sábado, 21 de junho de 2025


21 de Junho de 2025
MARTHA MEDEIROS

Na frente dos outros

Ando sentimental. Quase fui às lágrimas ao assistir na tevê um comercial do Enem chamando para inscrições: a propaganda mostrava cenas reais de estudantes no momento exato em que descobriam que haviam passado no vestibular. Uma sequência de vídeos caseiros, gravados por familiares. Meninos e meninas incrédulos, cercados por seus pais e amigos, debulhando-se. Nenhuma emoção ensaiada, apenas a explosão de alegria e alívio diante de uma vitória pessoal. Anda raro a gente flagrar alguém se emocionando de verdade, sem que seja uma performance para impressionar nas redes.

Eu tinha 17 anos quando fiz vestibular para Comunicação Social. Era uma faculdade menos concorrida que Medicina, mas não era tão fácil passar, tanto que não passei na federal. Acabei tentando a PUC. Fiz cursinho e estudei, mas não me debrucei sobre os livros com a obsessão necessária, então havia, sim, a possibilidade de eu rodar pela segunda vez. Não seria o fim do mundo, mas eu fracassaria diante dos meus pais, que haviam investido na minha preparação, e fracassaria também diante dos meus amigos, alguns já aprovados em concursos anteriores. Acordei apavorada no dia do listão.

Naquela época, janeiro de 1980, alguns vestibulandos nem esperavam o sol nascer: amanheciam nas sedes dos cursinhos ou das próprias universidades, onde a lista impressa com os nomes dos aprovados era fixada nas paredes. Todo mundo se acotovelava, se amontoava uns sobre os outros, na sofreguidão de encontrar seu nome. De repente, do meio do grupo pulava alguém aos gritos de felicidade, enquanto outros saíam cabisbaixos, enxugando os olhos - câmeras de tevê flagravam tudo. Já os candidatos menos ansiosos esperavam para escutar seu nome pelo rádio, que transmitia a lista inteira, curso por curso, bixo por bixo, em ordem alfabética. Foi como eu aguardei o final dessa história.

Já transcorria metade da manhã quando o locutor entrou no ar anunciando os aprovados em Análise de Sistemas, Arquitetura e outros cursos que começavam com "A". Eu estava em casa com a família em volta. Quando chegou a vez dos aprovados em Comunicação, não segurei a pressão, abandonei a sala onde estávamos reunidos. Não quis que testemunhassem meu fracasso. Fui para o quarto, sozinha, e liguei o radinho de pilha. 

Começou. Escutei o nome da Angélica, uma conhecida. Escutei o nome da Katia, minha melhor amiga. Me arrependi de não ter estudado mais. Começaram as Marias, várias. Meu coração parado. Então ouvi meu nome e, em êxtase, gritei para o rádio: repete! Acreditava e não acreditava. Mas o locutor já estava dando a boa notícia à Nancy.

Alguém devia ter filmado a minha emoção vertendo. Não era medo de fracassar, hoje sei. Eu tinha era pudor de ser feliz na frente dos outros. Não tenho mais. 

MARTHA MEDEIROS

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