
21 de Junho de 2025
ANDRESSA XAVIER
O conto da chuva
Era uma vez um lugar onde chovia. Chovia muito em poucas horas, é verdade. Mas o mais curioso não era a quantidade de água que caía do céu, e sim o que acontecia depois que ela caía. Porque, veja bem, nesse lugar, toda vez que chovia, os administradores saíam de suas salas e diziam à população que o problema era a chuva.
Eles apontavam para o céu como se tivessem sido traídos por uma nuvem maligna. Diziam que o volume foi muito mais alto do que se previa. Passavam a responsabilidade para os outros, como se fosse aquele jogo da batata quente, que vai passando de mão em mão até estourar na de alguém enquanto os outros se esquivam.
A água, nesse meio tempo, subia pelas calçadas, invadia casas, levava móveis, carros, pontes. E eles ali, escondidos atrás de reuniões, grupos de trabalho e gráficos para comprovar que o volume de chuva era histórico e acima do previsto. Eles também prometiam estudos e soluções para o futuro, mas nunca davam prazo para o término dos trabalhos. Lavavam as mãos com a água da chuva.
As pessoas, então, confundiam lágrimas com água que vinha do céu ou brotava do chão, já que os bueiros não estavam limpos para escoar como deveriam. É que as cidades, afinal de contas, eram grandes demais para que as prefeituras conseguissem dar conta de limpar tudo. As pessoas viam se esvair somente as promessas de seus administradores antigos, também não cumpridas.
Nesse lugar, os desastres naturais eram agravados pelas escolhas mal feitas. Lixo acumulado, obras esperando, bocas de lobo entupidas. Se ninguém enxerga, não incomoda. Até a maldita nuvem aparecer mais uma vez.
De tempos em tempos essa historinha se repetia. Chovia. Alagava. Alguém aparecia com uma estatística nova, um colete da Defesa Civil e, claro, dizia que era chuva demais em pouco tempo.
A população, mesmo resiliente, cansava. Cansava de não ter segurança de mobiliar a casa mais uma vez para perder o pouco que tem na próxima enchente. Cansava das mesmas desculpas. Cansava. E esperava que alguém fizesse a diferença nos dias secos entre as tempestades.
Nessa história o passado se confunde com o futuro. Tem aquela sensação de que o espectador já viu aquilo antes e verá de novo. Não se trata de plágio, é porque os personagens são os mesmos e o cenário também. A maldita nuvem aparece e as cenas se repetem. Porque nesse lugar, há duas certezas. Uma delas é que vai chover forte de novo. A outra é que as autoridades vão dizer que foi muito em pouco tempo, tratando o previsível como surpresa. É a história dos imprevistos que sempre acontecem.
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