre tive tranquilidade em seguir meu caminho passo a passo, para ver onde iria chegar - relata.

O caminho para a carreira longa e frutífera, nas palavras de Zoravia, tem que passar pela autoconfiança, a qual só é sustentada com muito estudo e conhecimento. Depois, é preciso encontrar, de forma prática e objetiva, os meios para alcançar os sonhos.

- Perseverança eu acho uma palavra horrível, mas que é algo que a pessoa tem que ter se quer que algo se realize - ensina.

Ao longo desta entrevista, Zoravia lembrou com carinho da criação voltada à arte e à cultura que teve em casa, incentivada principalmente por seu pai, um advogado com formação humanista que fez questão de ensiná-la e a seus irmãos acerca de ecologia e da desigualdade social no país. São temas caros à artista e que até hoje aparecem em suas produções e nas atividades do Instituto Zorávia Bettiol - situado provisoriamente no primeiro andar da sua casa em Ipanema até que seja concluído o trabalho de restauro da sede, na Rua da Praia.

- Acho que, na velhice, somos o resumo da nossa vida: se a gente foi otimista, se foi empreendedor, isso aparece. Como também aparece se a pessoa foi pessimista ou se foi um sujeito parado. Sou uma pessoa de projetos. Faço um, termino ele e, de repente, começo outro numa direção completamente diferente. Em 2020, participei de 20 projetos, não só no Brasil como no Exterior. Eu até queria ficar deprimida, mas não consegui tempo - brinca.


13 DE AGOSTO DE 2022
LEANDRO KARNAL

Quem nasceu em berço de ouro e não vislumbra risco de declínio deve evitar seguir a leitura deste meu texto. Será inútil para tais pessoas, a não ser por um vago interesse antropológico. Tratarei de um mundo estranho, mas desnecessário aos bafejados pela fortuna abundante e permanente.

Imagino que muitas leitoras e muitos leitores sejam como eu: já possuíram bem menos do que hoje conseguem obter. Quando somos estudantes ou no nosso primeiro emprego (o meu foi aos 16), temos menos posses do que quando temos 50 anos, em geral. Naqueles momentos de, digamos, CPF mais anêmico, desenvolvemos técnicas de crise ou estratégias diante da escassez.

Meus exemplos são abundantes. Havia café da manhã na pensão onde morei ao chegar a São Paulo. Estava incluído no preço. Era formado de café com leite, pão francês à vontade e margarina. A expressão "à vontade" era um oásis de abundância, uma tentação. Comendo vários, muitos, era possível pular o almoço. Juventude pode ter dois pilares: pouco dinheiro e ausência do medo de engordar. Ainda bem que eu não tinha doença celíaca, pois eu comia farinha branca em quantidades impressionantes. Hoje, não consumo mais pão francês, não sei se é trauma ou memória.

Vamos à outra técnica. O chuveiro elétrico simples, no inverno, tem uma delicada estratégia. Abrir um pouco mais torna a água gelada. No outro sentido, fecha o fluxo hídrico. Há um delicado e único ponto que combina água e temperatura. Quem nasceu com chuveiro a gás não domina o processo.

Havia um dia da semana em que o cinema era mais barato. Eu sabia de uma sessão final que ficava ainda mais em conta. Minha agenda era dada não pela relevância do filme no campo da sétima arte, todavia pelo meu bolso. Viu? São técnicas de crise que os de renda alta permanente não imaginam. Vivi o entretenimento ditado pela pechincha.

Certa vez, começando a pós na USP, precisei de um livro ausente na biblioteca e indisponível para meu bolso. Solução? Sentar nas cadeiras de uma grande livraria na Paulista e ler o livro, lá, em prolongadas sessões. No futuro, lançando minhas obras naquele espaço, relembrei, várias vezes, as horas ali passadas: lendo sem quebrar a lombada.

Houve um momento no qual, em janeiro, eram apresentadas peças teatrais a valores muito populares em São Paulo. Na minha memória, os ingressos custavam R$ 1, porém pode ser falsa lembrança. Os lugares não eram marcados e tínhamos de chegar bem antes. Lá estávamos na fila, umas quatro vezes por semana, para ver tais peças que, durante o ano, eram inacessíveis, mesmo com a carteira de estudante. Usando expressão quase arcaica, era uma "lambança".

