sábado, 28 de junho de 2025


28 de Junho de 2025
CARPINEJAR

Shutdown

Ernesto deixou de pagar a fatura do cartão de crédito e continua comprando, acumulando juros. Tampouco quita o condomínio. Mantém em ordem o aluguel e as contas de água e luz para seguir vivendo.

Tem um salário de R$ 3 mil para um emprego de 39 horas semanais, numa rotina típica de segunda a sexta-feira, com oito horas de trabalho por dia e um intervalo para descanso. Só que, no mesmo período, os gastos atingem R$ 5.394. Está devendo R$ 2.394 todo mês.

A dívida acumulada, com um déficit mensal de R$ 2.394 e com cartão de crédito rotativo a juros médios de 44% ao mês, chegaria a um valor em torno de R$ 427 mil em 12 meses.

Ernesto não revela isso para a esposa (é casado em regime de partilha de bens). Ela nem sabe das suas finanças, mas logo ele estará com o nome no SPC e Serasa, sem perspectiva de retomada. Não terá mais conta hábil ou possibilidade de realizar transações.

Precisará de aproximadamente 142 salários inteiros de R$ 3 mil para quitar a dívida de R$ 427 mil, acumulada em um ano de uso do cartão de crédito rotativo - quase 12 anos de trabalho, sem gastar um centavo com mais nada.

Ernesto vive para pagar o passado. E o passado só avança e engole o futuro. Agora faça de conta que Ernesto é o governo federal, e que sua esposa desinformada é o eleitor, o contribuinte. É o que o governo está fazendo: arrecada mais, mas gasta ainda mais - e termina o mês no vermelho.

Neste ano, a arrecadação está prevista em R$ 2,3 trilhões. Ao longo do terceiro mandato de Lula, as despesas cresceram R$ 344 bilhões, encaminhando-se para R$ 2,415 trilhões, segundo dados da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado e do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do Tesouro Nacional.

Com os gastos sucessivos e galopantes acima da receita, o governo pode encerrar 2025 com um déficit primário (sem somar os juros para rolar débitos) equivalente a 0,77% do PIB, incluindo o pagamento de precatórios. O fato gera impacto direto sobre o crescimento da dívida pública, principal termômetro de solvência dos países. Projeções da IFI indicam que o governo Lula acrescentará cerca de 12 pontos percentuais à dívida em quatro anos.

Existe o arcabouço fiscal, um limite estabelecido entre 0,6% e 2,5% acima da inflação para o crescimento da despesa primária, que não pode ultrapassar 70% do crescimento da receita. Assim, para cada R$ 1 em novas receitas, devem ser gastos R$ 0,70, respeitando-se o teto de alta de 2,5%.

Só que ele é fictício. Uma das estratégias é liberar recursos do orçamento como despesas financeiras, que não são computadas como primárias e ficam de fora da regra fiscal.

Dinheiro do chamado Fundo Social (abastecido com rendas da União provenientes do pré-sal) tem servido para irrigar os programas do BNDES, o Minha Casa, Minha Vida e o Fundo de Investimento em Infraestrutura Social, com desembolsos estimados em R$ 74 bilhões neste ano.

O que considero como problemático: programas que cabiam no orçamento federal agora necessitam de recursos do fundo. Nossa trajetória inconsequente de gastos que excedem a receita líquida promete nos levar ao shutdown em 2027, com a paralisação da máquina pública por falta de recursos orçamentários.

Caso esse quadro se concretize, haverá interrupção de serviços públicos, atraso no pagamento de servidores e suspensão de programas sociais. Estamos quebrados. Por isso, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tentou elevar desesperadamente as receitas com o aumento das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), mas o decreto presidencial foi derrubado com maioria esmagadora na Câmara Federal em sessão de quarta-feira.

O divórcio entre governo e eleitor é iminente. 

CARPINEJAR

28 de Junho de 2025
ANDRESSA XAVIER

Sanguessugas

Aumentar o número de deputados virou urgência nacional, mas só para quem vive da política, não para quem vive no Brasil real. Foi com uma agilidade comovente que o Congresso Nacional se debruçou sobre esse projeto. Um empenho raro, que não se vê quando o assunto é importante para a população.

Um país de área territorial continental, cheio de desigualdades, que empilha problemas no atendimento à saúde, educação, habitação e segurança pública. Um país que precisa de reformas profundas e robustas. Acontece que, quando é para aprovar medidas que melhorem a vida do cidadão comum, o processo emperra, a pauta trava, o calendário complica, não tem quórum. Agora, quando é para ampliar o próprio poder e o acesso a mais verbas, cargos e emendas, o tema se torna prioridade. O IBGE de fato mostrou que os números populacionais mudaram, e é praxe corrigir, mas a ideia era redistribuir a representação. Quer dizer, aumentar para onde tem mais gente, diminuir onde a população encolheu. Para não perder nem desagradar ninguém, o Congresso entendeu que era o caso somente de aumentar as cadeiras.

Uma medida como essa só não vai indignar quem está anestesiado. O Brasil, após as eleições de 2026, passará de 513 para 531 deputados federais supostamente representando o povo no Congresso. São 18 cadeiras a mais. Mas não é só isso. São mais 18 gabinetes. São mais gastos com assessores, carros, apartamentos funcionais, passagens aéreas.

O site da Câmara informa que o valor mensal da verba de gabinete é de pouco mais de R$ 133 mil. Esse valor é para o pagamento de salários dos secretários parlamentares que ganham entre R$ 1,5 e R$ 9 mil. São funcionários que não precisam ser servidores públicos e são escolhidos diretamente pelo deputado. Ah! Cada parlamentar pode ter entre cinco e 25 secretários parlamentares para prestar serviços de secretaria, assistência e assessoramento direto e exclusivo nos gabinetes dos deputados, em Brasília, ou nos Estados de origem.

Trata-se de inchar ainda mais um Congresso que custa bilhões aos cofres públicos, em um país que sequer consegue garantir os direitos básicos. Estamos falando de um escárnio. Um deboche. Mais um tapa na cara do cidadão simples mortal.

É mais um capítulo da velha política brasileira do toma lá dá cá, das emendas escandalosas, do governo refém de um Congresso de sanguessugas. Não há justificativa moral nem econômica para aumentar o número de deputados. Ao contrário, deveriam diminuir, talvez pela metade. Garanto que não haveria prejuízos à democracia ou aos interesses da população. O Congresso, em vez de agir a serviço do Brasil, faz tudo como se fosse dono dele. 

ANDRESSA XAVIER

28 de Junho de 2025
MARCELO RECH

Enigma no Irã

Só há uma maneira de se descobrir se a trégua entre Israel e Irã será duradoura ou se, em breve, assistiremos a uma nova saraivada de bombas e mísseis no Oriente Médio. A resposta a esta questão, com implicações na vida de todos os habitantes do planeta, está na real identificação do grau de destruição das centrais nucleares iranianas e na sua capacidade de seguir enriquecendo urânio para construir ogivas atômicas.

Até agora, o que se tem são versões divergentes e contaminadas por interesses políticos. O presidente dos EUA, Donald Trump, e o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, asseveram a devastação do programa nuclear e delimitam em anos o atraso do enriquecimento. As duas convicções contradizem um relatório da Agência de Inteligência e Defesa do Pentágono que enfureceu Trump. Pelo Pentágono, o ataque dos EUA bloqueou as entradas da central de Fordow, mas não destruiu suas instalações subterrâneas.

Pelo lado do Irã, qualquer informação oficial tem o valor de uma nota de três dólares porque o interesse imediato é evitar o prolongamento da pancadaria a que foi submetido por Israel. Proclamar que as centrais foram "gravemente danificadas", como disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, não tem validade, portanto. Dissesse ele o contrário, estaria atraindo novos ataques. Já a estimativa do diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Rafael Grossi, é de "danos muito significativos" em Fordow.

