terça-feira, 24 de dezembro de 2024


24 de Dezembro de 2024
PERSONAGEM DAS FESTAS - Fábio Schaffner

PERSONAGEM DAS FESTAS

Ser Noel - Uma profissão marcada por bondade e sorrisos

Personagem das festas

Zero Hora acompanhou a rotina de quem passa o dia fantasiado em um shopping da Capital. É o caso de José Vicente Pokorski, 67 anos, que há mais de duas décadas se transforma no Bom Velhinho. Todo final de ano ele se dedica a ouvir pedidos de crianças e adultos, além de receber muitos abraços.

Agora com 67 anos e 116 quilos, Vicente não precisa mais tingir a barba nem engordar artificialmente. Aposentado, tem uma rotina tranquila de janeiro a setembro. O ritmo muda com a chegada da primavera e o lançamento das primeiras campanhas de Natal das empresas. É quando tira a roupa vermelha do armário, transforma o carro num trenó imaginário e passa os dias recebendo abraços e pedidos de crianças e adultos.

Bengala e sineta

Pelo sexto ano consecutivo, Vicente é o Papai Noel do Shopping Praia de Belas. Todos os dias, ele chega por volta das 9h e se dirige ao terceiro andar. Numa loja desativada, troca a calça jeans pela pantalona rubra, a camisa pelo casaco de cinto largo, cobre a cabeça com a touca de pompom na ponta e finaliza o figurino com a bengala numa mão e a sineta na outra. Sentado numa poltrona espaçosa, pisca o olho, abana a mão e abre um sorriso largo.

- É muito emocionante ser Papai Noel. Há uns dois anos, uma senhora sentou ao meu lado, me abraçou e disse que sabia que eu não era milagreiro, mas queria de Natal a cura da mãe, doente de câncer. Um ano depois, ela voltou para me agradecer, dizendo que a mãe tinha melhorado - conta.

Em média, ele recebe de 200 a 300 cartinhas diariamente, mas já teve ocasião em que atendeu 1.740 pessoas em oito horas de expediente. As meninas pedem bonecas. Os guris, Lego. Mas, esse ano, o presente mais pedido tem sido o iPhone 16 Pro Max, cujo preço salgado Vicente trata de salientar, num gesto de solidariedade muito bem recebido pelos pais. Vicente não esquece o dia em que entregou uma bola de futebol num evento escolar e o menino esperou até o fim da festa para tentar trocar a bola por um cachorro-quente, pois não tinha comida em casa.

Agenda intensa

Essa semana, uma criança chorou porque não tinha se comportado direito. Eu disse que a perdoava e ela voltou a sorrir. Muitas vezes esse medo de Papai Noel é culpa dos pais, que dizem que eu não vou dar presente.

Ana Julia Lemes, sete anos, não tem essa preocupação. Após passear pelo shopping com o pai, o motorista Júlio César Lemes, pediu para ir conversar com Papai Noel. De mão dada com Vicente, contou ter passado de ano no colégio e ter sido uma boa filha em 2024. De Natal, pediu uma boneca da franquia Divertida Mente e um fone de ouvido.

- Ele me perguntou se eu me comportei bem, e eu disse que sim - salientou Ana Julia.

O profissionalismo de Vicente é tamanho que a própria neta, Isabela, seis anos, não reconhece o avô por detrás da fantasia. Até 25 de dezembro, Vicente tem apenas uma noite livre. Na noite de Natal, tem 12 visitas contratadas.

- Vou parar lá pelas duas da madrugada. A família reclama. Eles têm um Papai Noel em casa, só que ele nunca está em casa - resigna-se. 


24 de Dezembro de 2024
OPINIÃO RBS

OPINIÃO RBS

Os brasileiros chegam a mais um Natal sem sinais de superação da polarização extremada que, ao longo dos últimos anos, produziu uma profunda cisão social. Não se trata de uma fratura protagonizada apenas por partidos e lideranças políticas, mas uma divisão que fez o mal de degradar a convivência civilizada entre os concidadãos. Pior, contaminou relações familiares e afetou círculos de amizade, levando a rompimento de laços ou distanciamentos pela dificuldade crescente em respeitar e conviver com opiniões divergentes.

Mas o Natal, como data de reflexão e confraternização, é sempre uma época que oportuniza repensar comportamentos e estender a mão, como gesto de acolhimento. A emotividade própria do período, o balanço do ano que chega ao fim e os desejos para o que se avizinha podem ser a brecha sentimental para tentar passar por cima de ressentimentos e exercitar a tolerância.

A polarização política e ideológica só serve a ela mesma, porque se retroalimenta e desincentiva a ponderação. Há quem tire proveito eleitoral e financeiro do aumento da largura do abismo que separa os brasileiros. Não é o caso de quem está na base da sociedade e, aferrado a convicções, mais perde do que ganha. Idealmente, o aceno sincero à pacificação, com atitudes, e não apenas palavras oportunistas, deveria partir dos principais representantes das correntes que se opõem. Mas é ilusão contar que esse passo seja dado por quem se beneficia da fissura.

Não interessa, neste instante, elucubrar sobre qual lado tem razão ou lembrar os mecanismos que acentuaram a desagregação. Importa, neste momento, refletir se a luz no fim do túnel para atravessar essa quadra soturna da trajetória nacional não estaria nas mãos dos cidadãos comuns, nas suas relações cotidianas, com o resgate do respeito às diferentes visões de mundo, o exercício de ouvir o outro e a prática da transigência mútua. Transformações sociais são mais poderosas quando acontecem de baixo para cima.

Há um episódio na História que pode servir de inspiração por mostrar que pessoas ocasionalmente envolvidas em disputas cruentas são, no fundo, também fraternas. Cento e dez anos atrás, na noite de 24 de dezembro de 1914, cinco meses após o início da Primeira Guerra Mundial, soldados britânicos, franceses e alemães decidiram informalmente estabelecer um cessar-fogo. No território entre as trincheiras, nas proximidades da cidade belga de Ypres, celebraram juntos por algumas horas o Natal, tradição cristã que os unia. Compartilharam comida e bebidas. Conversaram sobre suas famílias. Os relatos são de que pequenos gestos, de parte a parte, contribuíram para baixarem as armas.

É bem possível que, nesta noite de terça-feira, em muitos lares que receberão confraternizações natalinas, reuniões tenham ausências de pessoas queridas e bastante próximas há não muito tempo. Ou então que a lista de felicitações tenha ficado menor nos últimos anos. Pelo resultado de distanciamentos ocasionados por algum estranhamento ou para evitar qualquer mal-estar. Mas ainda há tempo para o espírito natalino encorajar uma mensagem, um telefonema, um convite que comece a selar uma reconciliação que, multiplicada, também pode ajudar o Brasil a superar os seus impasses. 


Só pobres pagarão a conta do ajuste fiscal

Então é Natal. O Congresso entrou em recesso e a votação apressada do pacote de corte de gastos ficou para trás. Na volta das festas, não se falará das modificações que emagreceram o pacote, mas da necessidade de novos ajustes em 2025 para conter a disparada do dólar. Antes que o ano termine é preciso dizer sem meias palavras: o Congresso manteve os privilégios das carreiras jurídicas, onde se concentram os supersalários, e deixou a conta exclusivamente para os pobres.

O Ministério da Fazenda calcula que o impacto das mudanças feitas pelo Congresso no pacote de corte de gastos foi de R$ 2,1 bilhões. O governo previa economizar R$ 71,9 bilhões nos próximos dois anos, mas, segundo a Fazenda, as alterações na Câmara e no Senado reduziram a economia para R$ 69,8 bilhões.

No trecho da proposta de emenda à Constituição que pretendia colocar freios nos supersalários, o Congresso aceitou a inclusão das verbas indenizatórias no teto salarial, que, em 2025, será de R$ 46,3 mil, mas falta definir quais serão as exceções. Nada muda até que deputados e senadores votem um projeto de lei que indique quais ganhos devem compor o teto e que terá validade em todo o território nacional. O governo previa que fossem definidas por lei complementar, mais difícil de ser aprovada, mas o Congresso estabeleceu que será por lei ordinária.

Na prática, isso significa que deputados e senadores constitucionalizaram os privilégios e que seguiremos vendo magistrados, membros do Ministério Público e dos Tribunais de Contas com aqueles contracheques que ninguém sabe como engordaram tanto, dado que nos portais de transparência aparecem apenas como "verbas indenizatórias".

Deputados e senadores não foram generosos só com quem ganha acima do teto nos outros poderes, incluindo os ministros que participam do conselho de estatais e reforçam a renda com jetons. Rejeitaram a proposta de Haddad de barrar as emendas parlamentares quando houver perda de receita. É o velho "farinha pouca, meu pirão primeiro".

De onde sairão os quase R$ 69 bilhões, então? Da mudança na fórmula de cálculo do salário mínimo, que tem impacto direto nos benefícios previdenciários, e das restrições à concessão do Benefício de Prestação Continuada, o BPC. _

Melo anuncia secretária do Desenvolvimento e mais quatro

Pelas redes sociais, o prefeito Sebastião Melo anunciou na tarde desta segunda-feira mais cinco nomes que irão compor o seu secretariado no próximo mandato.

A principal novidade é a indicação da empresária Rosani Alves Pereira como secretária do Desenvolvimento Econômico. A pasta vinha sendo disputada pelos partidos aliados, mas coube ao PL a indicação. Rosani foi convidada pelo deputado federal Luciano Zucco, presidente municipal do PL. A veterinária Lisandra Ferreira Dornelles será gestora do Gabinete da Causa Animal.

Como a coluna havia adiantado, Melo confirmou o Professor Tovi (Julio Cesar de Souza Gonçalves), primeiro suplente do Republicanos na Câmara, como secretário de Esporte e Lazer, e o vereador eleito Vitorino Basegio (MDB) como secretário de Serviços Urbanos. Ele foi adjunto na pasta e se elegeu junto com o titular Marcos Felipi Garcia. Com isso, o vereador Idenir Cecchim, que é o primeiro suplente, assume a cadeira na Câmara, devendo ser confirmado como líder do governo.

Também como a coluna antecipou, Germano Bremm seguirá na Secretaria do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade. Após a enchente, Melo nomeou Bremm como responsável pelo Escritório da Reconstrução e está satisfeito com o trabalho dele.

"Estamos construindo um time forte e comprometido com os valores do governo para seguir a reconstrução e garantir efetividade nas entregas e melhorias na nossa cidade", escreveu o prefeito.

Até agora, Melo anunciou 10 integrantes do primeiro escalão e informou que Cezar Schirmer seguirá no governo, em pasta ainda indefinida. _

Aliás

Como o resultado da votação do pacote está aquém do que o mercado desejava, o dólar seguiu a trajetória da alta na segunda-feira. No Congresso, não há votações previstas para os primeiros dias do ano.

Caberá ao presidente

Lula e ao ministro Fernando Haddad acalmarem os investidores, menos por ações e mais por palavras. O mercado tentará fazer com que Lula desista da isenção de Imposto Renda até cinco salários mínimos.

Frederico seguirá líder do governo Leite

Líder do governo Eduardo Leite desde 2019, o deputado Frederico Antunes (PP) seguirá no cargo em 2025, seguindo a máxima de que "em time que está ganhando não se mexe". Leite conta com a experiência do deputado para negociar a votação de projetos complexos. Sobre ele, pode-se dizer, como no poema La vuelta de Martín Fierro, de José Harnández (1879), que "el diablo sabe por diablo pero más sabe por viejo".

Não que Frederico seja velho. Tem 56 anos, mas está no sétimo mandato de deputado estadual. Domina o regimento e conhece a fundo as ideias e os projetos políticos de cada deputado, seja aliado ou de oposição.

À frente da liderança do governo, terminou 2024 mantendo a taxa de 100% de aprovação. Entre as principais pautas aprovadas neste ano, estão o Plano Rio Grande, o Funrigs e a reestruturação de carreiras. _

Bate e rebate

A relação entre o governador Eduardo Leite e o ministro da Comunicação (ex-Reconstrução), Paulo Pimenta, azedou de vez neste final de 2024.

Depois de Pimenta reclamar das críticas de Leite ao governo federal, a assessoria do governador relatou à coluna que o ministro "não ouviu os agradecimentos de Leite porque passou todo o discurso dele na inauguração da ponte, sábado, conversando com o Maneco". O assessor se refere a ao secretário da Reconstrução, Maneco Hassen. _

Na raiz

O que está por trás da disputa entre Pimenta e Leite é a eleição de 2026. O governador não esconde seu desejo de ser candidato a presidente para "quebrar a polarização entre o PT e o bolsonarismo".

Esse discurso incomoda os petistas, porque eles gostariam que Leite se engajasse numa frente ampla, liderada por Lula, para combater a extrema-direita. Há até quem cogite uma chapa encabeçada por Lula com Leite concorrendo a vice, o que hoje não passa pela cabeça do governador. _

POLÍTICA E PODER 


24 de Dezembro de 2024
EM FOCO

Retomada do Natal Luz e ocupação próxima a 95%

IGP aplica protocolo internacional de atendimento de desastres com grande número de mortos. É iniciada coleta e testes de DNA e comparação de impressões digitais e de arcadas dentárias. Área afetada pelo acidente é considerada estabilizada

Em meio à comoção com o acidente aéreo em Gramado, a cidade que tem o turismo como base econômica tenta seguir o fluxo e atender a quem visita a região. O presidente do Gramado e Canela Convention & Visitors Bureau, Felipe Fioreze, conta que recebeu muitas mensagens de turistas preocupados e com dúvidas sobre a localização e a dimensão do acidente.

- Foram pessoas que não entenderam muito bem o que aconteceu, acharam que era com mais de um hotel. Nosso trabalho tem sido informar as pessoas para que venham tranquilas - disse.

Na segunda-feira, a equipe do Convention passou por hotéis de Gramado para ação já programada: oferecer aos hóspedes a possibilidade de envio de cartões-postais a familiares que não puderam viajar e ficaram em casa.

- A gente vê as pessoas emocionadas com o Natal, que é um período muito especial, e ainda mais emocionadas com toda essa situação. Sentimos que estão impactadas - acrescenta.

Conforme o presidente do Sindicato da Hotelaria, Restaurantes, Bares, Parques, Museus e Similares da Região das Hortênsias, Claudio Souza, não há registros de cancelamentos na rede hoteleira de Gramado e a ocupação para essa semana e para a próxima é de 95%.

Apresentações gratuitas

Também foi decidida a retomada do Natal Luz, disse Souza segunda de manhã. A programação de domingo foi cancelada devido à queda do avião.

- O conselho da Gramadotur decidiu que retorna hoje (segunda) toda a programação - afirmou, referindo-se à autarquia municipal do turismo, ligada à prefeitura.

Serão retomadas tanto as apresentações gratuitas na Rua Coberta e na Vila de Natal quanto o Grande Desfile de Natal.

- O gaúcho e o catarinense continuaram vindo, o que nos surpreendeu, somando-se à retomada do turista de fora, que veio com a reabertura do aeroporto de Porto Alegre - relatou Souza, contando que está mantido projeto para aumentar o turismo no verão. _

Fim das buscas e começo das perícias

Decolagem e queda

Familiares dos 10 mortos, que moram em São Paulo, estão sendo contatados para coleta e testes de DNA. Fichas papiloscópicas (que contêm impressões digitais) e registros odontológicos estão sendo reunidos para envio ao Estado. Os procedimentos estão sendo coordenados pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP) do RS com apoio do mesmo órgão de São Paulo e da Polícia Civil.

Segundo o capitão Pedro Henrique Sanhudo, do Corpo de Bombeiros, a área afetada pelo acidente foi estabilizada e será isolada. Além da retirada dos destroços, o capitão explicou que todas as provas para a investigação dos órgãos de segurança, como peças da aeronave, foram recolhidas. A pousada atingida pelo avião também será reavaliada.

- O isolamento ainda ocorre em virtude deste risco que aconteceu em razão da queda, da colisão da aeronave com a estrutura e posteriormente a sua explosão, visto que temos aí uma onda que penetrou e alcançou estabelecimentos num raio da região - explicou.

Já o trabalho do IGP gaúcho está sendo feito por equipe especializada em atendimento de desastres em massa.

O grupo segue um protocolo internacional criado pela Interpol, que é o Disaster Victims Identification (DVI). Em razão da complexidade do trabalho que será feito para individualizar as vítimas, os fragmentos estão sendo reunidos no Departamento Médico Legal (DML) de Porto Alegre.

