terça-feira, 22 de outubro de 2024



22 de Outubro de 2024
INFORME ESPECIAL - Rodrigo Lopes

Não esqueceremos

Na longa estrada temporal, de quase seis meses, desde que o dilúvio de maio cortou as ligações aéreas de Porto Alegre com o mundo, por razões profissionais passei a frequentar Florianópolis (SC) para além do verão.

O belo aeroporto da capital catarinense se tornou, durante esse período, meu porto seguro, a cada desembarque, vindo de coberturas jornalística no Exterior. Aprendi a me sentir em casa cada vez que a aeronave iniciava os procedimentos de pouso, substituindo, pela janela do avião, a visão da Ponte do Guaíba e da Arena pelo contorno de morros e praias de Florianópolis. Funcional, moderno, o aeroporto da ilha foi escolhido, pelo terceiro ano consecutivo, o melhor do país.

Faço esse registro porque, nesses cinco meses em que ficamos apartados do mundo, o infortúnio só não foi maior graças a uma rede de apoio, que, na hora de celebrar o retorno do Salgado Filho, não devemos esquecer: além da hospitalidade do povo de Floripa e seu aeroporto, também vale destacar a competência dos militares da Base Aérea de Canoas, que transformaram uma unidade preparada para a guerra em um aeródromo civil. É importante ainda valorizar a solidariedade dos gestores do ParkShopping Canoas, no qual, por um bom tempo, os gaúchos emularam a sensação de alguma normalidade ao embarcar.

Obrigado! Não esqueceremos! 

Bastidores da reportagem

A volta das operações no aeroporto Salgado Filho mobilizou, desde cedo, equipes de reportagem e amantes da aviação.

Sem conseguir credenciamento para a cerimônia oficial, o fotojornalista de Zero Hora Jefferson Botega precisou usar da experiência - e de um pouco de perspicácia - para registrar o pouso da primeira aeronave. 

Campanha fast-food

Imagine ir a um fast-food e se deparar com Donald Trump entregando lanches?

Essa foi a cena vista no domingo, na Pensilvânia. O ex-presidente tirou o paletó e colocou um avental para trabalhar por um dia na rede McDonald?s.

Porém, de acordo com o jornal The Washington Post, a visita foi encenada. O restaurante estaria fechado ao público e as pessoas atendidas pelo republicano foram selecionadas pelo Serviço Secreto. Além disso, o McDonald?s informou que não apoia qualquer candidato nas eleições presidenciais dos EUA. _

Afinal, o que Kamala e Trump defendem para os Estados Unidos?

ECONOMIA Promete benefícios fiscais com o nascimento de um filho, ajuda para a casa própria e impulso à criação de empresas. Sobre carros elétricos, defende mais investimentos no setor.

IMIGRAÇÃO Disse que seguiria uma política firme, com "consequências" para as pessoas que entram ilegalmente nos Estados Unidos.

ABORTO Garantia do acesso federal.

POLÍTICA EXTERNA Permanecerá "firme" com a Ucrânia e os aliados da Otan e disse que não fará "amizade com ditadores".

EDUCAÇÃO Financiamento da educação pública. Sobre a dívida de empréstimo estudantil, defende o perdão da dívida.

MEIO AMBIENTE Afirmou que defende "o direito de viver sem a poluição". Também garantiu que não irá proibir o fraturamento hidráulico ou "fracking".

A exatas duas semanas da eleição nos EUA, a campanha acaba sendo mais conhecida fora do país pelas bizarrices. A coluna, entretanto, destaca as propostas, que demarcam pontos de vista diametralmente opostos sobre o futuro do país. _

ECONOMIA Impor tarifas de 10% sobre importações, corte de impostos e transformar os EUA na capital mundial do bitcoin e das criptomoedas. Sobre carros elétricos, diz ser uma ameaça à indústria automobilística do país.

IMIGRAÇÃO Em seu primeiro mandato, prometeu "a maior operação de expulsão interna". Não descarta o uso do exército para isso.

ABORTO Que cada Estado decida.

POLÍTICA EXTERNA Garante que resolveria a guerra na Ucrânia "em 24 horas".

EDUCAÇÃO Quer acabar com o Departamento de Educação. Defende que não haja perdão das dívidas estudantis.

MEIO AMBIENTE Promete "acabar rapidamente com a grande fraude verde".

INFORME ESPECIAL

sábado, 19 de outubro de 2024



19/10/2024 - 18h40min
Henrique Ternus

Posicionamento de Eduardo Leite no segundo turno em Porto Alegre e Pelotas causa reflexos no PT de Caxias. Governador fez acenos a Sebastião Melo (MDB) em Porto Alegre e ainda não se manifestou sobre pleito em Pelotas

Para garantir apoios ao PSDB no segundo turno de Caxias, Eduardo Leite precisa orquestrar posição em outras cidades. O jornalista Henrique Ternus colabora com a colunista Rosane de Oliveira, titular deste espaço.

Mesmo fora do pleito, pode-se dizer que o governador Eduardo Leite está no meio de uma encruzilhada. Depois de ter feito acenos favoráveis à candidatura de Sebastião Melo (MDB) em Porto Alegre, contra Maria do Rosário (PT), o PT de Caxias do Sul adiou a reunião do diretório, anteriormente marcada para a noite de quarta-feira (9), para reavaliar qual será seu posicionamento no segundo turno.

Tucano assim como Leite, o prefeito Adiló Didomenico disputa a reeleição em Caxias, mas quase ficou de fora do segundo turno: fez 3 mil votos a mais do que a candidata petista Denise Pessôa. Para impedir a vitória do PL de Maurício Scalco, o PT estava pronto para anunciar o apoio a Adiló, mas a "aproximação pragmática", citada pelo governador sobre Melo, atrasou o anúncio.

Agora, os petistas precisam deliberar sobre a situação municipal e avaliar conjuntamente o cenário estadual. Além do posicionamento em Porto Alegre, a decisão dos tucanos em Pelotas também pode impactar nos planos em Caxias.

Na Zona Sul, o PSDB ficou de fora do segundo turno, que será disputado por Fernando Marroni (PT) e Marciano Perondi (PL). A expectativa no PT é de que os tucanos apoiem Marroni, numa retribuição ao voto crítico dos petistas em Eduardo Leite na disputa pelo Piratini em 2022. A tendência, entretanto, é que o diretório municipal do PSDB libere os votos.

Se Leite mantiver apoio à Melo e não declarar voto em Marroni, será difícil para o PT caxiense recomendar voto no candidato do PSDB, mesmo inexistindo possibilidade de apoio a Scalco. Além das decisões de Leite, os petistas ainda precisam levar em conta a orientação nacional do PT, de ter engajamento pesado contra candidatos da extrema-direita nos municípios em que o partido não tem candidato.

— O que é fato é que vamos ser oposição, o PT não vai compor governo, independentemente do resultado eleitoral. É importante pensar em nível macro, o Eduardo Leite ter aberto voto para o Melo demonstra que o PSDB não tem responsabilidade quando precisa ter. A política do Eduardo Leite é oposta à política do Sebastião Melo em Porto Alegre. O governador do PSDB, por um interesse eleitoral, avilta questões programáticas. Lógico que isso não é determinante para a nossa decisão, mas é importante observar que sempre fomos muito responsáveis, inclusive no governo do Estado — avaliou o vereador do PT em Caxias, Lucas Caregnato.

De acordo com o colunista Ciro Fabres, do Jornal Pioneiro, nova reunião do PT caxiense deve ser marcada para esta sexta-feira (11) ou segunda-feira (14). 

Candidatos mantêm distância da esquerda

Nem Adiló nem Scalco foram receptivos aos votos da esquerda. Os dois candidatos se afastam do PT, afirmando que o voto "é da pessoa, não do partido", ou que "não é momento para ficar com questão ideológica".

— O voto é da pessoa, não do partido, são de pessoas que querem uma cidade melhor, uma mudança, querem que funcione o sistema público. Nós somos a mudança. Temos um plano de governo que pode atender e trabalhar para essas pessoas — declarou Scalco.

— Eleitor não está preocupado com aliança, e sim com o que vai ser feito nos próximos anos. Nós não rejeitamos o voto de ninguém, todo caxiense que quiser apostar em nós é muito bem-vindo. Não é momento pra ficar com questão ideológica, precisamos nos unir, o interesse por Caxias tem que estar acima — afirmou Adiló.

O PDT, que indicou o ex-prefeito Alceu Barbosa Velho como vice na chapa com Denise Pessôa, deve sugerir neutralidade aos filiados. Mesmo assim, o presidente municipal, vereador Rafael Bueno, declarou publicamente voto no candidato do PL, durante sessão da Câmara. Alceu não abriu voto para Scalco, mas disse que não votaria em Adiló.


 

A busca pela felicidade é contínua e criativa

As pequenas coisas de cada dia contribuem muito para que um estado de felicidade se enraíze em nossa existência


Bom Dia! Acordando aos poucos. A sexta-feira chegou e a semana vai ensaiando sua despedida. No calendário litúrgico, hoje é o dia de São Lucas e, igualmente, o Dia do Médico. Parabéns a todos médicos e médicas que tanto fazem pela saúde da população. São Lucas, rogai por nós! 

“Para ser feliz, você precisa eliminar duas coisas: o medo de um futuro incerto e a recordação de um passado ruim.” (@acolhia).

É praticamente uma necessidade estar situado no tempo e no espaço. Gosto demais da minha localização, como residência, e da convivência que desfruto diariamente. A partir deste local e das funções que exerço, interajo com o tempo que disponho. Uma coisa é certa: o hoje não é o espaço de tempo em que mais ficamos. Normalmente nos dividimos entre o ontem e o amanhã. Gostamos de revisitar o nosso ontem e relatar muitos acontecimentos. Além disso, seguidamente nos encontramos no amanhã, tentando dar formato aos nossos sonhos. 

Porém, o tempo ideal, que de nenhum jeito pode ser desperdiçado, é o hoje. Todos podemos e devemos nos comprometer com o aqui e o agora. Só assim a vida tem seguimento e novos caminhos vão sendo trilhados. Na minha bagagem está o ontem, mas não estaciono num tempo que já passou, mas desfruto de tudo o que aprendi e tento eternizar. O amanhã me fascina, mas ele ainda não chegou. Então, focar no hoje é a melhor opção, pois garante vivência, convivência e celebração. A busca pela felicidade é contínua e criativa. 

Com algumas exceções, todos somos felizes pelo simples fato de estarmos vivos. As pequenas coisas de cada dia contribuem muito para que um estado de felicidade se enraíze em nossa existência. A maior parte das pessoas felizes, não sabem que são felizes. E, assim, os dias vão passando sem aquele sabor extraordinário, que advém do simples fato de existir. Temos que ficar atentos para não abrir espaço excessivo para o medo de um futuro incerto e para a recordação de um passado ruim. Deixar o ontem no ontem, destacando somente o aprendizado é uma jeito de harmonioso de viver. 

Mas é necessário, ao mesmo tempo, controlar a ansiedade em relação ao amanhã. Nada de pressa, pois o futuro vai acontecer no momento certo. Que o hoje seja o nosso tempo, onde o pulsar da vida se dá de forma harmoniosa e eloquente, pois viver é algo extraordinário. Vejo muita gente perdida no ontem ou excessivamente preocupada com o amanhã. Sejamos capazes de abraçar o hoje, com a história do ontem e com o sonho do amanhã. Bênção! Paz & Bem! Santa Alegria! Abraço! 



19/10/2024 - 09h38min
Martha Medeiros

Quem apostou que a literatura desapareceria, perdeu

Fiz minha parte nestes 30 anos como colunista: publiquei várias crônicas e, agora, reuni parte delas numa coletânea chamada "Comigo na Livraria"

Livro e leitor vivem uma relação a dois como se sonha. Com entrega, escuta e emoção.

O futuro projetado pela família Jetsons, desenho animado dos anos 1960, previu as casas automatizadas, as chamadas de vídeo e os relógios de pulso inteligentes. Quanto à alimentação por pílulas, acertaram mais ou menos: ainda não ingerimos comprimidos de carne, de lasanha, de ovo, mas temos nos empanturrado de comprimidos filosóficos e de autoajuda. Grudados no celular, ingerimos microdoses de aprendizado: como treinar os bíceps, meditar em três minutos, lidar com a menopausa, visitar os Lençóis Maranhenses e outras pílulas de bem viver, para consumo imediato. E engajamos.