Todas as avaliações têm baixo valor na bolsa de apostas sobre uma nova fase da guerra até que uma comissão independente da AIEA possa acessar de forma presencial e com passe livre as instalações iranianas. Como o parlamento iraniano rompeu com a agência nesta semana, o enigma da verdadeira situação do enriquecimento de urânio, ainda que a espionagem esteja tentando fazer seu trabalho, deverá perdurar um bom tempo pela frente.

A trégua obtida por Trump é uma vitória pessoal dele, mas que precisa ser seguida pela retomada de negociações para o fim do programa iraniano. Desde que o porrete saiu da mesa e desceu sobre o Irã por 12 dias, o argumento ficou mais forte. O máximo que Teerã pode fazer agora é embromar o resto do mundo enquanto decide o destino dos 408 quilos de urânio enriquecido a 60% - a apenas um terço do necessário para 10 ogivas nucleares -, dos quais ninguém sabe, ninguém viu, o paradeiro.

Ao longo de décadas, o regime dos aiatolás vendeu a balela de que o seu programa era pacífico, como se isso fizesse sentido quando se enriquece urânio 12 vezes acima do necessário para a produção de energia elétrica e, ainda mais, quando o faz sob centenas de metros no subsolo. Neste conto, ao menos, espera-se que ninguém caia mais. 

MARCELO RECH

28 de Junho de 2025
OPINIÃO RBS

OPINIÃO RBS

Os gaúchos despertam neste sábado receosos com as consequências de mais um episódio de chuva volumosa previsto pela meteorologia. Confirmando-se os prognósticos, inundações por precipitação excessiva em áreas urbanas e transbordamentos de cursos d?água são iminentes. Os riscos crescem pelo fato de rios e outros corpos como o Guaíba já estarem cheios devido ao aguaceiro da semana anterior. É mais uma advertência da natureza de que as providências para reduzir danos por acontecimentos semelhantes no futuro próximo precisam ser aceleradas.

Ainda que este novo evento climático fique bem abaixo do de maio de 2024 em termos de transtornos, prejuízos e vítimas, assusta a quantidade de cheias e enxurradas expressivas enfrentadas pelo Estado em menos de 24 meses. Não é alarmismo irresponsável reiterar que se deve considerar seriamente a possibilidade de a sequência de chuvaradas bastante acima das médias históricas se repetir nos próximos anos, espalhando perdas materiais, revivendo traumas e ceifando vidas.

Como as hostilidades do clima ganham assiduidade, cumpre ao poder público imprimir o mais rápido ritmo possível a todas as obras, projetos e planejamentos destinados a minimizar os efeitos da chuva que cai em quantidades muito acima do que seria o normal. Até porque, alerta a ciência, o que seria extraordinário começa a ser compreendido como o padrão esperado.

Traz certo alento a informação de que o governo gaúcho tentará dar mais celeridade às fases preparatórias de construção e reforma dos sistemas de proteção contra cheias da Região Metropolitana. Entre essas obras estruturantes, a primeira da fila é a do dique de Eldorado do Sul, município mais atingido pela enchente do ano passado, que voltou a ter ruas alagadas com a chuva da semana anterior.

Por enquanto, a previsão é iniciar a obra em 2027 e entregá-la no fim de 2030. Segundo a Secretaria da Reconstrução, os prazos atuais são conservadores e é viável obter maior agilidade, sem comprometer um planejamento consistente e a qualidade da construção. Mas traz preocupação a informação que surgiu na sexta-feira de que o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Estilac Xavier suspendeu o pregão realizado pelo Piratini para atualizar o projeto de Eldorado.

Em meio à sensação da sociedade de que pouco foi feito desde o ano passado, também traz algum alívio a notícia da retomada na sexta-feira dos trabalhos de reforço do dique do bairro Sarandi, na zona norte da Capital, antes paradas por decisão judicial e agora retomadas por novo juízo. Um vazamento na estrutura assustou os moradores nos últimos dias. Aguarda-se que a prefeitura consiga comprovar a necessidade de remoção das casas irregulares do local para a obra seguir o seu curso e proteger a região. A gravidade da crise climática exige ação e sensibilidade dos poderes, sopesando direitos individuais e coletivos.

Com uma realidade diversa devido à topografia diferente em relação à Região Metropolitana, o Vale do Taquari, severamente castigado nos últimos dois anos, também dá novos passos para evitar novos desastres, por meio da revisão dos planos diretores de sete municípios para orientar a expansão urbana e evitar áreas de risco. A chuva deste junho intensifica o senso de urgência para a adaptação do Estado à fúria do clima. 


28 de Junho de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Haddad apoia judicialização, mas faz aceno

Na sexta-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Had- dad, reforçou a possibilidade de o governo recorrer à Justiça contra a derrubada do decreto de aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Mas também acenou com uma saída para "aquela noite de domingo", como se referiu várias vezes à reunião com líderes do Congresso em que pensava ter saído com um acordo mas soube pela imprensa, no dia seguinte, que não havia "compromisso" com a alternativa ao IOF.

Afirmou que a equipe econômica teria desenvolvido "solução jurídica" que permitiria o corte linear do custo tributário, com exclusão da Zona Franca de Manaus e do Simples, os "benefícios constitucionais" nos quais o Legislativo não quer mexer.

- Atende o Congresso do ponto de vista que eles têm - afirmou à GloboNews, parecendo oferecer uma ponte.

Convidado a dar detalhes, declinou: - Vou apresentar aos líderes assim que tiver oportunidade.

Haddad admitiu que não fala com os líderes do Congresso desde "aquela noite de domingo".

O peso dos interesses contrariados

Como está claro, não é divergência sobre IOF que move o Congresso. O clima ruim é resultado de interesses contrariados. O principal é a redução no pagamento de emendas parlamentares. Conforme dados do Sistema Integrado de Orçamento e Planejamento (Siop), o governo empenhou R$ 1,924 bilhão para emendas, mas o pagamento efetivo até a véspera da votação era de R$ 465 milhões. O previsto no ano é de R$ 50 bilhões.

Outra guerra envolve a ambição do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, de derrubar o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Os dois se acusam de defender interesses empresariais. Foi motivação econômica a derrubada de vetos, que gerou obrigação de contratar usinas térmicas a gás em Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O custo anual de R$ 20,6 bilhões será repassado ao consumidor e elevará a conta de luz em cerca de 7,5%. A tentativa de "criar mercado" para gasodutos existe desde a privatização da Eletrobras, em 2021, com o mesmo "jabuti", e voltou agora. _

Sem clareza sobre o futuro, o mercado financeiro nacional fechou a semana com humor misto: o dólar variou 0,27% para baixo, a R$ 5,483, e a bolsa brasileira oscilou -0,16%.

Recorde de alfajores

Um ano depois de ter sido atingida pela água embarrada de maio de 2024, com prejuízo de R$ 3 milhões, a Odara teve produção recorde em maio, de 1 milhão de alfajores em um mês.

Antes da cheia, a média era de 580 mil mensais. Salva da enchente pelos clientes - enquanto estava fechada, 3,6 mil pessoas compraram para receber só depois -, a Odara tem fábrica no bairro Sarandi, na Capital, com capacidade de 15 mil alfajores por hora. Prevê crescer cerca de 60% e alcançar faturamento de R$ 30 milhões neste ano. _

Avanço, ainda que parcial

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de considerar parcialmente inconstitucional o artigo 19 do Marco Legal da Internet não tem a abrangência ambicionada pelos estudiosos da desinformação, mas representa um avanço civilizatório. Talvez seja sábia ao escolher o "caminho do meio" e deixar claro que não envolve qualquer remoto tipo de censura.

As big techs que conseguiram impor o uso de suas ferramentas a boa parte da humanidade só precisarão retirar conteúdo sem necessidade de ordem judicial em casos bastante específicos: indução a suicídio ou a automutilação - como o caso da menina morta depois de ser pressionada a inalar desodorante -, discurso de ódio, racismo, pedofilia, pornografia infantil, incitação à violência, crimes contra a mulher, tráfico de pessoas e defesa de golpe de Estado.

Considerado o surgimento do pioneiro Facebook, há 21 anos, essa indústria alcançou a maioridade sem qualquer de regulação, espécie de menoridade penal estendida.

Ficaram de fora da decisão formal, por exemplo, os chamados "crimes contra a honra", como calúnia, injúria e difamação, que há décadas são usados para punir corretamente jornalistas que infringem a lei, mas, em muitos casos, para simplesmente constranger e barrar a circulação de informação de interesse público.

O STF incluiu na regra chatbots, marketplaces, aplicativos de avaliação e críticas, entre outros. Chatbots são movidos a inteligência artificial, com aplicações desenvolvidas por empresas como a Nvidia, cujo valor de mercado (US$ 3,78 trilhões, o equivalente ao PIB da Alemanha, quarto país mais rico do mundo) ameaça empalidecer a comparação das big techs a Estados-nações em poder econômico. _

Valor de mercado de big techs

Empresa US$

Nvidia 3,78 trilhões

Microsoft 3,7 trilhões

Alphabet 2,1 trilhões

Meta 1,83 trilhão

Twitter 41 bilhões

Fontes: Nyse e Nasdaq

GPS DA ECONOMIA


28 de Junho de 2025
ECONOMIA

Taxa de desemprego recua para 6,2% no trimestre encerrado em maio

A taxa de desemprego no Brasil caiu de 6,6% no trimestre terminado em abril para 6,2% no trimestre encerrado em maio. Trata-se do patamar mais baixo para o período em toda a série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), iniciada em 2012 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

No total, eram 6,8 milhões de desempregados no Brasil no período terminado em maio, redução de 8,6% em comparação com o trimestre anterior. Em comparação ao mesmo trimestre de 2024, a queda foi de 12,3%. Naquele intervalo, a taxa era de 7,1% e eram 7,8 milhões de pessoas sem emprego.

Sem impacto do juro

Segundo o analista da pesquisa do IBGE, William Kratochwill, o resultado indica tendência sazonal de estabilidade após o período de demissões.

Conforme ele, os números sugerem que o mercado de trabalho "continua resistindo" à política monetária contracionista.

- O mercado de trabalho em si está numa situação melhor do que esteve nos últimos dez anos - disse.

Também houve recorde de rendimento dos trabalhadores. A soma das remunerações dos trabalhadores, que indica a massa de rendimento real habitual, totalizou R$ 354,6 bilhões. O rendimento médio mensal chegou a R$ 3.457, crescimento de 3,1% frente ao ano passado. 





28 de Junho de 2025
POLÍTICA E PODER - Rosane de Oliveira

TCE suspende pregão para projeto anticheias em Eldorado

A prefeita de Eldorado do Sul, Juliana Carvalho, não conseguiu conter as lágrimas quando soube pelo governador Eduardo Leite da decisão do conselheiro Estilac Xavier, do Tribunal de Contas do Estado (TCE).

O despacho suspendeu o pregão realizado pelo governo do Estado para escolher a empresa que fará a atualização do projeto do sistema de contenção de cheias na cidade.

A concorrência estava em fase de homologação do resultado, em que a vencedora foi a empresa Hidrostudio Engenharia, de São Paulo, tendo a Engevix em segundo lugar e a STE em terceiro.

Estilac acatou os argumentos do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva, Seccional do Rio Grande do Sul (Sinaenco), que denunciou supostas irregularidades no pregão. Para escolha do vencedor, o governo adotou o sistema de pregão por ser mais ágil. Esse modelo leva em consideração apenas o menor preço, mas o próprio edital especifica a qualificação técnica mínima exigida.

O conselheiro entendeu que deveria ter sido adotado modelo de concorrência, que combina preço e qualificação técnica. O valor de referência previsto era de R$ 3,8 milhões. A vencedora propôs R$ 3,76 milhões. O secretário da Reconstrução, Pedro Capeluppi, informa que o governo vai tentar convencer Estilac a rever sua decisão ou levar para análise da câmara que integra com mais dois conselheiros.

Avanço do Jacuí causou alagamentos

O choro da prefeita Juliana é compreensível. Eleita no ano passado, ela fez tudo o que estava a seu alcance para evitar que a tragédia de 2024 se repetisse, mas o avanço do Rio Jacuí já alagou dezenas de ruas e deixou centenas de famílias desalojadas.

Juliana foi ao gabinete de Leite pedir ajuda para resolver os problemas imediatos e lá ficou sabendo da má notícia. Entrou em desespero, porque sabe o que significa cada dia de atraso na construção do dique. 

Críticas ao modelo das concessões

Pesquisadora alerta sobre desafios da educação profissional

Congresso chantageia governo fraco no caso do IOF

Estado instala três gabinetes de crise devido às chuvas

Diante da previsão de chuvas intensas durante o fim de semana, o governo estadual decidiu pela instalação de três gabinetes avançados de crise da Defesa Civil, em Santa Cruz do Sul, Lajeado e Caxias do Sul.

Esses centros servirão como pontos de apoio e articulação regional para o acompanhamento em tempo real da situação nas áreas com maior probabilidade de impacto.

Em Porto Alegre, o prefeito Sebastião Melo colocou as equipes de prontidão para que ninguém seja surpreendido no fim de semana. 

POLÍTICA E PODER

28 de Junho de 2025
INFORME ESPECIAL

Vivemos em um mundo mais perigoso

Reunidos em Haia, na Holanda, até quarta-feira passada, os líderes da aliança militar ocidental estabeleceram como meta: cada país deve chegar a investir 5% de seu respectivo Produto Interno Bruto (PIB) em defesa até 2035.

É ambicioso e histórico. O objetivo até agora era 2%, um patamar atingido, no ano passado, por 22 dos 38 países-membros. É evidente que essa elevação se deve à ameaça representada por Vladimir Putin. A invasão da Ucrânia, em 2022, desequilibrou a balança de poder e trouxe de volta "o medo" nunca superado dos russos.

O massacre perpetrado pelo grupo terrorista Hamas contra Israel, em 2023, e as subsequentes guerras contra o Hezbollah e, agora, o Irã, elevaram as preocupações com segurança.

Cedo ou tarde, o Irã vai retomar seu programa nuclear. Mais países detêm a bomba atômica do que em 1945 (além dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, Índia, Paquistão e Israel dispõem desse arsenal).

A Coreia do Norte, possivelmente, teria capacidade para produzir 90 ogivas. Enquanto 5% do PIB é depositado em armas no Hemisfério Norte, o quanto cada país reserva para conter o aquecimento global, investe em energias renováveis, contribui para reduzir a fome e melhorar o bem-estar das populações? Sobra de um lado, falta de outro. _

Rodrigo Lopes

sábado, 21 de junho de 2025


21 de Junho de 2025
MARTHA MEDEIROS

Na frente dos outros

Ando sentimental. Quase fui às lágrimas ao assistir na tevê um comercial do Enem chamando para inscrições: a propaganda mostrava cenas reais de estudantes no momento exato em que descobriam que haviam passado no vestibular. Uma sequência de vídeos caseiros, gravados por familiares. Meninos e meninas incrédulos, cercados por seus pais e amigos, debulhando-se. Nenhuma emoção ensaiada, apenas a explosão de alegria e alívio diante de uma vitória pessoal. Anda raro a gente flagrar alguém se emocionando de verdade, sem que seja uma performance para impressionar nas redes.

Eu tinha 17 anos quando fiz vestibular para Comunicação Social. Era uma faculdade menos concorrida que Medicina, mas não era tão fácil passar, tanto que não passei na federal. Acabei tentando a PUC. Fiz cursinho e estudei, mas não me debrucei sobre os livros com a obsessão necessária, então havia, sim, a possibilidade de eu rodar pela segunda vez. Não seria o fim do mundo, mas eu fracassaria diante dos meus pais, que haviam investido na minha preparação, e fracassaria também diante dos meus amigos, alguns já aprovados em concursos anteriores. Acordei apavorada no dia do listão.

Naquela época, janeiro de 1980, alguns vestibulandos nem esperavam o sol nascer: amanheciam nas sedes dos cursinhos ou das próprias universidades, onde a lista impressa com os nomes dos aprovados era fixada nas paredes. Todo mundo se acotovelava, se amontoava uns sobre os outros, na sofreguidão de encontrar seu nome. De repente, do meio do grupo pulava alguém aos gritos de felicidade, enquanto outros saíam cabisbaixos, enxugando os olhos - câmeras de tevê flagravam tudo. Já os candidatos menos ansiosos esperavam para escutar seu nome pelo rádio, que transmitia a lista inteira, curso por curso, bixo por bixo, em ordem alfabética. Foi como eu aguardei o final dessa história.

Já transcorria metade da manhã quando o locutor entrou no ar anunciando os aprovados em Análise de Sistemas, Arquitetura e outros cursos que começavam com "A". Eu estava em casa com a família em volta. Quando chegou a vez dos aprovados em Comunicação, não segurei a pressão, abandonei a sala onde estávamos reunidos. Não quis que testemunhassem meu fracasso. Fui para o quarto, sozinha, e liguei o radinho de pilha. 

Começou. Escutei o nome da Angélica, uma conhecida. Escutei o nome da Katia, minha melhor amiga. Me arrependi de não ter estudado mais. Começaram as Marias, várias. Meu coração parado. Então ouvi meu nome e, em êxtase, gritei para o rádio: repete! Acreditava e não acreditava. Mas o locutor já estava dando a boa notícia à Nancy.

Alguém devia ter filmado a minha emoção vertendo. Não era medo de fracassar, hoje sei. Eu tinha era pudor de ser feliz na frente dos outros. Não tenho mais. 

MARTHA MEDEIROS

21 de Junho de 2025
TICIANO BORGES OSORIO

O que essa gente quer é viciar seu filho

Não existe um só estudo científico a comprovar que os cigarros eletrônicos são menos nocivos do que os comuns

Pasmem senhoras e senhores, a indústria do tabaco está preocupadíssima com a saúde pública. Depois de décadas ganhando fortunas com a venda de um produto cuja fumaça causa sofrimento e milhões de mortes, agora está interessada em vender cigarros eletrônicos como estratégia de redução de danos. Dá para acreditar?

Em entrevista à Folha, o CEO da Philip Morris, fabricante do Marlboro, teve a desfaçatez de afirmar sobre os eletrônicos: "Esses produtos precisam ser adotados por fumantes adultos, e essas pessoas precisam migrar para eles a fim de criar a equação de redução de danos do tabaco. Então, agora temos a ciência, temos o produto, temos a vontade".

É preciso muito cinismo para dizer que os fumantes adultos precisam migrar para os eletrônicos, quando ele está cansado de saber que os eletrônicos se disseminam entre crianças e adolescentes, muitos dos quais jamais fumariam cigarros comuns.

Que ciência é essa à qual ele se refere? Uma pesquisa sobre tabaco aquecido patrocinada pela própria Philip Morris, que há décadas se empenha em arregimentar multidões de dependentes de nicotina. Não foi à toa que o Comitê Europeu de Controle do Tabaco concluiu: "Pesquisas independentes mostram que os produtos de tabaco aquecido emitem níveis substanciais de nitrosaminas cancerígenas específicas do tabaco, bem como substâncias tóxicas e irritantes e potenciais carcinogênicos".

O CEO prossegue: "A ciência hoje mostra que produtos de nicotina sem combustão são uma alternativa muito melhor do que cigarros". É mentira, não existe um só estudo prospectivo, randomizado, que tenha feito essa comparação.

Diz, ainda, que os atuais fumantes de eletrônicos consomem produtos ilegais: "Esses produtos não são controlados, não têm controle sanitário, não têm controle de qualidade, não têm controle comercial".

Esse senhor deve pensar que está falando com imbecis. Controle de qualidade de um produto tóxico, cancerígeno, que causa a mais avassaladora das dependências químicas? Seguindo esse raciocínio enviesado, deveríamos entregar a produção e o comércio de outros produtos tóxicos causadores de dependência, como cocaína, crack e K-9, para a empresa em que ele trabalha produzi-los com qualidade superior?

A estratégia da indústria do fumo é antiga. Desde a Primeira Guerra Mundial, essa gente vem cometendo o maior crime da história do capitalismo mundial (excetuada a escravidão). Enquanto lhes foi permitido, usaram os meios de comunicação de massa para associar ao cigarro a imagem de um "hábito charmoso" adotado pelas mulheres mais lindas do cinema e por homens como o cowboy do Marlboro - que, aliás, morreu de câncer de pulmão.

Desde a década de 1950 os cientistas sabiam que o cigarro causava câncer, mas a informação não chegava à sociedade porque a indústria controlava a imprensa a peso do ouro que investiam nas campanhas publicitárias. A relação do fumo com ataques cardíacos, AVCs e outras doenças cardiovasculares foi escondida até os anos 1990.

Se eles agora reconhecem que o cigarro é um produto tóxico, é preciso ser primeiro colocado em campeonato de ingenuidade para acreditar que seria em benefício da saúde pública.

Na verdade, as campanhas de esclarecimento realizadas por organizações governamentais, pelos meios de comunicação e, especialmente, pela TV reduziram o cigarro ao que ele realmente é: um vício cafona que causa dependência química, dá hálito repulsivo, mau cheiro no corpo, nas roupas e nos cabelos das mulheres.

A educação fez a prevalência do fumo cair na maior parte do mundo. Entre nós, os resultados obtidos são considerados um exemplo pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Nos anos 1960, quando comecei a fumar, a prevalência do cigarro em pessoas com mais de 15 anos, era cerca de 60%, número que hoje beira 10%.

O que o CEO não confessa na entrevista é a razão pela qual seus patrões querem que a Anvisa aprove os eletrônicos. Para melhorar a saúde da população? Não sejamos ridículos: uma indústria que até hoje vive às custas da dependência de nicotina e de disseminar as piores doenças que a medicina conhece, de repente vai lutar pela saúde dos fumantes que ela mesmo estimulou desde a infância a cair nas garras da nicotina?

Não se iluda, caríssima leitora, o que essa gente pretende é viciar seu filho, é utilizar a rede de vendas que expõe maços de cigarros em todos os botequins, dos quatro cantos do país. 

TICIANO BORGES OSORIO

21 de Junho de 2025
J.J. CAMARGO

Do que a gratidão é capaz

A homenagem a um médico pode vir de formas inesperadas, como o pedido de assinatura em um atestado de óbito

A prática médica, tão estimulante e desafiadora, encontra na maneira de expressar gratidão um compartimento diferenciado. Desde o estímulo automático e previsível ao singelo muito obrigado quando tudo deu certo diante de uma situação banal, onde não se esperava outro desfecho, até a extraordinária exigência emocional para recrutar os sentimentos mais nobres, e com eles reconhecer o esforço despendido, mesmo quando tudo deu errado.

Esta lição aprendi com o João Batista, um paciente com enfisema pulmonar severo e que, depois de transplantado, viveu um mês de encantamento, quando pôde cantar e dançar, duas de suas paixões. E então, o imponderável prevaleceu, e uma infecção fúngica somada à rejeição aguda intensa o trouxeram de volta ao hospital, onde morreu em 48 horas.

Dois meses depois, uma filha muito querida dele voltou para agradecer e cumprir um pedido do pai, quando se deu conta de que ia morrer: "Aconteça o que acontecer, diga ao doutor que eu faria tudo outra vez por aquelas três semanas em que respirei feito gente". E a filha, mesmo tendo vivido a situação mais adversa, que é a reversão de expectativa, agora parecia aliviada, porque naquele pedido o pai, generosamente, oferecera um sentido ao seu sofrimento.

Sei, de experiência própria, que no início da vida profissional dependemos muito mais das manifestações de reconhecimento dos beneficiados para construirmos a sensação de segurança, que depende da reafirmação da qualidade do nosso trabalho. E então os anos passam, e um dia percebemos que mais importante do que os comentários alheios, elogiosos ou depreciativos, é a nossa própria consciência de termos feito o melhor que podíamos. E isso se chama maturidade profissional.

Entretanto, para mostrar que nunca estamos completamente prontos, independentemente do quanto tenhamos vivido, quando menos esperamos somos assaltados por gestos ou atitudes surpreendentes.

Foi a sensação confortadora que tive quando ouvi o relato do Ivan Antonello, meu modelo de humanismo médico, reportando em magnífica aula na última sessão do Curso A Medicina da Pessoa a experiência com o Cícero, um paciente de cerca de 60 anos com falência renal, com evolução desfavorável de uma neoplasia com má resposta à quimioterapia. Se tornaram amigos e, como costuma ocorrer quando o paciente percebe que está evoluindo para a morte, falavam de outras coisas, evitando comentários sobre a doença.

E então, às três horas de uma madrugada de inverno, chamaram-no ao hospital porque um paciente morrera. Era o Cícero, uma morte previsível, ainda que não numa madrugada tão fria. A explicação para o chamado fora o desentendimento da família com o plantonista que devia atestar o óbito. Sem alternativas, o Ivan foi ao hospital, e então um filho justificou a chamada, com um pedido do pai: "Quando eu morrer, não permita que outro médico, que não o doutor Ivan, assine meu atestado de óbito. Eu quero homenageá-lo".

Depois de uma conversa serena com a família, onde ficou claro que a gratidão vencera a morte, ele voltou para casa, com a sensação de que "aquela morte não me pesou, não sofri com ela, e eu estava feliz, porque ele continuava comigo!".

Aos comentários dos alunos, encantados com essa história, e de como seria possível construir uma relação médico/paciente tão densa, meu conselho: "Se exponham aos sentimentos dos pacientes em sofrimento, e ficarão impressionados com a grandeza das reações que só a gratidão, na sua expressão mais pura, é capaz de despertar. _

J.J. CAMARGO

21 de Junho de 2025
CARPINEJAR

Um tipo de galã que jamais se repetirá

Meus filhos não vão entender a importância de Francisco Cuoco. O ator morreu na quinta-feira, aos 91 anos, de falência múltipla de órgãos, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo.

Eles não têm como calcular a hipnose, o transe, o frenesi que o artista levemente ruivo e de sobrancelhas espessas causava nas décadas de 1970 e 1980, numa época em que a telenovela era programa obrigatório. A audiência passava facilmente dos 50 pontos, superando transmissões de Copas do Mundo.

Com seu adeus, termina um ciclo na televisão brasileira. É o ocaso de um tipo de galã que jamais se repetirá. Hoje, para ser galã, basta tirar a camisa e mostrar o abdômen tanquinho. Naqueles tempos, era necessário ostentar um vozeirão, um topete e um olhar lânguido, derretendo tabletes de manteiga. De preferência, com barba, bigode ou cavanhaque para garantir traços de seriedade.

Cuoco encarnava o malandro brejeiro, o sedutor romântico, capaz de conquistar mulheres com uma simples piscadela. Não fazia o tipo família, o perfil da correção social e da prosperidade financeira, ideal para casar. Chegava a ser recomendável não apresentá-lo à esposa, pois ela poderia se apaixonar.

Não era flor que se cheire, muito menos um vilão: representava o homem de meia-idade em crise de identidade, procurando seu lugar no mundo. Diante dos seus defeitos e manias, você torcia por sua sorte, por sua conversão amorosa no desfecho da trama.

Francisco Cuoco ainda desfrutava de alguns cacoetes que o tornavam mais icônico e memorável. Mastigava as palavras. Hesitava, criando expectativa para seus rasgos verbais. Isso quando não aplaudia o silêncio com suas pálpebras hiperativas.

Ao lado de Tarcísio Meira, formou a dupla de modelo masculino por uma longa dinastia. Revezavam como atração principal dos grandes folhetins. Tanto que só dividiram a cena duas vezes como protagonistas: O Semideus (1973) e Os Gigantes (1979). A emissora precisava dosar suas participações. Juntos, provocavam uma overdose de beleza nas telespectadoras, despertando a ira e a inveja dos maridos.

Com mais de 50 novelas, numa carreira gloriosa de seis décadas, encerrada com pontas em 2023, Cuoco serviu de molde para a imaginação de roteiristas lendários no timing das emoções: Janete Clair, Aguinaldo Silva e Dias Gomes.

Não me esqueço do motorista de táxi Carlão, que interpretou em Pecado Capital (1975). Ele encontra uma mala cheia de dinheiro extraviada por assaltantes e amarga um dilema moral: entregar a quantia à polícia ou usá-la para enriquecer e mudar de vida. Nunca uma trilha combinou tanto com um personagem. A letra de Paulinho da Viola ecoava como os próprios pensamentos atormentados:

"Dinheiro na mão é vendaval/ É vendaval!/ Na vida de um sonhador/ De um sonhador!/ Quanta gente aí se engana/ E cai da cama/ Com toda a ilusão que sonhou/ E a grandeza se desfaz".

Também é marcante seu papel em O Astro (1977), como Herculano Quintanilha, um ex-presidiário que se transforma em vidente e alcança fama e fortuna - aliás, uma curiosidade: a novela de Janete se chamaria O Bruxo, mas foi barrada pela Censura Federal do regime militar, que considerava indevidas as referências ocultistas.

Sua performance, com olhos pintados de rímel e turbante lilás, como trambiqueiro de coração bom, virou hit daquele ano. O suspense ao redor do assassino do empresário Salomão Hayala deu tão certo, mobilizando a interação popular, que abriu caminho para o "quem matou Odete Roitman", em Vale Tudo (1988). É a mesma receita até o último capítulo.

Ainda brilhou em um dos maiores sucessos de público da Globo (62 pontos), em 1989, com O Salvador da Pátria, na pele de Severo Blanco, prefeito da fictícia cidade de Tangará, envolvido em esquemas de corrupção.

Pena que a velhice não respeita o passado. Nem concede desconto ao talento. Seus últimos dias não foram de galã: penosos e difíceis. Enfrentando depressão, com cerca de 130kg e dificuldade de locomoção, dependia de cuidadores para se levantar da cama e tomar banho.

O destino poderia ter providenciado um outro the end. Francisco Cuoco merecia um final feliz. 

CARPINEJAR

21 de Junho de 2025
MARCELO RECH

Os mundos paralelos do Irã

Poucos dias antes do ataque de Israel ao Irã, promotores de 20 cidades iranianas, segundo o The New York Times, anunciaram planos de fazer valer uma fatwa, decreto religioso, do líder supremo Ali Khamenei, que bane passeios com cães. Sim, a ditadura iraniana proíbe que cãezinhos saiam às ruas ou sejam levados em carros.

O decreto se baseia em uma radical interpretação do islã de que cães são impuros, mas ele não apenas indica o grau de intolerância da teocracia iraniana. Amplamente desprezada por iranianos amantes de cães, a fatwa revela também como uma parte relevante da sociedade local resiste ao fundamentalismo e aguarda ansiosamente o dia em que será reinserida na vida normal do planeta.

Quem se guia pelas versões oficialescas e assiste a multidões agitando cartazes e prometendo morte a Israel e aos EUA pode supor que os aiatolás contam com plena coesão interna. Por detrás do sufocamento da oposição e da absoluta censura a vozes dissidentes, contudo, há uma sociedade diversa e efervescente que produz cultura clandestina e troca informações via aplicativos de mensagens que levariam seus autores à prisão. Não por acaso, nesta semana o regime praticamente fechou o acesso à internet para os cidadãos comuns.

Os surtos de revolta eclodem de vez em quando, como no Movimento Verde de 2009 e no levante de 2022, depois que Mahsa Amini, de 22 anos, foi torturada e morta por usar de forma imprópria o hijab, o lenço que deve esconder os cabelos. As duas rebeliões foram reprimidas violentamente - a última, com 500 mortos e 20 mil prisões, o que fermentou ainda mais o ressentimento.

O rancor se espalha principalmente entre uma classe média escolarizada que não se conforma em ser escanteada do convívio mundial. A disseminação de pet shops e o transgressor uso do hijab deixando as franjas à mostra são sinais da resistência aos aiatolás. O desvio de bilhões da saúde e da infraestrutura para o programa nuclear e uma máquina de guerra que está sendo sovada por Israel não ajuda o regime. É na classe mais educada e nos jovens, com algum acesso ao mundo exterior, que germina a esperança de que se instale no Irã um governo no mínimo menos ruim, como o da vizinha Turquia, onde sobrevive a autocracia de Recep Erdogan mas mulheres não recebem até 74 chibatadas por usar biquínis.

Em meio à fumaça dos bombardeios, é cedo para se prever o sucesso de novas rebeliões porque a máquina de repressão interna segue intacta. Há também uma legião de xiitas fundamentalistas e servidores públicos que temem os ventos reformistas e seguem unidos em torno dos aiatolás. Mais dia, menos dia, saberemos que mundo irá prevalecer no Irã, mas a sorte de Assad na Síria e Saddam Hussein no Iraque indica que mesmo ditaduras sanguinárias chegam ao fim. 

MARCELO RECH

21 de Junho de 2025
ANDRESSA XAVIER

O conto da chuva

Era uma vez um lugar onde chovia. Chovia muito em poucas horas, é verdade. Mas o mais curioso não era a quantidade de água que caía do céu, e sim o que acontecia depois que ela caía. Porque, veja bem, nesse lugar, toda vez que chovia, os administradores saíam de suas salas e diziam à população que o problema era a chuva.

Eles apontavam para o céu como se tivessem sido traídos por uma nuvem maligna. Diziam que o volume foi muito mais alto do que se previa. Passavam a responsabilidade para os outros, como se fosse aquele jogo da batata quente, que vai passando de mão em mão até estourar na de alguém enquanto os outros se esquivam.

A água, nesse meio tempo, subia pelas calçadas, invadia casas, levava móveis, carros, pontes. E eles ali, escondidos atrás de reuniões, grupos de trabalho e gráficos para comprovar que o volume de chuva era histórico e acima do previsto. Eles também prometiam estudos e soluções para o futuro, mas nunca davam prazo para o término dos trabalhos. Lavavam as mãos com a água da chuva.

As pessoas, então, confundiam lágrimas com água que vinha do céu ou brotava do chão, já que os bueiros não estavam limpos para escoar como deveriam. É que as cidades, afinal de contas, eram grandes demais para que as prefeituras conseguissem dar conta de limpar tudo. As pessoas viam se esvair somente as promessas de seus administradores antigos, também não cumpridas.

Nesse lugar, os desastres naturais eram agravados pelas escolhas mal feitas. Lixo acumulado, obras esperando, bocas de lobo entupidas. Se ninguém enxerga, não incomoda. Até a maldita nuvem aparecer mais uma vez.

De tempos em tempos essa historinha se repetia. Chovia. Alagava. Alguém aparecia com uma estatística nova, um colete da Defesa Civil e, claro, dizia que era chuva demais em pouco tempo.

A população, mesmo resiliente, cansava. Cansava de não ter segurança de mobiliar a casa mais uma vez para perder o pouco que tem na próxima enchente. Cansava das mesmas desculpas. Cansava. E esperava que alguém fizesse a diferença nos dias secos entre as tempestades.

Nessa história o passado se confunde com o futuro. Tem aquela sensação de que o espectador já viu aquilo antes e verá de novo. Não se trata de plágio, é porque os personagens são os mesmos e o cenário também. A maldita nuvem aparece e as cenas se repetem. Porque nesse lugar, há duas certezas. Uma delas é que vai chover forte de novo. A outra é que as autoridades vão dizer que foi muito em pouco tempo, tratando o previsível como surpresa. É a história dos imprevistos que sempre acontecem. 

ANDRESSA XAVIER

21 de Junho de 2025
OPINIÃO RBS

Pesadelo repetido

Ainda que não atinja a dimensão catastrófica da enchente de maio de 2024, a atual inundação em várias regiões do Estado já provoca os mesmos sofrimentos para as populações atingidas: vidas interrompidas, famílias desabrigadas, casas danificadas, móveis e eletrodomésticos inutilizados, estradas e pontes obstruídas e um trauma coletivo que se renova a cada chuva mais consistente.

O mais doloroso e decepcionante neste momento é a constatação de que, passado um ano da maior tragédia climática que se abateu sobre o Estado, muitos municípios gaúchos continuam vulneráveis às precipitações volumosas e à elevação dos níveis dos rios, inclusive em áreas que podiam - e deviam - estar mais protegidas. Nesse aspecto, cabe, sim, responsabilizar gestores públicos, legisladores e a burocracia estatal pela demora na implementação das obras estruturantes prometidas - evidentemente, sem desconsiderar também o descaso de parcela da população com a educação ambiental, incluído aí o descarte inadequado do lixo que entope bueiros e dificulta o escoamento das águas.

Há uma evidente dessintonia entre os discursos oficiais e o clamor dos moradores de áreas vulneráveis. Enquanto os governantes apontam soluções distantes e dependentes de projetos visíveis apenas no papel, os cidadãos lamentam perdas e reclamam que nada ou pouco foi feito pelo poder público para evitar a repetição do pesadelo do ano passado. Ressalve-se nesse contexto alguns municípios em que a Defesa Civil vem procurando remover os moradores ribeirinhos de forma preventiva. Na maioria dos casos, porém, são os próprios habitantes dessas áreas de risco que procuraram socorro antes de a situação se tornar incontornável.

Toda vida perdida deve ser lamentada, isso é inquestionável. Mas a significativa redução no número de vítimas fatais na enchente atual é também um registro que merece ser considerado, até mesmo em reconhecimento à conscientização dos próprios cidadãos que já não esperam para serem salvos no último momento. A autopreservação é um aprendizado valioso, principalmente quando se sabe, por previsões e estudos científicos, que os desarranjos climáticos tendem a se repetir com maior frequência no futuro.

Evidentemente, tais constatações não servem de consolo nem devem servir de estímulo para o conformismo. Pelo contrário, cada calamidade climática como a atual, ainda que resultante de precipitações acima da normalidade como alegam os governantes, tem que continuar provocando indignação pelo que ainda não foi feito para proteger as populações de riscos previsíveis e sanáveis. 

Se não podemos impedir a chuva excessiva, certamente podemos evitar que mais habitações se localizem em terrenos alagáveis e que os serviços públicos continuem funcionando, cabendo aos representantes políticos adotar as devidas providências para que o escoamento funcione, as pontes resistam e as estradas continuem transitáveis. Cada cidadão pode contribuir com a parte que lhe cabe, mas a responsabilidade maior - como é legítimo numa democracia representativa - compete aos gestores públicos e aos políticos eleitos para trabalhar pela população. 

OPINIÃO RBS
pULCRU83kPjIP5R3UtNnHCNMtsdYXYu/s320/Marta_Sfredo.gif" width="500" />

21 de Junho de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Alívio no mercado, retirada do Irã

Deu certo alívio aos mercados o aviso do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de que decidirá se entra ou não na guerra entre Israel e Irã dentro de duas semanas. A cotação do petróleo caiu 2% na sexta-feira, com o ganho de tempo para negociações diplomáticas. No Brasil, o dólar voltou ao nível de R$ 5,50 do qual havia saído com leve alta de 0,45%, para R$ 5,525, e a bolsa recuou 1,1% diante da nova alta de juro definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom).

Mas no mesmo dia em que começaram negociações de uma alternativa pacífica em Genebra (Suíça), na sexta, países europeus retiraram seu pessoal do Irã. A própria Suíça informou ter fechado "temporariamente" sua embaixada em Teerã. Desde 1979, com invasão e sequestro de americanos na sua sede diplomática na capital iraniana, os EUA são representados no país pelos suíços. O Reino Unido também retirou funcionários diplomáticos, levando a embaixada a operar em modo remoto.

Conforme analistas, parte do mercado não esperava o aumento adicional na Selic e ajusta as apostas no câmbio nesta sexta-feira para contemplar o maior diferencial de juro em relação aos Estados Unidos, que gera negócios chamados de "carry trade" (tomar dinheiro a juro baixo em um país e aplicá-lo em outros onde as taxas são mais altas). _

Expansão nacional começa no RS com R$ 14 milhões

Depois de investir R$ 11 milhões em três anos na fábrica que mantém em Canoas, a Midea Carrier vai aportar mais R$ 14 milhões só neste ano para aumentar eficiência e produtividade da unidade gaúcha.

Os recursos são parte de plano de expansão nacional da Midea Carrier, que começa na região metropolitana de Porto Alegre com a abertura de escritório regional. A empresa é conhecida pela produção de eletrodomésticos, como ar-condicionado, lavadora e refrigerador.

O vice-presidente de vendas e marketing da Midea Carrier, Mario Souza, lembra que há relação antiga entre marca e Estado: a planta de Canoas opera no mesmo local há cerca de 60 anos. Desde 1983, a Springer, que era dona da fábrica, pertence à americana Carrier, que, em 2011, fez acordo com a chinesa Midea. A Midea Carrier tem cerca de 2 mil pontos de venda na Região Sul e pretende chegar a perto de 3 mil até o final deste ano. _

Entrevista - Aquilino Senra - Professor de Engenharia Nuclear na Coppe/UFRJ

"Ataque a usina nuclear seria o pior cenário"

Que risco há em ataque a instalações nucleares do Irã?

Há confusão entre ataques a usinas nucleares e a instalações de enriquecimento de urânio. Usinas geram muito material radioativo. Nas de enriquecimento, o que circula é hexafluoreto de urânio. O que é energético é o urânio 235, mas a concentração natural é de só 0,7%. Para gerar energia, é preciso 5% e para fazer bomba, mais de 90%. É como gasolina: eleva a octanagem para ficar mais potente.

A quanto o Irã estava enriquecendo urânio?

A Agência Internacional de Energia Atômica reporta urânio enriquecido a 60%. Com esse nível, não se faz bomba atômica. Não é opinião, é físico, é a ciência. Relatou que o Irã escala rapidamente o enriquecimento, mas se chegou a 60%, leva tempo até alcançar 90%.

O Irã pode ter urânio a 90% e a agência não saber?

Há informações porque o Irã é signatário do tratado de não proliferação de armas nucleares. Por isso, suas instalações são inspecionadas. É como abastecimento de gás: tem medidores que registram entrada e saída. Se sai menos, indicaria desvio a ser investigado. Possível sempre é, mas não é provado.

Que tipo de ataque a instalações nucleares pode gerar vazamento radioativo?

Existe uma lei de guerra proibindo ataque a instalações nucleares, porque têm um inventário de material radioativo muito maior do que em instalações de enriquecimento de urânio. Se explodisse, geraria nuvem de material radioativo como a de Chernobyl, alcançando 2 mil quilômetros. Não danifica só a infraestrutura do país atacado, atinge outros.

Mas já houve ataques a usinas nucleares no Irã, não?

Sim, mas os alvos foram as partes não nucleares. O reator atômico é uma parte pequena entre os componentes de uma usina. Essa unidade não deve ser atingida por míssil porque liberaria radioatividade. É como um caminhão, que tem motor, cabine, carroceria, pneu. Em ataques a usinas, os alvos costumam ser a carroceria, os pneus. No Irã, os alvos foram prédios administrativos. O objetivo era que a planta parasse de funcionar. E como foi informado pela agência atômica, não houve dano na parte nuclear. Um ataque à usina seria o pior cenário.

Há especulação sobre eventual ataque a outra instalação, a de Fordow. O que se sabe sobre a unidade?

É uma planta de enriquecimento de urânio, como Natanz, que fica na superfície, mas Fordow é subterrânea. O habitual é que os países tenham só uma unidade de enriquecimento. É o caso do Brasil. Temos usina em Angra dos Reis e enriquecimento em Resende (RJ). É prática mundial. E não é comum instalar a 90 metros de profundidade ou mais. Isso reforça a ideia de que queriam fazer bomba, em local que não fosse facilmente atacado por caças. Mas até agora se trata de especulação, não há confirmação.

Qual o dano de ataque a plantas de enriquecimento?

Só circula o UH6. Do ponto de vista de radioatividade, o risco é baixo comparado a usina nuclear. Mas é um gás tóxico, gera ácido fluorídrico (corrosivo que causa queimaduras graves). Tem riscos ambientais, de contaminação de solo e água. _

GPS DA ECONOMIA


21 de Junho de 2025
ACERTO DAS TUAS CONTAS

Torres tem pouca área para prédio. Então, o valor do metro quadrado tem subido muito - diz o vice-presidente e coordenador do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Rio Grande do Sul (Sinduscon-RS) no Litoral, Renan Martinello.

Com o terreno caro, é preciso fazer um empreendimento cujo valor de venda banque este custo pesado da obra. É deste cenário que saem os projetos de luxo que proliferam no Litoral. O mesmo acontece na outra praia: Capão da Canoa, que entrou no ranking em 10º lugar, com um metro quadrado de R$ 14.644.

Em 2024, a venda de imóveis bateu o recorde de R$ 6 bilhões no litoral norte do Rio Grande do Sul, um crescimento de 20% sobre o ano anterior. As cinco praias de maior venda: Capão da Canoa (R$ 1,7 bilhão), Xangri-lá (R$ 1,6 bilhão), Torres (R$ 1 bilhão), Tramandaí (R$ 580 milhões) e Imbé (R$ 420 milhões). 

Como a geração Z come - Consumidor verde

Como será que a geração Z, cujo gasto está no radar das empresas, consome hortigranjeiros? São aqueles que nasceram entre 1995 e o início dos anos 2000, que têm padrões de consumo muito diferentes das gerações imediatamente anteriores. Em alguns casos, até fazem um resgate na forma antiga (ou ancestral, como dizem alguns) de se alimentar. A reflexão foi trazida pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/USP), que, de largada, já aponta os seguintes pontos importantes para este consumidor: sustentabilidade, saúde, conveniência, inovação e equilíbrio entre custo e qualidade. Isso exige, certamente, adaptação do processo de produção dos alimentos. Saliente-se aqui a preocupação ambiental, com o planeta.

"Trata-se de uma geração que não tem pressa, mas também não quer perder tempo; procura ler o rótulo dos alimentos e é mais propensa a escolher um produto diferenciado frente a pessoas de gerações anteriores. A geração Z procura saber como o alimento é feito, qual sua procedência e se são ?amigos? do planeta", diz o relatório.

Rótulos fáceis, comunicação transparente e preparo rápido complementam as dicas para agradar esses jovens. 

