RUTH
DE AQUINO é colunista de ÉPOCA
Cartão amarelo para os
manos
O
secretário-geral da Fifa deu um carrinho por trás – mas... vamos mesmo
conseguir sediar a Copa?
Nada
como um carrinho por trás para criar confusão dentro e fora de campo. A julgar
pelo desfecho, a falta aconteceu em boa hora. A jogada desleal foi aplicada
pelo francês Jérôme Valcke, secretário-geral da Fifa, conhecido pelo estilo
traiçoeiro. Em inglês, ele disse que o Brasil precisaria de “um pontapé no
traseiro” se quisesse sediar direito a Copa do Mundo em 2014. Contundido
moralmente, o Brasil peitou a Fifa e exigiu a expulsão de Valcke do gramado.
A
turma do deixa-disso entrou na área. Valcke chamou o ministro do Esporte, Aldo
Rebelo, de “infantil”, depois amarelou e pediu desculpas à torcida verde-amarela.
O Brasil aceitou e resolveu mexer – se não no time, pelo menos na velocidade e
na precisão dos passes. Os manos aparentemente se reconciliaram, mas... vamos
mesmo cumprir a tempo todas as obras na infraestrutura e fazer uma boa exibição
em 2014?
Valcke
expressou em linhas tortas o que temos falado na rua, no botequim, na praia, no
trabalho: está difícil acreditar. Nem digo mais na Seleção, mas na agilidade (!!!)
do Congresso, que vive adiando a votação da Lei Geral da Copa. Está difícil
acreditar nos prazos e excelência dos estádios, nos serviços de hotelaria,
transporte, aeroportos. Está difícil acreditar na honestidade no Brasil. Ou
somos injustos?
Ao
rolar e espernear, o Brasil exagerou. Simulou. A falta de Valcke não foi tão
grave assim – embora tenha sido mal-educado e inconveniente. Deveria ser
parceiro, e não adversário. Sua chinelada verbal pode ter um mérito: virar o
jogo a favor da Copa brasileira, ao mexer com os brios de uma equipe burocrática,
comandada pelo sonolento Rebelo.
É importante
saber exatamente o que Valcke disse. O francês culpou os tradutores. Alegou que
queria apenas sugerir ao Brasil: “Acelere o ritmo”. Sua declaração, literal,
foi: “Lamento, mas as coisas não estão funcionando no Brasil. A gente espera
mais apoio – há essas discussões infindáveis sobre a Lei Geral da Copa. Deveríamos
ter recebido esses documentos assinados em 2007 e estamos em 2012. A gente tem
de acelerar, dar um chute no traseiro e realizar esta Copa do Mundo, e é isso o
que nós faremos”.
O
secretário-geral da Fifa deu um carrinho por trás – mas... vamos mesmo
conseguir sediar a Copa?
Cinco
dias após o chute no bumbum sugerido pelo secretário-geral da Fifa, a comissão
especial da Câmara aprovou o projeto de lei da Copa, assegurando a venda de
bebida alcoólica nos jogos do Mundial em 2014. O texto ainda precisa ser votado
no plenário da Câmara, depois no Senado. Alguém, sóbrio ou bêbado, acha o
Congresso brasileiro ágil nas votações que interessam à população e não ao
bolso dos congressistas?
Fora
o trecho polêmico, o restante da declaração de Valcke me pareceu um alerta bem
mais importante. Ele confirmou que não há “plano B” para o país anfitrião da
Copa e que o torneio se realizará no Brasil. Mas advertiu que “os torcedores vão
sofrer”. Bem, nós temos medo de sofrer também, não?
“Não
há hotéis suficientes em todos os Estados. Há, sim, mais que o suficiente em São
Paulo e no Rio de Janeiro (ele foi gentil), mas, se pensarmos em Manaus, é preciso
mais. Digamos que, em Salvador, a Inglaterra jogue com a Holanda e que haja no
estádio 12% de torcedores ingleses e 12% de holandeses. Isso representa cerca
de 15 mil torcedores.
A
cidade é bonita, mas é preciso melhorar o transporte para o estádio e a
organização.” Não é verdade? Nosso Ronaldo, do Comitê Organizador Local da
Copa, concordou com Valcke: “Ainda tem muita coisa atrasada”.
Como
a decisão brasileira foi espalhar os jogos pelo país e não concentrá-los numa
região, ao contrário do desejo inicial da Fifa, isso significa, disse Valcke,
que, “se um torcedor quiser seguir seu time, terá de voar 8.000 quilômetros”. A
Fifa apoiou a decisão, mas “é preciso assegurar que torcedores e jornalistas
possam acompanhar sua seleção nacional”. Alguém discorda? Eu não. Na verdade,
eu me preocupo muito, e não só com isso.
Eu
me preocupo também com o “Grande Irmão”, o Mano, e sua capacidade de treinar
uma Seleção que faça jus a nossa tradição e a nossos craques. Na semana
passada, vimos o show do Messi. Também vimos o show do Neymar, 20 aninhos de
muito talento, em busca de um técnico seguro e competente que saiba armar e
inspirar um time campeão. Porque não podemos depender apenas de rompantes
individuais de genialidade.
Como
carioca, cresci indo ao Maracanã com meus pais aos domingos. É um descalabro
imaginar que a Seleção possa nem chegar a jogar no estádio mais mítico do mundo
na Copa de 2014 – caso não dispute a final. Vamos chutar, não no traseiro da
Fifa, mas no gol, com brilho e decisão. Estamos na torcida. Temos futebol para
isso. Acelera, Brasil.
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