Fazer trajetos a pé para economizar ônibus, tomar água na torneira do banheiro em uma balada (que já tinha consumido a renda para entrar) e, claro, comer bem quando era convidado a uma casa mais bem abastecida. De novo, estamos no campo das técnicas de escassez. Você tem alguma indicação, ó leitora e leitor?

Um passeio ao litoral, dividindo a gasolina com todos, era obrigatório. Éramos acompanhados pelo refrigerante em litro, de São Paulo, para evitar preços altos no destino final.

Lembro-me de um dia em que, juntamente com meu amigo Sergio Bairon, compramos coxinhas com vitamina de mamão em um bar da Avenida Angélica. Era um raro e feliz banquete. Éramos estudantes e dávamos aulas em escolas que pagavam mal.

Entro em uma distinção mais sutil. Falei, desde o começo do texto, daqueles que nunca passaram por privações. Desenvolvi o meu caso similar a tantos: gente que, durante o período de estudante ou passando por crise, tinha de achar maneiras de comer e até de encontrar diversão em algum oásis no deserto da pouca renda.

Existe um terceiro tipo, o mais numeroso no Brasil. São as pessoas que não atravessam um deserto rumo a regiões mais úmidas e abundantes. Refiro-me aos que moram sempre em meio ao sol e à areia.

Eu já viajei com pouco dinheiro e já andei a pé para economizar passagem de ônibus. Eu sabia, e isso me animava, que eu estaria melhor. "Quando eu concluir a pós...", eu pensava, "quando estiver em escolas que pagam mais, quando eu lançar meus livros... terei meu carro". Muita gente de classe média sabe que pode crescer, ascender, reforçar renda e expandir dividendos. A escassez era um episódio, não um horizonte. Há muitas pessoas cientes de que, com sorte, no ano que vem, estarão no mesmo ponto difícil de hoje, ainda que exista a chance de piorarem. Não é um momento ou uma fase juvenil convivendo com a formação. Trata-se da vida toda.

Fazendo atividade voluntária com pessoas em situação de rua, pensei nos momentos que eu considerava de escassez, morando em uma pensão e comendo pães com margarina. Uma cama, chuveiro e pães todas as manhãs seriam a ideia de ascensão de muitos que encontrei.

Sim, há quem nunca tenha desenvolvido técnicas de escassez. Existem muitas pessoas que não ampliam o patamar da esperança além do desejo de sobreviver até o fim do dia. Como firmar a base de uma sociedade sobre um patamar sem perspectivas? O inverno sem nenhuma chance de primavera ou esperança de abrigo é a mais rigorosa e assustadora de todas as estações.

LEANDRO KARNAL

13 DE AGOSTO DE 2022
FRANCISCO MARSHALL

AOS INIMIGOS DA DEMOCRACIA

Uma carta em defesa da democracia e do Estado de direito foi remetida pela sociedade civil organizada brasileira. A missiva tem muitos remetentes e, embora não o declare, dirige-se a pequeno grupo de destinatários, liderado pela mais alta autoridade eleita do Brasil, e que ora conspira contra o regime da liberdade e da soberania popular. Os atuais ataques à democracia são precedidos por extenso e gravíssimo quadro de delitos em todas as esferas do crime, em sua maioria ainda carentes de apuração e consequências penais. O destinatário da carta não compreende seu teor, como aliás não compreende o mundo em que vive e valores elementares da civilização. Que mais faremos, contra os inimigos da democracia, além das notas de repúdio e desta carta histórica?

A democracia ateniense, implantada em 508 a.C. com o nome de isonomia, provou-se eficiente e garantiu o pleno florescimento daquela pólis. Os frutos da era clássica, nas artes e ciências, persistem como fundamentos, e aquela experiência política segue sendo a principal referência para os regimes desenvolvidos, ainda mais que hoje podemos sanar alguns de seus cacoetes, como as restrições à participação feminina. As democracias modernas resistem em praticar fundamentos da isonomia antiga, como a política de sorteios e a intensa rotatividade na maioria dos cargos públicos. Resistimos também em realizar justiça popular e, sobretudo, relaxamos na prevenção contra os que ameaçam a democracia; lá, os que desejavam a tirania eram punidos com o ostracismo, um exílio de 10 anos, suficientes para arrefecer ânimos conspiradores. Ainda há o que aprender com a democracia antiga.

