sábado, 21 de junho de 2025


21 de Junho de 2025
TICIANO BORGES OSORIO

O que essa gente quer é viciar seu filho

Não existe um só estudo científico a comprovar que os cigarros eletrônicos são menos nocivos do que os comuns

Pasmem senhoras e senhores, a indústria do tabaco está preocupadíssima com a saúde pública. Depois de décadas ganhando fortunas com a venda de um produto cuja fumaça causa sofrimento e milhões de mortes, agora está interessada em vender cigarros eletrônicos como estratégia de redução de danos. Dá para acreditar?

Em entrevista à Folha, o CEO da Philip Morris, fabricante do Marlboro, teve a desfaçatez de afirmar sobre os eletrônicos: "Esses produtos precisam ser adotados por fumantes adultos, e essas pessoas precisam migrar para eles a fim de criar a equação de redução de danos do tabaco. Então, agora temos a ciência, temos o produto, temos a vontade".

É preciso muito cinismo para dizer que os fumantes adultos precisam migrar para os eletrônicos, quando ele está cansado de saber que os eletrônicos se disseminam entre crianças e adolescentes, muitos dos quais jamais fumariam cigarros comuns.

Que ciência é essa à qual ele se refere? Uma pesquisa sobre tabaco aquecido patrocinada pela própria Philip Morris, que há décadas se empenha em arregimentar multidões de dependentes de nicotina. Não foi à toa que o Comitê Europeu de Controle do Tabaco concluiu: "Pesquisas independentes mostram que os produtos de tabaco aquecido emitem níveis substanciais de nitrosaminas cancerígenas específicas do tabaco, bem como substâncias tóxicas e irritantes e potenciais carcinogênicos".

O CEO prossegue: "A ciência hoje mostra que produtos de nicotina sem combustão são uma alternativa muito melhor do que cigarros". É mentira, não existe um só estudo prospectivo, randomizado, que tenha feito essa comparação.

Diz, ainda, que os atuais fumantes de eletrônicos consomem produtos ilegais: "Esses produtos não são controlados, não têm controle sanitário, não têm controle de qualidade, não têm controle comercial".

Esse senhor deve pensar que está falando com imbecis. Controle de qualidade de um produto tóxico, cancerígeno, que causa a mais avassaladora das dependências químicas? Seguindo esse raciocínio enviesado, deveríamos entregar a produção e o comércio de outros produtos tóxicos causadores de dependência, como cocaína, crack e K-9, para a empresa em que ele trabalha produzi-los com qualidade superior?

A estratégia da indústria do fumo é antiga. Desde a Primeira Guerra Mundial, essa gente vem cometendo o maior crime da história do capitalismo mundial (excetuada a escravidão). Enquanto lhes foi permitido, usaram os meios de comunicação de massa para associar ao cigarro a imagem de um "hábito charmoso" adotado pelas mulheres mais lindas do cinema e por homens como o cowboy do Marlboro - que, aliás, morreu de câncer de pulmão.

Desde a década de 1950 os cientistas sabiam que o cigarro causava câncer, mas a informação não chegava à sociedade porque a indústria controlava a imprensa a peso do ouro que investiam nas campanhas publicitárias. A relação do fumo com ataques cardíacos, AVCs e outras doenças cardiovasculares foi escondida até os anos 1990.

Se eles agora reconhecem que o cigarro é um produto tóxico, é preciso ser primeiro colocado em campeonato de ingenuidade para acreditar que seria em benefício da saúde pública.

Na verdade, as campanhas de esclarecimento realizadas por organizações governamentais, pelos meios de comunicação e, especialmente, pela TV reduziram o cigarro ao que ele realmente é: um vício cafona que causa dependência química, dá hálito repulsivo, mau cheiro no corpo, nas roupas e nos cabelos das mulheres.

A educação fez a prevalência do fumo cair na maior parte do mundo. Entre nós, os resultados obtidos são considerados um exemplo pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Nos anos 1960, quando comecei a fumar, a prevalência do cigarro em pessoas com mais de 15 anos, era cerca de 60%, número que hoje beira 10%.

O que o CEO não confessa na entrevista é a razão pela qual seus patrões querem que a Anvisa aprove os eletrônicos. Para melhorar a saúde da população? Não sejamos ridículos: uma indústria que até hoje vive às custas da dependência de nicotina e de disseminar as piores doenças que a medicina conhece, de repente vai lutar pela saúde dos fumantes que ela mesmo estimulou desde a infância a cair nas garras da nicotina?

Não se iluda, caríssima leitora, o que essa gente pretende é viciar seu filho, é utilizar a rede de vendas que expõe maços de cigarros em todos os botequins, dos quatro cantos do país. 

TICIANO BORGES OSORIO

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