sábado, 24 de maio de 2025



24 de Maio de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Cortes, aumentos, recuos e... final feliz?

Depois do recuo da alta noite de quinta-feira e das explicações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na manhã de sexta, ficou claro que a equipe econômica tentou afastar um fantasma, mas o ruído com o aumento do IOF elevou a desconfiança do mercado em relação a medidas fiscais do governo.

Conforme Haddad, a correção representa redução de cerca de 10% na receita prevista com a alta do IOF, ou seja, de R$ 2 bilhões neste ano e R$ 4 bilhões em 2026. Também afirmou que a perda deve ser compensada por ajuste nos decretos de redução de custos.

- Recebemos subsídios de pessoas que operam nos mercados de que parte da medida poderia acarretar problema e passar uma mensagem não desejada - explicou Haddad sobre o recuo.

A "mensagem não desejada" que circulava desde antes do anúncio oficial da elevação do IOF era a de que o governo desejaria algum controle de capitais, ou seja, de mecanismos para regular a entrada e saída de dólares. Havia sido especulado em dezembro, quando o dólar encostou em R$ 6,30, mas não faria sentido agora que a mão do fluxo se inverteu, e o Brasil tem recebido mais aplicações financeiras dada a incerteza com os EUA.

Conforme um analista de mercado, recuos sempre representam "trincas no cristal da credibilidade". Além do ruído no universo financeiro e corporativo, o anúncio do IOF foi cercado de bate-cabeça interno no governo, entre a Fazenda e os ministérios palacianos, entre a Fazenda e o Banco Central e até mesmo dentro da pasta comandada por Haddad.

Mercado termina semana de bom humor

O dólar abriu a sexta-feira com alta superior a 1%. Era reação ao aumento do IOF anunciado na véspera, que trouxe desconfiança ao mercado, sobretudo pelo temor de controle de capitais. Como houve recuo na medida que gerava maior inquietação, o mau humor diminuiu: o mesmo dólar que antes circulou no patamar de R$ 5,70 fechou em... oscilação para baixo de 0,27%, para R$ 5,646. O principal índice da bolsa brasileira (B3), o Ibovespa, teve alta leve de 0,4%, para 137.824 pontos.

A parte boa é que o governo deve conseguir cumprir o limite inferior da meta fiscal de 2025, ou seja, aproveitando a tolerância de até 0,25% do PIB. Mas se no mercado de capitais a semana tensa terminou bem, no líquido o balanço não é tão positivo, como observa Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research:

- Apesar do recuo parcial, o episódio revelou os desafios do governo em equilibrar arrecadação e confiança. Foi um alerta importante sobre como medidas mal calibradas podem gerar efeitos macro, micro e reputacionais relevantes. _

Um museu? Uma galeria? - A "loja" que desafia modelos

Para IFI, Brasil precisa de "profunda reforma fiscal"

Com função de "xerife das finanças" - não punitivo, mas de fiscalização -, a Instituição Fiscal Independente (IFI) publicou na sexta-feira um alerta contundente: "O esgotamento do potencial de aumento das receitas, o crescimento das despesas obrigatórias, o consequente engessamento radical do orçamento da União (...) e a necessidade de estancar a trajetória ascendente da dívida pública, levarão inevitavelmente a uma profunda reforma do regime fiscal". O cenário é que as despesas obrigatórias crescem a ponto de exigir "despesas discricionárias" (não obrigatórias, mas essenciais para a máquina pública) negativas. Como "despesa negativa" não existe, exige solução. _

GPS DA ECONOMIA

24 de Maio de 2025
CONEXÃO BRASÍLIA - Matheus Schuch

Sucessão de erros amplia desgaste

A estratégia do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em demonstrar compromisso com o equilíbrio fiscal foi por água abaixo, em boa parte pela postura de colegas de governo. O vazamento de informações sobre o aumento do IOF gerou mal-estar interno, ampliou a repercussão negativa junto à população e despertou série de erros que devem piorar ainda mais o ambiente político para o governo Lula.

Na quinta-feira à noite, logo após a confirmação do ajuste no IOF, a cúpula do Planalto se reuniu com o presidente Lula e decidiu que era necessário recuar parcialmente. A Haddad, que já estava fora de Brasília naquele momento, restou acatar.

Mas coube ao ministro, na manhã de sexta-feira, chamar a imprensa para tentar justificar a medida. A entrevista foi desconcertante. O titular da Fazenda tentou mostrar, sem sucesso, que o recuo era natural e que o aumento de alíquotas é, na verdade, uma recomposição ao patamar cobrado no governo passado. Não colou.

É verdade que não tem um jeito bom de anunciar aumento de impostos. Mas o dano à imagem do governo poderia ser minimizado se o roteiro pensado por Haddad fosse seguido à risca. A primeira etapa envolvia uma coletiva de imprensa para anunciar congelamento do orçamento da União bem acima das projeções de mercado, mostrando compromisso no cumprimento do arcabouço fiscal e disposição de cortar na carne.

Minutos antes do evento, porém, o ministro dos Transportes, Renan Filho, anunciou em entrevista o valor do aperto fiscal e a decisão de recompor parte da receita com o aumento de IOF.

Além de pegar a equipe econômica de surpresa, a declaração sem detalhamento deu margem para uma profusão de especulações. Já no início da entrevista sobre o congelamento, Haddad foi questionado sobre o aumento de impostos e não escondeu sua irritação. Reiterou que havia um acordo para que nenhum vazamento ocorresse e uma estratégia de divulgar a notícia no final da tarde, após o fechamento do mercado.

A falha no roteiro piorou logo depois, quando o secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan, admitiu à imprensa que Haddad havia discutido as medidas com o presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo. De novo, Haddad tentou justificar que as conversas são rotineiras e se apressou em dizer que o chefe da autoridade monetária não tem responsabilidade alguma sobre as decisões da Fazenda.

Com os erros, o governo conseguiu piorar o que já era ruim. Haddad perdeu mais um ponto de credibilidade com investidores e o setor produtivo, ficou a desconfiança sobre a real independência do BC, e a oposição ganhou de bandeja mais uma crise para explorar. 

CONEXÃO BRASÍLIA

24 de Maio de 2025
INFORME ESPECIAL - Vitor Netto

Tensão dos brasileiros em universidades americanas

A medida do governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de proibir a Universidade de Harvard - a mais antiga e prestigiosa do país - de admitir estudantes estrangeiros fez com que professores e alunos brasileiros de diversas instituições em solo americano ficassem apreensivos diante do cenário que pode se desenrolar nos próximos capítulos da batalha entre a Casa Branca e o ensino superior.

Harvard chegou a processar o governo na manhã de sexta-feira, contestando a revogação abrupta. Uma juíza de Boston concedeu uma liminar suspendendo temporariamente o decreto federal. Mas o alerta segue aceso.

A coluna conversou com um pesquisador visitante em Harvard, que afirmou que a situação é tensa e de "incerteza generalizada" diante dos próximos passos de Trump.

- Isso é um alerta para todas as universidades, não só contra Harvard. Na verdade, me parece uma estratégia do governo para enfrentar a faculdade mais poderosa. Se ela se curvar, fica evidente para todas as outras que não adianta resistir. Acho que essa questão não tem muito a ver com antissemitismo ou com ideologia woke; é algo que vimos na Hungria e em outros países, onde governos buscam maior controle sobre as universidades.

