segunda-feira, 16 de junho de 2025


16 de Junho de 2025
CLÁUDIA LAITANO

Um dia todo seu

O historiador português Rui Tavares lembrou em uma coluna recente no jornal Folha de S. Paulo que Portugal talvez seja o único país do mundo a associar sua data nacional não a uma batalha (ou a uma declaração de Independência, como no caso do nosso 7 de Setembro), mas à morte de um poeta, Luis de Camões, em 10 de junho de 1580. 

Fiquei imaginando como seria bonito ensinar às crianças que quem inventou um certo Brasil (o que nos dá mais orgulho) não foi Cabral ou Dom Pedro I, mas Machado de Assis e Guimarães Rosa - ambos, por coincidência, nascidos em junho, como Fernando Pessoa, o que consagra o mês como o campeão incontestável em um ranking imaginário de grandes serviços prestados pelo calendário à literatura em língua portuguesa. Nunca as festas juninas fizeram tanto sentido.

Junho é também o mês do Bloomsday, comemorado nesta segunda-feira não apenas na Irlanda onde nasceu James Joyce, criador de Leopold Bloom, personagem do romance Ulysses que perambula por Dublin ao longo das 24 horas do dia 16 de junho de 1904, mas em todos os países onde há leitores. Instituído em 1924, apenas dois anos depois da publicação do livro, o Bloomsday é o mais bem-sucedido exemplo de soft power associado à literatura. Pelo menos para nós, que não nascemos lá, Ulysses é o verdadeiro hino nacional da Irlanda.

Se poucas cidades foram retratadas por escritores tão celebrados quanto James Joyce, muitas poderiam ter um Bloomsday para chamar de seu, inclusive Porto Alegre ("Caio dia", já pensou?). Não precisa ser uma data, um "day", mas qualquer casa, pracinha ou pedaço de realidade que inspire a imaginação dos leitores e a peregrinação dos turistas. (Fala aqui a pessoa que escaneou cada centímetro do Champs Elysées procurando um banheiro público, não pelos motivos óbvios, mas porque uma personagem de Em Busca do Tempo Perdido havia passado mal por ali.)

Enquanto isso, em Londres, um grupo de leitores de Mrs. Dalloway começa a se movimentar para instituir um dia de comemorações semelhante ao Bloomsday. Nada mais justo, uma vez que a cidade é um eixo central na obra-prima de Virginia Woolf - publicada há exatos cem anos. Como em Ulysses, a ação se passa em um único dia, 13 de junho de 1923, quando Clarissa Dalloway se prepara para dar uma festa e seus caminhos se cruzam com a vida e a morte, o passado e o presente, o trivial e o definitivo. Examinando "a mente comum num dia comum por um momento", Virginia Woolf lança o leitor em um magistral vórtice de pensamentos e percepções que até agora não tinha um nome apropriado. Agora tem: Dallowday. _

CLÁUDIA LAITANO

Nenhum comentário: