14
de abril de 2012 | N° 17039
NILSON
SOUZA
Contos sem
fadas
Desde
o dia em que li Bruno Bettelheim, Andersen e os Irmãos Grimm nunca mais foram
os mesmos. Os psicólogos são como as bruxas más, desencantam qualquer história
ao identificar nelas significados que jamais veríamos numa leitura
descomprometida, até mesmo porque muitas vezes não os queremos ver.
Bettelheim
é o autor de A Psicanálise dos Contos de Fadas, obra basilar da interpretação
do universo infantil a partir de textos clássicos da literatura.
Branca
de Neve, que está voltando às telas em grande estilo por estes dias, não é para
a psicanálise apenas a menina bonita que causa ciúme à madrasta, mas sim o pivô
de um conflito familiar que termina em lambança – ou em dança, no conto
original, em que a rainha má é obrigada a calçar sapatos de ferro em brasa,
dançando até morrer.
A
crueldade nem sempre está nas entrelinhas, às vezes é explícita. A Bela
Adormecida aparece ao leitor ingênuo somente como vítima de uma maldição de cem
anos, mas alguns psicanalistas identificam na dama inerte um símbolo machista,
pelo qual a mulher ideal é calada, inativa e indefesa. Ufa!
Pela
mesma visão, a Cinderela, no seu momento gata borralheira, também simbolizaria
a submissão aos desejos e às fantasias masculinas. Até ao sapatinho de cristal
é atribuído um significado que nem o mais concupiscente sapateiro imaginaria.
Chapeuzinho
Vermelho é uma sedutora precoce, que provoca o lobo e foge com o caçador.
Alice, aquela do País das Maravilhas, cai no buraco do inconsciente e cada
personagem que encontra em sua aventura tem significados que nem Lewis Carroll
foi capaz de imaginar.
A
Bela troca o desejo do pai pelo amor da Fera, ou seria o contrário, sei lá.
Pinóquio é mais do que um boneco de madeira que ganha vida, é a projeção de um
pai controlador. E seu nariz não cresce por causa das mentiras, mas por causa
de uma verdade chamada puberdade.
As
histórias infantis perdem a graça, mas suas interpretações psicanalíticas não
deixam de ser divertidas.
A
propósito dos novos filmes sobre Branca de Neve. Num deles, Julia Roberts
interpreta a rainha má. No outro, a madrasta malvada é Charlize Theron. De onde
tiro minha própria interpretação nada psicanalítica: talvez o propósito seja
mostrar que toda linda mulher pode um dia virar bruxa, mas prefiro pensar que
as madrastas também podem ser lindas.
Para
encerrar esta sessão de delírios, invento o meu próprio conto de fadas e
aguardo interpretações:
Joãozinho
do Passo Certo era um sujeito determinado, que jamais hesitava, até o dia em
que se apaixonou por Maria Vai Com as Outras. Ela, indecisa por natureza, só
fazia o que as amigas sugeriam. Os dois se casaram, foram morar na casa da Mãe
Joana e tiveram dois filhos, que se chamariam Zé dos Anzóis e Maria-Mole, mas
viraram Mauricinho e Patricinha porque os pais não chegaram a um acordo sobre a
colocação dos hifens.
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