sábado, 7 de junho de 2025


07 de Junho de 2025
MARCELO RECH

A barra subiu

Num dos painéis que moderei no excelente Festival Fronteiras, o tema era inteligência artificial, o que me levou a uma pergunta tão óbvia quanto complexa aos dois futuristas no palco, a escritora Martha Gabriel e o neurocientista Álvaro Machado Dias. Quais carreiras deveria escolher agora quem tem 18 ou 19 anos e uma vida pela frente?

Muito apropriadamente, nenhum dos dois - e ninguém que tenha responsabilidade - ousa cravar uma profissão que vai perdurar por, digamos, quatro décadas além. O que se sabe é que, da produção de moranguinhos a cirurgias complexas, a IA está transformando, e vai afetar ainda mais, todos os campos da atividade humana.

Não há dúvidas de que cientistas da computação, sobretudo os especializados em IA, estão sendo caçados pelos empregadores nas portas de universidades. Basta lembrar que o primeiro curso de bacharelado em IA no Brasil, o da Universidade Federal de Goiás, teve neste ano uma nota de corte no Sisu superior à da medicina, que ficou em terceira posição por lá. Faz sentido hoje, mas fará amanhã?

Há menos de cinco anos, programação era uma das profissões do futuro. Agora, a IA avança sobre quem apenas escreve linhas de código. Os que se especializaram em IA seguem em alta. No passado, era dado como certo que o talento criativo seria insubstituível. Na prática, a seara de atividades criativas, como produções de jingles, vídeos, ilustrações e textos - pelo menos aquelas de padrão mediano -, está sendo invadida pelos prompts.

O fato é que, para muitas atividades, a barra subiu, como aliás sempre sobe quando surge uma nova tecnologia. Para outras áreas, é melhor se preparar para um processo de conversão acelerado. No século retrasado, produzir velas e gelo eram atividades demandadas. A energia elétrica desmanchou esses negócios tais como existiam. Os acendedores de lampião, antes vitais nas cidades, sumiram com a disseminação da eletricidade.

Seja o que for, é preciso cautela com as previsões definitivas. Mesmo antes da atual onda de IA, era voz corrente que a função de médico radiologista seria dizimada diante da capacidade de máquinas examinarem exames com alto grau de precisão e velocidade. Parecia fazer sentido, mas, segundo The New York Times, a Mayo Clinic, nos EUA, um dos mais reputados centros médicos do mundo, aumentou seu corpo de radiologistas em 55% nos últimos 10 anos. São hoje mais de 400, que aconselham colegas e conversam com pacientes. O laboratório de IA da clínica emprega 40 cientistas, entre os quais radiologistas, que se debruçam sobre questões como aperfeiçoar a análise de tecidos e prever doenças.

De tudo, só resta uma certeza: trabalhar com a IA, e não contra ela, fará toda a diferença a partir de agora. 

MARCELO RECH

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