
21 de Junho de 2025
CARPINEJAR
Um tipo de galã que jamais se repetirá
Meus filhos não vão entender a importância de Francisco Cuoco. O ator morreu na quinta-feira, aos 91 anos, de falência múltipla de órgãos, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo.
Eles não têm como calcular a hipnose, o transe, o frenesi que o artista levemente ruivo e de sobrancelhas espessas causava nas décadas de 1970 e 1980, numa época em que a telenovela era programa obrigatório. A audiência passava facilmente dos 50 pontos, superando transmissões de Copas do Mundo.
Com seu adeus, termina um ciclo na televisão brasileira. É o ocaso de um tipo de galã que jamais se repetirá. Hoje, para ser galã, basta tirar a camisa e mostrar o abdômen tanquinho. Naqueles tempos, era necessário ostentar um vozeirão, um topete e um olhar lânguido, derretendo tabletes de manteiga. De preferência, com barba, bigode ou cavanhaque para garantir traços de seriedade.
Cuoco encarnava o malandro brejeiro, o sedutor romântico, capaz de conquistar mulheres com uma simples piscadela. Não fazia o tipo família, o perfil da correção social e da prosperidade financeira, ideal para casar. Chegava a ser recomendável não apresentá-lo à esposa, pois ela poderia se apaixonar.
Não era flor que se cheire, muito menos um vilão: representava o homem de meia-idade em crise de identidade, procurando seu lugar no mundo. Diante dos seus defeitos e manias, você torcia por sua sorte, por sua conversão amorosa no desfecho da trama.
Francisco Cuoco ainda desfrutava de alguns cacoetes que o tornavam mais icônico e memorável. Mastigava as palavras. Hesitava, criando expectativa para seus rasgos verbais. Isso quando não aplaudia o silêncio com suas pálpebras hiperativas.
Ao lado de Tarcísio Meira, formou a dupla de modelo masculino por uma longa dinastia. Revezavam como atração principal dos grandes folhetins. Tanto que só dividiram a cena duas vezes como protagonistas: O Semideus (1973) e Os Gigantes (1979). A emissora precisava dosar suas participações. Juntos, provocavam uma overdose de beleza nas telespectadoras, despertando a ira e a inveja dos maridos.
Com mais de 50 novelas, numa carreira gloriosa de seis décadas, encerrada com pontas em 2023, Cuoco serviu de molde para a imaginação de roteiristas lendários no timing das emoções: Janete Clair, Aguinaldo Silva e Dias Gomes.
Não me esqueço do motorista de táxi Carlão, que interpretou em Pecado Capital (1975). Ele encontra uma mala cheia de dinheiro extraviada por assaltantes e amarga um dilema moral: entregar a quantia à polícia ou usá-la para enriquecer e mudar de vida. Nunca uma trilha combinou tanto com um personagem. A letra de Paulinho da Viola ecoava como os próprios pensamentos atormentados:
"Dinheiro na mão é vendaval/ É vendaval!/ Na vida de um sonhador/ De um sonhador!/ Quanta gente aí se engana/ E cai da cama/ Com toda a ilusão que sonhou/ E a grandeza se desfaz".
Também é marcante seu papel em O Astro (1977), como Herculano Quintanilha, um ex-presidiário que se transforma em vidente e alcança fama e fortuna - aliás, uma curiosidade: a novela de Janete se chamaria O Bruxo, mas foi barrada pela Censura Federal do regime militar, que considerava indevidas as referências ocultistas.
Sua performance, com olhos pintados de rímel e turbante lilás, como trambiqueiro de coração bom, virou hit daquele ano. O suspense ao redor do assassino do empresário Salomão Hayala deu tão certo, mobilizando a interação popular, que abriu caminho para o "quem matou Odete Roitman", em Vale Tudo (1988). É a mesma receita até o último capítulo.
Ainda brilhou em um dos maiores sucessos de público da Globo (62 pontos), em 1989, com O Salvador da Pátria, na pele de Severo Blanco, prefeito da fictícia cidade de Tangará, envolvido em esquemas de corrupção.
Pena que a velhice não respeita o passado. Nem concede desconto ao talento. Seus últimos dias não foram de galã: penosos e difíceis. Enfrentando depressão, com cerca de 130kg e dificuldade de locomoção, dependia de cuidadores para se levantar da cama e tomar banho.
O destino poderia ter providenciado um outro the end. Francisco Cuoco merecia um final feliz.
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