O perito criminal Lucas Toniolo, que é do Departamento de Perícias do Interior do IGP e está coordenando os trabalhos em Gramado, explicou que, pelas condições dos corpos, o trabalho de identificação terá de ser feito por meio de comparação de DNA. Ainda, nos casos em que houver possibilidade, pode ser realizada a identificação por papiloscopia, ou seja, por impressão digital, e também por meio de análise de dados odontológicos das vítimas, como registros das arcadas dentárias. O tipo de estudo a ser feito depende das condições dos fragmentos que estão sendo encontrados.

Comparações de fragmentos

Toniolo também explicou, durante entrevista coletiva de autoridades em Gramado, que os resultados não devem ser rápidos em razão de existirem muitas amostras de material genético e grande número de vítimas. Com isso, é preciso fazer comparações a partir de cada fragmento encontrado.

Primeiro, todo material recolhido no local do acidente é comparado entre si, para que as amostras de cada pessoa sejam reunidas. Depois, a comparação é feita com os materiais disponíveis que possam levar à identificação da vítima: informações dela própria ou obtida a partir de familiares.

- Um dos objetivos deste trabalho é o de dar aos familiares a possibilidade de prestar o luto aos seus parentes - destacou Toniolo.

Além das perícias necessárias para a identificação das vítimas, o IGP faz a perícia de local, ou seja, peritos criminais atuam no levantamento de vestígios no espaço da queda para determinar circunstâncias do que ocorreu. Esse laudo de local integrará a investigação da Polícia Civil sobre como se deu o acidente. _

Participaram da reportagem Adriana Irion, Bruno Tomé, Giane Guerra, Humberto Trezzi, Jocimar Farina, Juliana Bevilaqua, Karine Dalla Valle e Mathias Boni

"Pessoa na minha frente pegou fogo"

Situação das internadas

"Veio uma chama, muito fogo, atingindo várias pessoas." É assim que o turista Marco Aurélio Mendonça, 38 anos, recorda do momento imediatamente posterior à colisão do avião contra a pousada onde estava hospedado. Ele, a esposa, Laura Cassiano Mendonça, 35, e o filho Ícaro Mendonça, oito, estavam no restaurante do estabelecimento, tomando café da manhã, na hora do acidente.

Fazia apenas três minutos que a família tinha chegado para o café da manhã. O casal e o filho, de Juiz de Fora (MG), estão desde o dia 20 de dezembro realizando o sonho de conhecer Gramado na época de Natal. Eles vieram de carro, por cerca de 1,7 mil quilômetros.

- Escutamos aquele estrondo. Parecia um relâmpago caindo dentro do local que estávamos. Veio uma chama, muito fogo, atingindo várias pessoas. O teto desceu, foi abaixo, atingindo várias pessoas e a gente. Minha esposa caiu, um pedaço do teto atingiu a cabeça dela - recorda.

O turista teve ferimento no pé e a esposa, na cabeça. Os dois estão bem. Antes de pegarem o filho e saírem pelas escadas, tentaram ajudar outros hóspedes. Uma mulher que sofreu queimaduras foi levada até o posto de combustíveis ao lado da pousada para os primeiros socorros. Já na escada, onde viram a vítima, tentaram apagar o fogo com as roupas do corpo.

- Acho que fomos os últimos a descer. Já estávamos no pé da escada e conseguimos segurar forte ele (o filho). Descemos e já estava tudo quebrado nos corredores. Fomos correndo. E tinha uma pessoa na minha frente pegando muito fogo, é a pessoa que teve mais queimaduras. Mas a cozinha pegou fogo totalmente. Na hora em que desci as escadas de frente com a cozinha, ela estava toda em chamas. Nós já fomos tirando a roupa, tentando apagar ela - relata Laura.

O casal avalia que, se estivesse no quarto do hotel, não teria sobrevivido. Eles estavam no segundo andar, de frente para a loja de móveis que foi destruída. Só no hospital descobriram que tratava-se de um avião. Até então, achavam que era por causa de gás encanado.

- Creio que a mão de Deus estava ali naquele local, naquele momento, para a gente realmente ter saído apenas com um cortezinho na cabeça e não morrer - agradeceu Laura.

Após o susto, o casal foi realocado em outro hotel. _

No Hospital Cristo Redentor está uma paciente de 51 anos. Segundo os médicos, teve cerca de 30% do corpo queimado, principalmente na parte superior. Seu estado de saúde é grave, mas considerado, no momento, estável.

A estimativa é de que fique pelo menos 30 dias na unidade de terapia intensiva (UTI), e então continue recebendo cuidados na enfermaria, em leito de internação para queimados.

A outra ferida, de 56 anos, tem cerca de 43% da superfície corporal queimada, segundo o coordenador de enfermagem da UTI do HPS, Tiago Fontana.

No momento, está estável, respirando sem a ajuda de aparelhos, mas ainda em cuidados críticos. Teve queimaduras nas pernas, nos braços, nas costas e no dorso.

Ela pode ficar internada na UTI por um período entre 30 e 40 dias.


23 de Dezembro de 2024
CLÁUDIA LAITANO

Marcello nostro

Se você é descendente de italianos como eu, talvez já tenha vivido a experiência de topar com atores tão parecidos com seus tios e primos que eles desapareceriam com facilidade, camuflados, em qualquer festa de Natal da família. Marcello Mastroianni, por exemplo, tinha todo o jeitão do meu pai. Admito que é uma semelhança sutil, que talvez só eu tenha notado, mas estava lá. Não no Mastroianni galã, de A Doce Vida (1960) ou Oito e Meio (1963), mas naquele dos últimos anos, em filmes como Olhos Negros (1987), Splendor (1989), Afirma Pereira (1995) ou no póstumo Viagem ao Princípio do Mundo (1997).

Aos meus olhos, Mastroianni encarnava uma espécie de paternidade terna e acolhedora muito parecida com o modelo que eu tinha em casa. (Era meu pai que eu projetava no ator ou o contrário?) "Ele inspira confiança, atrai a amizade, seduz sem alarido, agrada as mulheres sem irritar os homens. É comedido em tudo. É indeciso e, no entanto, decidido, voluntarioso, porém, indolente. Autoirônico, raramente ele escapa a este equilíbrio que chamamos de tranquilidade", definiu o crítico Barthélemy Amengual - referindo-se ao ator, não ao meu pai, mas quase tudo vale para os dois.

Ao longo deste ano, cinemas e plataformas de streaming do mundo inteiro celebraram o centenário do nascimento de Marcello Mastroianni (1924-1996). Tive a chance de rever muitos filmes que eu havia assistido anos atrás e descobri outros tantos que não conhecia. Um Dia Muito Especial (1977), obra-prima de Ettore Scola, continua melhorando a cada ano que passa, mas que boas surpresas foram Dois Destinos (1962), de Valerio Zurlini, Henrique IV (1984), de Marco Bellochio, e O Apicultor (1986), de Theo Angelopoulos.

De todas as homenagens que Mastroianni recebeu em 2024, a mais surpreendente veio da filha mais nova do ator. No filme Marcello Mio, ainda por estrear em Porto Alegre, Chiara Mastroianni brinca com a perturbadora semelhança física com o pai, assumindo por alguns dias sua personalidade e o figurino usado em Oito e Meio. Nessa história tão original quanto estranha, as lembranças dela, como filha, acabam misturando-se às nossas, como espectadores (e, no meu caso, também como filha imaginária). Marcello Mio troca a suposta perfeição das imagens recriadas com a ajuda da inteligência artificial pela falível e insubstituível memória dos afetos - essa que muitos de nós, querendo ou não, mantemos em permanente modo ON nesta época do ano. 

CLÁUDIA LAITANO

23 de Dezembro de 2024
OPINIÃO - Gabriel Wainer  -Apresentador -do @RivoNews

Explicando para nos confundir

Um movimento muito impressionante tomou conta de parte da imprensa brasileira na semana passada. Na terça-feira, jornalistas começaram a ventilar uma explicação decretória sobre a razão pela qual o dólar estava subindo vertiginosamente: um perfil no X (antigo Twitter) com apenas 3,5 mil seguidores havia publicado uma mentira. A mentira, no caso, era uma previsão do novo presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, sobre a cotação do dólar e que ele apoiava a criação de uma nova moeda do Brics. A postagem teria sido replicada por perfis que têm alcances razoáveis nas redes, mas que não são levados a sério por ninguém.

O furo de reportagem teria sido enviado à primeira jornalista que veiculou a explicação estapafúrdia por integrantes do próprio BC. Segundo ela, eles estavam apavorados com os efeitos da potencial propagação da mentira sobre Galípolo. Mesmo que isso seja verdade, o nosso papel como jornalistas não é permitir a instrumentalização do nosso trabalho. Não devemos servir de assessoria de imprensa de instituições públicas. Muito pelo contrário, nosso papel é cobrá-las.