Finanças pelo país

São Paulo concentra 43% das 229 iniciativas de educação financeira mapeadas pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). O Rio Grande do Sul (12%) fica bem atrás, mas ainda com um dos maiores percentuais entre os demais Estados. Houve uma queda no número nacional de projetos em relação à pesquisa anterior, em 2017, mas a entidade avalia que estão impactando um público maior, potencializadas pelas redes sociais.

Influenciadores de finanças somam mais de 200 milhões de seguidores no país. 

Orgânicos no shopping

O Shopping Total, em Porto Alegre, retomou a sua feira orgânica, criada em 2006 e suspensa na pandemia. Será todas as sextas, das 10h às 15h, no Largo Cultural ou, se chover, dentro do shopping. Vinte feirantes da Rede Coop venderão hortigranjeiros, grãos, sucos, chimias, conservas, pães e biscoitos artesanais.

Além do alimento fresco, teremos a história por trás de cada produto: quem plantou ou como foi produzido, além do impacto positivo da compra na vida de uma família do campo - destaca a gerente Silvia Rachewsky. _

O Dia dos Namorados trouxe alertas sobre endividamento. Pesquisa do Sindicato dos Lojistas de Porto Alegre (Sindilojas POA) mostrou que 84% das compras foram parceladas no cartão de crédito, o que a entidade interpreta como "estresse financeiro" de clientes.

ACERTO DAS TUAS CONTAS


21 de Junho de 2025
POLÍTICA E PODER - Rosane de Oliveira

Licença-prêmio volta para privilegiados

Extinta por emenda constitucional na reforma administrativa proposta pelo governador Eduardo Leite e aprovada pela Assembleia Legislativa, a licença-prêmio está sendo ressuscitada. Não para todos os servidores, naturalmente, mas para o grupo que consegue fazer, no canetaço, o milagre da multiplicação dos penduricalhos, amparado nos seus respectivos conselhos nacionais.

São os membros do Ministério Público, os magistrados, os defensores públicos e os conselheiros dos tribunais de contas. Para as carreiras jurídicas, o teto é uma abstração - professores, policiais e demais servidores públicos seguirão tendo direito apenas à licença-capacitação, como também é no governo federal.

Desta vez, foi o Ministério Público a locomotiva que puxou o trem da alegria no qual o Tribunal de Justiça (TJ), a Defensoria e o TCE devem embarcar na sequência. O procurador Alexandre Saltz anunciou na semana passada um pacote de benefícios aos promotores e procuradores e incluiu esse inacreditável presente que, na prática, significa mais dinheiro no bolso.

A licença-prêmio será restabelecida para quem já tem dois meses de férias por ano, mais o recesso de fim de ano e de oito a 10 dias por mês de folga por conta do excesso de trabalho.

A licença compensatória, na prática, está sendo convertida em dinheiro e significa aumento de um terço do subsídio, pago como "verba indenizatória" - sem precisar obedecer o teto salarial e sem pagamento de Imposto de Renda. Da mesma forma a licença-prêmio. Em vez de tirar três meses de folga a cada cinco anos, a maioria opta por receber a bolada em dinheiro.

Quando a emenda do governo Leite foi aprovada, o TJ e o MP acompanharam o Executivo e cortaram o benefício dos servidores e dos agentes públicos. Não duvide que com o renascimento dessa vantagem indefensável venha a cobrança de retroativo pelo tempo que Suas Excelências tiveram a torneira fechada.

Como a Constituição diz que "todos são iguais perante a lei", conclui-se que uns são "mais iguais do que os outros" e o benefício está voltando por linhas tortas. O Conselho Nacional do MP autorizou o pagamento com o argumento de que a carreira é nacional e se em outros Estados já é pago por estar previsto na Lei Orgânica do Ministério Público, o Rio Grande do Sul também pode pagar. _

Aliás

Como a coluna mostrou nesta semana, o Tribunal de Contas do Estado (TCE), órgão encarregado de fiscalizar as prefeituras, câmaras de vereadores e os Três Poderes, saiu na frente até do TJ e adotou o pagamento retroativo a 2015 pelo acúmulo de funções ou excesso de trabalho. E fez as contas: essa brincadeira custará R$ 30 milhões aos cofres públicos para pagar 17 pessoas hoje em atividade e os conselheiros que se aposentaram antes.

É impressionante que políticos e empresários fiquem indignados com a possibilidade de o governo do RS dar algum dinheiro à escola de samba Portela e não deem um pio sobre os pagamentos indecentes feitos acima do teto.

Leite anuncia R$ 60 milhões para municípios em emergência pela chuva

Do helicóptero em que sobrevoou áreas alagadas na região central do Estado, o governador Eduardo Leite reviveu imagens da tragédia de 2024 e teve a dimensão do impacto da enchente deste ano. O cenário em algumas áreas é semelhante ao do início de maio do ano passado. Em outras, como foi o caso de Jaguari, os problemas deste ano foram até maiores.

Quando se reuniu com mais de 30 prefeitos, em Santa Maria, Leite já tinha todas as informações da Defesa Civil sobre os estragos e sobre a necessidade de liberação rápida de recursos. Aos prefeitos, anunciou a liberação emergencial de R$ 60 milhões para os municípios atingidos.

Metade desse dinheiro será destinada pelo Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) para a recuperação de trechos danificados e manutenção emergencial de rodovias estaduais por meio dos contratos de conservação. Os outros R$ 30 milhões serão direcionados pelo modelo fundo a fundo da Defesa Civil, com repasses diretos aos municípios em situação de emergência e sem exigência prévia de plano de trabalho.

- A prioridade é garantir agilidade. Não vamos esperar relatórios detalhados para começar a apoiar. Vamos repassar R$ 100 mil a cada município que decretar emergência. Depois, conforme os danos reportados, poderemos ampliar esse valor - disse Leite, ao lado do prefeito de Santa Maria, Rodrigo Decimo.

Leite dedicou a sexta-feira a encontros com prefeitos. De Santa Maria, voou para Porto Alegre e se reuniu com o prefeito Sebastião Melo. Depois, foi a São Leopoldo e Novo Hamburgo conversar com os prefeitos Heliomar Franco e Gustavo Finck. _

Dívida reconhecida, pagamento incerto

O Ministério Público já editou uma resolução estabelecendo que a licença compensatória por excesso de processos seja paga retroativamente a 2015. Argumento? Nessa época já havia a sobrecarga e é preciso indenizar quem se sacrificou pela pátria.

O orçamento do MP não comporta o gasto com o pagamento retroativo da licença compensatória a 2015. Seria indecente o governo fazer suplementação para pagar um benefício aprovado sem lei específica e sem impacto do custo total.

O que o MP fez foi reconhecer o direito ao pagamento retroativo, estimado em mais de R$ 1,2 milhão por cabeça, na média. O pagamento será feito ao longo do tempo, de acordo com a disponibilidade de recursos. Mas ninguém precisa ficar preocupado: mês a mês, o saldo será corrigido de acordo com a variação da inflação, mais 1%. É poupança às custas do pagador e impostos. _

No TJ, pagamento de retroativo não tem data

Nenhum magistrado estadual receberá neste ano o pagamento retroativo a 2015 pelo "excesso de acervo", que deu origem à licença compensatória. O presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Alberto Delgado Neto, diz que é de 99% a chance de nada ser pago durante o seu mandato, que termina no final de janeiro.

Esse benefício foi incorporado ao contracheque dos magistrados em 2023, mas ficava sujeito ao teto salarial. À época, não se falava em pagamento retroativo, mas o CNJ autorizou a viagem no tempo depois da transformação em licença compensatória, que pode ser usufruída em dias de folga ou mediante pagamento em dinheiro, como "verba indenizatória". Essas indenizações não estão sujeitas aos limites do teto e sobre elas não incide Imposto de Renda.

Nos próximos dias, o TJ deve reconhecer o direito à retroatividade, mas não tem previsão de pagamento por falta de dinheiro no orçamento e dificuldade para calcular o valor a que cada magistrado terá direito. _

POLÍTICA E PODER