Em que pese o sucesso da isonomia em Atenas, persistiram por décadas o rancor de um grupo de aristocratas contra o regime popular e muitos ataques, que culminaram com um golpe de Estado, realizado em 9 de junho de 411 a.C.. Mais do que em cartas, a defesa da democracia havia brilhado nas obras de Ésquilo, Sófocles e Eurípides, na oratória de Péricles e em muitos episódios de orgulho cívico. A crise política e financeira vivida durante a Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.), agravada após a expedição à Sicília (415-413 a.C.), deu aos inimigos da democracia o cenário ideal para conspirar e tomar o poder. 

O golpe foi precedido por reforma constitucional, restringindo a soberania popular e instaurando um conselho de 400; houve apoio externo, do rei persa Dario II, que apoiou ao general ateniense desertor Alcibíades e seus comparsas, generais desafetos da democracia. O golpe durou pouco, mas foi violentíssimo, levando à execução sumária de milhares de cidadãos atenienses. Superado o golpe, puniram-se os autores, com rigor.

Aqui, generais e um ex-oficial de baixa patente e péssimo retrospecto tramam abertamente contra a democracia, atacando a legitimidade do voto e cobiçando prerrogativas de controle que não lhes cabem. A sociedade está dizendo não, com todas as letras, e reafirmando a legitimidade desse regime. Resta-nos punir com rigor esses conspiradores, quando restaurarmos a democracia, em breve, com voto, liberdade e festa.

FRANCISCO MARSHALL

13 DE AGOSTO DE 2022
DRAUZIO VARELLA

APENDICITE

Apendicite é a principal causa de cirurgia abdominal de emergência. A incidência durante a vida varia de 7% a 14%. Os homens correm risco mais alto.

A doença se instala quando fragmentos de fezes obstruem a luz do apêndice junto ao ceco, provocando distensão, crescimento de bactérias e aumento da pressão interna, que pode levar à gangrena e à perfuração.

O diagnóstico se baseia na história de dores que se iniciam no centro do abdômen e migram para a fossa ilíaca direita, na parte inferior, acompanhadas de náuseas, vômitos, febre baixa e aumento do número de glóbulos brancos no hemograma. No entanto, menos de 50% dos doentes exibem todas essas características.

O ultrassom e a tomografia computadorizada diminuem o risco de diagnósticos equivocados. A tomografia é mais sensível e específica do que o ultrassom, mas custa mais caro e envolve o emprego de radiações, que inviabilizam seu uso na gravidez. Quando as imagens do ultrassom forem duvidosas, a ressonância magnética pode ser empregada.

A retirada do apêndice (apendicectomia) tem sido o tratamento de escolha desde a metade do século 19. Na década de 1990, a laparoscopia tornou-se a técnica preferida por muitos cirurgiões.

A cirurgia laparoscópica ganhou popularidade pelo fato de não abrir a parede abdominal, reduzir o risco de infecções e diminuir a intensidade da dor no pós-operatório. Amortizado os gastos com o aparelho, os custos são mais baixos do que os da cirurgia convencional.

Intervenções laparoscópicas são contraindicadas em pessoas com cirurgias anteriores, apendicite avançada ou doenças pulmonares e cardíacas que impossibilitem a distensão do abdômen com gás, necessária para a visualização adequada dos órgãos.

A máxima tradicional "diagnóstico feito, paciente operado" tem sido questionada nos últimos anos, em diversos centros europeus. Em vários hospitais, surgiram estudos para testar a hipótese de que a administração de antibióticos intravenosos por um ou dois dias, seguidos da via oral por mais sete dias, seria alternativa razoável à cirurgia.

Neles, de fato, a maioria dos pacientes conseguiu evitar a operação. Os números daqueles em que a antibioticoterapia foi ineficaz variaram de 0 a 53%, conforme o estudo. O índice de perfurações que exigiram cirurgias de emergência não foi mais alto.

Entretanto, no período de quatro a sete meses de acompanhamento daqueles em que os antibióticos deram bons resultados, 10% a 37% tiveram recaídas que levaram à apendicectomia.

Os defensores da antibioticoterapia argumentam que o apêndice seria uma estrutura fisiologicamente ativa, que ofereceria local seguro para colônias de bactérias importantes para repopularizar a flora intestinal depois de quadros de diarreia.

Pelos dados disponíveis, não é possível identificar quem se beneficiaria dessa estratégia "antibióticos antes".

A World Society of Emergency Surgery afirma: "Como esse procedimento conservador apresenta altos índices de recorrência, os resultados são inferiores aos da apendicectomia tradicional".

DRAUZIO VARELLA