sábado, 8 de novembro de 2025


08 de Novembro de 2025
ANDRESSA XAVIER

A conta não fecha

Aos 10 anos meu palpite é que as crianças sonhem com profissões que provavelmente não vão seguir mais tarde. Os milhares de jogadores de futebol entram no funil e acabam virando administradores, jornalistas, empresários, advogados, vendedores. As meninas ainda brincam de boneca. Ao longo do tempo vamos ficando chatos mesmo, deixando os desejos de lado, fazendo o que precisa ser feito, como os adultos fazem quando entram no ciclo de uma vida corrida.

A minha certeza é que quem tem 10 anos não pode estar casado ou vivendo como tal. Há, segundo dados do Censo divulgados nessa semana, 34 mil crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos no Brasil que vivem no que o IBGE chamou de união conjugal. Usarei o nome correto. Um adulto que vive com alguém entre 10 e 14 anos está cometendo um crime. A legislação brasileira proíbe casamento antes dos 16 anos em qualquer circunstância. Criança não é esposa, não é mãe, não é dona de casa. Uso todas essas palavras como substantivo feminino porque, de novo, estamos falando de meninas, que são as que sofrem em realidades como a dessas 34 mil. Muitos dirão que são exceção, e são, diante dos números continentais do Brasil. Mas são milhares de vidas que não deveriam ser ignoradas.

Nessa mesma semana, a Câmara aprovou, em Brasília, o projeto que recua em um direito que as meninas já têm, que é o aborto seguro. A lei hoje permite aborto em três situações: gravidez decorrente de estupro, risco de vida para a gestante e quando o feto é anencéfalo. Normalmente crianças se enquadram nas duas primeiras. Ainda assim, agora a ordem é dificultar o procedimento. Veja bem, atualmente meninas que engravidaram nesses casos podem, mas não são obrigadas a abortar, mas têm esse direito se as famílias entenderem assim. As mudanças serão levadas ao Senado.

Sei o quanto o tema aborto divide as opiniões a partir de ideologias e religião, e isso é absolutamente legítimo, mas vamos pensar juntos? Imagine uma menina de 10 anos, abusada e grávida, correndo risco de vida. Se não pode pelas vias oficiais, é bem provável que a família procure uma clínica clandestina. Estamos falando de segurança de crianças e de saúde pública.

Proponho um pouco mais de reflexão. Por que discutimos tanto aborto se poderíamos combater os abusos a crianças? Anualmente mais de 11 mil meninas de até 14 anos têm bebês no país. São 30 por dia. A violência na maioria das vezes vem de dentro de casa, onde elas deveriam estar protegidas. Todas essas são vítimas de estupro de vulnerável, pois assim é considerado o ato sexual com crianças. Não existe consentimento de quem tem menos de 14 anos. O Congresso poderia começar a pensar mais em formas de coibir e punir de forma exemplar quem abusa de uma parte da população que precisa ser cuidada. _

ANDRESSA XAVIER

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