10
de abril de 2012 | N° 17035
LUÍS
AUGUSTO FISCHER
Xingu, o Livro
Primeiro
os defeitos: o livro tem edição problemática, de um ponto de vista exigente. Começa
pela ausência de uma revisão competente (diz-se na página 26 que a primeira edição
do livro recebeu “o Prêmio Buriti” em 1994; de fato, ele ganhou mas o prêmio
Jabuti, e em 1995).
Não
existem notas adequadas para explicar incontáveis aspectos, falta uma
cronologia da vida dos autores, assim como inexiste um esclarecimento justo
sobre os motivos de gente como eles haver torcido tanto o rumo de suas vidas. Para
piorar, sobram prefácios, nenhum dos quais elucidando a contento as condições
de produção do livro ou outras circunstâncias relevantes.
Dito
isso, os elogios: é um daqueles casos de publicação imperdível. Assinado por
dois irmãos, Orlando e Cláudio Villas Bôas, brasileiros imprescindíveis, a
Companhia das Letras apresenta uma nova edição de A Marcha para o Oeste – A
Epopeia da Expedição Roncador-Xingu.
Pelo
que se depreende (com dificuldade), o livro é uma reescritura (parcial?) dos diários
mantidos pelos autores nos anos entre 1945 e 1950, durante a expedição mencionada
no subtítulo (Roncador é um rio, Xingu uma região, ou um “país”, o país dos índios,
a nordeste do atual estado do Mato Grosso). A isso se acrescentam comentários,
também pelos autores, escritos bem depois, nos anos 1990.
Essas
características deveriam levar o leitor a manter o tempo todo uma luz amarela
piscando, para avisar do perigo de tomar como verdade factual o que ali vai
contado; mas o certo é que o leitor é imediatamente arrebatado pela força da
experiência ali relatada – nada menos que o contato com várias tribos pela
primeira vez, ou quase isso, nada menos que a aventura de rasgar o mapa do
Brasil central, abrindo picadas que se converteriam em estradas e pistas de
pouso que se tornariam aeroportos.
Isso
e a fome e a dificuldade de manter contato com as bases organizadas, mais a
impressionante determinação em seguir adiante contra forças naturais que fariam
qualquer um de nós desistir só ao pensar.
Lido
com lente cultural, o livro é também um tesouro. Faça comigo as contas, urbano
leitor: a expedição ocorreu exatamente no momento em que, em Porto Alegre, se
organizavam os Centros de Tradição Gaúcha, para celebrar, religiosamente, um
passado heroico em que indivíduos enfrentaram índios e natureza hostil, além
dos castelhanos. Exatamente no momento em que Guimarães Rosa apresentava ao
mundo aquele sertão inédito e simultaneamente muito conhecido.
Em
que Luiz Gonzaga estreava o baião, gênero que também é ao mesmo tempo novo (no
mercado organizado do disco) e velho (na prática dos sertanejos). Os irmãos
Villas Bôas contam ações e reações da peonada da expedição, pelo meio dos
relatos mais duros, e com isso noticiam todo um mundo mental, que ainda estava
lá, no meio do mapa e do mato, e já estava cá, na instituição, no disco e no
livro.
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