Danuza
Leão
Felicidades
enganosas
Viagens
dão uma impressão de felicidade, mas não é delas que vamos lembrar fazendo o
balanço da vida
Quantas
vezes pensamos que éramos felizes, e era apenas um engano? E quantas vezes
fomos felizes, e estávamos tão distraídos que nem percebemos?
Claro,
algumas vezes sim, mas precisa ser uma coisa muito forte para que isso
aconteça; quando se compra o primeiro carro, o primeiro apartamento e a melhor
de todas: quando nasce um filho.
Viagens
nos dão uma vaga impressão de felicidade, mas não é delas que vamos nos
lembrar, um dia, fazendo o balanço da vida. Só o tempo é capaz de dar a
dimensão exata de nossos sentimentos -mas só depois.
Mas
é bom achar que se foi feliz; eu achei que era no primeiro dia da primeira
viagem a Nova York. A vida era bela, não tinha um só problema, achava que viver
assim era normal, e eu, imortal. Mas seria aquilo tão maravilhoso assim?
Claro
que um certo charme envolvia aquela viagem; só o fato de poder sair de botas e
casaco de pele, poder tomar dois dry martinis sabendo que não tinha nenhuma
obrigação, tipo levar um filho ao dentista ou ir a um supermercado; não ter que
-isso parecia a imagem da felicidade. E era? Em termos, mas, pensando bem, não,
era apenas um filme em que eu era roteirista e atriz, mas nada era de verdade.
Por
outro lado, aconteceram momentos de felicidade intensa, que na hora nem
percebi. Um fim de tarde em que me perdi em Veneza, sozinha. Veneza é das
poucas cidades no mundo em que se ouve o ruído dos próprios passos -o que pode
parecer bobagem, mas não é. Aí, atravessei uma pequena ponte sobre um pequeno
canal, começava a escurecer, a cidade estava vazia, e aquele momento foi único,
só meu, e certas coisas não dá para dividir. A felicidade, por exemplo.
Existiram
outros momentos, claro; alguns ficam nítidos, a gente se esquece, um dia eles
voltam e você se dá conta do quanto foi feliz durante um tempo -curto-, só que
na hora não sabia.
Aconteceu
comigo: foi um momento totalmente banal e inesquecível, talvez até por sua
banalidade. Era verão, nove da noite, fazia calor e saí com um amigo para dar
uma volta na praia. Andamos e acabamos dando um mergulho no mar do Arpoador,
naquela noite quente. Nadamos um pouco, depois tomamos uma água de coco e
voltamos para casa.
É
preciso que fique claro que era um amigo -e tem melhor do que um amigo?
Voltamos rindo e combinamos de repetir o programa outras vezes, mas isso nunca
mais aconteceu, nem sei por quê.
Nunca
vou esquecer da beleza daquela noite, da temperatura da água, do banho de
chuveiro quando cheguei em casa, de quando me deitei e vi o final de um péssimo
filme na TV. Como eu estava feliz, só que não sabia; lembrei -e soube- hoje.
E
penso: será que foi tão bom porque foi só uma vez? Se tivesse virado rotina,
ainda me lembraria daquela noite com tanto prazer? E por que, naquela noite,
não percebi?
Às
vezes penso que se a felicidade fosse um verbo só seria conjugado no passado.
P.S.:
Recado a meus colegas de insônia: estou me adaptando. Depois de receber várias
sugestões para resolver o problema, optei por uma delas, e passei a ir para a
cama à 1h da manhã (eu ia às 23h). E como acordo às 6h, inventei de andar
durante uma hora. Volto para casa às 7h30 exausta, tomo um chuveiro e leio os
jornais na maior tranquilidade, já que o telefone a essa hora não toca. Está
funcionando.
danuza.leao@uol.com.br
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