Nada disso impede que a vida continue medíocre e as relações, miseráveis. Para incrementar as drágeas de conteúdo digital, só investindo em conteúdo substancial e envolvendo-se de fato com todas as dimensões da existência humana. A reação veio: o livro voltou a ser valorizado. Quem apostou que a literatura desapareceria, perdeu.

Novas livrarias estão sendo abertas pelo mundo, a imprensa tem dado matéria de capa para escritores, as editoras despejam novos títulos, clubes de livro invadem as redes, autores prestigiam as Feiras e o número delas se multiplica. Engajamento é um termo atual, mas não sacia: o que queremos, mesmo, é vínculo.

Livro e leitor vivem uma relação a dois como se sonha. Com entrega, escuta e emoção. O livro dá sentido às horas, retribui nossa dedicação, nos resgata da rotina e do tédio, nos leva para outros lugares, desperta sentimentos novos e perturbadores, recompensa o tempo investido. Ao chegar à página final, somos pessoas melhores, e logo abrimos outro livro, para não interromper a viagem pelo alucinante universo da sabedoria – sem algoritmos. É um comprometimento pessoal e sagrado, que nos distancia da vulgaridade das manipulações tecnológicas.

Restaurantes e cafés estão colocando livros em sua decoração. Antigas cabines telefônicas têm virado minibibliotecas. As conexões do livro com o cotidiano se expandem, para nos lembrar que, absorvidos pelas redes, arriscamos ser reduzidos a anêmicos consumidores de canapés informativos. O conhecimento aprofundado é que nos alimenta — e tira um país da indigência.

Fiz minha parte nestes 30 anos como colunista: publiquei várias crônicas exaltando a literatura, e agora reuni parte delas numa coletânea chamada Comigo na Livraria, um convite para descobrir como Ian McEwan, Mario Benedetti, Carla Madeira, Millôr Fernandes, Lionel Shriver, Mario Quintana e Muriel Barbery, entre outros, lapidaram minha visão de vida.

O lançamento será dia 9 de novembro, às 18h, na Feira do Livro de Porto Alegre. Aliás, meu livro traz um texto sobre sessões de autógrafos, elas também geram boas histórias. Vá até lá criar a sua comigo.


19 de Outubro de 2024
CARPINEJAR

Os doces da infância

Minha esposa gosta de um doce que não é de vó, mas de bisavó: doce de cidra. Ela se delicia com aquelas raspas verdes, cristais de sua esperança.

Eu imaginava que só ela apreciasse esse quitute na face da terra, mais ninguém. Eu me enganei. Há uma legião de fanáticos. Existe até uma canção de Rolando Boldrin para endeusar o seu gosto, envolvendo uma história de amor. No caso do famoso apresentador do Som Brasil, ele teve uma desilusão com uma doceira de olhos verdes:

"Quem não conhece um docinho bem caseiro

Que hoje enfeita os tabuleiros das festas do interior

É tão verdinho que o olhar da gente vidra

Chama-se doce de cidra, com um pouquinho de amargor

O amarguinho que ele tem inofensivo

Não é doce enjoativo, é gostoso de comer".

Doce de cidra é antigo, com raízes na culinária portuguesa. É feito das frutas cítricas após dias de molho, num verdadeiro banho de depuração. Parece que quanto mais envelhecemos, mais retornamos às sobremesas da meninice.

Comer passa a ser o mesmo que recordar. Não são mais operações distintas. Você busca reprisar as refeições familiares e suprir a falta que sente de todo mundo que partiu. Talvez seja o nosso ímpeto para recuperar a casa cheia, a vida daquela época repleta de promessas.

Resgata-se um período mental de liberdade gustativa, em que não havia restrições com a glicose, ou medo de diabetes, muito menos economia com as gemas dos ovos. Você vai querendo repetir o que se tornou raro. Vai se tornando raro ao repetir o passado.

Eu era apaixonado por brigadeiro de cacau, por branquinho, por panelinha de coco, por pastel de nata, por queijadinha, por quindim, por guloseimas pequeninas e explosivas de vitalidade. Hoje só me interesso pela estética e o perfume do pudim de leite.

Prevalece um detalhe na transformação de comportamento. Abandonei a porção individual pela coletiva, servida em vasilha ou porcelana, a ser dividida com os outros. O pudim de leite virou minha obsessão. Odiava a casca da cobertura. Hoje devoro primeiro o recheio, para depois saborear lentamente a crocância do açúcar queimado com a calda.

A arte já começa ao cortar uma fatia. Devo controlar a força de minha mão para não abusar com uma incisão transversal e levar o pudim inteiro para a mesa. Não é que eu fiquei mais tradicional, eu tenho muito mais saudade de quem já fui. Minha existência mudou de parâmetros, abolindo preconceitos alimentares.

Agora respeito o uso do cravo no beijinho ou no arroz-doce. Antes, acreditava que era um desperdício aquele adorno, aquela estaca da especiaria. Eu apenas reclamava do trabalho de tirá-lo.

Agora reverencio o manjar, o bolo gelado de coco e abacaxi, o flan de coco, o tiramisu. Nem mais faço piada com o pavê. Agora entendo por que a ambrosia e o sagu jamais vão perder a realeza. O que mais ansiamos é roubar a geladeira da infância novamente. Aliás, o nosso coração se converte na própria geladeira. Nossas crianças interiores são famintas. _

CARPINEJAR

19 de Outubro de 2024
COM A PALAVRA - Renato Caminha

COM A PALAVRA

"Quando você tem filhos, não tem que abrir mão dos seus desejos"

Mestre em Psicologia Social e da Personalidade, é educador parental, pesquisador e autor de 20 livros sobre parentalidade, infância e adolescência

Palestrante que abriu, na quarta-feira, a sexta edição da Escola de Pais, realizada pelo Instituto Ling, em Porto Alegre, o educador parental Renato Caminha conversou com ZH sobre como manter a saúde mental durante o processo de educação dos filhos.

Yasmim Girardi

O seu livro Mitos da Parentalidade: Livrando os Pais da Culpa Infundada fala sobre como livrar os pais do sentimento de culpa. De onde vem esse sentimento e por que ele é um problema?

Porque a sociedade, principalmente para as mulheres, coloca o mito da disponibilidade permanente. No momento em que você tem um filho, você tem que estar disponível para ele o tempo inteiro. Isso contraria a história filogenética da nossa espécie. O bebê humano não foi um ser desenhado pela natureza para ser criado única e exclusivamente por uma pessoa. E a mulher entra em um processo de autossacrifício.

A sociedade diz que a gente tem de ter dedicação máxima para o filho, tem de ter entrega máxima para o filho, e o que a gente sabe é que, quanto mais tempo a gente passa cuidando de alguém, a qualidade do cuidado cai. Você começa a desenvolver um processo que se chama exaustão do eu, uma tendência à negligência moderada e desatenção seletiva.

Em momento algum, quando você tem filhos, tem que abrir mãos dos seus desejos, das suas necessidades, da sua individualidade. Tem estudos mostrando que, quando a gente dilui esse processo no cuidado, que a gente chama de círculo da parentalidade, essas crianças têm mais plasticidade emocional e se desenvolvem com maiores habilidades sociais.

? A parentalidade é um nicho forte nas redes sociais, onde pais compartilham a rotina e dicas para a criação dos filhos. Esse contato abre margem para sentimentos de insuficiência e comparação?

Isso demonstra, por um lado, que os pais estão se sentindo insuficientes e estão buscando ajuda, o que é muito bom. Só que você pega influencers de parentalidade, que têm mais de 1 milhão de seguidores, e vê que eles dizem coisas que são muito temerárias, dão fórmulas prontas e, às vezes, banalizam algumas coisas. Por exemplo, "se o seu filho está fazendo birra e não quer tomar banho, diga para ele ir ao banheiro brincar com água". Isso tudo é muito lindo, mas se você vai experimentar essa fórmula quando chega em casa extremamente estressado, com problema conjugal, com problema de dinheiro e em um péssimo dia, você não vai conseguir. Isso vai reforçar em você o quê? Que você é incapaz.

? Quais são as estratégias práticas para que os pais lidem com essa culpa?

O que a gente precisa ter é cada vez mais um movimento de parentalidade consciente. Eu gosto de fazer uma analogia: sabe o que a nutrição fez com a gente? A nutrição foi divulgando informação e hoje nós temos uma grande consciência alimentar. A gente sabe o que faz mal, o que faz bem.

A infância foi revelada lá nos séculos 18 e 19. Desde lá, a infância evoluiu barbaramente. E as pessoas não sabem disso quando vão ter um filho. Elas não se preparam. Por exemplo, crianças aos dois anos de idade entram numa fase chamada adolescência de infância. Elas começam a fazer birras. Quando os pais não sabem que isso vai acontecer, as crianças começam a fazer birras e os pais começam a pensar: "onde é que eu estou falhando? Por que essa criança está mal educada? Eu dou todo o amor do mundo e ela reage comigo de modo agressivo."

Isso é absolutamente normal e, pior, ou melhor, é saudável. E como é que as pessoas não sabem disso? Então, para reverter a culpa, e para ter uma parentalidade mais consciente e mais inspiradora de resiliência e saúde mental para todo mundo, a gente precisa conhecer isso.

Um dos tópicos do livro que chama atenção é sobre o amor incondicional entre pais e filhos. Como os pais podem encontrar um equilíbrio saudável entre estabelecer limites e expressar amor?

Primeiro, que limite é amor. E, se você não der limite, você vai criar um monstro. Então, o amor é uma emoção que não tolera tudo. O amor é uma emoção importante e saudável, mas o amor coloca limite. Eu tenho trabalhado muito a desconstrução de dois mitos: o mito do instinto materno, que é o que escraviza muitas mulheres, e o mito do amor incondicional. Não existe amor incondicional. Incondicional é aquilo que não impõe nenhum tipo de restrição, nenhum tipo de limite. Não tem quem não impõe alguma restrição ou limite para os seus filhos. Porque, se isso, porventura, tivesse de acontecer, você ia ter um amor sem nenhuma capacidade de empatia e sem nenhuma condição de interação social no futuro.

O Renato Caminha pai de dois filhos é diferente do Renato Caminha especialista em educação parental?

Eu cometi grandes equívocos com o primeiro que não cometi com o segundo. A parentalidade é um processo de aprendizagem. E pode até soar meio narcisista o que vou dizer, mas eu gostaria de ter conhecido um Renato Caminha quando eu tive filho, porque acho que ia ajudar muito o meu percurso. A gente aprende muito com o processo intuitivo do acerto e erro, e eu acho que isso não é legal. A vida como pai não é aquilo que ensinam para a gente, a gente não tem acesso a esse conhecimento. Então, hoje, eu sou um pai mais pleno. Longe da perfeição, cometo um monte de erros, e vou cometer muitos erros ainda. 


19 de Outubro de 2024
Editorial

A hora certa de trabalhar chegará

Os dados sobre trabalho infantil divulgados na sexta-feira pelo IBGE podem ser analisados por duas perspectivas. De um lado, é satisfatório que o país continue a reduzir a quantidade de crianças e adolescentes em situações laborais que possam ser caracterizadas como perigosas e prejudiciais para a saúde física e mental, exploratórias, que criam risco social ou interfiram na sua escolarização. De outro, mostra o quanto ainda é preciso avançar para combater de forma efetiva essa prática.

O trabalho infantil tem o potencial de elevar a vulnerabilidade social de crianças e adolescentes, expondo-os a violações de seus direitos e riscos de abusos. Impacta o desenvolvimento pessoal e realimenta o ciclo de pobreza familiar. Pode ser um fator a afastá-los da escola. Mas, mesmo que os pequenos trabalhadores sigam frequentando as salas de aula, a tendência é de a aprendizagem ser prejudicada devido à jornada exaustiva. O trabalho precoce também tolhe o direito de brincar.

Nem toda atividade exercida por crianças e adolescentes é enquadrada como trabalho infantil a ser combatido. Para esse enquadramento, é preciso que, de alguma forma, seja prejudicial ou represente risco. No Brasil, a legislação não permite trabalho para crianças de até 13 anos. Jovens de idade entre 14 e 15 podem ter funções como aprendizes. A carteira assinada é permitida para 16 e 17 anos, mas com algumas limitações - não pode ser um trabalho insalubre ou exercido à noite, por exemplo.


