12/04/2012
| 14:26 - NATÁLIA SPINACÉ
“Vi o monitor cardíaco parar e
minha filha ir embora”
Ao
ler o comentário feito por Giovana na matéria, fiquei curiosa e a convidei para
contar sua história com mais detalhes. Abaixo está o email que ela me mandou
contando como perdeu a filha de três meses vítima de uma septicemia, após
esperar mais de 12 horas por uma transferência de hospital
“Música
sempre traz alegria. Uma inverdade. Algumas nos remetem a um passado que
gostaríamos de esquecer, ou melhor, que nunca deveria ter existido.
Foi
ouvindo a música “Ave Maria”, tocada às 18:00 no rádio da UTI, no dia 31 de
agosto de 1988, que me despedi de minha filha Maria Laura, de apenas 3 meses.
Eu jamais esperaria passar por algo assim aos meus vinte e um anos. O ombro amigo do meu marido foi o meu
conforto. Sofremos juntos.
Naquele
momento ímpar, vendo o monitor cardíaco diminuir os batimentos e minha filha ir
embora, eu recordei a sequência de
acontecimentos dos últimos dias: as várias consultas médicas, a minha
insistência em dizer que o choro dela estava diferente, que ela não estava
dormindo bem… E todos os indícios não investigados e todas as suposições
rechaçadas.
Maria
Laura começou a passar mal no dia anterior. Fiquei desesperada e a levei para o
hospital da minha cidade, João Monlevarde, no interior de Minas Gerais.
Chegamos lá às 10h da manhã, e a enfermeira do pronto socorro resolveu batizar
a minha filha ali mesmo.
O
hospital demorou mais de 12 horas para conseguir uma transferência para uma
unidade de Belo Horizonte, com mais recursos para atendê-la. Até hoje não sei o
porquê de tanta demora. É incrível como a gente não tem acesso ou explicações
sobre o que acontece dentro de um hospital. Só sei que se esse tempo de espera
fosse menor, Maria Laura poderia estar comigo nesse momento.
A
minha filha chegou a Belo Horizonte com vida. Eram mais de 2 horas da manhã do
dia 31 de agosto de 1988, quando ela deu entrada no hospital particular. Nós
não tínhamos plano de saúde nem dinheiro, mas tínhamos um fusquinha e uma
pequena sala comercial para vender. Deixamos na portaria um cheque caução. Na
hora do desespero, vende-se até a roupa do corpo.
Quando
o dia amanheceu e o chefe da equipe pediátrica nos chamou para uma conversa, o
meu coração de mãe já sabia o desfecho daquele dia. Ele nos mostrou outra
criança na UTI que tinha entrado no hospital nas mesmas condições, mas havia se
recuperado e estava a caminho do apartamento. Ela também era do interior, mas
deu sorte em estar em Belo Horizonte. No caso de nossa filha, o tempo foi
crucial.
Após
16 horas de UTI, retornamos à nossa cidade carregando Maria Laura sem vida.
Durante o enterro, na nebulosidade dos meus pensamentos, via o olhar de
compaixão dos amigos.
Por
alguns dias, me senti anestesiada. Então veio a parte mais dolorosa: enfrentar
a realidade. Voltar para casa, só eu e meu marido, desmanchar o quarto da minha
filha, guardar cada roupinha, o travesseirinho com a marca de sua cabeça e o
casaquinho de tricô ainda não terminado…
Foi
muito, muito doloroso. Dentro de cada caixa, eu guardava um pedaço de mim,
junto com as cantigas que não cantaria, as datas que não comemoraria, o futuro
vazio. Conheci a dor da ausência. É uma dor física, no peito, e na boca do
estômago. Uma dor cheia de perguntas sem respostas. Então, eu jurei que nunca
mais queria sentir a dor do INSUFICIENTE – aquela sensação de que poderia ter
feito algo mais.
Foi
nesse período que fiz uma descoberta: dizem que o fígado é o único órgão que
tem o poder de regeneração. Os cientistas é que ainda não descobriram o poder
de regeneração de um coração de mãe. Além de regenerar, mesmo que leve tempo e
fique completamente cheio de cicatrizes, ele ainda consegue se multiplicar. A
cada filho, um coração.
Comprovei
tal teoria após dois anos: eis que surge mais um coração na companhia de outra
filha, Paula. Mas, a insegurança me dominou. E se alguma coisa desse errado
novamente? Perdi a conta de quantas noites passei dormindo debruçada no seu
berço com medo de ela passar mal e eu não estar por perto para socorrê-la.
Virei
uma mãe completamente neurótica. Para mim, qualquer espirro já era motivo de ir
ao consultório médico. E, completamente sem culpa, procurava uma segunda
opinião médica. A dor do INSUFICIENTE não me dominaria novamente.
Depois
de sete anos, ganhei outro coração juntamente com a minha filha Júlia. Quanto
ao trauma inicial, pensei que já tinha superado. Ledo engano. Passei a dormir
outra vez debruçada no berço.
Minhas
filhas são a razão do meu viver. Elas conhecem a minha dor e respeitam. Em cada
momento de felicidade vivido – os primeiros passos, primeiro dia de aula,
quinze anos, passar no vestibular – eu sentia a presença de um anjo chamado
Maria Laura. Neste ano, completarei vinte e cinco anos de casada, que serão
festejados numa viagem em família, pois, nós quatro (cinco), temos muito que
comemorar!”
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