Segundo o pesquisador, que preferiu não ser identificado, ainda há muita incerteza sobre o que vai acontecer:

- Há muitos boatos, mas tanto alunos quanto professores aguardam orientações sobre como proceder. O dano, porém, já está feito. Converso frequentemente com estudantes recém-aceitos, e muitos têm ofertas de outras instituições, inclusive de fora dos EUA. Entendo se alguns optarem por universidades em outros países ou até em outras faculdades americanas, diante do risco.

A universidade encaminhou um e-mail à comunidade internacional. Segundo o comunicado assinado pelo presidente de Harvard, Alan Garber, a revogação é uma retaliação "por nossa recusa em abrir mão de nossa independência acadêmica". A nota também afirma que a medida coloca em risco o futuro de milhares de estudantes e serve de alerta para todo o país. Aos estudantes, disse: "Saibam que vocês são membros vitais da nossa comunidade".

Trump acusa Harvard de promover o antissemitismo e de ter ligações com o Partido Comunista da China.

Harvard tem cerca de 30% de estudantes estrangeiros - quase 7 mil de seu corpo discente.

A coluna também conversou com um professor brasileiro de uma universidade de Washington. Segundo ele, a avaliação jurídica entre docentes e instituições é de que a decisão de Trump "vai cair", por falta de embasamento legal de suas acusações e por ser difícil revogar coletivamente vistos. A universidade onde ele leciona está orientando alunos a não deixarem o país nas férias de verão. O novo ano letivo começa em setembro.

- Estamos sugerindo que não viajem, pois podem não conseguir voltar. Inclusive, a universidade vai manter dormitórios abertos - contou. - Os alunos estão frustrados, estar aqui é uma conquista pessoal. Eles se sentem ameaçados.

Demais universidades

Outra preocupação é de que este é apenas mais um entre os vários conflitos entre Trump e as universidades. Em abril, o presidente americano cortou bilhões em repasses federais para instituições de ensino. No caso de Harvard, o corte foi de US$ 2 bilhões.

- Algumas universidades estão cogitando ativar campi fora dos EUA - completou o professor. _

Prisioneiros russos e ucranianos libertados

Rússia e Ucrânia libertaram 390 prisioneiros cada nesta sexta-feira. As duas nações também disseram que vão libertar mais nos próximos dias. Espera-se que essa seja a maior troca de prisioneiros desde o início da guerra, em 2022. Desde o começo das tentativas para um acordo de cessar-fogo, a troca dos detidos foi o único passo concreto em direção à paz.

O Ministério da Defesa russo disse, na sexta-feira, que cada lado havia liberado 270 soldados e 120 civis. O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelensky, confirmou o total de 390 cada um. A expectativa é de que mais prisioneiros sejam liberados no sábado e no domingo. _

Mais uma Festa da Rua

A comunidade judaica gaúcha se reúne domingo para a Festa da Rua, com cultura, arte e gastronomia, das 10h às 17h, na Hebraica (Rua João Telles, Bom Fim, Porto Alegre). Haverá abertura solene às 13h, com a participação de ONGs, como o Coletivo das Pretas, a Camarata da Lomba do Pinheiro e a Orquestra Villa-Lobos. Também estarão o Coral da Restinga e a ONG Lê Pra Mim. O evento terá exposição de obras de artistas plásticos e lançamentos de livros. Um dos destaques é a obra Uma Estrela no Pampa (SLER Books), do jornalista Léo Gerchmann, que narra a trajetória da Federação Israelita do RS e da comunidade judaica no Estado, às 13h30min. _

Eu não sou um biscuit de porcelana. Eu não vou ao jantar só para acompanhar meu marido.

Janja da Silva

Afirmou a primeira-dama ao podcast "Se ela não sabe, quem sabe?", do jornal Folha de S.Paulo, sobre episódio do "mal-estar diplomático" na China. Segundo ela, não houve quebra de protocolo, já que estavam em um jantar conversando.

Biometano na rede de gás natural de Triunfo

A Sulgás deu o pontapé inicial nas obras que viabilizarão a injeção de biometano na rede de gás natural da companhia em Triunfo. Trabalhos começaram nesta semana e a expectativa é de que o sistema opere ainda em 2025.

O novo gasoduto, que interligará a Bioo (empresa produtora de biometano e parceira da Sulgás) à infraestrutura de distribuição, tem cerca de 4 quilômetros. A companhia estima que 30 mil m³/dia de biometano contratados serão injetados na rede a partir do sistema. A obra tem investimento da parte da Sulgás, que é a distribuição do biometano, de R$ 5 milhões. O biometano é gás 100% renovável e, no caso da planta de Triunfo, será produzido a partir da decomposição de resíduos orgânicos da agroindústria do RS. _

INFORME ESPECIAL

sábado, 17 de maio de 2025


Café com o demônio

Um Papa novinho em folha e a colunista vem provocar. Nada disso, venho inspirar por outras vias. Até Deus Pai sabe que existem maneiras diversas de se viver, sem prejuízo aos valores cristãos. O demônio que convido para o café é o mesmo demônio que Clarice Lispector dizia faltar em Berna, cidade suíça onde ela testemunhou a neutralidade extrema e o tédio idem. Ou seja, o demônio que nos salva da apatia.

Recentemente, os brasileiros foram inquietados por duas manifestações gigantes. Tudo começou com Lady Gaga inflamando Copacabana com uma superprodução de alta performance, mas que era, antes de tudo, um espetáculo consagrado à inclusão. Para além de sua plateia cativa LGBT+, ela cantou também para os deprimidos, solitários, medicados, enfim, Gaga é atenta a transtornos e fez de sua carreira um grande "vem cá, eu te entendo". 

Mesmo assim, os implicantes implicaram, pois, para alguns, só tem representatividade quem segue a cartilha dos beatos. Mas um show como aquele, de comunhão absoluta, não seria uma espécie de missa também? Os little monsters se unem e protegem uns aos outros quando sua liberdade, desejo e direito de existir parecem voluptuosos demais para a sociedade.

Cama feita para falar de outra manifestação arrebatadora, que não aconteceu em um palco, e sim nas telas dos cinemas: a estreia do filme Homem com H, que retrata a vida de Ney Matogrosso. Não é apenas o registro da carreira de um artista, mas uma declaração pública da magnitude e transcendência de ser quem se é, a despeito das truculências sociais. Uma vida para ser vivida: é o que cada um tem. Uma só, aqui nesse plano. O demônio tem paciência zero com a eternidade, ele atua no agora. "E é só na sequência dos agoras que você existe" (Lispector, outra vez). 

O filme, escrito e dirigido por Esmir Filho, é um convite a nos comprometer com a essência que nos move, e eu poderia ter escrito fé em vez de essência e o resultado daria no mesmo: paixão. Ney tem vivido apaixonadamente o tempo que lhe cabe aqui na Terra, e o faz à sua maneira. Ao sair do cinema, a pergunta que nos vem é se o nosso punhado de tempo por aqui está igualmente sendo usufruído com liberdade e verdade. Ou deixaremos para ser nós mesmos em outra vida depois desta?

Dias atrás, o Indicador de Analfabetismo Funcional (Inaf) divulgou que 29% dos brasileiros entre 15 e 64 anos não entendem o que leem, então confio este texto aos 71% que compreendem que convidar o demônio para um café é uma brincadeira com o título de um livro campeão de vendas, além de uma oportunidade de homenagear artistas que abrem as portas de outros céus para que todos sejam felizes a sua maneira. Com a bênção, imagino, do papa Leão XIV. 