Mas a história é ainda pior, porque qualquer analista econômico sério sabe que o dólar não atingiu sua maior cotação nominal por "fake news". A frivolidade da crença nesta teoria por quem nos informa é preocupante. A colunista Marta Sfredo, de Zero Hora, sintetizou: no dia da divulgação da mentira, o dólar subiu 0,02%. No dia seguinte, sem mentira, subiu 2,8%. Como diria a música de Tom Zé, tem muita gente que explica para confundir e confunde para esclarecer.

O dólar está onde está por fatores que vão desde o descompromisso do presidente Lula com o ajuste fiscal até a desidratação, pelo Congresso, do pacote fiscal já originalmente pueril apresentado pelo ministro Fernando Haddad. Portanto, a "denúncia", claro, foi música para os ouvidos do governo.

Afinal de contas, outro dia mesmo Lula disse que "a única coisa errada nesse país é a taxa de juros". Para alguém que acredita nesse discurso delirante, o dólar atingir sua máxima nominal histórica por causa do X é até factível. _

Posto, logo existo - Daniel Randon - Presidente da Randoncorp e do Conselho Superior do Transforma RS

A famosa frase "Penso, logo existo", de René Descartes, dita para expressar a ideia do filósofo de que a capacidade de pensar é a prova da existência dos seres humanos, bem pode ser substituída por "Posto, logo existo". O paralelo me parece muito perigoso para a formação e a educação das gerações atuais que se distanciam da vida real, aquela do encontro com familiares e amigos, para viver no que entendem ser o mundo ideal retratado nas postagens e nas curtidas.

É temeroso o futuro daqueles que substituíram o bate-papo, o olho no olho e o convívio familiar em torno da mesa das refeições pelas curtas e abreviadas mensagens em português sofrível trocadas até mesmo entre irmãos e pais, inclusive sob o mesmo teto.

Até os ruidosos recreios nas escolas ficaram silenciosos, segundo relato de professores e diretores. Ansiosos, os alunos atualizam suas redes sociais no intervalo, sem interação social com os colegas. Isolados, abrem espaço para depressão, ansiedade e outros distúrbios mentais, lotando os consultórios psicológicos e psiquiátricos. Se os países desenvolvidos e as boas escolas particulares já adotaram a prática, a tendência é de que ela vire uma regra geral com apoio de grande parte da sociedade. O caminho legal, que pode determinar um regramento necessário para equilibrar o uso pedagógico e evitar distrações em sala de aula preservando o aprendizado, também traz outros impactos.

Dependendo da restrição, a decisão poderá afastar ainda mais a busca pela transformação e por metodologias aplicadas nas escolas que promovam o desenvolvimento e até o empreendedorismo. A desigualdade digital ampliará as diferenças sociais já existentes.

Pais, educadores e legisladores estão diante do desafio de preparar os jovens para serem usuários responsáveis e críticos das tecnologias e, assim, reconectá-los formando cidadãos digitais saudáveis.

Disciplina no uso do celular é importante, mas o foco deveria ser na adaptação das práticas educacionais às novas realidades tecnológicas, enfatizando a necessidade de formação contínua para educadores e a criação de ambientes de aprendizagem mais dinâmicos e interativos. _

Direto da Redação - Kelly Matos - kelly.matos@rdgaucha.com.br

Vergonha

Era o ano de 2020, aquele em que o mundo parou conta da pandemia de covid-19, quando a polícia foi acionada para atuar em um caso clássico de importunação sexual. Um homem, de aproximadamente 70 anos, havia sido flagrado filmando por baixo das saias de mulheres em um supermercado. Repugnante, mas não surpreendente. O indivíduo foi preso e acabou liberado após pagar uma multa ínfima, em torno de R$ 600.

As autoridades, contudo, prosseguiram a investigação. Nos dias que se seguiram, uma surpresa perturbadora. Os policiais apreenderam os computadores desse homem. Neles, havia cerca de 4 mil fotos e vídeos de uma mulher inconsciente sendo estuprada por ele e por dezenas de outros homens, em uma casa. A vítima era dopada com remédios.

Quem era essa mulher? A esposa e mãe dos três filhos dele.

O caso chocou o mundo e teve um desfecho judicial nessa quinta-feira, faltando uma semana para o Natal. O marido confessou à Justiça que recrutava desconhecidos para estuprar a mulher, deixando claro a eles que ela não estava consciente e que eles não deveriam tentar acordá-la.

A vítima chama-se Gisèle Pelicot. A despeito da dor, num gesto extremamente corajoso, decidiu abrir mão do anonimato no processo - proteção assegurada a quem sofre este tipo de violência - para que sua história pudesse dar força a outras mulheres violentadas.

Em uma frase que entra para a história, ela encorajou vítimas a não se sentirem constrangidas e decretou: a vergonha precisa mudar de lado. "Eu queria que todas as mulheres vítimas de estupro afirmassem: se a senhora Pelicot fez isso, nós podemos fazer."

Além do marido de Gisèle, outros 50 homens foram condenados no episódio. Eram pais, maridos e avôs dedicados, segundo suas famílias. Entre eles, um jornalista, um bombeiro e um técnico esportivo aposentado. Todos filmados abusando de uma mulher inconsciente.

O caso de Gisèle se apresenta como um marco mundial para a luta contra abusos e violações sexuais contra as mulheres. É necessária uma reflexão urgente pela sociedade quanto à banalização do estupro já que, como observou a própria vítima, nenhum dos homens considerou errado ter relações sexuais com alguém desacordado, ninguém procurou a polícia para denunciar a barbárie.

Por fim, há de se destacar a força extraordinária dessa mulher que teve a coragem de romper o silêncio, buscar justiça e, como se fosse pouco, ainda se dispôs a encorajar todas as demais a não se calar. 

OPINIÃO

Galeazzi era sócio de indústria do norte gaúcho

Vítima da queda do avião que pilotava em Gramado, Luiz Cláudio Salgueiro Galeazzi, 61 anos, era sócio da Credeal, tradicional fabricante de cadernos de Serafina Corrêa, município do norte do Rio Grande do Sul.

Tinha como parceiro na sociedade o empresário gaúcho Edilson Deitos, que conversou com a coluna ainda consternado com o acidente.

- Não temos nem para quem mandar condolências - desabafou, referindo-se ao fato de nove familiares também terem morrido.

Juntos, os dois empresários arremataram a companhia há cinco anos no leilão da recuperação judicial. Desde então, reestruturavam o negócio, o que é o ramo mais forte de atuação da consultoria de Galeazzi, fundada pelo pai, Claudio Galeazzi.

- Ele pegou o ritmo do pai e tinha visão e uma bagagem de experiência. Aprendi muito com ele, sabia o que conseguir, com gestão. Tinha o perfil de assumir empresas estressadas - conta Deitos, com quem tinha reuniões frequentes. - No início, nos reuníamos todas as semanas. Agora, duas vezes ao mês, mas sempre trocando informações e indicadores da indústria. Era uma pessoa fantástica, motivadora.

Embora as reuniões agora fossem quase sempre online, Deitos conta que Galeazzi também pilotava seu avião quando ia a Serafina Corrêa.

- Aterrissava em Passo Fundo. Tinha muita experiência em pilotar - afirma o sócio, não acreditando que o empresário decolaria se não acreditasse que havia condições climáticas.

Deitos e Galeazzi integravam o conselho da Credeal, que já foi a maior fabricante de cadernos do país. Assumiram a empresa seis meses antes da pandemia, que gerou dois anos de dificuldades porque caiu o consumo de cadernos. Depois, após a invasão da Ucrânia, a Rússia retaliou o embargo econômico, provocando escassez de papel.

- Não tínhamos estoque porque a empresa vinha de uma crise. Foram agora nestes últimos dois anos que conseguimos dar a volta por cima e reconquistar mercado - lembra Deitos. _

Entrevista - Claudio Bier - Presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs)

"Uma Itaipu de energia eólica no RS"

Aprovado pelo Congresso, um novo marco legal tem potencial de destravar US$ 60 bilhões em parques de energia eólica offshore no RS. Em entrevista ao Gaúcha Atualidade, o presidente da Federação das Indústrias (Fiergs), Claudio Bier, falou que trata-se de uma das apostas do setor.

Qual a potência eólica que o Estado teria?

Temos condições de ter uma Itaipu de energia eólica (referindo-se à maior hidrelétrica do país). O Rio Grande do Sul tem uma situação privilegiada de vento. É constante como no Nordeste.

Mas o Nordeste tem crédito mais barato do fundo constitucional, que o Sul não tem. Termos essa fonte de recurso depende do Congresso. Fiergs trabalhará nisso?

Muito, pois é uma grande oportunidade. Imagine o impacto na nossa economia. Estou otimista com 2025 por isso, pela grande safra e pelo investimento de R$ 24 bilhões da CMPC, no qual expandimos a participação de fornecedores gaúchos. Também há os bilhões de reais que rolamos da dívida com Estado com a União. Espero que vá para obras.

Como serão as mudanças no Senai e no Sesi?

São dois braços importantíssimos, mas pouca gente se dá conta que são da Fiergs. Contratamos a Falconi (consultoria de gestão) para nos assessorar. Ela fez três mapas: da Fiergs/Ciergs com seus diretores e vice­­presidentes, do Sesi e do Senai. É inadmissível. Temos que ter um mapa só, para uma Fiergs mais ágil, dinâmica e propositiva. Temos lugares onde um não fala com o outro. Em Pelotas, onde Sesi e Senai têm uma sede maravilhosa, de um lado, a grama estava bonitinha, cortadinha, do outro, feia e alta.

Já escolheu quem comandará a unificação?

Provisoriamente, fica o Paulo Herrmann (CEO da Fiergs). Abaixo dele, vamos contratar um diretor que cuidará de tudo e tentará unificar Sesi e Senai. Ali, temos dois departamentos de marketing, dois de compras... Temos muita gente boa lá, mas muitos debaixo da mesa. Temos de descobri-los e botar a trabalhar. Quando entrei, reuni a diretoria e disse: "Viemos transformar a Fiergs, que tem de ser a cara da indústria". Nas nossas indústrias, fizemos assim. Estão dispostos. Tenho delegado e recebido muito auxílio dos meus vice-presidentes, de todos os diretores. Anda tudo que eu peço.

?Terá enxugamento de pessoas na estrutura?

Não necessariamente. O que queremos é aumentar produtividade.

Pretende ampliar a Fiergs? O prefeito Sebastião Melo falou sobre assumirem a área da usina de asfalto de Porto Alegre.

A Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial) e a prefeitura querem que a gente construa o centro de tecnologia e competência no Centro de Porto Alegre. A prefeitura tem uma usina de asfalto atrás da Fiergs que deixa os carros dos nossos funcionários com fuligem. Eu queria que tudo ficasse junto lá (o centro de tecnologia na sede da Fiergs), mas me convenceram de que o Centro é melhor e está tudo encaminhado para o projeto sair na Orla. Nessa negociação, pedi ao prefeito que cedesse a área da usina, e a Fiergs conseguiria outra ou transferiria a usina para um espaço da prefeitura. _

- Fui gerente da Melitta (marca de café) e rodei supermercados de todo o Sul. Vi pujança em SC tomada por atacarejos, mas apostamos em lojas de bairro com carne e pão quentinho - diz o dono do Super Daki, Paulo Dreger, que também preside a Rede Grande do Sul.

A próxima loja terá acesso por uma marina. _

Os 342 terrenos colocados à venda no Peninsula, condomínio que a Melnick Arcadia construirá com R$ 80 milhões na praia de Atlântida Sul, foram vendidos em uma manhã. A renda familiar média mensal dos compradores vai de R$ 50 mil a R$ 100 mil.

ACERTO DE CONTAS 


23 de Dezembro de 2024
INFORME ESPECIAL - Rodrigo Lopes

Tristeza no coração do Natal brasileiro

Destruição, acidentes e tristeza não combinam com o Natal. Muito menos com uma cidade que é símbolo brasileiro da festa cristã, como é Gramado.

Nesta época do ano, as ruas da nossa querida e bela cidade serrana são ocupadas por risadas ainda mais intensas das crianças. É quando o brilho dos olhos da gurizada se torna mais forte, refletido pelas luzes de Gramado. É quando famílias inteiras circulam pelas calçadas com pacotes de presentes nas mãos, a caminho de uma das tantas atrações da cidade. É quando milhares de turistas do Brasil e do mundo tornam suas avenidas um amálgama de sotaques e idiomas.

Até o verão em Gramado é diferente: parece que o tempo se encarrega de criar as condições meteorológicas para nos remeter ao microcosmo do imaginário simbólico mundial da terra do Papai Noel: os países nórdicos. Na Gramado natalina, há neblina e frio em pleno dezembro no Hemisfério Sul.

Gramado é a capital do Natal brasileiro. Nenhuma outra cidade do país consegue reunir tantos símbolos de alegria, de sonho, que pululam o imaginário de todos nós, que fazem adultos voltarem a ser crianças.

Uma parte dessa cidade se transformou na manhã de ontem em destroços, medo, cheiro de querosene e explosão. É tristeza demais no apagar das luzes de um ano em que o Rio Grande do Sul já vivera seu pior desastre natural.

A coluna se une em solidariedade à comunidade de Gramado, à serra gaúcha e às vítimas dessa tragédia aérea. _

Tragédias natalinas - Entrevista - Dom Jaime Spengler

"Estamos vivendo a crise das democracias"

Recém-chegado do Vaticano, onde foi criado cardeal pelo papa Francisco, o arcebispo metropolitano de Porto Alegre e presidente da CNBB, dom Jaime Spengler, reflete sobre o Colégio Cardinalício, o presente e o futuro da Igreja e o desafio da polarização política.

De tudo o que o senhor viveu no Vaticano recentemente, qual foi o momento mais emocionante?

Houve dois momentos que me marcaram. Primeiro, no dia 7, quando me apresentei diante do Papa, e ele, com palavras muito simples, me disse: "Não perca a simplicidade". Depois, no domingo, quando o encontramos novamente na sacristia, e ele me perguntou: "Como está o Rio Grande do Sul?" Isso me chamou atenção porque era um contexto festivo para quem ali estava. O fato de ele perguntar pelo RS foi de proximidade, de alguém que acompanha o contexto no qual nós estamos vivendo. Eu disse: "Santo Padre, precisamos de anos para recuperar o que precisa ser recuperado".

Qual a imagem hoje do Colégio Cardinalício?

Não diria o estilo desse ou daquele (papa), mas a expressão da universalidade da igreja. O papa, ao longo desses anos, tem se empenhado para que o colégio seja a representação das mais diversas realidades e culturas nas quais a Igreja está presente. Isso ele tem conseguido levar adiante com maestria. Para alguns talvez cause surpresa, mas não podemos esquecer que a Igreja já não é mais europeia. Ela está presente em todos os continentes.

 Mas a Igreja europeia ainda tem muito peso.

Sempre terá peso pelo contexto histórico. Continua, mas já não é mais aquele número (no colégio) de décadas atrás.

? Como o senhor descreve o momento atual da Igreja?

Estamos vivendo uma mudança de época. E toda mudança produz angústia. Não no sentido psicológico, mas existencial. Trata-se de um caminho que temos de percorrer. Isso causa expectativa de um lado, e preocupação de outro. Preocupação por causa do espírito do "sempre foi assim". Expectativa no sentido de "até onde podemos avançar". Por onde devemos ir? Isso requer de todos nós sensibilidade, perspicácia e discernimento.

? O senhor está falando do contexto geopolítico ou da Igreja?

Certamente geopolítico, social e também eclesial. A Igreja faz parte da sociedade. Está inserida no mundo e profundamente envolvida nesse processo. Falando em termos geopolíticos, quando dizemos que estamos experimentando ou vivendo uma crise das democracias, por exemplo. As situações se multiplicam mundo afora, as entidades de mediação social que se constituíram em diversos âmbitos, sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial, perdem relevância. Os conflitos armados mundo afora se multiplicam. Temos cerca de 60 conflitos armados. Três fazem notícia: a Ucrânia, Israel e palestinos e agora a Síria. Dos outros, nós não comentamos.

O Brasil está muito polarizado. Como a Igreja pode contribuir para maior diálogo?

Temos de compreender a missão da atividade política: a construção de consensos. Estamos com dificuldade muito grande nesse caminho de construção de consensos. Um outro aspecto me é muito caro. A partir da doutrina social da Igreja, compreendemos a política também como a promoção do bem comum. Tendo presentes esses dois aspectos, a promoção do bem comum e a construção de consensos, creio que, no Brasil, precisamos avançar muito. Temos uma situação escandalosa em relação à distribuição da renda. Quem são hoje os nossos estadistas, os nossos homens e mulheres públicos? Tenho dificuldade de responder a essa questão.

Há uma crise de lideranças?

Certamente. Nos falta, sim, pessoas de estatura, à altura das exigências do tempo presente.

Como transmitir a fé para as novas gerações?

A nova geração, com a idade até os 15, 16 anos, possui uma estrutura lógica que não é mais a nossa. Eles têm outro modo de perceber a realidade. É certamente uma enorme questão, porque muitos conceitos que orientam a nossa fé foram forjados em outros momentos da história. Quando temos de explicar demais as coisas, é porque aquilo que dizemos já não encontra repercussão como deveria naqueles que nos ouvem.

INFORME ESPECIAL

sábado, 21 de dezembro de 2024


20/12/2024 - 08h00min
Martha Medeiros 

Ainda tem alguém aqui fora?

Quem é essa gente que grava vídeos sobre todos os assuntos e que têm todas as respostas legendadas e que, espantosamente, estão a par de tudo o que vivo, sinto e quero? Passo 20 minutos no celular vendo uma bobagem atrás da outra.

Devo estar alucinando. Não é possível. Eu era uma mulher que conseguia manejar o tempo. Tinha planos para o dia, e os cumpria. Ainda cumpro, na verdade, mas já não é a mesma coisa. Agora sou vítima da abdução. De uma atração que não controlo. Meu tempo para leitura, que sempre foi sagrado, encolheu. Focar para escrever um texto do início ao fim, não consigo. Escrevo um parágrafo e paro. Antes de retomá-lo, passo 20 minutos no celular vendo uma bobagem atrás da outra.

Vinte minutos é uma mentira que conto para mim mesma. Que 20 minutos, o quê. Trinta. Quarenta. Quando olho para o relógio do monitor do computador, já não são 14h30min. São 16h55min. Onde é que eu estive nas últimas duas horas?

Eu estive lá dentro. Com os dois olhos aprisionados pelas palavras de um neurocientista que não conheço, de uma psicanalista que não conheço, de uma influencer que não conheço, de um tarólogo que não conheço, todos eles falando diretamente comigo sobre um assunto que me interessa em particular. 

É como se eles fossem irmãos que perdi pelo mundo e que voltaram para me salvar das pororocas que inundam meu cérebro. Eles têm a solução para todos os meus problemas, quase vejo as mãos deles saindo pela tela e me puxando pelo pescoço, efeito Poltergeist. Eles querem que eu entre lá dentro, onde eles vivem. Tentação e medo.

Quem é essa gente que grava vídeos sobre todos os assuntos e que têm todas as respostas legendadas e que, espantosamente, estão a par de tudo o que vivo, sinto e quero? Não há o que fazer, a não ser parar para escutá-los. Ninguém me dá a mesma atenção aqui fora.

O pior é que colaboro para essa overdose. Pedaços de entrevistas minhas circulam também por aí, à toa. Mas digo em minha defesa: evito receitar pílulas mágicas, não digo o que a pessoa deve fazer para fugir de um narcisista, ou para interromper uma relação abusiva, ou para tirar o melhor proveito da solidão. No máximo, compartilho versos e gracinhas, como, por exemplo, o vídeo que mostra como os leoninos reagiriam se fossem sequestrados. Eu. Fui. Sequestrada.

Rosa Púrpura do Cairo capturada por esse povo das redes sociais que parece que não trabalha, só viaja. Eu recebo TODOS os vídeos de turistas que foram para os Lençóis Maranhenses, só porque, um dia, dei like em um deles. Olha, queria mesmo conhecer os Lençóis, mas já enjoei antes de ir, então vou manter em segredo o meu novo roteiro do desejo e o algoritmo vai ter que se virar. É guerra? Já escolhi minhas armas.

Cheguei, finalmente, ao final deste texto. Comecei a escrevê-lo na segunda e terminei três dias depois. Agora, com licença, vou conferir o que está acontecendo lá dentro. Aqui fora está meio desanimado. 


20/12/2024 - 17h11min
Sara Bodowsky

Um agradecimento especial para quem lê, anota, busca dicas e apoia tanta gente legal que aparece nesta coluna

Outros destaques: bairro de Novo Hamburgo conta com turismo guiado, orla do Guaíba recebe celebração natalina e conheça a prática das nove laranjas para as festas de fim de ano. Do jeito que amamos: entre os destinos de 2024 tivemos lugares como os lençóis cidreirenses.

Esta é a nossa última coluna de 2024. Um ano cheio de desafios que termina com uma sensação agridoce de se precisar celebrar o seu final. 

Não tenho o hábito de olhar muito para trás. Sei por onde passei, lembro das pessoas que encontrei, mas sempre me interessou mais o amanhã do que o ontem. E, com a maturidade, passei também a me dedicar mais a voltar a atenção para o hoje. 

Eu quero agradecer a ti, que todos os finais de semana olha com carinho para o “hoje” dessa coluna. Que lê, anota, busca dicas e apoia tanta gente legal, desde pequenos negócios e destinos turísticos até músicos, artistas e artesãos que venho destacando aqui em Donna semanalmente. 

Que tuas festas de final de ano sejam acolhedoras, cheias de paz e muito amor. E que 2025 venha com toda a potência, luz e prosperidade. Um beijo. Nos encontramos novamente no dia 11 de janeiro do ano que vem!  

O bairro mais antigo de Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, ganhou um roteiro especial para celebrar o turismo e a história: é o Caminhos de Hamburgo Velho (@caminhosdehamburgovelho). 

O projeto reúne 38 empreendimentos dos setores de gastronomia, hotelaria, cultura e criatividade, todos situados no bairro de Hamburgo Velho. O lugar tem casarões centenários preservados e museus espetaculares, como a Casa Schmitt-Presser e a Fundação Ernesto Frederico Scheffel, essa última com o acervo pessoal do artista, um dos grandes nomes da pintura gaúcha. 

Sou um tanto suspeita para falar de Hamburgo Velho: nasci, estudei e cresci no bairro. Ver ele se renovando, com tantas operações bacanas sendo abertas ou revitalizadas, me deixa muito feliz. 

Lá no meu Instagram (@SaraBodowsky) já tem um vídeo com um pouco desse roteiro. O segundo vai ao ar na noite deste domingo. Confere lá!  

Começou na última quinta e vai até domingo o evento Natal na Orla, no Cais Embarcadero. Depois de meses fechado, o espaço – todo decorado com a temática da época – recebe uma programação intensa de atrações artísticas. 

No sábado, a partir das 14h, tem contação de histórias e espetáculos natalinos. Já às 19h rola o show Tributo a Tim Maia e, às 21h30min, apresenta-se a dupla Claus e Vanessa. 

Quem me acompanha por aqui sabe que curto muito assuntos relacionados com boas energias na nossa casa. Por isso, sigo há pelo menos uma décadas as sugestões de uma grande amiga, a Marilda Romero (segue no Instagram @marildaromero.fengshui), estudiosa e consultora sobre o milenar Feng Shui.

E vou dividir com vocês uma dica que ela sempre traz para as mesas de Natal e que pode ser repetida no Ano-Novo: é a prática das nove laranjas.

Monte uma travessa com nove laranjas (ou múltiplos desse número, se o grupo convidado for maior) sobre a mesa de celebração. A ideia é compartilhar beleza (a forma), alegria (a cor), espiritualidade (o círculo) e abundância dos ciclos (o números nove), junto com as boas experiências vividas no ano que serão celebradas. 

Os convidados podem consumir as laranjas na ceia ou levá-las para casa, como doação e compartilhamento  do anfitrião. 


21 de Dezembro de 2024
ARTIGO

Por que morremos

Livro de biólogo vencedor do Nobel examina pesquisas passadas e de ponta para descobrir as teorias aspiracionais e as limitações práticas da longevidade

A notícia provoca reflexões interessantes sobre a longevidade. Quanto estamos evoluindo? O mundo definitivamente está ficando grisalho. O Fundo Monetário Internacional (FMI)descreve o envelhecimento da população, e não o rápido crescimento populacional, como o "desafio demográfico mais formidável" do planeta. A Organização Mundial da Saúde estima que até 2030 uma em cada seis pessoas terá 60 anos ou mais. 