Nos EUA, cenário embaralhado

A pouco mais de duas semanas da eleição presidencial nos Estados Unidos, é impossível dizer quem vencerá. Nas pesquisas nacionais, há empate técnico, com leve vantagem para a atual vice-presidente e candidata democrata, Kamala Harris: 50% a 49% para Donald Trump no Emerson College Polling Center, e 51% contra 49% pela The Harris Pool (as mais recentes, até sexta-feira).

Levantamentos nacionais, no entanto, têm pouca relevância em uma disputa tão complexa quanto a americana - o que vale são os resultados nos chamados "Estados-pêndulos" (swing states).

Vale a máxima: não basta ganhar, é ganhar certo, naqueles Estados que definem o jogo. Isso porque quando o candidato ganha em uma unidade da federação, ele carrega para o colégio eleitoral todos os delegados a que aquele Estado têm direito. Por exemplo, se Kamala vence na Califórnia, leva os 54 delegados daquele Estado, o mais populoso do país. Se Trump vence em Ohio, leva todos os 17. Aquele que somar 270 votos no colégio eleitoral é eleito.

O "problema" é que, tradicionalmente, sabe-se quem será o vencedor na maioria dos Estados: na Califórnia e em Nova York, os democratas, historicamente, vencem. Então é certo que Kamala soma, só nesses dois Estados, 82 delegados. No Texas e no Alabama, os republicanos costumam ganhar - 49 delegados na conta de Trump.

Mas há as exceções. Costumam desequilibrar a eleição - e coroar o vencedor - um punhado de Estados nos quais ora os democratas vencem, ora os republicanos. Esses são os chamados "Estados- pêndulos". É neles que os candidatos depositam seus recursos financeiros, estratégias e propaganda. Logo, é neles que devemos prestar atenção.

São sete os swing states deste pleito: Geórgia, Carolina do Norte, Pensilvânia, Michigan, Wisconsin, Nevada e Arizona. Juntos, somam os 83 desejados delegados.

Basta olhar quem ganhará nesses lugares, então, para se prever o vencedor? Não. Porque, nessa eleição, as pesquisas nesses Estados também mostram um cenário embaralhado (veja o gráfico abaixo). Com exceção de Geórgia e Arizona, há empate técnico em todos. _.

INFORME ESPECIAL 

segunda-feira, 14 de outubro de 2024


14 de Outubro de 2024
CARPINEJAR

O tradutor de desejos

Foi Washington Olivetto que fez. Você se lembra do comercial do Garoto Bombril: "Bombril tem mil e uma utilidades"?

Foi Washington Olivetto que fez. Seus bordões entravam no imaginário popular, alavancando marcas e extrapolando suas expectativas de venda. Quem não recorda: "o amaciante Bijou tem dois perfumes enquanto o outro tem um só"?

Ele transformou a propaganda brasileira. Antes dele, ela se resumia a minutos perdidos entre um programa e outro na televisão. Depois dele, houve toda uma geração que esperava o suspense e o impacto do intervalo comercial. Suas peças com breves histórias batiam em audiência a própria novela.

O publicitário paulista Washington Olivetto faleceu ontem, aos 73 anos, no Rio de Janeiro, e deixa um vácuo na cultura pop. Não há quem tenha sido mais icônico. Olivetto passou a ser sinônimo de inteligência, de refinamento, de pensamento crítico do mercado (autor de livros como Direto de Washington: W. Olivetto por Ele Mesmo).

Dois de seus comerciais brasileiros estão no panteão dos cem maiores do mundo. Um deles é o que mostra uma série de dados extraordinários de um determinado governo, como o aumento do PIB e a erradicação do desemprego, para revelar ao final que se trata de feitos de Adolf Hitler.

Ele desconstruía as aparências, mostrando o quanto podemos ser seduzidos por tiranos. Ou por enganos.

Sabendo de sua influência, jamais trabalhou em campanha política. Para não se arrepender depois, recusava de antemão qualquer vínculo eleitoral. Sem ter concluído a graduação (pela Fundação Armando Álvares Penteado - Faap), tornou-se um dos publicitários mais premiados de todos os tempos. Ganhou o Clio Lifetime Achievement Award em 2014, um dos prêmios de maior prestígio da publicidade mundial, e levou para casa mais de 50 Leões de Ouro no Festival de Cannes.

Sua antiga agência, a W/Brasil, alcançou tamanha popularidade que até virou música de sucesso de Jorge Ben.

Ele também modificou o entendimento do futebol. Na condição de vice-presidente de marketing do Corinthians, nos anos 1980, formalizou o Movimento Democracia Corinthiana, em que jogadores, liderados por Sócrates, Casagrande e Wladimir, decidiam assuntos internos com votação entre os atletas (por exemplo, onde ficariam na concentração e premiações de vitórias e títulos).

Eu me encontrei com ele em três oportunidades. Senti que o maior comunicador gráfico e textual do país era, em sua essência, um bom ouvinte. Apesar do estrelato e da sua importância histórica, não se apresentou vaidoso, cheio de si. Tinha todos os motivos para ser, e pretendia me escutar, queria conhecer a minha origem, entrar em minha alma.

Humilde, explicava que aprendia fazendo, que consertava o avião em pleno voo. Olivetto foi um sujeito tímido, que penetrava na identidade das pessoas pela apurada observação. Eu perguntei qual tinha sido a lembrança fundadora de sua sensibilidade.

Ele me contou que, na infância, ficou isolado durante um ano por ameaça de poliomielite. Trancado no quarto, longe da escola, sem contato com os amigos, começou a decifrar as expressões dos rostos dos familiares para entender o que estava acontecendo. A solidão permitiu que desenvolvesse o dom de ler desejos e antecipar tendências.

Uma doença que não existiu desencadeou a saúde criativa de um mestre. _

CARPINEJAR


14 de Outubro de 2024
CLÁUDIA LAITANO

Ainda aqui

Havia duas plateias na estreia de Ainda Estou Aqui no Festival de Nova York: a dos brasileiros e a do resto do mundo. Meu palpite é que cada um desses públicos assistiu a um filme diferente na última quarta-feira. Enquanto a plateia local acompanhava uma trama envolvente, com boas chances de faturar troféus em festivais e até uma indicação ao Oscar, os brasileiros assistiam ao filme nacional mais importante deste século. Nada menos.