MARTHA MEDEIROS 



17 de Maio de 2025
CARPINEJAR 

175 anos reduzidos a quatro décadas

"O inferno está vazio, e todos os demônios estão aqui." Da obra de Shakespeare para Alvorada, Região Metropolitana.

Na quarta-feira, um júri na cidade sentenciou David da Silva Lemos a 175 anos de prisão, acumulando três homicídios triplamente qualificados e um homicídio quadruplamente qualificado.

Lemos, 31 anos, matou os quatro filhos na noite de 13 de dezembro de 2022: uma noite sem lua e com as estrelas mortas. Ele assassinou Yasmin, 11 anos; Donavan, oito; Giovanna, seis; e Kimberlly, três. As crianças foram localizadas com marcas de facadas - uma delas, com sinais de sufocamento.

A mãe nem conseguiu ver seus filhos no caixão, que permaneceu de tampa fechada, tamanha a dilaceração nas cenas do crime. Não teve sequer a mísera oportunidade do luto, de dizer adeus, de beijar a testa, de derramar suas lágrimas, de reconhecer os pequenos - que saíram de seu ventre para as mãos insensíveis e gélidas do genitor.

Só no Brasil a sentença é uma coisa, e a lei, outra - apesar de a primeira partir da segunda. Só no Brasil um assassino de quatro filhos recebe a severa condenação de 175 anos, mas cumprirá apenas 40 anos, limite do Código Penal.

Se a acusação do Ministério Público alcançou um resultado digno da prisão perpétua, a pena mal abrangerá a velhice do infrator. Mais de um século e meio é reduzido ao pó de menos de meio século. Entre o tribunal e o presídio, desperdiçam-se dois terços da justiça.

Jogam-se fora 135 anos da responsabilidade criminosa. Nem parece que o ato foi absurdamente grave e ignóbil. Trata-se de um convite tentador à impunidade. Enquanto formos brandos na legislação, enquanto não efetuarmos uma profunda e visceral reforma judiciária, jamais daremos conta da boçalidade e da truculência ao nosso redor - com famílias dizimadas e perdas irreparáveis.

São os exemplos que reprimem. São as duras e intransigentes condenações que intimidam os comportamentos perversos. É o medo do castigo e do rigor penal que nos devolverá a esperança.

Se assim continuar, pais seguirão matando seus filhos para se vingar da ex-mulher, como se fossem barganhas descartáveis do divórcio. Lares serão desfeitos em banhos de sangue e purgação de sofrimento - tudo por causa de uma corriqueira tentativa de separação.

O antídoto das retaliações filicidas é a execução impiedosa e ao pé da letra do veredito. Matar os filhos para atingir a ex-companheira é o mais cruel feminicídio. Um feminicídio por tabela - que arranca a alma de quem fica, que expurga a possibilidade do exercício da maternidade.

É muito suave a equação de uma década de confinamento para cada criança assassinada. Era para mofar na cela, nunca mais sentir a luz do sol tocar o seu rosto. Sequer menciono o que ele realmente precisaria obter em troca - senão eu estaria debatendo a pena de morte.

Fingiu proteção e tutela, simulou que colocaria os seus rebentos para dormir, e acabou com um por um deles - em capítulos, em quartos separados.

Entre as qualificadoras dos homicídios estão: motivo torpe, emprego de meio cruel, asfixia e o fato de que as vítimas eram menores de 14 anos. No caso de Giovanna, uma qualificadora foi adicionada: emprego de recurso que dificultou a defesa - esfaqueou a menina de seis anos pelas costas.

E pensar que ele contou com inúmeras chances de parar a chacina, de se arrepender, de recuar - e avançou, abrindo todas as portas do inferno. Ele jamais mereceria voltar de lá, das labaredas da sua punição, e viver de novo entre nós.

Existências como a dele não deveriam ganhar qualquer desconto. Vêm esvaziando o inferno e povoando os nossos dias de calafrios. 

CARPINEJAR 



17 de Maio de 2025
COM A PALAVRA

Lee Peterson - Especialista norte-americano em varejo

"Lojas físicas devem apostar na autenticidade"

O norte-americano Lee Peterson atua há cerca de 40 anos como empresário e consultor de grandes empresas no mercado do varejo, sendo reconhecido como um dos maiores especialistas internacionais neste tema. Peterson virá pela primeira vez a Porto Alegre, onde será, no próximo dia 22, um dos principais palestrantes da Feira Brasileira do Varejo, que ocorre entre os dias 21 e 23 no centro de eventos da Fiergs. Em entrevista a Zero Hora, o norte-americano comentou alguns dos principais temas que permeiam o mercado global do varejo, como a crescente utilização da inteligência artificial e a competição com o comércio eletrônico.

Mathias Boni

Você atua no mercado do varejo há 40 anos. O que acredita que mais mudou nesse período, e o que ainda continua similar, como essência do negócio?

Em termos da maior diferença, a mais significativa é o domínio das compras online. Especialmente ao longo dos últimos 15 anos, essa prática cresceu muito e isso realmente mudou tudo. Acabamos de fazer um estudo, chamado Varejo 3.0. No histórico, descrevemos o varejo 1.0 como a prática predominou por muitos anos. As pessoas faziam compras em lojas locais, e quando se abria uma loja de departamento, era um grande acontecimento. Durante a fase do varejo 2.0, fomos bombardeados pelo estabelecimento de grandes lojas e shoppings, concentrando em um mesmo local um elevado número de negócios. Abriram-se milhares de shoppings em um período bem curto de tempo, por todos os lugares. 

Mas agora, tudo isso está mudando, e estamos neste período chamado varejo 3.0, com maior inclusão da tecnologia nesse processo, que inclui as compras online. E o que permanece com o mesmo propósito nas últimas décadas como um objetivo dos varejistas, pelo menos para os mais cuidadosos, é a preocupação em proporcionar uma boa jornada de compra ao cliente. Seja nas lojas físicas, com um atendimento atencioso, ou mesmo no digital, com os recursos disponíveis atualmente, o que permanece como essência do negócio para muitos varejistas é proporcionar aos consumidores uma jornada de compra que os satisfaça.

? Nos últimos anos, observamos um grande aumento das compras online, inclusive de produtos estrangeiros, ou de grandes companhias, como a Amazon. Como lojas mais tradicionais e que têm unidades físicas podem tentar enfrentar esse movimento?

Esta é uma reflexão que começou há umas duas décadas. Para quem aposta somente em pontos físicos hoje em dia, é uma situação muito difícil. No mundo inteiro o fluxo desse tipo de comércio diminuiu, e segue diminuindo. De forma geral, os varejistas demoraram a entender e a reagir à invasão de produtos estrangeiros e ao crescimento vertiginoso das compras online - a pandemia obrigou muitos a digitalizar suas operações, um pouco à força. 

Acontece que, mesmo assim, as empresas menores têm catálogos muito mais limitados em comparação às grandes companhias, e muitas vezes o preço das grandes companhias também se mantém mais competitivo, então é realmente difícil fazer frente. É uma tendência de consumo que chegou e se estabeleceu. Minha dica para os varejistas que vendem em lojas físicas e que querem enfrentar esse movimento é tentar se diferenciar pela qualidade dos produtos e do atendimento, e apostar na autenticidade e na exclusividade para gerar um interesse maior no público. 

Você não vai conseguir competir em opções e capacidade de entrega com uma gigante como a Amazon, então você precisa apostar em outros atributos que possam ser fatores de atração.

? Nesse contexto se insere o conceito de "varejo lento" que você desenvolveu, certo? Pode explicar um pouco dessa ideia?