Já vivemos o dobro do que vivíamos há 150 anos. É provável que a pessoa que chegará aos 120 anos já tenha nascido. Condições sanitárias, definitivamente melhores do que nos séculos passados, possivelmente foram as maiores responsáveis por isso. Houve, também, uma explosão de revelações científicas sobre a biologia do envelhecimento nas últimas décadas. Essencialmente, envelhecemos porque as nossas células acumulam danos ao longo do tempo e perdem gradualmente a capacidade de se repararem e renovarem. 

Cada um de nós é composto por trilhões de células; cada célula contém nosso DNA, que - de alguma forma - coordena nossas necessárias multiplicações celulares. Mas a cópia e replicação de novas células pode introduzir erros de digitação ou mutações; fatores ambientais, como produtos químicos (como tabagismo) e radiação (como exposição solar inadequada), também causam danos celulares cumulativos. 

Essencialmente, envelhecemos porque as nossas células acumulam danos ao longo do tempo e perdem gradualmente a capacidade de se repararem e renovarem. Como no livro de Hemingway O Sol Também se Levanta, em que perguntam a um personagem como foi à falência e ele responde:

- Duas maneiras: gradualmente, depois de repente.

Nosso organismo, envelhecendo, funciona assim. Pequenas falhas vão se acumulando até que a viabilidade biológica se esgota. Milhares de processos sincronizados são necessários para manter essa complexa coreografia celular. Tem todo sentido, portanto, reduzir exposição a esses agressores diários e constantes mas simplificar ações com tratamentos mágicos e sem avaliação prospectiva e bem conduzida, prometendo reduzir o envelhecimento, que alimentam um comércio de esperanças e ilusões. 

Assim, o campo da investigação sobre a longevidade humana compreende uma mistura discordante de cientistas que querem curar doenças e de otimistas que esperam viver para sempre com soluções simplificadas.

No seu novo livro, Why We Die ("Por que morremos"), o biólogo molecular Venki Ramakrishnan, vencedor do Prêmio Nobel, examina pesquisas passadas e de ponta para descobrir as teorias aspiracionais e as limitações práticas da longevidade. 

Ele explora também as implicações sociais da extensão radical da vida: o aumento da desigualdade na saúde, a injustiça intergeracional, a superpopulação, a economia da aposentadoria e um possível declínio na criatividade humana à medida que um mundo envelhecido se torna mais sóbrio. Envelhecer, portanto, não pode ser somente uma meta individual. Como sociedade, temos que endereçar esforços para uma evolução harmoniosa, assim como acontece em cada célula do corpo.

Aumentar a expectativa de vida pode provocar a imaginação e sempre esteve na agenda científica, mas não pode roubar o sentido da nossa existência em fazer com que cada dia conte. E que possamos envelhecer e aprender a valorizar cada prazer como, pelo menos, com bem-estar reconhecer os filhos ao nosso lado. 

A cada 15 dias, artigos sobre saúde (física ou mental), bem-estar e comportamento podem ser publicados neste espaço. Os textos devem ter de 4.000 a 4.400 caracteres. Escreva para ticiano.osorio@ zerohora.com.br


21 de Dezembro de 2024
J.J. CAMARGO

O que uma universidade deve inspirar

Seu produto final, o conhecimento, é um bem universal, impossível de ser contido após despertar no espírito do pesquisador o encanto pelo novo

A convivência com uma universidade atuante e diferenciada desperta uma sensação de orgulho que impõe uma atitude de constante solenidade, esse sentimento com o qual protegemos a imagem das coisas definitivas. As universidades, como centros de pesquisa, geram conhecimento inovador, essencial para o avanço tecnológico e científico, com estímulo à formação profissional, e conduzem ao desenvolvimento de novas indústrias e a melhoria das já existentes.

Por isso, a sua atuação não tem limites físicos, porque o seu produto final, o conhecimento, é um bem universal, impossível de ser contido depois que desencadeou no espírito do pesquisador o encanto e deslumbramento pelo novo.

O papel de uma universidade que se preze jamais ficará restrita ao limite dos seus muros, porque ela sempre despertará por sua produção qualificada o interesse do setor privado, facilitando a transferência de tecnologia e conhecimento e beneficiando a todos através da promoção do desenvolvimento econômico.

Esta função de dínamo impulsionador do crescimento socioeconômico, encontrada nas melhores universidades do mundo, é ou devia ser a meta de qualquer sociedade que pretenda ser reconhecida pela capacidade estimulante dos seus membros de pensar por conta e risco e sentir-se desafiada a gerar conhecimento com seus próprios neurônios.

Mas voltando ao que era o objetivo desta crônica, como saber o quanto valorizamos a universidade que por escolha ou fatalidade coube-nos chamar de nossa?

Visitem-se universidades mais antigas, como as de Bologna, Oxford, Cambridge, Salamanca, Padova, Paris, Coimbra ou Praga, ou famosas como Columbia, Yale ou Harvard, e, independentemente de nacionalidade, etnia ou vinculação religiosa, o que elas inspiram é uma aura de respeito, quase veneração, que elimina o burburinho tradicional da visitação turística de outros lugares públicos e que impõe uma postura mais solene e mais reverente.

A espontaneidade do respeito que emana desses templos sagrados do conhecimento tem raízes históricas e exige uma solenidade que contrasta com a atitude dos nossos estudantes "descontraídos" que confundem o desprezo pelas regras elementares de civilidade com liberdade, e fantasiam que serão respeitados agindo como rebeldes sem causa.

É difícil conservar o otimismo pelo futuro de uma geração que não percebe a diferença entre espontaneidade e falta de compostura, e no máximo do mau gosto ainda considera a pichação como expressão artística.

Quem cuida da imagem da sua universidade está anunciando ao mundo com que solenidade e empenho planeja o futuro para si e seus descendentes. E quem não trata com seriedade o que é sério, que ao menos não seja ingênuo de pretender ser levado a sério. _

Uma geração de alunos não percebe a diferença entre espontaneidade e falta de compostura

J.J. CAMARGO

21 de Dezembro de 2024
CARPINEJAR

Meus raros momentos de rico na infância.

Numa família grande, com quatro filhos, era difícil desfrutar do luxo. Eu devo ter me sentido rico duas vezes na infância. Nem sempre íamos para o litoral gaúcho durante as férias. Não tínhamos casa na praia. Dependíamos de aluguel ou da generosidade de parentes.

O final do ano costumava ser melancólico de aventuras. Na maior parte dos casos, no verão, fritávamos em Porto Alegre. Tanto que eu odiava a primeira redação do ano letivo: "como foram as suas férias?". Não havia o que contar de diferente. Já a minha turma se mostrava bronzeada e cheia de histórias perto do mar.

Até que, de forma inesperada, em 1980, os pais nos avisaram que viajaríamos para o Rio de Janeiro. Todos juntos! Nunca tinha andado de avião, nunca tinha frequentado hotel. Não sei o motivo, se os pais ganharam alguma bolada ou herança. Acabou sendo uma lua de mel para as crianças.

Naquele ano, eu lacrei de acontecimentos. Recebemos brindes da Varig, queimamos os pés na areia de Copacabana, brincamos de jacaré em ondas gigantes, rachamos um espelho num provador de loja, meu irmão caçula Miguel se perdeu numa Ipanema lotada, quebramos um vaso raro no apartamento de um poeta amigo do pai, conhecemos Fernanda Montenegro, subimos ao Corcovado, passeamos de bondinho no Pão de Açúcar, fomos ao Jardim Botânico, tomamos café no hotel com direito a nos servir à vontade, experimentamos pela primeira vez hambúrguer e fritas, dormimos com ar-condicionado.

Tratou-se de minha estreia na riqueza. Os pais não se lembram com muito orgulho dessa viagem, já que incomodamos bastante e não houve um intervalo de paz para que namorassem. Mas nós, irmãos, ficamos completamente encantados e emocionados. Entre acidentes e tombos, representou um dos raros flashbacks esnobes de nossa vida, em que ostentávamos mais assunto do que as 25 linhas exigidas pela composição escolar. Não sobrou espaço na folha, nem na memória.

O segundo momento raro de bonança na minha época de formação se deu quando a mãe decidiu assinar delivery de refrigerante. O caminhão vermelho da Coca-Cola passava semanalmente pelo nosso bairro, e estávamos na lista dos clientes.

Entrega de refrigerante na porta do lar? Parecia um sonho. Os funcionários deixavam 12 garrafas de guaraná. Tínhamos que guardar os cascos para a reposição de sete em sete dias. Mantínhamos os produtos estocados na estante da garagem. Só podíamos beber no final de semana.

