17
de abril de 2012 | N° 17042
FABRÍCIO
CARPINEJAR
O riso é
perigoso
Clarice
Lispector beliscava sua amiga Lygia Fagundes Telles quando entravam juntas num
encontro literário:
–
Não ri, vai! Séria, cara de viúva.
–
Por quê? – perguntava Lygia.
–
Para que valorizem o nosso trabalho.
Não
há mesmo imagem de alguma risada da escritora Clarice Lispector. Em livros e
revistas, a cena que persiste é seu olhar desafiador, emoldurado por um rosto
anguloso, compenetrado e enigmático. Os lábios não se mexem, absolutamente
contraídos, envelopes fechados para a posteridade.
Lispector
não mostrava suas obturações, sua arcada para ninguém. Não se permitia
gargalhadas para não parecer mulher superficial e leviana.
Ela
percebeu que existe um imenso preconceito contra a alegria. Os críticos não a
levariam a sério, dizendo que ela não era densa, não inspirava profundidade;
acabariam por sobrepor a aparência faceira aos questionamentos metafísicos de
sua obra.
Seu
medo não era bobo. O riso permanece perigoso. Todos temem os contentes. Falam
mal dos contentes.
O
riso gera inveja, ciúme, intriga: “Por que está feliz, e eu não?”.
A
alegria é malvista em casa e no trabalho, sempre intrusa, sempre suspeita
equivocada de uma ironia ou de um sentimento de superioridade.
Ainda
acreditamos que profissionalismo é feição fechada, casmurra. Ainda deduzimos
que competência é baixar a cabeça e não entregar nossas emoções.
Quanto
mais triste, mais confiável. Quanto mais calado, mais concentrado. O que é um
tremendo engano.
A
criatividade chama a brincadeira, assim como a risada renova a disposição.
Se
um funcionário ri no ambiente profissional, o chefe deduz que ele está
vadiando, sem nada para fazer. Poderá receber reprimenda pública e o dobro de
tarefas.
Quem
diz que ele não está somente satisfeito com os resultados?
Se
sua companhia ri durante a transa, você conclui que está debochando do seu desempenho.
Quem diz que não é o contrário, que ela não festeja o próprio prazer?
Se a
criança ri no meio da aula, o professor compreende como provocação e pede para
que cale a boca. Quem diz que ela não está comemorando algum aprendizado
tardio?
Se o
filho ri quando os pais descrevem dificuldades profissionais, a atitude é
reduzida a um grave desrespeito. Quem diz que ele não achou graça do tom
repetitivo das histórias?
Se a
esposa ou marido ri e suspira à toa, já tememos infidelidade.
O
riso é escravo dos costumes, sinônimo de futilidade e distração quando deveria
ser visto como sinal de maturidade e envolvimento afetivo.
Não
reagimos bem à felicidade do outro simplesmente porque ela ameaça nossa
tristeza.
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