Esse conceito surgiu com uma analogia da indústria alimentícia, onde você tem o fast food, que te entrega uma refeição em poucos minutos, às vezes até em segundos, e por isso alguns restaurantes criaram o conceito de "slow food", dando ênfase à qualidade do alimento e à experiência da alimentação. Nesse aspecto, o "varejo lento" se contrapõe justamente a essa ideia das grandes corporações que prometem entregas de produtos até em poucas horas. 

Propõe que o comerciante desacelere, não entre em competição com essa velocidade, e foque na qualidade do seu produto e do seu serviço. É uma proposta de um varejo quase artesanal, todo pensado com cuidado e capricho para criar um destaque e se sobressair em meio a esse oceano de ofertas e possibilidades que encontramos no mercado atual.

? Com o avanço tecnológico, se observa cada vez mais a inserção da inteligência artificial em diversos segmentos de atividades econômicas. Como a IA tem sido utilizada no mercado do varejo?

A IA deve ser vista pelos varejistas como um recurso, uma ferramenta, que deve ser utilizada de forma estratégica. É uma ferramenta que pode ajudar com a logística de entregas, por exemplo. Pode fazer textos simples descritivos de produtos à venda para o site, mas ainda não se mostra capaz de planejar e executar grandes campanhas de marketing. 

Pode ajudar a fazer um atendimento rápido online via chat, mas tem limitação para fazer um atendimento mais completo e informativo aos clientes, e definitivamente não substitui o carisma de um bom vendedor. Por isso, defendo que a IA seja empregada pelos varejistas de forma tática, como um recurso que pode lhe poupar tempo para coisas mais simples, mas não é algo que vai lhe resolver todos os problemas de forma automática.

? Como você avalia o mercado varejista brasileiro, e quais características destacaria?

O mercado do Brasil é único, não é como os Estados Unidos e nem como a Europa. É também um mercado enorme, com grande público consumidor e grandes lojas e marcas muito estabelecidas no país e no resto do mundo. Eu conheço o país há muitos anos, costumávamos vir ao Rio de Janeiro desde a década de 1980, sempre no final do ano, para antecipar tendências de verão que estavam populares no país e aplicar no verão dos Estados Unidos. 

O mercado fashion brasileiro sempre teve um grande destaque e sempre foi muito bem aceito nos Estados Unidos e na Europa, com roupas estampadas e coloridas que sempre se mostraram populares por aqui. As roupas brasileiras de verão têm como característica passar uma sensação de conforto e também uma imagem "cool". Um grande exemplo de marca brasileira com essas características e que é muito reconhecida no mercado internacional é a Havaianas, que transformou seus chinelos em artigos altamente desejados. Eu sempre trabalhei mais no mercado fashion, e você não pode pensar em moda verão sem pensar no Brasil. 



17 de Maio de 2025
ANDRESSA XAVIER - Andressa Xavier

O segredo da longevidade

No início do mês, estive em São Sepé, na região central do Rio Grande do Sul, para a visita anual de aniversário do seu Ivo Vasconcelos, avô do meu marido. Ele completou 99 anos e celebrou com um animado baile na Capela São Francisco. Galeto, salada, arroz, massa caseira, batata-doce, aipim? O tradicional festival de carboidratos típico das festas do interior. Uma delícia. Mesas compridas, bancos lotados, muita conversa, risadas e causos. Seu Ivo, emocionado, recebeu os desejos de saúde, felicidade e boa colheita na lavoura da amizade, ao som do Parabéns Gaúcho, entoado com entusiasmo no salão.

Curiosa, perguntei a ele qual seria, afinal, o segredo para viver tanto e tão bem. Lúcido, bem de saúde e com limitações naturais da idade, segue morando na mesma casa onde criou os filhos e viveu com a esposa, falecida há quase 20 anos. Respondeu com simplicidade que é não exagerar. Cuidar da alimentação, manter horários para comer, trabalhar e dormir. Nada em excesso. O mesmo no caso de bebidas, que ele aconselha a não fazer "misturagem". Disciplina, sobriedade e leveza.

Recentemente, perdemos a irmã Inah Canabarro, aos 116 anos. Até então, era a mulher mais velha do mundo - e morava aqui no Rio Grande do Sul. Viveu grande parte da vida em um convento, longe dos holofotes, com uma rotina marcada pela simplicidade, fé e uma paz interior admirável. Gostava de chocolate e doce de leite, afinal, ninguém é de ferro. Mas seu ritmo era outro. Um estilo de vida que, mesmo soando antiquado aos olhos modernos, revela uma profunda conexão com a essência da existência.

Nesta semana, nos despedimos de Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, aos 89 anos. Um homem de ideias simples, vida discreta e alma generosa, pelo que todos que conviveram com ele contam. Um raro caso de político que viveu com coerência entre discurso e prática. Cultivava afetos, trabalhava com propósito, ria com frequência, mantinha a mente ativa e o coração em paz.

Essas pessoas aparentemente têm algo em comum: não correram contra o tempo. Caminharam com ele. Fizeram da rotina uma aliada, não uma prisão. Encontraram sentido nas pequenas coisas, priorizaram os vínculos, valorizaram o agora. Conversaram. Tomaram um mate com quem gostam.

Talvez a longevidade verdadeira não esteja apenas nos anos vividos, mas na forma como vivemos cada um deles. Em tempos tão acelerados, essas histórias nos convidam a refletir sobre ter menos pressa e mais presença. Porque viver muito é bom. Mas viver bem? isso, sim, é extraordinário. Já disse David Coimbra: a vida é boa. 

ANDRESSA XAVIER

17 de Maio de 2025
MARCELO RECH

O mausoléu da bajulação

Grütas, Lituânia - Um parque de 20 hectares, a 10 quilômetros da fronteira da Bielorussia, deveria ser paragem obrigatória na carreira de líderes políticos. Em meio à floresta, jazem aqui 86 esculturas de próceres do marxismo e da União Soviética, além de líderes comunistas lituanos encarados hoje como traidores.

O parque das esculturas rejeitadas é um testemunho cruel da volatilidade da política e de como o bajulado de hoje pode ser o abominado de amanhã. É essa possibilidade de conversão de líder cercado de aduladores incansáveis para o jazigo do vilipêndio que deveria servir de aprendizado para todos os homens públicos: o poder sempre é transitório e nada mais enganador do que os escova-botas que cobrem o chefe de elogios e aplausos, sem nunca contestá-lo.

Quase surreal, o mausoléu das esculturas foi criado pelo empresário lituano Viliumas Malinauskas, que arrecadou para seu parque estátuas de líderes comunistas que ornavam as principais praças da Lituânia. Como de resto em toda a ex-URSS, elas haviam sido derrubadas pelo povo em fúria quando o império socialista derreteu. Encontram-se aqui dezenas de esculturas de Lenins e Stalins em tamanho ciclópico, em cujos pés crianças com lenço vermelho ao pescoço depositavam flores enquanto líderes locais deitavam falação e lisonjas.

O problema não está tanto nas milhares de pessoas que dedicaram suas vidas a cortejar regimes que caíram em desgraça da noite para o dia. Na URSS, como em toda ditadura, sobreviver era uma arte, e por lá ela incluía nunca ser o primeiro a parar de bater palmas nos discursos de Stalin. A questão central é que muitos líderes, sobretudo os de fundo autocrático, acreditam que a bajulação e o aplauso do povo são sinceras demonstrações de gratidão por sua existência.

A Coreia do Norte e os frenesis públicos causados pelas aparições de Kim Jong-un são a demonstração mais atual de como ditadores manipulam emoções e produzem manifestações de apoio falsamente espontâneas. Mas, em escala menor, o fenômeno acomete também líderes de países democráticos, mais acentuadamente os de fundo populista, ressalve-se.

No Brasil, a cultura palaciana de salamaleques, rituais e verborragias inúteis segue firme e forte. Já as esculturas de muita gente boa apanham como o diabo. No Rio de Janeiro, 90% dos monumentos públicos sofreram algum vandalismo recente, segundo o SOS Patrimônio. Em uma estátua de Gandhi, furtaram-lhe parte do cajado, restando um patético porrete na mão do líder pacifista indiano. Enquanto a bajulação segue viva, por aqui nem os monumentos resistem à escassez de líderes capazes de colocar o país nos trilhos. 

MARCELO RECH

17 de Maio de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Fusão bilionária em tempos de gripe aviária

Se na quinta-feira chegou ao fim a maior disputa entre empresas da história recente do país, também foi anunciada uma nova megafusão no setor de proteína animal. As gigantes Marfrig e BRF - resultado de outra combinação de negócios, em 2009 - vão formar a MBRF Global Foods Company, que representa receita líquida anual de R$ 152 bilhões.

O anúncio foi feito na véspera da confirmação oficial do primeiro foco de influenza aviária em granjas comerciais do Brasil, um risco para a avicultura e, por extensão, às empresas que processam e exportam carne de frango e ovos, caso especialmente da BRF - a Marfrig é mais concentrada em carne bovina.

A fusão entre Sadia e Perdigão, que gerou a BRF, ocorreu em período de forte crise internacional, o estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos. A fusão também foi uma forma de fortalecer as empresas, que na época ficaram expostas a operações com derivativos de câmbio, impactadas pela turbulência financeira.

Anúncio vem depois de tratativas e antes de aprovação

O anúncio oficial foi feito na noite de quinta-feira, depois do fechamento do mercado financeiro. O comunicado costuma ser a parte final de longas negociações, mas também o passo inicial de um processo de aprovação, especialmente no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Do ponto de vista da defesa da concorrência, o que atenua o impacto do negócio é o fato de a Marfrig ter foco em carne bovina, com exportações sobretudo para os EUA, enquanto a BRF tem maior atuação em aves e suínos, com grande fatia de mercado na Ásia e no Oriente Médio. No mercado, o formato é visto como mais vantajoso para os acionistas da Marfrig.

É bom lembrar que o negócio ocorre em plena crise dos ovos nos Estados Unidos, causada pela gripe aviária. E em meio à guerra comercial deflagrada pelos Estados Unidos - apenas por coincidência, a mesma origem do foco no Rio Grande do Sul. Há expectativa de que o acionamento dos protocolos sanitários contenham o contágio, mas o risco aumentou. _

O mercado fez sua avaliação sobre a fusão: na sexta-feira, as ações da Marfrig subiram 21,3% e as da BRF fecharam com avanço de 0,78%, depois de ter queda em quase toda a sessão. A bolsa recuou 0,11% depois de dois recordes.

Terminal vai a leilão

O terminal POA26 do porto da Capital deve integrar o segundo bloco de leilões portuários de 2025, confirmado na sexta-feira pelo Ministério de Portos e Aeroportos (MPor). A previsão é realizar a disputa em julho.

A área deve ser usada principalmente na movimentação e armazenagem de grãos como soja e milho. A previsão de investimento a partir do arrendamento é de R$ 21,1 milhões, com prazo de 10 anos de concessão.

O POA26 havia sido confirmado para o leilão anterior, mas acabou não participando por necessidade de "estudo para adequar o projeto", diz o MPor. _

Reconstrução do RS ainda tem recursos

O fundo RegeneraRS, criado para ajudar na reconstrução do RS, aplicou R$ 13 milhões dos R$ 40 milhões que administra um ano depois do dilúvio de maio de 2024. Os recursos são de gigantes como Gerdau, Fleury, Instituto Helda Gerdau e Vale.

Na área de habitação, um dos maiores gargalos, apoia a construção de 531 moradias. Na educação, recuperou escolas e apoia o Hub de Educação e Resiliência de Encantado. No apoio a negócios, atua com o projeto Estímulo Retomada RS. Em soluções urbanas, atua com Gerando Falcões e Boticário. _

Mudanças no Bolsa Família

Com o papel dos programas sociais no mercado de trabalho sob questionamento, o governo mudou o Bolsa Família. Se não responde a todas as inquietações, a iniciativa reduziu o tempo para manter o benefício de dois para um ano em caso de aumento de renda.

Era uma transição entre a saída do Bolsa Família e a entrada no mercado de trabalho. Até agora, caso houvesse aumento da renda familiar entre R$ 218 e R$ 759 por pessoa, a família tinha direito à metade do benefício por mais dois anos. Além da redução para um ano, o valor máximo de renda per capita para ingresso no programa caiu de meio salário mínimo (hoje R$ 759) para R$ 706, para alinhar à linha de pobreza internacional.

Em 2024, 75,5% do saldo positivo do Caged foi formado por beneficiários. O Ministério do Desenvolvimento Social afirma que "o objetivo é reduzir a fila de espera e priorizar famílias que de fato estão em situação de pobreza ou pobreza extrema". 

GPS DA ECONOMIA

17 de Maio de 2025
ESTADO - Fábio Schaffner

Partidos costuram alianças e tentam isolar adversários para a eleição de 2026

Filiação de Eduardo Leite ao PSD, acordo entre PP e União Brasil e provável fusão de PSDB e Podemos anteciparam os movimentos das legendas no Rio Grande do Sul com vistas ao próximo pleito. PL, MDB e PT têm pré-candidatos a governador e tentam formar coalizações com outras siglas.

As recentes movimentações partidárias e a filiação do governador Eduardo Leite ao PSD antecipam as costuras para as eleições do ano que vem no Rio Grande do Sul. A partir da federação formada por PP e União Brasil, da provável fusão do PSDB com Podemos e da orientação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que o PT reproduza nos Estados sua base de sustentação no Planalto, partidos e candidatos começam a buscar alianças e tentar isolar adversários.

Há ações em curso em quase todas as legendas. Enquanto o PL, de Luciano Zucco, e o MDB, do vice-governador Gabriel Souza, buscam apoio de partidos de centro-direita, o PT, de Edegar Pretto, aguarda definições de legendas como PSB, PDT e PSOL para 2026. Confira, a seguir, como estão as articulações. _

Zucco e Gabriel buscam apoios

No PL, o deputado federal Luciano Zucco busca sedimentar um palanque ao governo do Estado, atraindo o Republicanos, o Novo e a federação PP-União Brasil. Para tanto, Zucco passou a terça-feira percorrendo gabinetes na Assembleia Legislativa.

O objetivo é frear uma ação do governador Eduardo Leite, que, nas últimas semanas, tem agido para afiançar o apoio do Republicanos e da aliança PP- União Brasil à candidatura do vice Gabriel Souza (MDB) ao Palácio Piratini.

Nas conversas, Zucco lembrou que os partidos estiveram juntos na campanha de Onyx Lorenzoni em 2022 e que há um projeto nacional em torno das forças bolsonaristas visando 2026, seja com uma candidatura presidencial de Jair Bolsonaro, declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ou do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

- Lógico que estar no governo Leite tem vantagens, mas não tenho dúvidas de que PP e Republicanos estarão num projeto ligado ao PL em 2026. A conversa com os deputados faz parte dessa preparação - afirma Zucco.