Óbvio que não cumpríamos o prometido. Improvisávamos picolé de guaraná. Levávamos guaraná escondido na nossa térmica para o recreio. Distribuíamos guaraná para os nossos colegas durante o campeonato de botão, ou no jogo de caçador no pátio.

O guaraná se transformou progressivamente numa moeda para angariar novas amizades. Viabilizou o nosso período de maior sociabilidade. O povo fazia questão de nos visitar. Quase conseguimos ser populares na escola. Por muito pouco. Mais alguns meses, e já estariam os quatro namorando ao mesmo tempo.

Mas a mãe cancelou a assinatura porque a conta não fechava. Sempre faltavam garrafas para os almoços de domingo. 

CARPINEJAR

21 DE DEZEMBRO DE 2024
MARCELO RECH

O triunfo do caradurismo

O Brasil, incluindo a porção que nunca esperou muito das intenções de alguns personagens de Brasília, jogou a toalha? É o que pode explicar o silêncio e a inércia diante do caradurismo, aquele comportamento típico do Brasil Colônia que, sem pejo e à luz do sol, vai se apropriando de partes do Estado para proveito pessoal.

Na mesma onda, o Planalto driblou a resolução do STF sobre emendas e liberou via portarias R$ 7,7 bilhões para saciar o apetite parlamentar pela bufunfa dos impostos. Nada de novo no horizonte do país dos penduricalhos, das benesses e dos privilégios para quem tem a caneta na mão. Não fosse a PF, talvez nem ficássemos sabendo da apreensão de R$ 1,5 milhão em cédulas em um jatinho de Salvador para Brasília, em um esquema - que surpresa - originado nas emendas.

Os tribunais de contas são um caso à parte. É parte da mentalidade colonial os governantes nomearem aliados em seu crepúsculo político para a sinecura vitalícia. Por isso, a hipótese de Lula indicar a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, para o Tribunal de Contas da União, que fiscaliza o governo federal, já nem surpreende e escandaliza. O Papai Noel existe, assim como as boas intenções neste Brasil Colônia onde os caras de pau reinam absolutos. _

MARCELO RECH

Lula e Haddad acenam com novos cortes

Desde que o pânico tomou conta do mercado financeiro, havia mobilização para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desse uma mensagem de tranquilização. Aproveitou que Gabriel Galípolo antecipou para sábado o início de sua gestão na presidência do Banco Central (BC), porque Roberto Campos Neto entrou em recesso. Garantiu que ele será "o presidente com mais autonomia que o BC já teve", mas o trecho do qual o mercado mais gostou foi o que fala em atenção "à necessidade de novas medidas". O dólar, que já vinha mais calmo depois de injeções acumuladas ao recorde de US$ 23 bilhões, teve a mínima do dia logo depois e fechou em queda de 0,81%, a R$ 6,072.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também havia mencionado essa hipótese, sinalizando que seriam adotadas a partir de março. Com base nas críticas de economistas focados em contas públicas e o mercado, a coluna detalha a seguir o que é possível esperar e o que é inútil imaginar.

O que pode vir à frente

1. Matemática: especialistas em contas públicas com formação fora do mercado financeiro, como Tiago Sbardelotto e Felipe Salto, avaliam que as estimativas da equipe econômica estão otimistas. Ambos (que não se conhecem) convergem para valor perto de R$ 45 bilhões em dois anos. Então, entregar mais medidas com projeções mais realistas seria boa ideia.

2. Medidas estruturais: as duas mais citadas chegaram a compor o pacote de Haddad, mas foram descartadas nas reuniões ministeriais. A desvinculação dos benefícios da Previdência do aumento real do salário mínimo manteria a promessa de campanha e deixaria de pressionar as despesas previdenciárias a ponto de despertar debate sobre necessidade de nova reforma. Aposentadoria e outros benefícios manteriam a correção pela inflação, mas não o aumento real concedido aos trabalhadores da ativa para compartilhar ganhos de produtividade. A desvinculação dos gastos em saúde e educação do aumento de receita manteria a destinação já elevada a esses dois segmentos socialmente relevantes sem risco de desperdício de recursos. _

A presença mais surpreendente ao lado de Lula no vídeo gravado para sossegar o mercado foi a da ministra do Planejamento, Simone Tebet. Na reta final da discussão dos cortes de gastos, havia sido escanteada. É bom que volte.

Food Hall fecha para reabrir como Country

A Dado Bier antecipou o encerramento de sua operação no Bourbon Country para domingo. E já está definida a ocupação do espaço deixado pela empresa gaúcha pioneira nas cervejas artesanais.

A marca Food Hall Country nasce para rebatizar o antigo Dado Bier Food Hall. A reformulação ainda inclui a chegada de duas novas operações de bebidas - antes responsabilidade da Dado Bier. A gestão do espaço passa a ser toda da Airaz, administradora do Bourbon Country e de outros shoppings do Grupo Zaffari.

Os sete restaurantes do antigo Dado Bier Food Hall serão mantidos. A operação de bebidas será do Hall Bar Embaixada Gourmet, que vai cuidar de drinques, cervejas e chopes da marca Heineken, e do Volupta Wine Bar, que vai servir vinhos.

O Food Hall Country permanecerá fechado para adaptações e manutenções até 1º de janeiro. A reabertura ocorre no dia 2. _

R$ 8 bilhões

é o cálculo do economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, sobre a desidratação do pacote de corte de gastos no Congresso. Conforme Sbardelotto, o valor da economia entre 2025 e 2026 cai de R$ 52 bilhões para R$ 44 bilhões. Segundo o governo, cairia de R$ 71,9 bilhões para cerca de R$ 70 bilhões.

Tomamos as medidas necessárias para proteger a nova regra fiscal e seguiremos atentos à necessidade de novas medidas.

Luiz I. Lula da Silva

Presidente da República

sorriso aberto

Pela manhã, indagado por jornalistas se havia se desgastado nos últimos dias, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, rebateu dizendo que equivalia a perguntar a um corredor de maratona se estava cansado. Pouco depois, no vídeo em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acenou com "novas medidas", apareceu um Haddad mais magro, mas com um sorriso de orelha a orelha, meio irônico em alguns momentos. O ministro ao lado, ao contrário, manteve-se carrancudo.

Como a crise financeira pode contagiar a economia real

Depois da apresentação do pacote de corte de gastos considerado insuficiente por especialistas em contas públicas, o dólar disparou e, na tentativa de acalmar o mercado, foi anunciado um choque de juro.

Desde então, começou a ser discutida a possibilidade de uma recessão no Brasil. Isso significaria ao menos dois trimestres seguidos de queda no PIB, com redução no consumo e na renda, o que significa empobrecimento da população.

Mas não é só um problema do "mercado"? Crises financeiras podem contagiar a economia real quando são ou muito profundas ou muito longas. Os mecanismos de transmissão de problemas são exatamente dólar, inflação e juro - mais ou menos nesta ordem.

Quando o dólar sobe muito ou fica alto por muito tempo, aumenta o preço em reais de vários tipos de produto: dos óbvios importados aos que têm componentes vindos do Exterior, incluindo até os que são produzidos no Brasil, com custo em reais, mas cujo preço é definido no mercado internacional, como petróleo, soja e aço, por exemplo.

Isso provoca aumento da inflação e, em consequência, o Banco Central (BC) precisa elevar o juro - ou deixar a taxa básica alta mais tempo - para tentar frear os repasses em cadeia que costumam ser feitos quando isso ocorre.

O crédito mais caro reduz o consumo de produtos e serviços de maior valor, que raramente são pagos à vista, como casa própria, veículos e até eletrodomésticos como fogão e geladeira.

A essa altura, o crédito para o investimento produtivo já ficou mais caro com a subida dos juros futuros, que servem de referência para o financiamento de longo prazo.

Há risco de recessão?

Mas isso significa que uma recessão, ou seja, um empobrecimento geral da população, especialmente das faixas de renda mais baixa, já está contratada? Há controvérsias. A Fecomércio-RS prevê que há risco considerável, mas por ora o que a maioria dos economistas prevê para 2025 é uma desaceleração da economia, ou seja, crescimento menor do que o deste ano, que deve ficar ao redor de 3,5%.

- Falar em recessão, hoje, é pintar um cenário muito escuro. Não descarto a hipótese, mas não é o cenário que a Austin trabalha. O que vemos é desaceleração da economia. Com essa surpresa do Copom na semana passada, revisamos para baixo o crescimento do PIB para 2025, de 1,9% para 1,7% - afirma Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating. _

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