14
de março de 2012 | N° 17008
MARTHA
MEDEIROS
Felizes por nada
Quando me perguntam a que atribuo o fato de
minha última coletânea de crônicas estar há 32 semanas na lista dos mais
vendidos, não me ocorre outra resposta: só pode ser por causa do título, já que
o conteúdo é semelhante às coletâneas anteriores.
No
entanto, nenhuma teve uma receptividade tão calorosa quanto Feliz por Nada, um
livro que traz textos sobre as triviais situações do cotidiano, e não sobre a “Felicidade”
aquela, com maiúscula e traje de gala. Como se explica?
Surgiu uma pista: foi divulgado, semana
passada, o resultado de uma pesquisa que revela que o Brasil é o campeão
mundial de felicidade. Mundial! As entrevistas devem ter sido feitas numa época
do ano diferente da que estamos, pois quem consegue ser tão feliz prestes a
entregar a declaração do imposto de renda?
Pagamos
os tubos para o governo, que gentilmente retribui nos dando uma banana. Os que
buscam saúde de qualidade, educação de qualidade e segurança de qualidade têm
que pagar por fora.
Os
pedágios seguem altos. Tudo é caro: roupa, alimento, remédio, transporte. Aeroportos
não dão conta do movimento, criminosos são soltos por falta de espaço nas prisões,
o trânsito nas grandes cidades está estrangulado, o tráfico de drogas acontece
a céu aberto.
Nem
precisamos perguntar para onde vão os bilhões que o governo arrecada e que
deveriam ser reinvestidos no país. Vão para o mesmo lugar aonde vai nosso voto:
para o bolso dos sem-escrúpulos.
Logo, somos realmente felizes por nada. Se
não temos a bravura de nos mobilizarmos, ao menos nos sobra capacidade de
extrairmos alegria de todo o resto: desde os gols do Neymar até uma receita
nova de panqueca.
Não
deixa de ser um estágio existencial avançado – em vez de um povo frustrado por
não ter a casa própria, o vestido de grife ou o iPad recém-lançado, as pessoas
curtem a floreira embaixo da sua janela, o café da manhã com o namorado, o último
capítulo da novela, o primeiro desenho que o filho fez na escola.
A
notícia é boa, mas também é ruim: tudo indica que estamos valorizando as
pequenas delicadezas que a rotina oferece com fartura, o que explica não nos
importarmos tanto por sermos roubados e por vivermos sitiados dentro de edifícios
gradeados.
Faço parte do time que acredita que ficar
em casa lendo um livro ou se reunir com amigos para tomar um vinho equivale a
uma festa a rigor (na verdade, considero melhor que uma festa a rigor).
Individualmente,
a simplicidade é uma forma saudável de levar a vida, é o que defendo. Mas
quando uma nação inteira se revela satisfeita com merrecas, sem ter o básico
garantido, alto lá. Consagrar o Brasil como campeão mundial de felicidade é passar
atestado da nossa alienação e do nosso desinteresse pelo futuro. Seria mais decente nos emburrarmos um pouco.
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