Novo defende aliança ao centro

Sem intenção de lançar candidato ao Piratini, o Novo é o aliado mais próximo de Zucco atualmente. Precisando superar a cláusula de barreira em 2026, o partido prioriza o nome de Marcel van Hattem ao Senado e organiza nominata forte à Câmara dos Deputados.

No encontro com Zucco, o deputado estadual Felipe Camozzato reforçou a afinidade entre as duas legendas, mas pediu empenho na composição de uma aliança robusta, com especial atenção à centro-direita.

- Zucco estava surpreso com essa investida do governo sobre PP e Republicanos. Eu disse que, se ele quiser ganhar, precisa começar a falar com outros partidos e sinalizar mais ao centro, pois o voto bolsonarista ele já tem - conta Camozzato. _

PP enfrenta disputa interna

O principal alvo da cobiça de Zucco e de Gabriel é o PP. Com maior número de prefeitos e vereadores no Estado, a sigla detém duas secretarias no governo Leite e, a partir da federação com o União Brasil, será a segunda maior força da Assembleia.

Internamente, dois nomes tentam envergar candidatura ao Piratini: o ministro do Tribunal de Contas da União João Augusto Nardes e o secretário de Desenvolvimento Econômico, Ernani Polo.

Enquanto incentiva os passos dos dois para movimentar o partido, o presidente estadual, Covatti Filho, tenta gerenciar um problema doméstico: o pai, o secretário de Desenvolvimento Rural, Vilson Covatti, deseja fazer da esposa, a deputada estadual Silvana Covatti, candidata a vice de Gabriel. Em evento no início do mês em Frederico Westphalen, berço político da família, o casal garantiu apoio ao emedebista. A atitude obrigou Covatti Filho a desmentir os pais.

- Foi precipitado. Primeiro, precisamos construir unidade interna; depois, levar o tema para debater na federação - projeta Covattinho.

Constrangimento com o União

O entendimento é compartilhado com o presidente do União Brasil, Luiz Carlos Busato, que considera que o movimento diminui o cacife da federação nas negociações de uma aliança eleitoral.

Embora o peso político seja o maior atributo da nova federação, deputados do União Brasil, com medo de não se reeleger pela nova composição, foram a Brasília na semana passada conversar com a direção do Republicanos. Por outro lado, Busato tenta atrair o deputado federal Daniel Trzeciak, descontente com o rumo do PSDB após a saída de Leite. _

PT monitora PSB e PDT

Na esquerda, o principal foco de tensão está no PSB. Recém-eleita, a direção estadual da legenda está sob ameaça de intervenção. Alegando supostas irregularidades no congresso de 26 de abril, o grupo do ex-deputado Beto Albuquerque pediu providência ao comando nacional.

O pano de fundo é o rumo do partido em 2026. Alinhado a Lula no plano federal, o PSB já declarou apoio à reeleição do presidente e quer reproduzir a aliança com o PT no RS.

Nos bastidores, comenta-se que o prefeito de Recife, João Campos, que assume a presidência da sigla no fim de maio, pretende entregar o comando estadual a aliados de Beto.

Para tanto, seria necessário destituir a atual direção, cujos integrantes se distanciaram da esquerda gaúcha e mantêm cargos no governo Leite. A manobra também abriria caminho para a filiação de Manuela D?Ávila, que só deve definir seu futuro no final do ano, mas está disposta a concorrer a um cargo majoritário.

A movimentação é monitorada pelo PT. Com Edegar Pretto postulando o Piratini e Paulo Pimenta, o Senado, o partido realiza eleição para o comando estadual em junho. Favorito para a presidência, o deputado Valdeci Oliveira deseja replicar a coalizão com PSB e PDT, que deve dar suporte à reeleição de Lula, mas há resistências. O PSB só apoiará candidatura petista caso se confirme a intervenção do diretório nacional. No PDT, que aumentou seu espaço no governo Leite, o posicionamento é semelhante.

Internamente, correntes petistas mais à esquerda repudiam um discurso de centro. É o caso da Democracia Socialista (DS), que tem o deputado Miguel Rossetto como pré-candidato ao Piratini. Na tentativa de neutralizar essa postura, o deputado Pepe Vargas, também da DS, se lançou pré-candidato, mas tende a retirar seu nome mais adiante.

As forças majoritárias do PT, afinadas em torno de Pretto e Pimenta, trabalham para se aproximar do centro. O grupo entende que, há duas eleições sem chegar ao segundo turno, esse é o caminho para o êxito em 2026, mesmo que seja preciso abrir mão do apoio do PSOL.

PSOL não aceita suavização

Presidente do PSOL em Porto Alegre, Roberto Robaina diz que a legenda não aceita suavizar o discurso e quer espaço na chapa para apoiar um nome do PT. _



17 de Maio de 2025
CONEXÃO BRASÍLIA - Matheus Schuch

Governo Lula muda postura após críticas

A postura inicial do governo Lula sobre o foco de crise aviária no Rio Grande do Sul gerou críticas entre produtores e autoridades do setor. As primeiras manifestações do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, foram consideradas fora de tom e chamadas por alguns empresários de "exagero".

Ao longo da sexta-feira, o ministério mudou a estratégia de comunicação e passou a defender com ênfase que os acordos sanitários internacionais reconheçam o princípio de regionalização, preconizado pela Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA), em que só há restrições para a compra de propriedades no entorno da área infectada.

Antes, com base em entrevistas de Fávaro e sem os dados precisos do governo, veículos de imprensa chegaram a divulgar que o governo suspenderia todas as exportações do Rio Grande do Sul. Os alertas ao Planalto de que a postura poderia provocar pânico desnecessário foram ouvidos. Uma espécie de força-tarefa foi montada para análise dos protocolos assinados com todos os países importadores, abrindo canais de negociação.

Regionalização

Países como o Japão, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Filipinas já aprovaram o protocolo de regionalização, segundo o ministério. Nos casos da China, União Europeia e outras nações que preveem a suspensão de compras de todo o país, o governo levará subsídios para tentar convencê-los de que é possível manter os negócios com outras regiões.

"Reiteramos a importância de se reconhecer a regionalização para o caso", disse o ministério.

O governo também esclareceu ainda que não há restrição generalizada da exportação de produtos de aves do Rio Grande do Sul. 

CONEXÃO BRASÍLIA


17 de Maio de 2025
INFORME ESPECIAL

Desmatamento no RS cresce, enquanto no Brasil cai

Dados divulgados nesta semana pela rede de monitoramento do MapBiomas apontam que o desmatamento recuou 32,4% no Brasil em relação a 2023 - 1,24 milhão de hectares de vegetação nativa suprimida. No Rio Grande do Sul, os dados não são os melhores: o Estado foi o segundo, em proporção, que mais aumentou o desmatamento. Enquanto o Brasil registrou a diminuição de 32,4%, o RS cresceu 70%.

Segundo o pesquisador do MapBiomas Eduardo Vélez, entre 2022 e 2023 ocorreu uma queda na perda de florestas no RS, contudo o aumento em 2024 já era esperado devido aos eventos climáticos que o Estado enfrentou:

- Houve muitos deslizamentos de encostas de morro que tinham florestas. Nós monitoramos toda a remoção de vegetação florestal, seja ela causada por um evento natural, climático ou causada por ação humana.

Mata Atlântica

O RS passou de 2.343 em 2023 para 3.998 hectares de áreas desmatadas em 2024, sendo dois terços - 2.805,8 hectares - somente em função dos eventos climáticos.