Apostar que os aplausos mais entusiasmados em Veneza ou em Nova York vieram da plateia brasileira presente nos dois festivais não diminui em nada os méritos do filme de Walter Salles. Pelo contrário. Se os crimes cometidos contra Eunice Paiva e sua família nos comovem de forma especial é porque, para nós, o significado histórico da obra ultrapassa suas qualidades cinematográficas. E dizer isso não é dizer pouca coisa.

A história é menos conhecida do que deveria. O engenheiro Rubens Paiva (Selton Mello), ex-deputado cassado em 1964, mora em frente ao mar, no Leblon, com a mulher, Eunice (Fernanda Torres), e os cinco filhos. Não está mais envolvido com política, mas ajuda como pode os que estão exilados ou na clandestinidade por combaterem a ditadura. Sabe que corre algum risco, mas sente-se razoavelmente seguro por ser uma figura pública e por não ter qualquer tipo de conexão com a luta armada. 

No dia 20 de janeiro de 1971, seis homens invadem sua casa, e Rubens Paiva é levado para depor. A mulher e a filha de 15 anos, Eliana, também são presas. Eunice passa 12 dias na prisão sem saber por quê. O marido nunca mais volta. Anos depois, os militares que torturaram e mataram Rubens Paiva foram identificados, mas nunca responderam pelos crimes. Seu corpo nunca foi encontrado.

Esse não é o primeiro filme a expor os crimes da ditadura, mas é um dos primeiros a tocar no assunto depois dos pedidos de intervenção militar e da tentativa de golpe de 2023. O filme de Walter Salles também é um dos poucos a retratar o período não a partir da ação de quem combatia a ditadura, mas desde o ponto de vista de uma família estraçalhada pela truculência do regime militar.

Em um país que nunca soube ajustar as contas com o passado, a história está sempre correndo o risco de ser apagada - ou de se repetir. Ainda Estou Aqui é o filme brasileiro mais importante deste século porque chega aos cinemas em meio a um inacreditável surto de amnésia coletiva. O perigo ainda está aqui. 

CLÁUDIA LAITANO

14 de Outubro de 2024
JULIANA BUBLITZ

Atriz porto-alegrense na pele de Elis Regina

Gaúcha de Porto Alegre, a atriz Thainá Gallo se prepara para um baita desafio: interpretar Elis Regina em Tom Jobim Musical, com estreia dia 17 no Teatro Casa Grande, no Rio. A torcida é para que a peça venha ao RS.

- Viver Elis Regina nos palcos, naquele momento específico da carreira dela, é um presente desafiador. A gente vê uma Elis diferente ao lado de Tom. Ela precisou se equalizar à energia dele, à energia que a bossa nova pedia. Não é a Elis furacão, é a Elis no seu momento mais maduro. Nesse álbum, ela é precisa e econômica, sem perder a complexidade e exuberância, e o desafio está justamente aí - diz a atriz, que também é cantora e dubladora.

Experiência, Thainá tem de sobra. Ela autuou nos espetáculos Cássia Eller, O Musical e O Frenético Dancin? Days. Na TV, participou de novelas como Pantanal, A Força do Querer e Segundo Sol, na Globo, além de atuações em séries e filmes. _

Saúde (em) crônicaVila Betânia

A antiga Casa de Retiro Vila Betânia, da Arquidiocese de Porto Alegre, está se abrindo para o turismo religioso e para visitantes em busca de paz, simplicidade e contato com a natureza.

Construído nos anos 1950, o prédio deixou de ser restrito a padres e a seminaristas e, até o fim de 2024, deve receber uma nova operação gastronômica, inspirada no Café da Catedral, no Centro Histórico.

Natureza

O prédio fica ao lado da Gruta Nossa Senhora de Lourdes, revitalizada em 2022, e do Hospital Divina (antigo Divina Providência), no bairro Cascata. A área é rodeada de mata nativa e lembra um refúgio no Interior.

Estive lá e conversei com a gestora e curadora do espaço, Letícia Huff. Ela já havia sido convidada pela Arquidiocese para administrar o salão nobre da Catedral Metropolitana e abrir o famoso café. Deu tão certo que o local virou ponto turístico na Capital, do ladinho do Palácio Piratini.

Desde 2021, Letícia tem o desafio de tornar a Vila Betânia sustentável financeiramente, abrindo as portas ao público sem perder a essência:

- Decidimos atuar como pousada, mantendo os retiros, e passamos a receber eventos corporativos, sempre respeitando as características locais e em comunhão com a fé católica .

Sessenta apartamentos foram reformados e receberam nova mobília, inclusive camas de casal, opção antes inexistente. São acomodações simples (não se encaixam no perfil de quem busca luxo), com diárias na faixa dos R$ 100 aos R$ 200.

Gastronomia

Toda a comida é feita lá e esta é uma das apostas da curadora para os próximos meses.

- Está nascendo a ideia de criar algo no jardim, que é lindo, com mesas e cadeiras sob as árvores. A intenção é seguir o modelo do café, com ótima gastronomia e ambiente acolhedor. Meu sonho é que esse lugar se torne mais conhecido e visitado - diz a gestora. _

Com trajetória de 30 anos na medicina, o oncologista e pesquisador Stephen Stefani vai agora compartilhar sua experiência como escritor.

Na próxima sexta-feira, em comemoração ao Dia do Médico, ele lança o livro Saúde (em) Crônica, na Livraria Santos do Pontal Shopping, em Porto Alegre, às 19h30min.

A obra é uma coletânea de mais de 60 textos já publicados em veículos de imprensa, sobre temas presentes na rotina do médico da Oncoclínicas do Rio Grande do Sul. Com escrita fluente e acessível, Stefani aborda desde as emoções e angústias dos pacientes até a responsabilidade profissional de quem dedica a vida à área da saúde. _

Aquarela poética - Prevenção sempre

É hoje à noite a festa de 70 anos da Liga Feminina de Combate ao Câncer do RS, com o espetáculo Força Rosa, no Theatro São Pedro, em Porto Alegre.

