sábado, 21 de junho de 2025


21 de Junho de 2025
MARCELO RECH

Os mundos paralelos do Irã

Poucos dias antes do ataque de Israel ao Irã, promotores de 20 cidades iranianas, segundo o The New York Times, anunciaram planos de fazer valer uma fatwa, decreto religioso, do líder supremo Ali Khamenei, que bane passeios com cães. Sim, a ditadura iraniana proíbe que cãezinhos saiam às ruas ou sejam levados em carros.

O decreto se baseia em uma radical interpretação do islã de que cães são impuros, mas ele não apenas indica o grau de intolerância da teocracia iraniana. Amplamente desprezada por iranianos amantes de cães, a fatwa revela também como uma parte relevante da sociedade local resiste ao fundamentalismo e aguarda ansiosamente o dia em que será reinserida na vida normal do planeta.

Quem se guia pelas versões oficialescas e assiste a multidões agitando cartazes e prometendo morte a Israel e aos EUA pode supor que os aiatolás contam com plena coesão interna. Por detrás do sufocamento da oposição e da absoluta censura a vozes dissidentes, contudo, há uma sociedade diversa e efervescente que produz cultura clandestina e troca informações via aplicativos de mensagens que levariam seus autores à prisão. Não por acaso, nesta semana o regime praticamente fechou o acesso à internet para os cidadãos comuns.

Os surtos de revolta eclodem de vez em quando, como no Movimento Verde de 2009 e no levante de 2022, depois que Mahsa Amini, de 22 anos, foi torturada e morta por usar de forma imprópria o hijab, o lenço que deve esconder os cabelos. As duas rebeliões foram reprimidas violentamente - a última, com 500 mortos e 20 mil prisões, o que fermentou ainda mais o ressentimento.

O rancor se espalha principalmente entre uma classe média escolarizada que não se conforma em ser escanteada do convívio mundial. A disseminação de pet shops e o transgressor uso do hijab deixando as franjas à mostra são sinais da resistência aos aiatolás. O desvio de bilhões da saúde e da infraestrutura para o programa nuclear e uma máquina de guerra que está sendo sovada por Israel não ajuda o regime. É na classe mais educada e nos jovens, com algum acesso ao mundo exterior, que germina a esperança de que se instale no Irã um governo no mínimo menos ruim, como o da vizinha Turquia, onde sobrevive a autocracia de Recep Erdogan mas mulheres não recebem até 74 chibatadas por usar biquínis.

Em meio à fumaça dos bombardeios, é cedo para se prever o sucesso de novas rebeliões porque a máquina de repressão interna segue intacta. Há também uma legião de xiitas fundamentalistas e servidores públicos que temem os ventos reformistas e seguem unidos em torno dos aiatolás. Mais dia, menos dia, saberemos que mundo irá prevalecer no Irã, mas a sorte de Assad na Síria e Saddam Hussein no Iraque indica que mesmo ditaduras sanguinárias chegam ao fim. 

MARCELO RECH

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