O pesquisador explica que no RS estão presentes dois biomas: do total de 3.998 hectares, 3.102 foram perdidos na Mata Atlântica, enquanto 896 no Pampa:

- O Pampa praticamente não teve efeito dos eventos climáticos na perda florestal. Foi tudo concentrado na região de Mata Atlântica. E essa área que foi suprimida por causa natural, não costumamos denominar de desmatada, porque desmatada pressupõe uma ação de origem humana. Por isso, descrevemos como uma perda de vegetação nativa por eventos climáticos.

Os principais municípios com registro de aumento de desmatamento foram Veranópolis, Cotiporã e Bento Gonçalves. Os três figuram na lista das 10 cidades que mais perderam floresta na Mata Atlântica em todo o Brasil em 2024.

Já comparando os dados do desmatamento somente no Pampa entre 2023 e 2024, houve uma redução de 42%.

Na comparação nacional entre os Estados, o RS ficou em 20º lugar, ou seja, há 19 Estados da federação que desmataram uma área maior do que a registrada para o Rio Grande do Sul. _

Embaixador do Brasil se reúne com o Papa

O papa Leão XIV realizou, na sexta-feira, sua primeira audiência com o corpo diplomático do mundo inteiro. Durante o encontro, o embaixador do Brasil no Vaticano, Everton Vieira Vargas, convidou o Pontífice para participar da COP30 - a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que ocorrerá em Belém, em novembro.

Em entrevista à coluna, o embaixador contou que, primeiramente, o Papa o saudou em português e ambos seguiram a conversa no idioma:

- Comentei que o presidente Lula havia enviado sua saudação com desejos de muito êxito no pontificado e falei também que esperamos uma visita dele ao Brasil, preferencialmente junto com a COP30.

A coluna questionou sobre o trabalho que o Brasil pode realizar junto à Santa Sé:

- Temos um grande interesse em conversar com a Santa Sé a respeito de como estão as tratativas, ou como atuar para diminuir as guerras que estão por aí, de se buscar fórmulas para a agenda de paz. Temos também o combate à fome e à pobreza e a questão dos direitos humanos. Bilateralmente, um tema muito relevante é a celebração dos 200 anos das relações entre o Brasil e a Santa Sé, em janeiro do próximo ano. _

Família é "união entre o homem e a mulher"

Na mesma audiência com o corpo diplomático, o Papa afirmou que a família é fundada pela "união estável entre o homem e a mulher". Foi a primeira vez em que o Pontífice falou publicamente sobre questões de costumes.

- Cabe aos responsáveis governamentais esforçarem-se por construir sociedades civis harmoniosas e pacíficas. Isto pode ser feito, principalmente, investindo na família, fundada na união estável entre o homem e a mulher, uma sociedade muito pequena, certamente, mas real e anterior a toda a sociedade civil. Além disso, ninguém pode deixar de favorecer contextos em que a dignidade de cada pessoa é protegida, especialmente a das mais frágeis e indefesas, do nascituro ao idoso, do doente ao desempregado, seja ele cidadão ou imigrante - discursou.

Palavras-chave

A fala foi feita ao elencar três palavras-chave que constituem pilares da ação missionária da Igreja e do trabalho da diplomacia da Santa Sé: paz, justiça e verdade.

Em outro trecho, ao falar sobre "verdade", disse que a Igreja não pode se furtar a dizer a verdade "sobre o homem e sobre o mundo", mesmo recorrendo a uma linguagem franca e que pode provocar alguma incompreensão inicial. _

Arcebispo de Porto Alegre discute COP30 no Vaticano

O arcebispo metropolitano de Porto Alegre, cardeal dom Jaime Spengler, também presidente do Conselho Episcopal Latino- Americano e Caribenho (Celam), reuniu-se com o papa Leão XIV para uma audiência na quinta-feira. O encontro ocorreu na biblioteca do Palácio Apostólico, no Vaticano.

- Dois pontos foram abordados: primeiro, a maneira como estamos desenvolvendo junto ao Celam os processos indicados pelo sínodo do ano passado. Segundo, a questão da COP30 e qual seria essa posição da Santa Sé. Pensar quem são os representantes durante a COP30 - contou Spengler à coluna.

Foi apresentado ainda o trabalho que o Celam, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) - da qual dom Jaime Spengler também é presidente -, e o Conselho Episcopal da Ásia e da África vêm preparando para a COP30.

Pauta ambiental

O cardeal lembrou que a Campanha da Fraternidade já tratou do tema meio ambiente e que, neste ano, completam-se 10 anos da encíclica Laudato Si?, do papa Francisco, que abordou o assunto.

Questionado pela coluna sobre os primeiros dias do pontificado e sobre o contato com o novo líder da Igreja Católica, Spengler afirmou que as conversas com Leão XIV têm sido de "simplicidade e muita proximidade". 

INFORME ESPECIAL

sábado, 10 de maio de 2025



11/05/2025 - 15h35min
Martha Medeiros 

As mães mantêm o instinto que não as deixa esquecer que, no fundo, ainda somos suas garotinhas

Hoje darei voz às filhas de 50+, 60+, que há muito tempo cuidam sozinhas de si mesmas e agora têm que assumir a maternidade da própria mãe

Nós, que penteamos seu cabelo, que propomos um jogo de cartas e que fingimos escutar pela primeira vez uma história mil vezes repetida.

Semanas atrás, escrevi sobre um assunto de interesse de milhões de mulheres. Mergulhada nele também, o elegi como a nova questão a invadir as redes (menopausa, abra um espacinho aí). Trata-se de quando os papéis se invertem e os filhos passam a cuidar dos pais. Em tese, é a oportunidade para extrair mais amor da relação, mas a realidade não costuma dar essa colher para teses. O lado prático é que se impõe.

Hoje é dia delas, das nossas mães e das mães que também somos. É muita mãe para um domingo só. Escrevo colunas há décadas e já esgotei meu repertório de homenagens, então hoje darei voz às filhas de 50+, 60+, que há muito tempo cuidam sozinhas de si mesmas e agora têm que assumir a maternidade da própria mãe – também é muita filha para um único domingo. Sei que os pais deveriam entrar nessa equação, mas sendo um dia tão feminino, é para elas – nós – que escrevo.

Nós e nosso pânico quando surge “Mãe” escrito no visor do celular: é ela chamando, desconfiada de que tomou duas vezes o mesmo medicamento. É ela avisando que a janela está emperrada e é preciso chamar alguém para consertar (já foi consertada semana passada). 

É ela dizendo que não encontra o casaco azul que tanto gosta (um dia encasquetou que azul não lhe caía bem e passou o agasalho adiante). É ela certa de que tem gente estranha no quarto ao lado (é a cuidadora).

Todos no lucro: ela não levou nenhum tombo no banheiro, que é a notícia que nós não queremos escutar. Nós, que temos que lembrá-la de que as mensagens publicitárias do WhatsApp não precisam ser respondidas. De que nhoque sempre foi seu prato preferido, por que a implicância agora? De que sábado foi ontem, e hoje não tem novela.

Nós, que a incentivamos a passar um batonzinho, a velhice não precisa cancelar a vaidade. Que temos que dar o braço para ela caminhar do sofá até a cozinha. Que a levamos ao cinema e nos emocionamos ao ver seus olhos brilharem diante da tela, mesmo ela tendo reclamado, ao final, que o filme foi muito longo.

Nós, que tentamos fazê-la desistir de usar um tricô já manchado pelo tempo (ela quer poupar os novos). Nós, que penteamos seu cabelo, que propomos um jogo de cartas e que fingimos escutar pela primeira vez uma história mil vezes repetida. 

Nós, que nos afligimos quando temos que viajar, que nos culpamos a cada afastamento e que torcemos para que ela não nos ligue no exato momento em que o avião estiver aterrissando – mas é bem nessa hora que ela liga, ela pressente que estamos voltando. 

Apesar de nossa atenção estar 99% voltada para o bem-estar dela, como se ela fosse uma garotinha, nem tudo está perdido: ela mantém ao menos 1% do instinto que não a deixa esquecer que sua garotinha ainda somos nós. 


10 de Maio de 2025
CARPINEJAR

O amor de colher

Mães não são todas iguais - mas são parecidas no excesso de proteção. Na minha infância, a mãe tinha obsessão por fortificantes.

Eu era franzino, um bambu, sustentado à base de fotossíntese particular. Comia pouco. Era o rei das bainhas e das dobras nas roupas.

Ela vivia me dando Emulsão de Scott para estimular o apetite e prevenir o raquitismo: um xarope feito de óleo de fígado de bacalhau, com gosto forte e marcante de peixe adormecido e ferrugem. Nem o dulçor da fragrância de laranja disfarçava o seu ranço.

No rótulo da garrafa de vidro âmbar escuro, num fundo amarelo-claro, havia o desenho de um homem de suíças, terno e chapéu, carregando nas costas, mediante cordas, um bacalhau enorme, quase do seu tamanho.

Eu achava que Dona Maria queria que eu me transformasse no Scott. Não compreendia bem o que ele significava: um pescador executivo? Um entregador de peixe do Mercado Público?

Como ele sorria com aquele peso? Ele bebia a Emulsão que levava seu nome?

Na minha fantasia, cumpria o papel moderno de um herói grego mitológico, a exemplo de Hércules. Seu conteúdo correspondia a um castigo líquido, um pesadelo para o paladar, a certeza do nó górdio no estômago.

Por mais que eu fugisse para o pátio, a mãe me localizava. Cessava a perseguição unicamente diante da minha careta ao sorver tudinho sem cuspir. Experimentei, nos anos 1970 e início dos 1980, uma época efervescente dessas poções miraculosas. Lembro-me de algumas:

Biotônico Fontoura - Tônico de ferro com sabor adocicado. Virou jingle popular na televisão:

A de Abre o apetite

B de Bom de tomar

C de Comer, de crescer, fortalecer

E de Entender

D de Decorar

T de Tá na hora de tomar

B A BÁ

B E BÉ

B I Biotônico Fontoura!

Sadol - Indicado para recuperação após gripes ou fadiga. Tinha fórmula com vitaminas do Complexo B e ferro. O slogan grudava: "Sadol dá força!".

Capivarol - Um tônico também à base de extrato de fígado. O nome, que lembra "capivara", desencadeou uma confusão entre os usuários que supunham que ele funcionava como antiparasitário.

Ferrograd - Suplemento de ferro prescrito para combater a anemia infantil, geralmente em comprimidos ou gotas. Sustagen - Suplemento alimentar em pó, misturado com leite, muito usado para reforçar a nutrição das crianças.

Karo - Um xarope de milho dado como fonte de energia e calorias. Hemolitan - Suplemento vitamínico líquido, com ferro, muito receitado por pediatras.

Citoneurim - Vitaminas do Complexo B, para casos de fraqueza ou convalescença.

A mãe sempre acreditou que poderia me salvar da imundície do pátio e da minha compulsão pela várzea de futebol. A colher de sopa era extensão de sua mão, materialização do seu afeto.

Eu me distraía e ela surgia com o antídoto, jurando que eu tinha engolido terra ou posto os dedos sujos na boca. Os remédios pararam quando entrei na adolescência e encorpei.

Mas Dona Maria só trocou a obsessão antiga por uma nova: a vitamina C.

Tornou-se, pelo jeito, sua prescrição eterna. O curioso é que ela não se detém nos primeiros sintomas de resfriado - espirros e coriza.

É todo santo dia. Ela defende que a vitamina é um escudo. Uma muralha contra a gripe. Quando me telefona, antes de desligar com seu típico "até logo" - ela não diz "tchau", mas "até logo", assim como não diz "alô", mas "pronto" -, ela já emenda:

- Já tomou a sua vitamina C hoje? Será que ela trabalha secretamente para a indústria farmacêutica? Ou será só amor escancarado?

A mãe não cansa de me cuidar. Mesmo distante, continua tentando me curar do mundo. _

CARPINEJAR

10 DE MAIO DE 2025
MARCELO RECH

O muro dos estereótipos

Narva, Estônia - De um lado do rio, a Estônia e a União Europeia, com suas democracias, liberdade de expressão, livre mercado e apoio à Ucrânia. A 150 metros, na outra margem, separada pelo Rio Narva, está a russa Ivangorod. As duas cidades se ligam por uma ponte, ora fechada para veículos, mas na prática estão separadas pela ameaça russa de retomar as Repúblicas Bálticas, independentes da União Soviética desde 1991.

Se houver um lugar em que a Rússia testará a capacidade de resposta da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), será aqui, onde a língua franca é o russo e grande parte da população local se sente ligada por origem a Moscou. A Estônia e seus aliados sabem disso e não brincam em serviço. Para se entrar e sair da cidade, na extremidade nordeste da Estônia, para-se em barreiras do exército. Nas estradas, são corriqueiros os comboios de viaturas e blindados da Otan.

Desde a invasão da Ucrânia, Narva e arredores se transformaram em zonas militares, em tensão permanente. Na cidade, patrulhas do Exército circulam pelas ruas quase desertas. Em termos bélicos, é o ponto mais quente da União Europeia. Nos mastros às margens do rio tremulam bandeiras da Otan - algo que não se vê todo dia na Europa - e uma vistosa bandeira da Ucrânia, bem na frente dos russos.

A separação dos dois mundos, tão longe e tão perto, me remeteu ao Muro de Berlim, que conheci adolescente, em 1975, quando ainda se subia em plataformas para espiar o lado comunista. Na época, alemães ocidentais e orientais pareciam viver em universos paralelos. A queda do muro, em 1989, revelou que a política produziu diferenças, mas os estereótipos eram mais fortes do que a realidade.

Estereótipos são a mais preguiçosa forma de julgamento de sociedades, povos, religiões, profissões e assim por diante. Porque se limitam à superfície, eles impedem que se conheça de fato os indivíduos. Os EUA, por exemplo, não podem ser reduzidos ao trogloditismo de um Donald Trump. O americano médio é uma figura gentil, simpática com estrangeiros e sempre prestes a ajudar desconhecidos. Idem os russos. É muita injustiça transformar a complexa sociedade russa em apêndice criminoso de Vladimir Putin. Em geral, os russos são cultos, amantes das artes e ávidos por se relacionarem com outras culturas e sociedades. Já viajei extensivamente pelos EUA e pela Rússia. Nada é perfeito, nada é tão ruim, e as necessidades e os anseios são os mesmos em toda parte.

Nunca se deve confundir, portanto, países e sociedade com seus governos. Não gostaríamos que os estrangeiros resumissem o Brasil e os brasileiros a Lula ou Bolsonaro, porque somos muito mais do que isso. Nós sabemos disso. Seria bom que todos soubessem sobre os outros povos também. 

MARCELO RECH