sábado, 12 de julho de 2025


12 de Julho de 2025
COM A PALAVRA - Philip Shaw

COM A PALAVRA

Psiquiatra, pesquisador na área do neurodesenvolvimento e diretor da Parceria King?s Maudsley para Crianças e Jovens do Instituto de Psiquiatria, Psicologia e Neurociências do King?s College London

"Há uma forma de TDAH persistente,e uma forma que melhora"

Psiquiatra da infância e adolescência, Philip Shaw é referência na área do neurodesenvolvimento, com ênfase no transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Ele esteve no Brasil para participar do Brain Congress 2025 - Congresso de Cérebro, Comportamento e Emoções, realizado em Fortaleza, em junho. Em entrevista para Zero Hora durante o evento, Shaw falou sobre os avanços científicos em relação ao TDAH, como a depressão e a ansiedade entre os jovens têm representado preocupação, a importância do diagnóstico precoce e novas possibilidades de tratamento com o auxílio da tecnologia.

Quais são as descobertas e os avanços mais recentes relacionados ao TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade) em crianças e adolescentes?

Há três grandes descobertas. A primeira é que o curso da vida do TDAH é muito mais complexo do que pensávamos. Costumava-se pensar que começava na infância e persistia na idade adulta, ou melhorava gradual e lentamente ao longo do tempo e depois remitia (reduzia a intensidade) ou desaparecia na idade adulta. O que parece estar acontecendo é que essas duas formas existem. Há uma forma persistente, e uma forma que melhora ou remite. 

Há também uma forma de TDAH de agravamento. No TDAH, pode haver alguns sintomas na infância, mas só se torna realmente evidente na adolescência. Isso é TDAH emergente, emergente tardio ou diagnosticado tardiamente. E a última coisa, que é uma grande surpresa, é que, provavelmente, para cerca de 20% das crianças com TDAH, o transtorno é intermitente. Então, em um ano eles têm TDAH, no ano seguinte não se encontra, no ano seguinte se encontra. E esse curso flutuante é surpreendentemente comum no TDAH.

O que são as outras duas descobertas?

A segunda são as grandes descobertas sobre a genética do TDAH. O TDAH é uma das condições mais hereditárias da infância. E agora sabemos muito sobre quais genes, o que é realmente empolgante. E a última questão são os insights sobre as diferenças cerebrais no TDAH. Isso aconteceu porque muitas pessoas com TDAH gentilmente concordaram em permitir que seus exames cerebrais fossem compartilhados com a comunidade internacional. Então, agora temos cerca de 20 mil exames cerebrais de pessoas com TDAH compartilhados em todo o mundo. Isso nos mostra muito sobre as diferenças cerebrais no TDAH. A grande lição é que elas são muito sutis. Parece haver padrões diferentes em pessoas diferentes com TDAH.

E quando se trata de problemas de saúde mental em geral, entre os jovens, o que é mais preocupante hoje?

Para mim, e esta é uma opinião pessoal, o mais preocupante é o aumento de problemas de humor e ansiedade entre os jovens. Novamente no Reino Unido, mas acho que há evidências em todo o mundo, de que a ansiedade e a depressão estão aumentando entre os jovens. Acho que o aumento é real, e acho que isso é uma grande preocupação. Não acho que nenhum sistema de saúde no mundo possa atender a essa necessidade. Então, teremos de pensar em como podemos ajudar melhor esses jovens e suas famílias. É uma crise. É realmente uma crise.

Qual é a importância da identificação precoce do TDAH? Pode ajudar a prever desfechos na vida adulta?

A identificação precoce é vital. Se você conversar com um pai ou mãe de criança pequena com TDAH, a preocupação dele é: como meu filho se sairá na escola? E como será o futuro dele? Se tratarmos e gerenciarmos precocemente, as coisas vão melhorar.

Qual é a contribuição de fatores genéticos e ambientais no desenvolvimento do TDAH?

Genética. Os genes se expressam em um ambiente, então a interação dos genes com o ambiente é muito clara. A genética é muito importante aqui. E acho que, na verdade, para o Brasil em particular, é muito importante que todos participem da pesquisa genética, porque, no momento, a maioria dos nossos dados genéticos é de europeus brancos, e isso é um grande problema. Existem diferenças genéticas pequenas, mas importantes, de acordo com a sua ancestralidade. Para a medicina genética, que virá, para ajudar a todos, precisamos da participação de todos. Principalmente de indivíduos de origens que não conseguimos alcançar. Deveríamos estar trazendo-os para a ciência.

Quando falamos de tratamentos e intervenções, há novas possibilidades envolvendo tecnologia e realidade virtual. Seu grupo vem realizando estudos nesse sentido. Qual foi o impacto demonstrado até agora?

É para o futuro, é um trabalho muito empolgante. Os resultados iniciais são muito promissores. Ainda estamos aguardando os grandes testes para mostrar que eles funcionarão. Portanto, isso está em estágios iniciais, e os resultados iniciais são muito bons. A ideia é que crianças com TDAH querem tratamentos sem medicamentos. 

Todos gostariam disso. Então, tentaremos analisar as diferenças de pensamento cognitivo no TDAH e tentar ajudar as crianças com essas diferenças. Uma maneira de ajudar crianças com diferenças cognitivas são jogos inteligentes, jogos de realidade virtual, nos quais a criança pensa que está jogando, mas está fazendo treinamento cognitivo.

No Rio Grande do Sul, há uma pesquisa sendo conduzida para avaliar os benefícios do tratamento do TDAH com realidade virtual e exercícios para adolescentes.

Isso tudo é muito emocionante. O exercício é muito poderoso. É para tudo. Para todas as condições de saúde mental, exercícios são importantes. Dormir é outra coisa muito importante. Coisas simples. Não devemos esquecer o básico. Garantir que as crianças comam bem, se exercitem, durmam bem e tenham quantos amigos quiserem. Alguns querem mais do que outros. Tudo bem. Dê-lhes oportunidades. Certificar-se de que eles não passem todo o tempo no celular. 

De que eles também interajam com as pessoas. Bom senso. Acho que precisamos de pesquisas melhores para dar diretrizes mais claras aos pais. Primeiro, para todas as crianças, deve haver algumas diretrizes. E, depois, para grupos específicos de crianças, porque elas são diferentes. Crianças com autismo, por exemplo, terão necessidades diferentes das crianças sem autismo. Precisamos ser sensíveis a isso. Algumas diretrizes gerais também são necessárias, especialmente em relação a aspectos como o uso de mídia e a quantidade de sono. Precisamos desse tipo de coisa. _

Nenhum comentário: