
20 de Novembro de 2025
CARPINEJAR
Ladaia?
Não tem quem não fique estarrecido de angústia ao assistir a um rapaz de 29 anos, em surto, ser morto com quatro tiros por soldados da Brigada Militar, na frente de sua família atônita, no bairro Parque Santa Fé, na zona norte de Porto Alegre, em 15 de setembro.
As imagens da câmera corporal de um policial militar são conflitantes com a tese de legítima defesa. Mesmo cumprindo o protocolo de uso diferenciado e progressivo da força, feito da tentativa de diálogo e da aplicação do choque, nada sugere ameaça real para os disparos de arma de fogo.
A vítima, desarmada e vulnerável, tinha esquizofrenia e estava sob efeito de entorpecentes quando enfrentou mais uma de suas crises. Ela se mostrava mais disposta a ser agressiva contra si do que contra os outros. Inclusive provocava, num ato extremo de se ver livre do sofrimento: Atira em mim, atira em mim. A mãe, Evolmara, não entendeu a truculência, a inversão absoluta do cuidado:
- Eu chamei vocês para ajudar! Ainda mais porque pedir ajuda para a corporação era uma situação recorrente. A mãe relatou que já havia solicitado o auxílio da BM para conter o filho e que não houve qualquer anomalia ou agressão nas ocorrências anteriores.
Técnica de enfermagem, recém acalmara o filho no quarto quando os agentes chegaram gritando e apontando o taser para o abdômen do homem, numa abordagem que não condiz com a frágil saúde mental do envolvido.
Eu ouvi seu depoimento completamente marejado no programa Gaúcha Entrevista:
- Eles dois envergonham a corporação e o Estado do Rio Grande do Sul. Respeito todos os demais profissionais, mas esses dois são assassinos do meu filho. No fatídico dia, a família realizou 21 chamadas para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), sem ambulância disponível no momento, e para a Brigada, que apareceu primeiro.
O contexto indicava a necessidade de acompanhamento por um psiquiatra ou por um médico, não de confronto com força física e imposição imediata para o suspeito se entregar.
O jovem não contava com noção do entorno, não dispunha de discernimento para captar e acatar as ordens, numa realidade paralela de distorção. Nem todas as abordagens são de combate à violência. Ninguém na cena estava em perigo, a não ser aquele ser adoecido, carente de amparo e acolhimento.
Ele queria abrigo, paz, normalidade. Seus parentes confiaram na segurança pública. Mas a equipe parecia precisar tanto de internação quanto a vítima. A grandeza da Brigada Militar não pode ser reduzida a essa intervenção.
A conversa final entre os agentes, rindo de volta ao batente, torna tudo mais chocante, com a banalização de um óbito incompreensível, injusto. - Não tinha o que fazer. - A gente só atende ocorrência ladaia, eu sou para-raio de ladaia.
Tinha o que fazer, e o mínimo não foi feito.
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