04 de abril de 2012 | N° 17029
MARTHA MEDEIROS
Millôr
para jovens
Foi assim. Dia 30
de dezembro de 1987, eu estava na agência de publicidade onde trabalhava,
quando me liga o Jorge Furtado: “Tu já leu o Jornal do Brasil hoje?”. Não tinha
o costume. “Então lê. O Millôr fala do teu livro de poesia.” Catei o jornal e
vi com meus próprios olhos – ele inclusive reproduzia um poema meu. “Jorge, o
que eu faço?” “Liga pra ele, te dou o número.”
“Imagina, vou morrer de vergonha, é o Millôr!” “Fica
tranquila, ele nunca atende, vai cair na secretária eletrônica.” Me enchi de
coragem e liguei. Foi como Jorge profetizou, caiu na secretária, e depois do
sinal, deixei meu recado: “Bom dia, Millôr, aqui é Martha, de Porto Alegre,
acabei de ler sua coluna no jornal, puxa, nem sei como agrad...” Fui
interrompida por um “Salve, Martha!”.
E ali começava uma
relação que, se eu dissesse que foi de amizade, estaria exagerando e sendo mais
cabotina do que já fui nesse primeiro parágrafo. Foi, isso sim, uma relação
brevíssima de carinho mútuo. E, de minha parte, de gratidão eterna.
O resultado
daquele telefonema: ele escreveu a orelha do meu livro seguinte, nos
encontramos pessoalmente num churrasco em Porto Alegre, almoçamos num
restaurante no Rio, fui contemplada com a presença dele numa sessão de
autógrafos e depois trocamos rápidos e-mails, ele sempre gentilíssimo e eu
embasbacada, me belisca. Então, perdemos contato, ele perdeu a saúde, e o
Brasil o perdeu de vez.
A única maneira
que encontro para retribuir o aval inacreditável que ele me deu é recomendar a
todos os jovens que não conhecem seu trabalho que leiam imediatamente Millôr
Definitivo – a Bíblia do Caos. É uma espécie de dicionário que traz 5.142
frases sobre todos os assuntos possíveis e imagináveis, sempre com o
brilhantismo, o humor, a provocação e a mordacidade de um autor que não teve similar.
“Me arrancam tudo
à força, e depois me chamam de contribuinte.”
“Pra escrever bem
não é preciso muitas palavras, só saber como combiná-las melhor. Pense no
xadrez.”
“Podem-se evitar
descendentes, mas ninguém jamais conseguiu evitar antepassados.”
“Escravos sempre
produzem menos.”
“O direito de
resposta é fundamental. Senão a gente fica até pensando que o outro lado pode
ter razão.”
“Nunca ninguém me
disse que parar de sofrer doía tanto.”
“Pode ser que paz
e tranquilidade sejam no céu. Mas showbusiness é no inferno.”
“Passei a vida
pensando que diabos, afinal, estou fazendo neste mundo. Descobri – nada. Sou
visita.”
“Pela aparência
que tinha e pela idade que dizia ter, aquela senhora podia ser a mãe de si
mesma.”
“Nascimento e
morte. A mais perfeita forma de renovação de estoque”.
Não no teu caso,
Millôr. O produto ficará em falta para sempre.
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