07
de abril de 2012 | N° 17032
CLÁUDIA
LAITANO
Cair do cavalo
Todo
mundo um dia cai do cavalo, alguns literalmente inclusive. Cair do cavalo é perder
o equilíbrio e o movimento ao mesmo tempo. É bater com toda a força no chão e
em seguida ficar prostrado, incapaz de planejar o próximo movimento. Cair do
cavalo dói não apenas pelo impacto em si, mas porque nos arranca do conforto da
rotina.
Paranoicos,
hipocondríacos, precavidos, todo mundo cai do cavalo do mesmo jeito, ou seja,
sem aviso prévio. E ninguém consegue evitar a perplexidade e a indignação ao
verificar, na própria pele, um dos fatos mais banais da existência: coisas dão
errado.
Se
as tijoladas do destino são mais a regra do que a exceção, deveríamos estar
mais preparados para lidar com doenças, separações, mortes, problemas de
dinheiro, frustrações em geral – mas o fato é que nunca estamos. Somos
comovedoramente ingênuos e distraídos, pelo menos até o primeiro grande tombo.
De
volta à terra firme, quando já não há dúvida de que, enfim, sobrevivemos, cada
pessoa elabora o sofrimento da forma que pode e sabe. Alguns naufragam na
autopiedade, outros veem suas forças exauridas pelo próprio esforço de
enfrentar a tormenta.
Muitos
sentem a necessidade de extrair sentido do sofrimento, atribuindo algum propósito
à experiência e propondo a si mesmos uma espécie de jogo do (des)contente: sofri,
mas aprendi. (Foi o caso, por exemplo, de Reynaldo Gianecchini, que em todas as
entrevistas depois do fim do tratamento do câncer fez questão de falar sobre o
lado transcendente da doença.)
Há aqueles,
porém, em que o sofrimento apenas acentua traços de personalidade que já existiam:
o egoísta torna-se intratável, o tímido recolhe-se ainda mais, o extrovertido
abusa da grandiloquência. (Lula, na primeira grande entrevista depois do fim do
tratamento, falou da doença com a mesma ênfase barroca que usa para florear
todos os assuntos, da economia internacional às derrotas do Corinthians: “Se eu
perdesse a voz, estaria morto” ou “Estava recebendo uma Hiroshima dentro de mim”.)
O
ensaísta francês Michel de Montaigne (1533-1592) também caiu do cavalo – concreta
e metaforicamente – e essa experiência foi determinante para tudo o que ele
viria a produzir depois. A tese é apresentada na deliciosa biografia do filósofo
lançada há pouco no Brasil: Como Viver – Uma biografia em uma pergunta e vinte
tentativas de respostas, da escritora inglesa Sarah Bakewell.
O
acidente quase fatal, sustenta a autora, ajudou Montaigne a desencanar das
preocupações com o futuro e prestar mais atenção no presente e nele mesmo. Seus
magníficos Ensaios, escritos nos 20 anos seguintes ao acidente, nada mais são
do que a tentativa de ficar alerta às próprias sensações e experiências e
buscar a paz de espírito – o “como viver” do título.
Para
Montaigne, a vida é aquilo que acontece quando estamos fazendo outros planos, e
nossa atenção tem que estar o tempo todo sendo reorientada para onde ela
deveria estar: aqui e agora. Cair do cavalo pode ser inevitável, mas prestar
atenção na paisagem é o que faz o passeio valer a pena.
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