Além de celebrar, é importante se cuidar. O ambulatório da Liga RS no Hospital Santa Rita, na Santa Casa da Capital, oferece exames preventivos gratuitos (de mama e colo de útero), de segunda a sexta-feira, das 7h às 12h e das 13h30min às 15h. Informações: (51) 3213-7311. _

Prestes a completar 25 anos de carreira, a artista gaúcha Lilian Maus vai dar um curso de aquarela. Será especial para iniciantes, com o famoso "bê-á-bá", como se dizia antigamente.

Chamada de A Poética das Águas, a oficina será entre 19 e 26 de outubro, em Porto Alegre. Inscrições no site eventbrite.com.br. _

Juliana Bublitz

14 de Outubro de 2024
EDITORIAL

Ainda em busca de fôlego

Apesar da rápida recuperação de alguns dos principais indicadores da economia gaúcha, a permanência da alta demanda por crédito das empresas do Estado afetadas pela enchente de maio demonstra de forma clara que, para este grupo, ainda haverá um longo caminho para o pleno reerguimento. São milhares de empreendedores, de todos os portes, que cinco meses após a tragédia climática seguem buscando financiamento de programas dos governos federal e estadual. Os dados do Painel da Reconstrução, desenvolvido pelo Grupo RBS, bem ilustram esta alta procura. Até a semana passada, o financiamento contratado chegava a R$ 17 bilhões, como mostrou reportagem publicada na edição de fim de semana de Zero Hora.

A linha mais demandada é a BNDES Emergencial. Alcança recursos para capital de giro, compra de maquinários e equipamentos ou investimentos estruturais. Foram firmadas 4,9 mil operações, que emprestaram R$ 10,6 bilhões. Levantamento semelhante, divulgado no dia 6 de setembro, apontava um montante de R$ 7,5 bilhões. Nota-se, portanto, que em um período pouco superior a um mês, o montante direcionado para as companhias atingidas nessa modalidade subiu 40% - ou R$ 3,1 bilhões. Ainda seria preciso compreender melhor se a demanda se acelerou nas últimas semanas ou, devido à lentidão dos processos de aprovação, mais contratos foram assinados agora.

Também resta nítido que a maior necessidade é fôlego financeiro imediato. Das três opções do BNDES Emergencial, a maior avidez é por recursos para capital de giro. Até gora, foram R$ 8,5 bilhões contratados. No início de setembro, o total chegava a R$ 6,15 bilhões. Trata-se de uma modalidade empregada especialmente para compromissos mais urgentes. É preocupante que, apesar de transcorridos mais de 150 dias da enchente, ainda existam empresas que estão à espera desta espécie de primeiros socorros financeiros. Esta linha é destinada desde a microempresas a grandes grupos.

Voltado apenas a micro e pequenos negócios, o chamado Pronampe Solidário liberou um volume menor de recursos, mas em uma quantidade bem maior de operações - 32 mil. São, até aqui, R$ 3,2 bilhões contratados. Ainda assim, é uma linha que permanece relevante, como explicou à reportagem Wilson Marsaro, sócio da transportadora Marsaro, de Canoas, na Região Metropolitana. Ele calcula um prejuízo de R$ 500 mil com os alagamentos. O empresário recebeu no dia 4 de outubro um crédito de R$ 150 mil, o teto da modalidade. Usou para pagar salários e outras contas atrasadas. É um caso ilustrativo do quanto perduram os transtornos para muita empresas afetadas pela cheia histórica. Alarma o fato de, cinco meses depois, ainda existirem negócios com compromissos de curto prazo pendentes.

São situações que voltam a chamar atenção para a importância de buscar reduzir a burocracia usual para atender em um prazo razoável os empreendedores castigados pela catástrofe climática. Ainda há pontos sem a devida solução que dificultam o acesso aos recursos, como a necessidade de apresentar garantias, uma impossibilidade para quem viu a água arruinar seus bens. O tempo para a ajuda chegar é decisivo para um negócio se recuperar ou sucumbir. 


14 de Outubro de 2024
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

O que é uma empresa de benefício público, formato das que desenvolvem IA, que deve ser adotado pela OpenAI?

É semelhante a uma empresa B. A diferença é de que as empresas B precisam se certificar para serem consideradas assim. A OpenAI foi criada como empresa sem fins lucrativos e agora está se constituindo como de benefício público. E está colocando nos estatutos que o benefício é para a humanidade.

O que significa exatamente?

Ninguém sabe. O que a Open- AI e outras companhias parecem querer dizer é que essa tecnologia é tão importante para o mundo que precisam de estrutura que permita fazer isso.

Qual é a vantagem?

Pode ter a ver com accountability (prestação de contas). Se for processada, pode argumentar que não existe apenas para maximizar o lucro dos acionistas, mas também para maximizar o ganho para a humanidade. Ninguém sabe o que significa. Mas a empresa consegue se defender de processos judiciais dizendo que age no interesse de todos. O fato de a OpenAI não ter fins lucrativos era muito estranho.

 Quais companhias já são de benefício público nos EUA?

Existem 15 empresas de capital aberto nessa categoria. Uma é a Avon, que é da Natura. Estranho é as startups tecnológicas de topo ocuparem esse espaço. É uma tendência. Ninguém sabe se há uma visão nefasta ou de duplo sentido. Podem ter boa intenção. Mas ainda precisamos ver.

E qual é a prestação de contas desse tipo de negócio?

Nos Estados Unidos, existe grande pressão por parte de acionistas e dos advogados dos requerentes, algo que não existe no Chile, na Argentina e no Brasil, por exemplo. Companhias com capital aberto como Tesla, Google e Microsoft costumam enfrentar muitas demandas judiciais. Quando a empresa é de benefício público, é fechada, fica menos exposta a isso.

Seria uma posição defensiva?

Estamos em um novo território. Precisamos entender qual é o objetivo. O que dizem é que a tecnologia pode mudar o mundo. E isso seria tão importante que não poderia privilegiar só acionistas. Há duas visões: uma é a intenção dos investidores de maximizar o lucro, outra é pessoas que querem segurança. Por isso, outras empresas de inteligência artificial, como a Anthropic, também são de benefício público. Isso permite prestar menos contas a investidores.

Não agrega falta de transparência a um tema já opaco?

Sam Altman (fundador da OpenAI) foi demitido (recontratado por pressão de investidores como a Microsoft) por falta de transparência. A OpenAI diz que está criando um fundo de benefícios a longo prazo, que vai nomear um conselho para privilegiar a humanidade. Não sabemos se é verdade. Temos de cuidar para não maximizar o interesse de poucos. Talvez não seja uma má estrutura, mas na OpenAI, não funciona.

Adianta regular?

Para privilegiar a segurança, é preciso ter regras globais. Mas é difícil de concretizar. Há uma corrida entre EUA e China em que a Europa pesa pouco. A Califórnia tentou, mas não conseguiu, houve lobby das big techs. Elon Musk sempre falou sobre regulação, por acreditar que a inteligência artificial é perigosa. Agora, ele tem a xAI. Tudo é muito geopolítico, porque, se o que dizem for verdade, se a IA pode mudar tudo, quem vencer será mais poderoso do que todos os demais. É por isso que a governança é tão importante. É perigoso que Sam Altman tome decisões para o resto do mundo.

Sam Altman assinou manifesto por regulação, não?

Sim, mas, ao assinar, a empresa se consolida e consegue matar outras que vêm atrás. Quem pode ser regulado tem recursos para seguir regras muito onerosas para outros. Sam Altman é provavelmente o mais astuto captador de recursos. Mostrou que tem a capacidade de sobreviver e fazer US$ 157 bilhões. Mas tem muitos esqueletos no guarda-roupa, não só com a OpenAI. Se o conselho decidiu tirá-lo, por algo foi.

Mesmo assim, quase todas as empresas apostam em inteligência artificial. É um risco?

É parecido com outras ondas de tecnologia. As diferenças são essa nova estrutura, de empresa de benefício público, e a valorização. Há 10 anos, era impossível um hectocorn (startup com valor acima de US$ 100 bilhões). E também que isso tudo ocorresse fora do mercado aberto. Não sabemos o que empresas multibilionárias com presença em todo o mundo fazem. _

Respostas capitais - Evan Epstein

Diretor-executivo e professor adjunto do Hastings College of the Law da Universidade da Califórnia, com 15 anos de experiência no Vale do Silício

"Se a IA pode mudar tudo, quem vencer será mais poderoso do que todos os demais"

Evan Epstein dirigiu um centro de governança corporativa ligado à Stanford Law School e, em 2017, fundou a consultoria Pacifica Global. Mesmo com esse currículo, não vacila em usar a expressão "ninguém sabe" sobre gestão das empresas de inteligência artificial. Nesta entrevista, explica os motivos.

GPS DA ECONOMIA

14 de Outubro de 2024
EM FOCO

Democratização, evasão e disfunção

Na análise de Artur Jacobus, vice-reitor da Unisinos, o aumento de alunos em cursos de EAD pode ser visto de forma negativa. Apesar de o modelo ser uma forma de democratizar o acesso ao Ensino Superior, ele aponta que existe alto índice de evasão entre os estudantes e que o desempenho em avaliações, como o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), é inferior ao de alunos de cursos presenciais.

- É preciso entender, valorizar a possibilidade de que mais pessoas possam cursar o Ensino Superior, e a modalidade a distância permite isso, é positivo, mas, na nossa visão, tem uma certa disfunção. O EAD deveria ter papel complementar, não deveria ser a principal forma de ingresso no Ensino Superior no Brasil ou em qualquer outro país - aponta Jacobus.

O Conselho Consultivo para o Aperfeiçoamento dos Processos de Regulação e Supervisão da Educação Superior (CC-Pares) avalia a qualidade do Ensino Superior e a possibilidade de nova regulamentação que exija maior qualidade do EAD. _

Percentual de alunos matriculados em educação a distância no RS chega a 58,35%, o segundo maior entre as unidades da federação. Especialista aponta correlação entre redução de oferta de financiamento e diminuição do modo presencial

Presença de universitários em cursos EAD cresce no Estado

Os dados anuais do Censo do Ensino Superior, realizado pelo Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), mostram que o RS é o Estado em que essa parcela de estudantes mais cresceu nos últimos 10 anos. De 2014 para 2023, foi registrado aumento de 39,6 pontos percentuais entre os universitários gaúchos que estudam de forma remota.

Segundo os dados apresentados, dos 9,9 milhões de estudantes no Ensino Superior, no ano passado, o Brasil registrou 49,25% (4,9 milhões) de alunos na modalidade a distância e 50,75% (5,06 milhões) no modelo presencial. A diferença entre as duas formas em 2023 era de apenas 150.220 matrículas.

O número de alunos presenciais foi superado em 2022 no RS, quando 55% (316.462) das matrículas universitárias eram em cursos EAD. Porém, o histórico mostra que a presença de universitários em cursos a distância já vinha de uma crescente desde 2016.

- Houve aceleração ainda maior a partir de 2017, quando foi bastante desregulamentada a EAD no Brasil, com menor exigência em relação aos polos. E existe uma correlação, que já foi verificada: o fato de não haver formas de financiamento ao ensino presencial faz com que os alunos busquem o ensino a distância - explica Artur Jacobus, vice-reitor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e representante do Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung).

Em 2015, houve mudanças nas regras do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), o que teve reflexos no número de universitários matriculados em cursos de EAD. Para Jacobus, os dados mostram clara correlação entre a diminuição da oferta do Fies e o aumento de alunos em curso de EAD:

- Claramente, tem correlação entre queda, ou diminuição, ou, praticamente, suspensão da oferta de financiamento estudantil público e o crescimento da educação a distância. Porque é uma alternativa. O aluno que não tem quantidade de recursos suficiente para pagar educação presencial, que é mais cara, acaba optando pelo ensino a distância.

O maior crescimento, em comparação com os outros Estados, de universitários em cursos de EAD no RS também tem relação com o perfil da população.

Flexibilidade

A presidente do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp), Lúcia Teixeira, relaciona o aumento ao ciclo da educação básica.

- O que a gente vê em relação aos Estados e no Rio Grande do Sul, é que o número de concluintes do Ensino Médio continua caindo, ou seja, de jovens. Os jovens são aqueles que mais estão nos cursos presenciais, enquanto nos cursos a distância, a gente tem prevalência daqueles que têm mais de 30 anos. Então, como menos jovens se formam no Ensino Médio ou precisam trabalhar por causa da situação econômica, só depois eles vão estudar. E aí, muitas vezes, procuram o EAD, que é mais barato e tem flexibilidade de horários, podem estudar de qualquer lugar. 

Beatriz Coan